quinta-feira, 31 de julho de 2008

"6000 MILHÕES DE MARIONETAS..."






Quando entrei no café ele já lá estava...

Numa mesa bem ao fundo... Só. Uma pasta na cadeira ao lado, papéis indistintos à frente, penso que uma chávena de café já vazia...
Não analisei melhor..Era um homem comum, de meia idade, óculos no rosto, roupa modesta... Parecia alguém que trabalhava, absorto, isolado, afastado da zona de maior confusão da sala.
Estava e não estava ali...ou melhor, estava entregue ao que aparentemente fazia.

Eu, conversava com um amigo, sobre tudo e sobre nada, enquanto comia a minha torrada e o meu galão, do meu "dois em um" das quatro da tarde, ou seja, do meu pequeno almoço que o não é e do meu almoço que também não...

Passou algum tempo, não sei quanto e o meu olhar foi repentinamente atraído para aquele homem que regressava dos lavabos...
Dirigiu-se a um lavatório que existe já na sala, molhou abundantemente o rosto, limpou-o a um lenço de mão, encostou-se ao balcão como que a tentar apoiar-se, experimentou respirar bem fundo, com aparente dificuldade. As lágrimas que o tinham levado, sem que eu desse por isso, à casa de banho, continuavam a traí-lo e tentavam despudoradamente reinundar-lhe a cara.
Aquele homem "sangrava"...aquele homem arrastava o mundo...

A expressão era totalmente ausente, como se nem percebesse haver gente por perto, ou como se a dor que o consumia não lhe deixasse espaço p'ra sentir que isso fosse importante.
Pegou nos papéis, pegou na pasta, repôs os óculos e (eu jurava que sem sequer ver por onde) saíu...

A minha perplexidade chamou por certo a atenção do meu amigo, que fez um enorme ponto de interrogação com o olhar.
Narrei-lhe, constrangida, o que acabara de assistir.

"Mais uma, das seis mil milhões de marionetas"...respondeu-me.



Costumamos com alguma frequência trocar ideias, exprimir inquietações, levantar dúvidas, especular sobre a existência humana...sobre o lugar que cada um de nós ocupa, sobre o papel que cada um de nós desempenha nesta "travessia". Analisamos, interrogamo-nos, extasiamo-nos, confrontamo-nos com a pequenez, com a aleatoriedade a que estamos votados... com a solidão que muitas vezes parece o nosso destino, com o ilogismo do que vai acontecendo.
São conversas metafísicas, meramente académicas, são dúvidas existenciais, de "pescadinha de rabo na boca", que nos aliviam mas não nos aquietam os espíritos...



Rebelamo-nos contra as desigualdades abissais (inexplicadas e inexplicáveis) instaladas, contra injustiças tão injustas que não há a mínima lógica que lhes presida.
Preocupamo-nos com a possibilidade de afinal, não existir mesmo significância para este arrastar de "correntes" por cada dia que passa...
Lançamos para a mesa teorias...

Cientificamente a existência do nosso "lugar", do nosso universo, do Homem enquanto Homem, parece-nos talvez aceitável, mas curta... Ao longo da sua vida, cada ser humano arregimenta um manancial de vivências, de conhecimentos, de espiritualidade, que o transforma só por si num Ser, de facto, superior, cuja essência não poderá ser desperdiçada.
Esse "capital" acumulado, esse "know-how" adquirido não pode ser perdido no fim da jornada, ou essa jornada não terá nenhum tipo de sentido.



Por outro lado, o sofrimento e as turbações que experimentamos, sempre são por conta do alcance duma vida extra-terrena compensadora e purificadora de toda a imperfeição, incompleição, inferioridade que vivenciamos enquanto seres manifestamente terrenos, num caminho de aprendizado para estádios divinos superiores, só atingíveis por alguns...os predestinados neste degredo...

Essa é a "história" das religiões, com a qual se tenta abafar convicções desconfortáveis de injustiças, raivas, inaceitações...
Esse é o "desiderato" com que nos acenam, para que levemos sem grandes "turbulências", os sofreres desta vida...

É por isso "outra" história...



Normalmente, eu e o meu amigo, costumamos provocatoriamente levantar uma terceira (insólita, perturbadora e irónica) via para a nossa existência e para a razão de por aqui penarmos, na grande generalidade sem sequer nos questionarmos, talvez...

É a teoria "das seis mil milhões de marionetas", seis mil milhões de peões num tabuleiro de xadrês, onde fomos largados, onde somos mexidos com cordelinhos invisíveis pelo grande "construtor", num ensaio inacabado, ou quiçá falhado, numa experiência em teste, numa proveta sem que se vislumbrem os "produtos da reacção"...

É a hipótese mais plausível para que aceitemos a aleatoriedade notória, o acaso pairante, a passagem diária "pelos intervalos da chuva"...perfeitamente em roleta russa, sob o olhar, (eu imagino) desconcertado, esfusiante, maquiavélico, talvez raiando o sadismo, de quem tão bem sabe mexer as "marionetas" com que se entretém a brincar...



Anamar

terça-feira, 29 de julho de 2008

"VIAGENS DE GENEROSIDADE..."




Fui hoje almoçar com a minha mãe.

A minha mãe, logicamente, é uma senhora idosa com uma "estrada" longa, sinuosa lá para trás...
Do tempo em que se abandonava a escola para criar irmãos mais novos em casa, do tempo em que se mourejava na casa paterna sem prorrogativas especiais pelo facto de se ser filha e não, empregada.

Os meus avós viviam no Alentejo interior; eram detentores de uma pequena residencial, o que significa só por si, casa com muita labuta, sem horários, sem parança, sem descansos.
A minha avó cozinhava (parece que muito bem), o meu avô, como chefe da família, encarregava-se da gestão do negócio, das compras e de finalizar por norma os seus dias, na taberna com os amigos a beber o seu copinho em paródias e petiscadas. Isso era privilégio exclusivo dos homens, numa sociedade machista, conservadora, fechada...



A minha mãe era a filha do meio, de cinco irmãos...Raparigas, apenas duas.
A minha tia casou muito jovem, tendo a minha mãe ficado na casa dos pais quase até aos trinta anos, o que significa que a sua vida (nascida nos anos vinte, no interior de um país arreigado a princípios sexualmente discriminatórios e desigualitários, com o acesso à instrução acentuadamente dificultado, pertencendo a uma classe social não abonada nem material nem intectualmente), não terá sido fácil.

Sempre foi uma mulher forjada em muito, muito trabalho.
Por isso, até hoje, para a minha mãe parar é preciso que esteja na "antecâmara da morte"...
Como ela diz, "o bichinho " está lá dentro instalado e por vezes, não sabemos bem como, lá anda ela de volta da vassoura, do pó, das panelas...da roupa.
Costumo dizer a brincar, que um dia a faço acompanhar para a última morada com alguns destes utensílios...

Fez a quarta classe já casada, para poder tirar a carta de condução; na altura era eu aluna no início do liceu e como gosta de afirmar, fui eu que a "preparei" para o exame.
Devo acrescentar, que a preparação consistia em fazer-lhe perguntas sobre a História de Portugal, os rios e as serras, da Geografia, algumas noções de matemática (forçosamente não poderiam ser muitas) e pouco mais...
Como diz até hoje : "...e depois, enquanto a minha filha estava no liceu, eu, na cozinha e cá na minha vida, levava o tempo a repetir as dinastias, as linhas férreas e a fazer contas de cabeça...e assim, aprendi tudo e passei com distinção"!...





Nunca conheci à minha mãe vida própria...Os seus desejos, gostos, objectivos, sempre se pautaram pelo interesse familiar. Reivindicações nunca lhe ouvi, descontentamentos também não. Crises existenciais...menos ainda!...Sonhos?...Não sei se os teve para além de desejar que a minha vida tivesse sido melhor que a sua própria...
Pelo menos, melhor no que para si era realmente importante : a segurança, a estabilidade económica, a realização profissional, o rigor, honestidade e seriedade nos valores e na postura pessoal, familiar e social.
Com todos esses "condimentos"eu teria tido o necessário para ter uma vida irrepreensível, plena, feliz!...

Os seus horizontes foram talhados por uma época, uma geração, uma educação, uma sociedade, enfim...

Deu o que tinha...Não podia dar mais, porque mais não sabia...





Olhando hoje para a velhinha alquebrada que estava na minha frente, fiquei feliz, porque pelo menos a minha mãe, com toda a pequenez/grandiosidade da sua vida, faz parte da última geração que ainda tem quem dela possa cuidar, devolvendo-se dessa forma um pouco da entrega, generosidade, abnegação e dádiva que devotou aos seus filhos.
Trata-se de uma espécie de "reposição de alguma justiça"...alguma "compensação" na alma e no coração...

Mercê da vida, dos percursos trilhados, das realidades com que nos dividimos, eu e as mulheres minhas contemporâneas, já não seremos seguramente bafejadas com essa sorte...

Sinal dos tempos!!...


Anamar

"OS MEUS LUGARES"




Outra madrugada instalada, sono dormido por "tranches" e a cama a dar "formiga" no corpo.
A pestana abre, consulta-se o mostrador do relógio digital ainda às escuras, na remota esperança de que o sono possível que resta não fuja, e finalmente, depois de termos rolado dez vezes para a direita e outras tantas para a esquerda... a "desistência".
O sono foi definitivamente "p'ro espaço".
Enya, por aqui, como companheira (graças a um amigo muito querido), e o silêncio tão meu conhecido da madrugada, bem ao alcance dos silêncios, neste momento instalados no meu coração...

A minha vida está virando uma "desregra" absoluta. Dou por mim com a anarquia instituída...Estou a tornar-me de facto, (graças ao descompromisso total com terceiros), uma pessoa com uma vida absolutamente sem normas.
Os sonos fazem-se por "etapas", as refeições pelas "horas do estômago", tão simplesmente...

Apercebi-me nos últimos posts que escrevi, que pareço privilegiar neste momento, alguma necessidade subjectiva de vos caracterizar ou referenciar os espaços físicos onde me mexo, que me rodeiam, por onde circulo há décadas.
Assim vos falei da minha praceta, assim vos falei do meu prédio e do seu "recheio humano"...Hoje, senti necessidade de vos falar, como costumo dizer a brincar, da minha "segunda casa"...o Escudeiro, café-restaurante, à distância de um apenas atravessar de rua.

O Escudeiro é quase um "ex-libris" da terra onde vivo.
Instala-se num edifício logicamente antigo, existe enquanto café-restaurante há tantos anos, quantos aqueles em que habito o meu prédio... mais de três décadas.

Os donos do Escudeiro são três...Começaram jovens no projecto, foram com ele envelhecendo e hoje gostariam de poder passar o Escudeiro para outras mãos, porque o Outono da vida já lhes acena há que séculos, com promessas de descanso.

O Escudeiro não mudou um milímetro ao longo dos tempos...
Não mudou as "caras", não mudou a decoração, não mudou sequer o cardápio.
É um daqueles locais de bairro onde as pessoas do costume não prescindem dos lugares do costume, do jornal do costume, da ementa do costume...até das conversas do costume...

Pelo Escudeiro passaram já várias gerações.
Abriu na minha, viu nascer e "criou" os filhos da redondeza, acolhe agora os netos. O sr. Gonçalves já dava bolinhos ou rebuçados às minhas filhas...agora presenteia-lhes os filhos.

Os lugares no Escudeiro são "cativos"...quais lugares de bancada para os sócios.
A D. Margarida, na cozinha (tão velha quanto o Escudeiro), continua a ser "tripeira" de clube e não perde oportunidade de dar os seus "bitates" a sportinguistas ou benfiquistas frequentadores. A D.Margarida, gorducha e bem disposta como convém a uma cozinheira que se preze, só ainda não morreu do coração, porque o "seu Porto" não lhe tem dado felizmente muitos desgostos...

A "sport-tv" que sempre exibe um jogo de circunstância, reúne no Escudeiro adeptos "de todas as cores e credos", e à volta de "loirinhas" estupidamente geladas se vai fazendo a Liga, os campeonatos, se ganham e perdem os troféus.
Toda a gente opina, toda a gente defende tácticas..."vira" "mister" de trazer por casa. Discutem-se acaloradamente as jogadas, os golos falhados, as facécias dos homens do apito...
Sempre assim...da mesma forma.
Os donos são ecléticos na cor clubística, como convém ao gosto de todos os clientes...O sr. Veloso aguenta as piadas sobre "os pastéis", o sr. Alexandre aguenta os sofreres do "glorioso" e o sr. Gonçalves, homem de esperança tal como as cores do seu clube, sempre diz : "soma e segue"...(nunca entendi que raio de matemática é a dele...)

A fidelidade dos frequentadores é canina...Só desistem os que mudaram de terra ou trocaram esta pela "outra".
De quando em vez, dou por um lugar persistentemente vazio e fico a saber que o sr. Jorge já está num lar (ainda há pouco dizia tonteiras no balcão...), que o sr. António se mudou p'ra "linha" porque a única filha vive lá e o sr. António aqui, sozinho...Fico a saber que o sr. coronel perdeu a mulher e agora "habita" o Escudeiro em regime "vitalício" (com o filho esquizofrénico de rosto parado e amarelo, tal como os dedos...pelos cigarros que o queimam...) Fico a saber que o sr. Abel recentemente viúvo e que definha a olhos vistos, enfia a cabeça no jornal para se ilhar de quem está à volta...Enfim...as histórias tristes dos "meus lugares"!

O Escudeiro é, como costumo dizer, a minha "segunda casa".
Quando entro para o pequeno almoço, na primeira visita do dia, o que aliás ocorre no timing de almoço das gentes normais como já vos expliquei, o meu lugarzinho do balcão já me espera. E se por acaso o não está, tenta dar-se um jeito para que eu vá para lá...
Aprenderam a conhecer-me e a "mimar-me" naquele local...Pelo meu rosto logo percebem se a noite foi de sono apaziguador, se a dentada do pão não "desce"...se o apetite se foi.
É vulgar adoçarem-me o espírito com pequenas "carícias", sejam meia dúzia de bagos de uva num pireszinho, seja um pedacinho de melão aos quadradinhos (porque "a sra. precisa comer")...seja o gesto simples de me deitarem as duas "bolinhas" de adoçante no galão, de me "obrigarem" a comer um pastelinho de bacalhau "ainda quentinho"... ou de me guardarem, para ler, aos sábados, a revista do JN...

O meu semblante é alvo de "análise", o meu sentir é perscrutado...a minha tristeza ou alegria no momento, percepcionada.
"Hoje está triste"!..."Não gosto de a ver assim"!...
E enquanto o cigarro ia ardendo, quantas e quantas vezes mascarei, por detrás dos óculos escuros que enfio à pressa, lágrimas descaradas que me escorrem...
No Escudeiro já chorei, já "galhofei", já relembrei...Já mantive diálogos pseudo-profundos sobretudo com o sr. Alexandre (homem que foi "embarcadiço" anos e anos... "fino" que só ele...) sobre tudo e sobre nada...Já fiz das suas mesas, escritório, na redacção de escritos a esmo...Já ouvi, em longos e amenos "bate-papos" as confidências e amarguras da minha filha, que em passagem por aqui, pasme-se...prefere ir ao Escudeiro a encontrarmo-nos aqui em casa(!!!)...Já tomei muito chá com a Bia, a Lena, a Fatinha...Já desci algumas vezes à noite (p'ra enganar a solidão e a mágoa), a beber "o melhor Irish Coffee" que conheço...Até a minha empregada, se eu não estou, sabe que a chave da porta está...no Escudeiro!

A minha "segunda casa"...

"Livrem-se de passar isto"!!! - digo eu, em jeito de desafio, a rostos quantas vezes já tão desistentes e cansados, por lá.

O Escudeiro faz, por todas as razões do mundo, parte absoluta da minha vida e acho que eu morreria por dentro se um dia descesse e visse aquelas portas fechadas, ou se aqueles senhores rabujentos e rezingões às vezes, não estivessem mais por detrás daquele balcão...

São as "histórias dos lugares"!...E os lugares fazem as pessoas...e as pessoas completam vidas nesses lugares...cada qual com as suas...transversais à eternidade!!...


Anamar

segunda-feira, 28 de julho de 2008

"EL VINO PUEDE SACAR COSAS QUE EL HOMBRE SE CALLA"...






Isabella voava a muitos pés de altitude, algures sobre os Alpes...

A viagem já decorria há algum tempo, mas ela, totalmente desligada do relógio, do local, das pessoas, continuava absorta, meio adormecida, meio entorpecida nos seus pensamentos.
Revia a sua vida nos últimos anos, retroespectivava o que ela fora globalmente...

Rumava à Itália, à Toscânia da sua juventude, ao verde dos campos, aos prados, às vinhas, à grandiosidade de Florença ou Siena, ao intimismo de Livorno.

Precisava limpar o sangue e a alma, precisava limpar o coração, precisava renovar a mente, se fosse capaz.
Precisava rever amigos, dividir com eles serões sem tempo, jogar "conversa fora" sem pressas, com a inconsequência de quem saboreia uma vida em que quer voltar a acreditar (como um doente milagrosamente saído de um período comatoso de doença quase incurável).
Precisava voltar ao aconchego genuíno do "ninho"...
Desejava ansiosamente mergulhar no calor dos corações, frente a calores de fogueiras acesas, saboreando sem culpas um cálice de Chianti pelas madrugadas...



Saíra de Itália quatro anos antes, atrás de um grande amor. Um amor fulminante, que lhe merecera tudo, um amor com o romantismo de quem o vive adolescentemente pela primeira vez.

Certo que a correspondência não era igual, certo que a partilha e a entrega eram mais unilaterais, certo até que o afecto não era totalmente gratificante...
Mas ela amava por dois, dava por dois, via por dois pares de olhos, acreditava no que precisava, para viver.
Um amor no fio da navalha, uma relação ciclópica, fatal, louca, de abismo...

Mas para Isabella, mulher adulta em coração de criança, mulher de um tudo ou nada, não valia a pena questionar-se, não valia a pena confrontar-se, porque uma coisa afinal ela nunca perdera: a lucidez, a objectividade, a análise correcta de tudo...
Apenas negava esse "tudo".

Experienciava algo duma intensidade que a assustava mas necessitava para viver, sem muito sentido, quase doentio talvez...raiando o grotesco de uma anulação crescente.

E foi vivendo como pôde, num país estranho, uma relação que aos poucos e poucos se tornava ainda mais hermética, ilógica para a sua compreensão, uma relação de parâmetros duvidosos e injustos.
Calou dores, aquietou penas, sufocou dúvidas e desconfianças, esmagou sofreres, engoliu lágrimas e lágrimas...

Quando as forças lhe faltavam, não era Chianti da sua Itália que a mitigava, que a adormecia, que a anestesiava, que a "travestia" de outra pessoa, em que esquecendo toda a angústia, se transformava...





Não era Chianti, mas era qualquer outra doce "morfina", que de novo a tornava aparentemente alegre, exuberante, feliz, solta, louca (como quando se conheceram), capaz de tudo para não perder o tão pouco que possuía.

Quando os pés de novo assentavam na terra real, quando a cabeça saía do doce torpor da inconsciência do "milagre" operado, o mundo desabava-lhe então em cima...
Aí a dor era mais dor, o confronto com a pessoa em que se tornara e com a vida que detinha, era devastador; o julgamento sobre si própria, absolutamente
destruidor!

Mas ainda assim, "karmicamente", como num hipnotismo que lhe retirava as forças, a decisão e o querer (qual libélula rodopiante entontecida e cega em torno de uma luz na noite escura), procurava que as horas felizes apagassem as outras, deixando-se mergulhar até ao inaceitável, quase indiferente, incapaz, como quem não encara o sofrimento e masoquistamente se precipita para o abismo...
Aquela paixão arrebatadora e destrutiva ao mesmo tempo, era o que a fazia viver...

Até àquele dia...

Nesse dia fatídico (ou libertador?), à frente dos seus olhos tudo ficou final e inapelavelmente claro.
Isabella afinal só recebera pedaços de amor, dividido que sempre o havia sido por outros "alguéns", por outras vidas, por outras camas, por outros corpos...

Um "raio" atravessou-a, fulminou-a, toldou-lhe a vista...matou-a subitamente...
A paixão, o amor, toda a nobreza dos sentimentos acalentados ludibriadamente...lhe caíram aos pés...
O mundo rodopiou num vórtice, que lhe parou o cérebro e lhe trouxe vómitos de fel à garganta...

Naquele momento, aquela mulher sucumbiu para a vida.
O sentido de injustiça, ódio, manipulação... a dor do punhal de uma traição ignóbil (como o são todas as traições), o sentir-se cruel e ingenuamente usada, o buraco imenso que se lhe abriu aos pés e a fez vacilar...tomaram-na e aterrorizaram-na, face a um futuro que não acreditava mais poder já existir.

O seu Chianti, nesse dia teria de ser a misericórdia que a "salvasse"...

E o seu Chianti, não degustado, saboreado, usufruído...mas engolido de um trago, sorvido, despejado para dentro de si num desespero louco e incontrolável, num sofrimento sem medida, foi de facto a "tábua" a que deitou mão, na eminência do naufrágio que já sentia na pele...

A madrugada encontrou-a gelada, inerte no chão de mármore, donde já não conseguira erguer-se.
Junto de si, apenas estilhaços do último copo e a garrafa totalmente vazia...


Isabella voava a muitos pés de altitude algures sobre os Alpes...

Isabella era uma mulher destruída...





Anamar

domingo, 27 de julho de 2008

"NUNCA É TARDE P'RA DIZER..."






Onde é que está escrito que a esta hora eu e o comum dos mortais deveriam dormir??!!...
Quando a cama começa a ser um "ringue" de confronto doído entre nós e o sono que teima em não dar uma mísera ajudinha, quando o "ninho" resulta num palco em que nos degladiamos com o que não queremos pensar, com o que não queremos sentir, com a teimosia do sofrimento a importunar e ficamos meros "croquetes" que rolam e rolam e rolam num "pão ralado" odioso......que se lixe o dito normal, lógico, aceitável...

Há algum tempo atrás, "alguém" me estendia um dedo credor de alguma "justiça" de afectos.
Com razão, aliás. Falta minha, talvez...ou talvez não...
Apenas aquilo que nunca foi abordado por escrito a nu, "ao vivo e a cores" aqui, num espaço que apesar de tudo é meu mas também de todos, talvez o não tenha sido, por fazer parte do domínio do meu legado mais íntimo, precioso e por isso intocável.

Falo hoje das minhas filhas...obviamente o tema mais sensível (por me ser o mais caro e íntimo), para o qual me sinto menos capaz, menos à vontade ao abordar... para o qual, por certo, não terei a fiabilidade necessária, a isenção desejável, o distanciamento preciso para o fazer...

Falo de duas "companheiras de jornada", mulheres inteiras, que, mercê das circunstâncias do percurso, velam e vigiam o meu, bem de perto...
São as minhas "mães", as minhas "irmãs"...mas também aquelas amigas tão íntimas que às vezes até dá raiva ; são as que me puxam as orelhas de quando em vez, as psicólogas com que exercito a catarse do desespero, quando ele aperta...

E de repente, a gente já não percebe nada, quando ouve aquela criaturinha (que ainda ontem nos "lixava" a noite com dor de ouvidos, febre a subir ou os pesadelos que não se compadeciam com o nosso horário de trabalho no dia seguinte), a dizer-nos : "Oh mãe...tu tem tem cuidado!"..."Oh mãe, tu vê lá em que te metes".... ou..."vem até cá...que voz é essa hoje??"

E nós percebemos então que fomos semeadores efectivos de alguma coisa lá para trás...
Nós percebemos que afinal a "corrente" fechou mesmo os elos e seja a "viagem" de cada uma de nós a que for...esses elos estão fechados e não cederão nunca e existe um não sei que fluxo de afectos, cumplicidades, partilhas...que jamais abrirá fileiras, jamais quebrará muralhas...

E é muito gratificante, muito "quente", sentir que, quando as pernas nos vergarem...lá estarão aquelas "bengalas"...Quando os olhos se opacizarem...lá estarão os delas de recurso...Quando as mãos já tremerem e os ouvidos não deixarem escutar mais histórias, cantarão para nós canções de "ninar"...

É muito gratificante perceber que, de protectoras contra borrascas e agruras, já temos agora, quem se agigantou na vida e nos protege, quem, de frágil passou a fortaleza...quem faz de tudo para nos fazer acreditar, (como nos ingénuos cartões do "dia da mãe" de há p'ra lá de uma eternidade)...acreditar, que "fomos a melhor mãe do mundo" ...que fomos uma verdadeira "mãezona"...


Anamar

quinta-feira, 24 de julho de 2008

MAIS HISTÓRIAS DO MEU PERCURSO - "O HALL DE ENTRADA"

Estava eu hoje no hall de entrada do meu prédio, quando a D. Preciosa desceu.
A D. Preciosa é a minha vizinha do 5º andar, vizinha de há longos anos, de toda uma vida, porque a D. Preciosa é das antigas, logo, das assimiladas no coração...
Eu digo "das antigas", porque quando vim viver para o meu apartamento, há já muitos anos, os restantes condóminos estreavam também as respectivas habitações e logo ali, naquela proximidade, se constituiu uma "família" de pessoas que sem se pertencerem, iam dividir o mesmo "barco", iam partilhar vivências próximas, iam criar laços...os tais laços que foram "de coração".

O edifício é relativamente pequeno, com dois apartamentos por piso, mais uma porteira que também remonta às origens...a D. Leonilde, perita em "apagar" sempre, generosamente, todos os "fogos" do nosso prédio.
É por isso herança nossa.

O prédio habitou-se na generalidade por casais novos, recém- constituídos, com filhos ainda em "borboto" ou com filhos ainda "em projecto"...o meu caso, que já contemplava uma filha de dez meses, na altura.

E os anos passaram e dividimos os problemas, as despesas, as arrecadações, o martelar de obras às oito da matina de quando em vez, as infiltrações, as avarias dos elevadores...mas também o percurso escolar ou profissional de filhos, a oferta de botinhas ou chupetas para os que nasciam...de coroas de flores para os que partiam...as espreitadelas, ou mesmo a visita de felicitações às primeiras noivas que saíram do meu prédio... (a nossa miudagem a crescer...).
Enfim, tudo o inerente a quem convive partilhadamente... e ainda, aos poucos e poucos, o desgosto pelo "desertar" de alguns...

Olhava eu hoje a D. Preciosa e fazia a minha contabilidade : já vai para mais de dez, aqueles que natural ou de uma forma mais ou menos "contra-natura", sumiram da "folha de presenças"...
Acidentes, doenças inesperadas, traiçoeiras e prematuras...divórcios...mas também velhice...anos...a criarem "deserções" forçadas.
Hoje o prédio já é em parte ocupado por uma "fauna" que nada tem a ver com aqueles que dividiram bom e mau, alegrias e lágrimas...Gente meio "difusa" que não fala já muito bem a linguagem dos "resistentes"...
Os nossos filhos já foram..já não ocupam mais, o número dois daquela praceta...

Começou a chegar a revoada dos netos...
Dos primeiros carrinhos de bébé, chegou-se às batas de escola...e por cá vamos ficando, a assistir de camarote ao seu crescimento, primeiras gracinhas, as histórias sempre adocicadas na boca de avós, confidenciadas por norma, exactamente no hall de entrada.

Verifiquei que a D.Preciosa, senhora que sempre foi pequenina, deve estar talvez...nem com metro e meio. A D. Preciosa está a "encolher"...se calhar não só ela!!...
Está quase cega e por isso tacteava, há pouco, "afanosamente", a fechadura da caixa do correio. Já desce à rua pelo braço de uma empregada (o marido já "foi" há muito) e anda bem devagarzinho, à procura, pé ante pé, das pedras da calçada...
Continua a "tentar" maquilhar-se...Apenas, claro, triste e grotescamente, o risco que lhe desenha as sobrancelhas não acerta...o baton dos lábios, cresce dos contornos.
Conheço prédios sem carisma, prédios sem alma, prédios sem coração...
O meu, tem sido amputado de alguns membros, é verdade, mas eu creio que continuará a pé firme p'ro que der e vier, naquela praceta...a tal, onde a D.Madalena e o seu caniche, espreitam diariamente o sol....lembram??


Anamar

"INTERLÚDIO"

"A ORDEM NO CAOS OU O SONHO NA VIDA..."

CALEIDOSCÓPIO





EQUILÍBRIO

RELAXAMENTO

MELOPEIA



SILÊNCIO

ALUCINAÇÃO

ÃMAGO



HARMONIA

CLÍMAX

ÊXTASE




VERTIGEM

UTOPIA

MIRAGEM





Anamar

quarta-feira, 23 de julho de 2008

"SEMPRE...PORQUÊ...??"





Estou hoje um pouco triste por dentro, por arrastamento, por cumplicidade, por inerência...Mas também por conclusão tão óbvia e tão dolorida que nunca a queremos considerar.

Encontrei uma amiga, há pouco, no café do pós-almoço, que era mas também não era "aquela" amiga. Aquela que eu conhecia, descontraída, brincalhona, com um senso de humor invejável, solta...em suma, feliz...
A mulher que vi hoje era simplesmente um arremedo de tudo isso...como se tudo isso ela tivesse esquecido ou não soubesse já como era...
Séria, excessivamente séria...com um rosto fechado, um olhar distante, uma parca ou nula vontade de falar. Via-se nitidamente que tinha ficado perdida lá atrás, algures em algum lugar que fora de sol...

As lágrimas soltas, fáceis, teimavam à sua revelia, em inundar-lhe os olhos que persistia em esconder por detrás de uns óculos escuros.
Lágrimas por tudo e nada, sem freio ou contenção, lágrimas por algo à sua volta que a mexia em desmando...certamente lágrimas apenas por si própria...percebi.

Tentei que soltasse aquele nó na garganta, tentei que aligeirasse aquele aperto no peito, que, via-se, estava a sufocá-la...tentei que tirasse os óculos, que olhasse o dia...tentei convencê-la que ele estava vestido de cores douradas e quentes...

Em vão...



Na minha frente estava uma mulher sem bússola, uma mulher sem "crer", uma desistente...eu diria ;
uma mulher ao acaso...perdida no mar do pensamento, traída pelas emoções dos flashes de vida, que me disse ter deixado espalhados...já não sabia por onde...
Falou-me de tempos em que se julgou feliz...falou-me de dias, em que ao sair da cama tudo tinha sentido, esperança, alegria, riso...porque eram dias com cores de arco-íris...as cores do seu próprio sonho.

Falou-me de vida com projecto, fosse ele qual fosse...não era preciso ser ambicioso ou longo...era simplesmente um projecto...o seu...aquele que lhe dava meta no caminho que deixava por isso de ser "cansado", para ser gostoso de percorrer...

Falou-me de fé que teve e já não tem...falou-me de "valer a pena" e tentou explicar-me que "isso" é miragem...

Falou-me de dar sem receber...falou-me de um peito rasgado por punhais implacáveis...

Falou-me de indiferença contra aposta...

Falou-me de recordar contra esquecer...

Falou-me de alvoradas contra noites escuras... de prender e soltar...

"If you love someone, set them free...If they come back to you, it means they are yours. If not...they NEVER were"...diz Sting...
Mas pareceu-me, (em jeito de cansaço instalado), não se ter deixado convencer...

E depois de mais um cigarro fumado face a um écran vazio que eu jurava ela ter à frente dos olhos...despediu-se e foi...




Porquê, o amor quando começa é normalmente a dois...mas quando acaba é injustamente a um??!!...


Anamar

terça-feira, 22 de julho de 2008

"THE STORY..."



Brandi Carlile...
Até a ouvir e sentir este inexplicável arrepio, esta melancolia que o seu olhar traduz e este "mistério" que sempre são as histórias de cada um...uma desconhecida para mim.
Agora "grudou-me" na pele, a dela, a minha, as histórias que todos teríamos p'ra contar, que ninguém sabe, ninguém conhece, ninguém desconfia...
Simplesmente histórias...as nossas...


Era madrugada, um calor que não abatera, um céu talvez estrelado, uma lua quase cheia ainda, como um fogaréu lá no alto.

Ana ainda estava impregnada do cheiro, da pele, do misto de veludo e áspero daquelas mãos sábias que sempre a percorriam.
Naquela cama desfeita permanecia o desenho dos corpos que nela se haviam perdido, estava a marca dos sonhos que ela por ali espalhara a esmo, acreditando que o não eram, que eram antes verdades que a madrugada e o sol da manhã não se atreveriam a desmantelar.

Ana era uma utópica sonhadora...
Sempre criava sonhos, sempre idealizava histórias... e sabendo que o eram... que apenas o eram, neles acreditava, deles vivia, com eles se alimentava.

"Criara-o" também..."talhara-o" como precisava que ele fosse..."pintara-o" a cores pastel de aguarelas indecifráveis, que só ela via, que só ela sabia, em que só ela teimava em perder-se.

Ana amava a sua própria "criação", apaixonara-se pela sua própria "obra", idealizava o que concebera.
E como uma adolescente desafiadora, como quem quer obrigar a vida a desviar o seu rumo (como se o rio invertesse a marcha apenas pela vontade de alguém)...sentada semi-nua na beira da cama sorriu quando a porta bateu e os passos se afastaram p'la calçada, perdendo-se no silêncio da noite...

Ele não partira...Aquele beijo de despedida fora apenas um "até amanhã" tinha a certeza;
a mala que levara consigo voltaria no dia seguinte, ou numa nova madrugada de calor e suor, em que se amariam outra vez perdidamente, feito loucos numa alucinação de entrega, dor e prazer... até caírem exaustos naquela cama;
as palavras definitivas não o podiam ser;
a dureza que se lhe estampara no rosto ao partir, o frio gélido que descera daqueles olhos de menino-homem, que a trespassou qual corrente de ar traiçoeira, açoitando-lhe o corpo como canavial em dia de tempestade, fora mais um pesadelo da madrugada...

Porque "esse", simplesmente, não fora o final da história que Ana escrevera...


Anamar

segunda-feira, 21 de julho de 2008

"WHEN THE STARS GO BLUE..."






De repente, nesta madrugada que se avizinha, resolvi "recolher" um pouco ao meu cantinho...

Tenho aposto ao meu cartão de apresentação no msn, uma frase que é título de uma canção de Enya, intérprete que privilegio, me "acompanha" frequentemente sobretudo nas minhas noites e sempre me transmite algo novo, mas indiscutivelmente doce e apaziguador. Já referi sobejamente, que a voz de Enya, para mim, tem acordes divinos ou celestiais...
Essa frase diz : "Paint the sky with stars".

É uma imagem linda, uma exortação à esperança, um hino ao ânimo, força...perseverança do ser humano...



Pintar o céu com estrelas é uma doce utopia que nos iluminaria os dias, para além das noites em cujo céu a sua poalha deixasse fogachos acesos...
Pintar o céu com estrelas seria ter a certeza que por aí no Universo, sempre estaria aceso algures um farol, mesmo que ténue, que nos guiasse ; seria estar seguro que um arco-íris, mesmo sem sol, coloriria também o céu escuro...
Pintar o céu com estrelas, é inventar constelações, estrelas polares que norteassem os nossos destinos, é acreditar, que ainda que as nuvens tendam a acastelar-se, amanhã haverá sempre outra madrugada, é não desistir de ver o sol raiar no dia seguinte...



Para quem tem uma fé, uma religião, seja ela qual for, esse céu iluminado traduzir-se-á certamente na presença dessa "entidade superior" omnipotente e omnipresente, mas seguramente protectora quando esse céu escurece...seguramente porto de abrigo em época de marés vivas...
Mas, para quem a não tem e tem como alavanca única do seu existir, a sua capacidade, a sua determinação, a sua herança e força interiores de mente e de coração...para quem entende que terá de "governar-se" unicamente com as mãos que tem, a cabeça de que dispõe, o potencial de coragem, valores, crença em si mesmo e nos seus pares...para esses, em cujo grupo me incluo, às vezes incontrolavelmente "the stars go blue"...



Desculpem mais uma catarse existencial...desculpem as minhas estrelas um pouco "apagadas" hoje e o "blue" que teimou em fechar comigo um dia, que em pleno Verão, até foi de um céu carregado de nuvens...

É que eu...não tenho já "conserto" mesmo...


Anamar

sábado, 19 de julho de 2008

"A PEDRADA NO CHARCO..."




Chamei de "pedrada no charco" ao post de hoje.
E o post de hoje resume-se intencionalmente a esta imagem retirada de um jornal indiano, onde se fazia acompanhar da seguinte legenda :

"Só quem é pobre procede com tanta generosidade.
Que pena o HOMEM não ser sempre assim!..."

Na sociedade balofa de abundância e miséria onde dividimos assimetricamente todos os bens e valores, a saúde, a felicidade...a VIDA...o tempo para parar, olhar e ver em redor, escasseia, na proporção da insatisfação, da ganância, da luta titânica e inescrupulosa para chegar a mais e mais patamares sociais, de qualquer forma e a qualquer preço...

Pare-se...e olhe-se por minutos (roubados à nossa corrida diária), para a foto aqui exposta e depois... é impossível que os corações não dêem um sinal...
No mínimo, não nos iremos sentir muito confortáveis...penso.


Anamar

quarta-feira, 16 de julho de 2008

"AQUELE AMANHECER"





Talvez já não estivesse "no programa" vir aqui hoje...e talvez não estivesse, porque as horas são as que são e eu gostava de me sentir "gente normal"...ou seja...estar recolhida "a penates" como "mandaria o figurino", que é como quem diz, a razoabilidade...até porque hoje me sinto particularmente cansada.

Mas eis senão que, em conversa com um amigo, me ocorreu num daqueles "repentes" "desaustinados" e incontroláveis, a recordação de uma madrugada inesquecível na Tailândia...tão inesquecível, que há pouco, ao narrar-lha, ela me "desfilou" com a definição de plasma topo de gama...

Foi uma madrugada de Agosto, um Agosto quente e húmido, como os Agostos tropicais o são...exactamente com o calor a "espraiar-se" pela noite afora, com a humidade a tomar conta da madrugada...
Chiang Rai, norte da Tailândia e um quarto de hotel num sétimo piso bem sobranceiro ao Rio Kok.
Uma insónia desbragada, um quarto, que p'la solidão que sempre faz parte da minha bagagem, de repente se tornou sufocante, apesar do ar condicionado, da cama macia e confortável, do requinte emprestado por aquelas cinco estrelas de hotel...
Pulei da cama, bem de mansinho, corri a portada da varanda e sentei-me ali, deixando que o silêncio, a escuridão e a brisa leve me devassassem...
Abri as narinas e sorvi os cheiros adocicados que sempre emanam de um Equador bem presente, olhei o veludo que ainda era o firmamento àquela hora, ouvi o resfolegar manso da correnteza, lá em baixo, ainda mal divisada pelo apenas anúncio da madrugada...

E fui ficando...quieta, com medo de estragar aquela harmonia por ali semeada...e fui vendo o laranja subir no céu, o sol começar a espreguiçar-se e a incendiar o Kok de plúmbeo a fogo...
Os sons dos primeiros pássaros matinais chegavam, anunciando que tudo estava a recomeçar...

"Empanturrei-me" da emoção que aquele equilíbrio me transmitia...deixei-me inundar até ao âmago pela paz anunciada do dia que se avizinhava...
O fresco da manhã violava-me o corpo semi despido e a alma...totalmente nua...
O nascer e o por do sol são dois acontecimentos que sempre me emocionam, que sempre me são e fazem sentir diferente, embora possam parecer iguais...Dois momentos que sempre me parecem de recomeço e términus...Dois momentos que por grandiosos, me são sublimes pela perfeição, pelo equilíbrio, pela noção da minha insignificância e pequenez que me traduzem...
E aquele, em particular, (por todas as razões do mundo), foi-me tactuagem na alma...está cá até hoje e acredito que até sempre, com a nitidez total da bruma, dos cheiros, dos sons, das cores...até com a sensação nítida daquele arrepiozinho que me atravessava, com a brisa da manhã a despontar...

Hoje, como então...

E hoje como então, com as lágrimas a rolarem-me pelo rosto...quando o sol era já sol sobre o Rio Kok e me encontrou absorta e meio adormecida na contemplação daquela varanda...





Anamar

terça-feira, 15 de julho de 2008

"PROCURA-SE UM AMIGO..."

Olá amigos
Exactamente...amigos...talvez só conhecidos, alguns...Invisíveis por detrás do mistério deste "mundo", outros...Totalmente desconhecidos...aqueles que só "espreitam" e não me falam...mas que ainda assim, quase lhes sinto a presença aí...e ali...os passos, o sussurro da respiração... Quase lhes adivinho o esboço de um sorriso, o esgar dum desagrado ou a concordância com ideia exposta...
Amigos, porque me tiveram curiosidade...amigos, porque se partilharam, ao ler-me...amigos porque dividiram tempo e tempo, é vida...ou seja cruzámos, assim, por mero determinismo do destino, as nossas "viagens".

Nunca se falou tanto em como se deve e precisa viver... como hoje.

Nunca se veicularam tantas frases feitas, tantos princípios mais ou menos profundos, tantos conselhos e ensinamentos existencialistas de como se deve encarar, fruir, percorrer os trilhos, por forma a ter-se êxito enquanto pessoa...
"Como ter sucesso...", "como ter segurança nas escolhas...", "como melhorar a auto-estima..."......."como ser feliz..." em suma...
E diz-se o que se deve ou não fazer, o que se deve ou não valorizar, o que vale ou não a pena, como afastar os escolhos do nosso caminho, como e onde arranjar "mezinhas" adequadas para as "doenças" e dificuldades da alma e do coração...Como se os seres humanos fossem programáveis, como se, introduzido o "chip" tudo se alcançasse por "passe de mágica", tudo se conseguisse, qual coelho a sair da cartola!!

Já pensei longamente sobre este "bombardeio" existencial e concluí que é mais um sinal da solidão e do isolamento do ser humano. É um sinal acrescido, da fragilidade e do desapoio com que vivemos, cada vez mais ostracizados nas nossas pequeninas "células" sociais, quase anónimos no meio da multidão!

E por isso buscamos sôfregamente "gente", desejamos avidamente conhecidos, colegas, vizinhos, amigos e amores (reais ou imaginados)... olhos, pele, calor, carne...que sintamos estarem algures... Que nos sorriam, que nos tropecem, que connosco partilhem qualquer coisa, (não importa o quê), que encontrem o nosso olhar se olharem a lua bem cheia lá no alto, que nos destratem, ao supor que lhes ocupámos o lugar na fila do super...ou que se emocionem simplesmente connosco, perante a mesma notícia do jornal...

Isto, é o ser humano na sua pequenez, face à sociedade actual...Esta é a "busca" incessante e diária, por vezes inconsciente e raiando a sobrevivência...Esta é a procura, na tentativa de se colmatar a "transparência" ou "invisibilidade" que aos poucos vamos adquirindo p'la nossa estrada fora!!

Deixo, (em homenagem a todos quantos, lado a lado vão na viagem comigo), nestas três da manhã, neste silêncio intimista, nesta calma e paz que por aqui pairam, um poema de um homem imortal, de uma voz que não se calará jamais...Vinícius de Moraes (19/10/1913 - 9/7/1980 )...


"PROCURA-SE UM AMIGO..."





Anamar

segunda-feira, 14 de julho de 2008

"O VIRAR DA PÁGINA"



Nada me é mais penoso que "virar uma página"...

Ao longo da minha vida já virei algumas...demais.....eu creio ; cada uma como quem arrasta o mundo, umas mais, outras menos, mas todas igualmente devastadoras...pesadas, que só visto!

Quando uma página se vira, ainda que queiramos vir atrás e "reler"... o raio das "letras" já lá não estão...
"Emigraram" ou então, provocadoramente, brincaram de "esconde-esconde" e gozando com a nossa cara, já não formam frases que façam sentido...
E pronto...perdeu-se aquele "texto", ou melhor...aquele texto ficou numa das gavetas da nossa memória ou coração, para sempre...
Uma gaveta que se abre nos Outonos, quando a luz lá fora é de um bronze adocicado, quando a nostalgia cá dentro é mais que muita e quando a solidão nos convida ao recolhimento, à interioridade...ao silêncio uterino protector... e os dias-noites nos aconchegam em édredons imaginários...
E isto vai-se repetindo, ano após ano...e aquela gaveta vai ficando mais ténue, mais esbatida, mais desfocada, como a visão de alguém cujas dioptrias aumentem despudoradamente...

E há um dia em que nós pensamos se aquela página foi mesmo nossa, pertenceu mesmo à nossa estória ou se foi uma cena de um filme por aí visto há tempo e tempo atrás??!!
E quase ficamos na dúvida. Estendemos os braços, "encompridamos" os olhos...mas já lá não chegamos...como alguém na amurada de um navio que se despede do cais e deixa em terra, cruelmente, os seus "pertences"...

Acho que também é muito neste contexto, que se insere aquela minha "mania" de coleccionar e arquivar tudo, de que vos falava num texto meu anterior...
Tudo não...menos o tempo (desgraçadamente, ainda não consegui arranjar um recipiente absolutamente estanque que o não deixasse fugir...)!

É para achar que afinal, "as letras da página anterior", ainda estão ali e não foram definitivamente embora...

Mas não é verdade...que eu bem sei !!

Bom, a queda das folhas nos Outonos de todos os anos, é um pouco parecido.
É um fechar de ciclo, é um epílogo, é a última nota de uma partitura, é um virar também de página...
Sempre achamos que é uma renovação...sempre acham!
Eu, vejo mais como um ponto final...(perdoem este olhar, sempre escuro e negativista, das coisas...
Juro que não sou gratuitamente "do contra"...apenas não consigo, por vezes, pintá-las com mais cor...)
É que as folhas da próxima Primavera não são mais as mesmas. São outras...
E aquelas, castanhas, amarelinhas, vermelhas de fogo, ficaram lá atrás, jogadas impiedosamente no chão daqueles jardins, por onde tanto gosto de caminhar...

Amigos...isto hoje está "um pouco mau"...

Querem um conselho?
Não leiam...virem a página...mas pelo menos tentem ser felizes!...


Anamar

"LÁGRIMAS DE JACARANDÁ SOBRE LISBOA"




Todos os anos me extasio, quando de repente, como acabada de pintar, me deparo com a tela roxa, pujante, espectacular dos jacarandás floridos nas avenidas, praças, pequenos largos de chafariz, desta nossa Lisboa...
É como se acabassem de ter chegado, como se tivessem acabado de irromper, esses cachos de cor fulgurante, de uma leveza diáfana, que emolduram jardins de referência ou pequenas pracinhas da nossa cidade de bairros típicos, antigos, íntimos, familiares, onde pelas tardinhas, os moradores partilham soleiras de portas, degraus de escadinhas, águas furtadas projectadas acima do casario.



Os becos e as vielas, com estendais que se entrecruzam, de proximidade, com mansardas de sardinheiras e manjericos, generosos em cor e perfume, com cheiros de "jaquinzinhos" acabados de fritar, com bolas e gargalhadas de criançada que se espalha no esconde-esconde, no pião, ou no improviso de futebol...os becos e vielas, dizia, desembocam inesperadamente numa mancha roxa que sombreia, no marulhar de uma bica de fonte apaziguadora de sedes estivais, na vizinhança de pombos modorrentos em sesta apetecida...e num tapete fofo, que cobre a calçada... de "lágrimas de jacarandá" na cidade de Lisboa...







Sempre...por cada ano que acontece!...


Anamar

sexta-feira, 11 de julho de 2008

"NAS ARCAS DO TEMPO..."




"Nas minhas arcas do tempo" há de tudo...

Há de tudo em forma de papel, em forma de flores secas, em forma de pedras, em forma de conchas, de poemas, de fotos, de escritos, de pequenos sabonetes, lápis, velas exauridas, guardanapos de papel, contas pagas à saída de locais que me pertenceram...nem que o tivessem sido apenas por horas!...
As minhas "arcas do tempo" já quase não fecham as tampas...de "tanto tempo" que lá têm dentro.
Elas encerram de tudo o que pertenceu e vai pertencendo aos "meus momentos"...
Aos meus momentos afectivos, aos meus momentos do coração, porque esses serão os que de algum modo quererei perpetuar...

Nelas, tenho as conchinhas da praia trazidas pelo António para mim...tenho azevinho que já foi da Regaleira...nelas, estão flores amarelecidas e quase inexistentes, de dias de "sol" que já "contam" algumas estórias...nelas, estão palavras ditas ou que o não chegaram a ser, mas que pertencem também ao "meu" tempo. Nelas, estão "pessoas"...muitas pessoas que tenho "em cativeiro"...

"O tempo é algo muito estranho"...dizia-me alguém neste fim de semana.

O tempo, para mim, é o "parceiro desigual e injusto"...aquele cujas "armas" nunca conseguiremos terçar!...Aquele, atrás do qual sempre corremos ingloriamente e que sempre vimos dobrar a próxima esquina antes de nós...
O tempo tem cem mil "caras"...
O que foi de ontem, não vale a pena voltar a procurá-lo...será absolutamente em vão..."Já foi"...e isso, é tudo!
O de amanhã, não adianta questioná-lo...nem mesmo sabemos se ele se "cruzará" connosco!
O de agora, é o único que temos e ainda assim, embora ele seja o "legado" real da "viagem" de cada dia, quantas e quantas vezes é "pouco demais"...quantas e quantas vezes nos deixa "no arame" sem "rede" que nos apare...

Dei comigo uma outra vez a questionar-me sobre o porquê de eu ter esta compulsão meio desatinada, de possuir as minhas "arcas do tempo", "tesouros" inestimáveis e muito mais valiosos emocionalmente, do que aquilo que materialmente de mais valioso possuo...
Elas, são relicários absolutos e íntimos...
Para além delas, também arquivo religiosamente pequenos e insignificantes "marcos" de locais por onde passei, naquilo a que chamo a "vitrine das viagens". Lá, estão um "micro pedaço" de coral da Tailândia, areia de Punta Cana, uma falhinha do xisto do Piódão, uma "máscara" de Negril, uma caixinha de música Suiça, um adufe de Monsanto...objectos de artesanato de pedaços do mundo...como num museu, em que o visitante deambula por realidades, épocas, momentos vividos.
"Viajo" por lá muitas vezes, e do passado, faço presente as vezes que eu quiser...

É por isso que acho que esta foi a forma meio enviesada de "trapacear" o tempo, a forma meio dissimulada de me "apropriar" dele...à sua revelia...a forma bem "sinuosa" de o parar, por momentos, como a cassete de vídeo quando colocada na pausa...
É uma forma "ludibriosa", "auto-ludibriosa"...eu sei...Doentia...dirão os mais pragmáticos e objectivos (ou então aqueles que não querem sequer lembrar do tempo, ou que ainda o não têm em quantidade que faça história...)

Mas, de algum modo, é-me um acariciar da "alma" por dentro, uma "masturbação" do coração, uma "vitória"...bem ao jeito de uma "partida" ou "pirraça" de criança, que eu, a esfregar as mãos de contente... consigo "pregar" ao tempo!!!...





Anamar

"DEMOCRACIA ERA NO SÉC XV !!!!......."(eheheh)

Como curiosidade e sem demais comentários...deixo-vos este artigo assaz interessante!!!


Do Arquivo Nacional da Torre do Tombo -
(autêntico)




SENTENÇA PROFERIDA EM 1487 NO PROCESSO CONTRA O PRIOR DE TRANCOSO

(Autos arquivados na Torre do Tombo, armário 5, maço 7)

'Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e
dois anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas
públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os
quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime de que foi
arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido
com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete filhas e
trinta e sete filhos; de cinco irmãs teve dezoito filhas; de nove
comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas; de sete amas teve
vinte e nove filhos e cinco filhas; de duas escravas teve vinte e um
filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de
quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos. Total:
duzentos e noventa e nove, sendo duzentos e catorze do sexo feminino e
oitenta e cinco do sexo masculino, tendo concebido em cinquenta e três
mulheres'.

[e agora vem o melhor:]

'El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou por em liberdade aos
dezassete dias do mês de Março de 1487, com o fundamento de ajudar a
povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e guardar
no Real Arquivo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o
processo'.


Anamar

quinta-feira, 10 de julho de 2008

"A CONSCIÊNCIA DA FRAGILIDADE - PERITO MORENO"




O glaciar "PERITO MORENO",localizado no sul da Argentina, deve o seu nome a um pioneiro argentino da exploração da Patagónia e Terra do Fogo.
É um enorme rio gelado com uma área de cerca de 200 quilómetros quadrados, uma frente que mede entre quatro e cinco quilómetros, uma altura de 70 metros e que existe há pelo menos 30 mil anos, sendo uma das únicas geleiras do planeta que continua a crescer.
Faz parte, juntamente com mais uma dezena de glaciares, do Parque Nacional dos Glaciares, declarado Monumento do Património Mundial da Unesco, em 1981.

De tempos a tempos, Perito Moreno solta blocos de gelo enormes, provocando um ruído que lembra o ribombar de um trovão. A última derrocada ocorreu em 2006.
É um espectáculo intraduzível, que tem a capacidade de despertar a consciência sobre a fragilidade humana e fazer meditar sobre a dimensão do Tempo...

O arco de 60 metros de altura da geleira argentina Perito Moreno rompeu-se nesta quarta-feira, 9 de Julho, reeditanto seu majestoso e periódico espectáculo que no entanto, aconteceu pela primeira vez no inverno austral - fenômeno que pode estar directamente relacionado com o aquecimento global, segundo cientistas e ecologistas.

O tecto do túnel que ligava os braços Rico e Canal de los Témpanos, que ontem tinha uma extensão de 50 metros, começou a desabar ante o olhar atônito dos visitantes, acompanhado de um imenso estrondo.

O derretimento cíclico dessa "represa" de gelo, que comporta um braço do lago Argentino, nos Andes austrais, acontece geralmente no verão. Este ano, no entanto, começou mais cedo - para total surpresa dos meteorologistas e cientistas.

"Esta é a primeira vez que a geleira derrete no inverno. Isso pode estar relacionado com o aquecimento global, já que o aumento da temperatura afecta a resistência do gelo", disse Carlos Corvalán, director do Parque Nacional Los Glaciares, na província de Santa Cruz (sul).

O derretimento é um dos espectáculos mais imponentes da natureza, que atrai dezenas de milhares de turistas.

"O gelo não deve ter a dureza habitual. Sempre derrete no verão, quando está mais fraco", considerou Corvalán.

Segundo um estudo do Centro Austral de Pesquisa Científica (Cadic), sediado no Ushuaia, as geleiras da Patagônia estão a diminuir por causa das mudanças climáticas.

"Os fatores do derretimento no inverno podem ser muitos, começando pelo facto de que o gelo da ponta tem cerca de 400 anos, o que pode significar que esteja frágil", explicou outra fonte dos Parques Nacionais.

Desde 1917, os cientistas registam os avanços e os retrocessos da geleira, cujos ciclos de crescimento e derretimento se tornaram irregulares por causa do aquecimento global, segundo estudos oficiais.

O derretimento fora de época do Perito Moreno, é um indicador das mudanças climáticas, embora a comunidade científica se divida acerca dos motivos do aquecimento do planeta.

"Nos últimos 20 anos, as geleiras ao longo da Patagônia diminuíram em extensão entre 10 a 20 por cento, informou o Instituto Argentino de Neves, Geleiras e Ciências Ambientais de Mendoza (oeste).





Geleira Perito Moreno desaba na Patagônia

As fotos mostram o processo de ruptura da geleira na Argentina.
O fenómeno é raro durante o inverno no hemisfério sul.







A combinação das duas fotos, mostra a geleira argentina Perito Moreno antes (esquerda, em 4 de Julho) e depois (direita, em 9 de Julho) da queda do topo de um túnel de gelo, formado após a geleira se romper em pleno inverno austral, na cidade de El Calafate, na Patagônia.
Parte da geleira patagônica, conhecida como ‘Gigante Branco’ e uma das grandes atrações turísticas argentinas, desabou nesta quarta-feira. Pela primeira vez, um enorme pedaço de gelo se quebrou durante o inverno do hemisfério sul. (Foto: Reuters)


Anamar

(Fontes informativas: Google)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

"UM P DE PARAÍSO..."








Há dias tive o privilégio de poder juntar mais um pequeno retalho de Portugal a locais que me são muito caros...Visitei e maravilhei-me uma outra vez com a aldeia do Piódão.

Não tem um M aposto ao seu nome, este local, como Marvão, Monsanto ou Monsaraz que me estão debaixo da pele...mas poderia ter "M(s)" de mítico, mágico, memorável...meu...

Já não visitava o Piódão vai p'ra lá de tempo, mas foi com a mesma surpresa de olhos esbugalhados que ele se me revelou, nas faldas da Serra do Açor, numa cova entre montanhas, verdadeira tela cubista de Picasso.
Num fim de semana ensolarado, de temperaturas estivais finalmente, fui descendo os caminhos estreitos e sinuosos que serpenteiam serra afora, até que o negro do xisto e da ardósia deitou a pincelada que faltava em meio de uma paleta multicolor de giestas, tojos, carquejas ou urzes.
A Serra do Açor, em toda a sua pujança, desvendava horizontes sem horizonte, com a Estrela em fundo...
As encostas íngremes e rochosas ornavam-se de onde em onde com os maciços verdes de pinheiros, carvalhos ou castanheiros...as quelhadas ou patamares cultivados, eram sustentáculos de protecção às intempéries invernosas.
Ainda se ouvem chocalhos nas encostas do Açor...os abrigos de montanha, com pedra sobre pedra e alguns telhados esventrados, lembram que por ali, a pastorícia ainda é vida.
Os córregos que despencam em cascatas , em vizinhança perfeita com os zimbros, os azevinhos ou o medronho com as suas bagas coloridas, completam o idílico da paisagem revestindo de musgos as pedras por onde descem!
A aldeia, de época medieval, ostenta, no meio do negro das ardósias de ruas, degraus e telhados, o branco (que é mais branco ainda p'lo contraste, qual pedrada no charco) da igreja de Nossa Senhora da Conceição datada do século XVII e restaurada em fins do século XIX.

E depois há as suas gentes...os que ficaram...porque o Piódão é terra madrasta!
Esquecida pelo tempo, parece-nos uma jóia adormecida, onde pouco lugar há para as gerações mais novas.
Restam os velhos, que enfrentam com estoicismo o agreste da invernia e da vida...Nos seus rostos, os sulcos cavados lembram os que serpenteiam pelas encostas da serra. O silêncio talvez lhes povoe a alma, enquanto espreitam a última réstea de sol que a montanha ainda não impediu de descer, bebendo o seu licor de castanha, de zimbro ou de medronho e mel...

Pode parecer que o Piódão tem no seu nome um P de "purgatório"...mas eu tenho para mim, que o seu P é na verdade um P de "PARAÍSO" ...

Anamar

Nota: algumas das fotos utilizadas foram retiradas da NET

segunda-feira, 7 de julho de 2008

"CARICATURAS HUMANAS - À ESPERA DE FAZER HORAS..."






Subi agora, vinda da rua...

A minha praceta (nunca calhou dizer-vos), é um "arremedo" de pracinha simpática, pseudo-ajardinada em que a relva grassa, mas os arbustos ou árvores não passam de anoréticos projectos disso mesmo.
Mas como a esperança é a última que morre, eles e elas (arbustos e árvores), lá continuam "gloriosamente" à espera de melhores dias, que é como quem diz, mais terra em profundidade que os alimente. (Esqueci de dizer que a minha praceta foi "inteligentemente" concebida sobre a cobertura de um parque de estacionamento subterrâneo, o que impossibilita que a profundidade de terra útil, possa alimentar qualquer espécie vegetal que se preze...
Enfim, há "inteligências" e "inteligências", visões paisagísticas e visões paisagísticas, concepções e concepções!!... Pensar eu que "arquitectura paisagista" é uma licenciatura e as câmaras centros empregadores nesta área!!)
Bom, mas também haverá, tenho que concluir, quem confunda uma praceta ampla, com um quintalzinho para plantar couves...

Adiante...
A parte boa da coisa, é que a minha praceta tem uns banquinhos em madeira, por ali espalhados (já sabemos que à sombra não podem estar, claro) e que portanto, namoram o sol agora agradável de mudança de estação, sendo que estão normalmente desertos no calor implacável do Verão, já que não haveria miolos de um qualquer cristão que resistissem...
Assim, sobretudo agora que o Verão tem sido piedoso, os banquinhos são ponto de encontro da terceira idade.
Por ali param os idosos, a quem a vida já descomprometeu em matéria de horários, alguns passantes que por instantes aliviam as pernas e que não chegam a colar o "dito cujo" ao banco e os pombos que em profusos bandos se encarregam de lhes deixar inconvenientes "decorações" menos aconselháveis...
Estes, os "habitantes" da praceta...se não tiver em consideração (lembrei-me agora) algumas donas de casa que descem nas horas de "precisão" dos seus cachorros...

Pára por lá a D.Madalena, uma senhora de setenta e tais, que já era assídua frequentadora dos bancos ainda ao tempo de sua mãe viva, a qual, fazendo as contas, rondaria então os noventa anos...para mais...
É roliça, um pouco atarracada, ostenta uns óculos que denunciam dioptrias a perder de vista, caminha balançando-se ora num pé, ora no outro, é bastante surda e detentora de uma daquelas vozes de falsete, bem esganiçadas, que sobressai, dado que, por ser surda a exibe bastante alto. É dona de um caniche branco, que aliás lhe "assenta" lindamente.
Divide normalmente o banco com mais dois ou três "colegas"de praceta e conversa com os outro três ou quatro do banco mais próximo, sempre em decibéis obviamente acima do aceitável.

E não se cala, um segundo que seja...

Ela pergunta, ela responde, ela "versatiliza" nos temas, mas sobretudo entabula aqueles diálogos sem nexo, de quem só ouve metade...Se não ouve, não percebe...mas também, as perguntas não carecem de respostas...
Aos seus pés está sempre o caniche, cuja trela a D.Madalena não descura. Também ele já conhece o ritual da praceta. É um bom camarada dos humanos que por ali se instalam e não faz nunca "arruaça", nem com rafeiros circulantes, nem com "colegas" de pedigree. Ele tem claramente a noção das conveniências e da "boa vizinhança"...muito mais que a dona...porque se propõe nunca perturbar...

Passei e claro, a D.Madalena estava no seu horário de lazer.
A voz esganiçadinha e ininterrupta esgota o mais santo dos mortais...Os olhinhos ficam reduzidos a pintinhas de i, no fundo das lentes, mas o ar vivaço e sagaz atesta que não desistirá tão cedo dos diálogos/monólogos sempre acalorados.
Quando eu passei, a D.Madalena comunicava que estava por ali "à espera de fazer horas, até às sete"...em que então recolheria a casa...
Entretanto...até às sete já toda a gente debandou, porque não há alma que aguente o "ritmo" trepidante e a "adrenalina" permanente da D.Madalena, dia após dia...
Podia ser uma "estratégia" para ficar com os bancos todos para ela...mas isso, deixá-la-ia profundamente infeliz, porque afinal, lá em casa, onde a mãe já não a espera, o caniche ainda não aprendeu a falar-lhe...

Ela é mais uma daquelas "almas", em que lhe sobram horas nos dias que passam e em que lhe sobram dias na vida que detém...
Entretanto vai ocupando os seus tempos (antes que o Inverno chegue e a "escorrace" da praceta) por ali mesmo, matraqueando outros tantos para quem o objectivo de cada dia, tal como o seu, é esse mesmo..."FAZER HORAS"....


Anamar

sábado, 5 de julho de 2008

"O VALOR DAS COISAS..."


Dizia o "mestre":

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis..."

O "mestre" é "simplesmente"...Fernando Pessoa...a figura incontornável, o vulto só comparável a Camões, na literatura portuguesa do século XX.

Por aqui ia estando, quando esbarrei com a frase supra-citada.
Constitui uma afirmação aparentemente simples, contudo óbvia... parece absolutamene óbvia...
Mas quantas coisas simples e óbvias estão ali bem debaixo do nosso nariz e para as quais tantas e tantas vezes não prestamos a mínima atenção, sequer valorizamos?
Normalmente o ser humano tende a preterir a qualidade em função da quantidade. Pequenos/grandes momentos passam despercebidos, acontecimentos irrepetíveis ficam lá atrás esquecidos a fazer companhia a pessoas tão determinantes e carismáticas nas nossas vidas, vivências absolutamente inigualáveis são banalizadas...

Um instante, um segundo, um gesto, uma frase, uma atitude simples e óbvia pode fazer a diferença...
A diferença que dá cor a algo que parecia a preto e branco, a diferença que leva a fazer sentido alguma coisa que nos parecia descontextualizada, a diferença entre o valer ou não a pena, a diferença que faz com que uma pessoa se torne de repente "mágica", incomparável e por isso insubstituível...

Hoje fico por aqui ; a minha "inspiração" está curta...estou um pouco "seca" por dentro...A "caixinha" não debita grande coisa porque o coração está meio estranho, meio vazio...







Anamar