quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

"AO BATER DAS VINTE E QUATRO..."


2008 a partir...2009 a chegar...
Uma sensação estranha dentro de mim, acredito que dentro de muitos, até os mais pragmáticos, indiferentes, inatingíveis por esta espécie de introspecção para que somos atirados, à nossa revelia, sempre que o 31 de Dezembro nos amanhece.

Detesto estas épocas de "balanços" impostos.
Detesto estas fases da vida em que parece que nos agarram pela "fralda da camisa" e nos obrigam a parar, a revisionar, a prometer, a "auto-flagelar-nos" e pior que tudo...a acreditarmos que só porque o calendário o ditou, o próximo ano, envolto em aura promissora, será isso mesmo...um mundo de promessas que finalmente iremos cumprir.

Exactamente, como se por um passe de mágica, as doze badaladas, nos transformassem, quais "gatas borralheiras", miraculosamente, em qualquer coisa que não somos, embora sonhássemos ser...

Detesto! Sei que não é nada disso, sei que tudo não passa de propósitos e sonhos ingénuos, para não dizer hipócritas, mas acabo por me deixar enrolar nesta onda que se agiganta e se sente...e lá estou eu, melancólica, pensativa, saudosa, apreensiva.
Sempre inevitavelmente me deixo invadir por um safado de um nó na garganta (que não me respeita e me sufoca os gorgomilos), e por lágrimas teimosas (que só elas), em cachoeira pela cara abaixo!

Gaita, gaita, gaita!...

Eu até tento racionalizar e não pensar nos que já não "picam o ponto" por aqui, eu até tento não pensar nos sonhos que não realizei, nos projectos que não cumpri, no tempo que esbanjei, na vida que não vivi, nas palavras que não disse, nos carinhos que não dei, nos beijos que não troquei, no amor que não fiz...

Eu até me esforço para perdoar quem me magoou, esquecer quem me defraudou, entender quem não me percebeu, compreender quem não teve tempo para me ouvir...

Eu até tento sentir-me grata por estar viva, por poder sentir o calor do sol ou o cheiro das flores em cada dia; poder sentir o frio do Inverno, a chuva a empapar-me o corpo...ou extasiar-me com o azul do céu e a melopeia das ondas nos rochedos...
Eu até tento sentir-me plena por ter saúde, feliz por ter trabalho, mais feliz ainda por ter família e amigos...
Privilegiada por viver numa terra de paz, rodeada de poucos mas muito bons amigos, lembrada por outros que a distância separou, mas não o esquecimento...

E depois saio do meu umbigo e claro, reflito no mais além...Doo-me com as dores por aí espalhadas, dilacero-me com o sofrimento, a aflição e a mágoa de tantos que vejo, e de tantos outros que não vejo, mas adivinho.
Penso(sem sofismas ou falácias), juro, nas misérias, assimetrias, incompreensões, injustiças sociais, atropelos a direitos, feridas de morte causadas a tantos e tantos por esse planeta que habitamos, ódios e invejas que transformam o ser humano num ente ignóbil e monstruoso...

Enfim (dirão)...toda uma panóplia de "lugares comuns" que sempre são cabíveis e ficam bem na circunstância, quando a circunstância é o fim de mais um ano...

E realmente, relendo o que escrevi, quase me detesto por escrevê-lo, dada a irrelevância, a pieguice e o patético barato das minhas palavras.

Mas, acreditem: queira eu ou não, dê-me eu ares de "pseudo-intelectual" ou de mulher lúcida, pragmática, objectiva...coerente e seguramente não hipócrita...quando as doze badaladas em contagem decrescente são apregoadas em ruas, rádios, televisões...quando o raio das doze passas se atropelam garganta abaixo, na formulação dos desejos...eu claudico, claudico mesmo...e é exactamente tudo isto que aqui descrevi, que sinto e vivencio naquele ápice de tempo...

Um 2009 à medida de cada um dos que me ler, são os meus votos...

Como não posso homenagear Todos...em nome de Todos (e graças à simpatia de um amigo que me enviou este vídeo), lembro aqui "As crianças do Mundo inteiro"..."algumas" (muitas), "aquelas"...as "tais"...



Anamar

sábado, 27 de dezembro de 2008

"FIM DE FESTA"


Digamos que a noite ainda agora começou, isto se me pautar pelos meus habituais horários.

Apenas, estamos no rescaldo de mais um 25 de Dezembro, no rescaldo de mais um Natal, e o "clima" é um pouco estranho...
De repente, é como se tivéssemos sido esvaziados de qualquer coisa, meio indefinida, meio sem se perceber, e que à nossa revelia nos tomou conta nestes últimos dias...mesmo aos mais "resistentes"...

A afobação, a correria alucinada em que embarcámos, a loucura de concretizar o delineado, atempadamente, duma forma perfeita...a aura sempre mágica que se foi criando até ao fim dos fins, deixou agora a tal sensação estranha de que vos falava, uma espécie de cansaço da ressaca.
Sim, porque estamos agora no período de descompressão, por assim dizer.
Hoje é, na verdadeira acepção da palavra, o "day after"...

E quase estou certa (por tudo o que me passou pelos olhos), que há muitos Natais a papel químico nesta nossa terra...

Tudo começa a 24, aí do meio para o fim da tarde, quando as lojas já se aquietam, quando os "caixas" dos supermercados olham impacientes para os relógios e para as compras intermináveis de clientes fora de hora... quando os sacos com os presentes começam a ganhar lugar junto da porta da rua (para que nada fique esquecido), e as vitualhas a transportar, se contabilizam uma vez mais (não vá a lampreia de ovos ou o tronco do Natal ficar no frigorífico)...

Vem então a hora do "aperaltanço", que é como quem diz, de dar os retoques finais na toillete.
Os "kispos" ou as "parcas" protegem os pequenos...as écharpes de lã ou os xailinhos protegem as avós...até porque a noite sempre nos presenteia com aquele friozinho que faz o favor de nos devassar até aos ossos, ainda que um céu estrelado nos fascine, como ontem...

E vem a hora de se "arrancar" para o "ponto de encontro"...casa de filhos, casa de pais, de sogros...de amigos.

Lá, já a mesa está posta, a sala quente e iluminada, as cores dos adornos natalícios misturadas com o pisca-pisca das luzinhas da árvore celebrante...
Lá, a cozinha efervescente já nos chama, nos cheiros do perú, do bacalhau, do leitão...(tudo isto, para quem tem obviamente a sorte de ter um rico Natal num Natal rico...)

E são as "larachas" à mesa, as risadas soltas, as histórias contadas e recontadas pelo enésimo Natal, o doce que estaria melhor se mais doce...o enjoo de tanto desafio de pecadilhos e tão pouca barriga para lhes corresponder...
E a criançada "eriçada" sem parança possível, ou sono que lhe reduza a "mudança"...

E são as fotos e os filmes para perenizar o acontecido...e lembrar (quem sabe), mais tarde...rostos "desertores"...

Tudo isso no "calor" do afecto, tudo isso na cumplicidade de família, tudo isso no incondicionalismo do "sangue"...

A gente sabe, que à volta daquela mesa estão "aquelas" pessoas que têm a ligá-las "fios" que não se descrevem (porque não se vêem, só se sentem)...
Naquela sala estão aqueles que não se precisam procurar, porque sabem sempre quando "têm que responder à chamada"...

E quando a mesa se faz de pratos já sujos, copos vazios, doces inviolados...quando a sala se faz de despojos de "batalha campal"...quando os sofás se tornam campos de capitulação dos sonhos infantis...quando os laços e as fitas de embrulhos que o foram, recolhem "a penates"...temos a certeza que mais um Natal está baldido!

E é o regresso...caminho inverso, bem mais cansado...

E é ver, pelas ruas da cidade deserta, os carros a despejar os pequenos (anestesiados de sono, jogados em ombros de pais esfalfados)...as avós com os xailinhos agora sobre os casacos compridos, semi-envolvendo as cabeças de neve, (porque a madrugada já espreita e uma gripe também poderá espreitar...), os contentores do lixo, enfeitados como nunca esperaram, pelas cores dos papéis, pelos brilhos das fitas, das caixas vazias dos sonhos vividos, a desfrutarem agora do seu Natal...

Hoje...bem, hoje já não é bem o mesmo! O carisma não é igual, a magia também não!

Hoje é o dia em que se preguiçou para "compor" o atraso da noite...
É mais um dia "de restos" e não exactamente de prato principal...
É mais um dia de continuar a desbastar o iniciado...É a tal sensação estranha de que mais um Natal já foi, mais um ano do calendário está a encerrar "p'ra balanço", mais um ano das nossas vidas a "baixar o pano"...
Hoje, é a ressaca, é o "esvaziar do balão", o "day after"...é o fim de festa...



Anamar

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

"AND SO THIS IS CHRISTMAS"...

Para todos os meus amigos, de perto, de longe, amigos reais e virtuais também...
Para os que sabem ser lembrados, e para os que acham que o não são...
Para os que estão rodeados de gente, estando sós, e para os que pensando estar sós, têm o Mundo no coração...

E até para aqueles que nem sabem que eu existo, embora façamos parte deste imenso condomínio que é a TERRA e a VIDA...

Para os que, como eu, tropeçam todos os dias pensando que não conseguirão levantar-se...

Para os que sorriem à volta, mas têm o coração a sangrar...

Para aqueles (novamente como eu), que às vezes pensam que já não é possível...ou que já não vale a pena...

Sem demagogias...acreditem...apeteceu-me apenas oferecer-vos esta pequena brincadeira...Até porque..."this is Christmas"!!


Anamar

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

"NATAIS E NATAIS..."


Foram de certeza os melhores Natais da minha vida...e eu nem sabia!...
Queiramos ou não, há uma "conspiração" divina por esta altura, e a mente viaja, viaja, em busca do que já foi, sobretudo se o que é, já nos transmite tão pouco!!

Lembro Natais de muitas épocas da minha vida: os Natais de menina, aqueles a que eu chamo os "melhores" Natais por todas as razões do Mundo; os Natais familiares, tradicionais, anos depois, noutro tempo e noutro espaço, com alguns já ausentes...e os meus Natais de hoje, em que, ou porque a vida me retirou toda a ingenuidade e pureza que então vivia, ou porque me endureceu por dentro, são Natais de solidão, de introspecção, de "descreres"...são Natais magoados...

Já vivenciei muito esta quadra, já dela disfrutei, vendo-lhe outras cores.
Era menina, era Alentejo, casa de avós que sempre é mágica e doce para as crianças, era Natal de presépio e tudo... de árvore, de sapatinho na chaminé a alimentar o imaginário de uma cabecinha crédula...
Prendas?...Não...apenas alguns (poucos), chocolates, deixados na bota, na manhã seguinte, porque o tempo não era de excessos.
Uma roupa nova para a missa do dia e uma "missa do galo" ouvida pelo braço da avó, que envolta no seu melhor xaile enfrentava o gélido da meia-noite naquele Alentejo "estrelado"...
O menino Jesus beijado no pezinho, pela fila formada, de novos, velhos, crianças...
Desejos esperançosos, pedidos...promessas, elevavam-se de permeio com os cheiros dos incensos, das velas, na profusão das luzes do altar.

Anos e anos depois, sem avós, sem tios, sem sapatinho na chaminé...sem imaginários já(porque os Natais não se compadeceram e fizeram-nos crescer)...o recomeço...
Crianças de novo, com árvore e presépio outra vez (mais sofisticado, é certo, com luzinhas de pisca-pisca), com lareira mais pequena, porque já não a do Alentejo, com muitas mais prendas, porque os tempos já não eram os mesmos e a inocência se calhar também não. Mas ainda com muita muita gente à volta da mesa, com muita e muita gente a sentir-se pertença de coração, com o frio também gélido da Beira e o acreditar que se reeditaria por toda a vida...

E é outra vez Natal...

Um Natal agora, em que dos "resistentes" vão restando cada vez menos. Ainda há árvore, rabanadas, sonhos, broas, bolo-rei e peru. O azevinho ainda se veste de vermelho, mas as velas do meu Natal já não têm mais a simplicidade nem a luz trémula das outras e também já não há avó, nem "Missa do Galo".

Queiramos ou não lembrar, "A todos um Bom Natal...." soa pelas ruas, vindo do interior de lojas que têm que nos impingir que é altura de compras...
As luzes "de plástico" que a Câmara nos enfia pela casa dentro, já estão acesas há que séculos...por "decreto"...
Muita gente, mas muito vazio...

O "Natal é sempre que um homem quiser"...será mesmo??

A correria de desespero numa afobação de "barco a afundar-se", está instalada (ainda assim não se esgote tudo)...e respira-se um ar estranho, impossível de ignorar...
De repente, o mundo solidarizou-se, deu as mãos, pacificou-se, uniu-se, fraternizou-se, amou-se, "elevou-se"...por "decreto"...

Desculpem a ironia e o sarcasmo...a intolerância...

Afinal, os que estão agora a viver os primeiros Natais, devem também ter direito ao sonho...
Estou quase a sentir-me egoísta...ou então é mesmo já cansaço, falta de esperança (?)...ou simplesmente ...velhice, estendida até à alma e ao coração!...

O frio entretanto apertou e damos por nós a tiritar se a roupa não foi criteriosa, ou a "encasularmo-nos", em fuga ao gelo lá de fora. Entretanto os cachecóis, as golas de pele ou as malhas mais espessas integram o vestuário. O nariz gela, o "fumo" sai-nos por entre os lábios ao falarmos, as mãos ficam hirtas e tolhidas e nem o sol que se tem mantido a pé firme, enganador, nos vai convencer de que o Inverno não está por aí...

O Inverno...talvez a estação mais "enteada" das quatro de que dispomos...
Sempre lhe associamos o desconforto, a dureza atmosférica, o retraimento no corpo e na alma (que parecem embrionar outra vez, numa fuga uterina à agressão dos elementos).
Mas de repente, o Inverno traz-me à mente e ao espírito um desfile de imagens, sensações, cheiros, emoções vividas, sentidas ou só adivinhadas, que nada têm de "madrastas"...

Lembrei a recolha do musgo em muros de pedra, troncos de oliveiras adormecidas (para atapetar o presépio em espera), com cesta de braçada, gorro na cabeça e faca nas mãos enluvadas para os dedos não enregelarem...
Lembrei os cheiros de lareira recente e os fumos soltos das chaminés, fazendo adivinhar fogueira acolhedora para lá das paredes...
Lembrei almofadas e mantas em desalinho, a esmo pelo chão, um copo de vinho saboreado por entre a luz difusa de um candeeiro e a luz mais difusa ainda da chama de um tronco que arde...
Lembrei a música dos estalidos da lenha crepitante, as cumplicidades trocadas em surdina e o amor que se faz ali mesmo, com as chamas por testemunha...
Lembrei a neve lá fora salpicante, fofa, feita um colchão de penas que lá do alto se tivesse rompido...e a irreverência louca de virmos dar-lhe o rosto, deixarmo-nos devassar por ela como crianças que brincam...
Lembrei como seria Geia naquele frio-quente-escaldante de um Dezembro sonhado...e lembro o "branco"...o branco-frio, o branco-paz, o branco-cúmplice, o branco-sonho... o branco-aconchego... o branco que tem em si todas as cores do mundo...aquele branco que afinal nos aquece...

Branco da neve, vermelho do fogo e o verde de uma esperança renascida nos corações, eis os ingredientes que sempre "fabricam" os nossos Natais...quer sejam Natais sentidos, quer sejam Natais sonhados, quer sejam Natais recordados ...quer desejemos por razões de sobrevivência psicológica "saltar" os Natais no calendário!!...



Anamar

sábado, 20 de dezembro de 2008

O HOMEM DO "PAPILLON"



Um pouco na sequência do que postei anteriormente, fui confrontada com este artigo que aqui deixo, e que sem dúvida corrobora as minhas angústias, amarguras e desânimos, pelo estado de coisas a que chegou este nosso "cantinho" à beira-mar plantado...
Ele retrata fielmente a preto e branco (porque já não há outras cores na paleta), a realidade, aqui e agora, deste nosso Portugal de braços caídos.

Desde jovem sempre me "cruzei" por gosto, admiração, empatia, consonância, com as ideias debitadas por Baptista Bastos.
O "homem do papillon", igual a si próprio, coerente nas análises e posturas, sempre me encantou com o seu estilo claro, escorreito, despretensioso como ele mesmo.
Homem desassombrado, incorruptível, frontal, sempre me /nos presenteou com uma escorrência de ideias concisa, objectiva, imparcial.
Sempre chamou "os bois pelos nomes", e isso, cada vez mais nos tempos que correm, é uma rara qualidade, numa sociedade mais e mais feudo de mentiras, desonestidades, compadrios, em que tudo e todos, objectivamente têm um preço.

Assim, é com imensa honra e sem mais delongas, que vos passo...reflexões brilhantes de BB...


"Cada vez mais nos afastamos uns dos outros. Trespassamo-nos sem nos ver.
Caminhamos nas ruas com a apática indiferença de sequer sabermos quem somos.
Nem interessados estamos em o saber. Os dias deixaram de ser a aventura do
imprevisto e a magia do improviso para se transformarem na amarga rotina do
viver português e do existir em Portugal.

Deixámos cair a cultura da revolta. Não falamos de nós. Enredamo-nos na
futilidade das coisas inúteis, como se fossem o atordoamento ou o sedativo
das nossas dores. E as nossas dores não são, apenas, d'alma: são, também,
dores físicas.

Lemos os jornais e não acreditamos. Lemos, é como quem diz - os que lêem. As
televisões são a vergonha do pensamento. Os comentadores tocam pela mesma
pauta e sopram a mesma música. Há longos anos que a análise dos nossos
problemas está entregue a pessoas que não suscitam inquietação em quem os
ouve. Uma anestesia geral parece ter sido adicionada ao corpo da nação.

Um amigo meu, professor em Lille, envia-me um email. Há muitos anos, deixou
Portugal. Esteve, agora, por aqui. Lança-me um apelo veemente e dorido: 'Que
se passa com a nossa terra? Parece um país morto. A garra portuguesa foi
aparada ou cortada por uma clique, espalhada por todos os sectores da vida
nacional e que de tudo tomou conta. Indignem-se em massa, como dizia o
Soares.'

Nunca é de mais repetir o drama que se abateu sobre a maioria. Enquanto dois
milhões de miúdos vivem na miséria, os bancos obtiveram lucros de 7,9
milhões por dia. Há qualquer coisa de podre e de inquietantemente injusto
nestes números. Dir-se-á que não há relação de causa e efeito. Há, claro que
há. Qualquer economista sério encontrará associações entre os abismos da
pobreza e da fome e os cumes ostensivos das riquezas adquiridas muitas vezes
não se sabe como.

Prepara-se (preparam os 'socialistas modernos' de Sócrates) a privatização
de quase tudo, especialmente da saúde, o mais rendível. E o
primeiro-ministro, naquela despudorada 'entrevista' à SIC, declama que está
a defender o SNS! O desemprego atinge picos elevadíssimos. Sócrates diz
exactamente o contrário. A mentira constitui, hoje, um desporto
particularmente requintado. É impossível ver qualquer membro deste Governo
sem ser assaltado por uma repugnância visceral. O carácter desta gente é
inexistente. Nenhum deles vai aos jornais, às Televisões e às Rádios falar
verdade, contar a evidência. E a evidência é a fome, a miséria, a tristeza
do nosso amargo viver; os nossos velhos a morrer nos jardins, com reformas
de não chegam para comer quanto mais para adquirir remédios; os nossos
jovens a tentar a sorte no estrangeiro, ou a desafiar a morte nas drogas; a
iliteracia, a ignorância, o túnel negro sem fim.

Diz-se que, nas próximas eleições, este agrupamento voltará a ganhar. Diz-se
que a alternativa é pior. Diz-se que estamos desgraçados. Diz um general que
recebe pressões constantes para encabeçar um movimento de indignação. Diz-se
que, um dia destes, rebenta uma explosão social com imprevisíveis
consequências. Diz a SEDES, com alguns anos de atraso, como, aliás, é seu
timbre, que a crise é muito má. Diz-se, diz-se.

Bem gostaríamos de saber o que dizem Mário Soares, António Arnaut, Manuel
Alegre, Ana Gomes, Ferro Rodrigues (não sei quem mais, porque socialistas,
socialistas, poucos há) acerca deste descalabro. Não é só dizer: é fazer, é
agir. O facto, meramente circunstancial, de este PS ter conquistado a
maioria absoluta não legitima as atrocidades governamentais, que sobem em
escalada. O paliativo da substituição do sinistro Correia de Campos pela
dr.ª Ana Jorge não passa de isso mesmo: paliativo. Apenas para toldar os
olhos de quem ainda deseja ver, porque há outros que não vêem porque não
querem.

A aceitação acrítica das decisões governamentais está coligada com a
cumplicidade. Quando Vieira da Silva expõe um ar compungido, perante os
relatórios internacionais sobre a miséria portuguesa, alguém lhe devia dizer
para ter vergonha. Não se resolve este magno problema com a distribuição de
umas migalhas, que possuem sempre o aspecto da caridadezinha fascista. Um
socialista a sério jamais procedia daquele modo. E há soluções adequadas. O
acréscimo do desemprego está na base deste atroz retrocesso.

Vivemos num país que já nada tem a ver com o País de Abril. Aliás, penso,
seriamente, que pouco tem a ver com a democracia. O quero, posso e mando de
José Sócrates, o estilo hirto e autoritário, moldado em Cavaco, significa
que nem tudo foi extirpado do que de pior existe nos políticos portugueses.
Há um ranço salazarista nesta gente. E, com a passagem dos dias, cada vez
mais se me acentua a ideia de que a saída só reside na cultura da revolta."


Tristemente reparemos, como epílogo, quanta actualidade tem agora este texto do grande EÇA...escrito em pleno século XIX...

Ontem como hoje...que raio de destino o nosso!!...

Anamar

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

"ESTA LISBOA QUE EU AMO..."



Fui à Baixa de Lisboa...à Baixa Pombalina onde já não ia há alguns anos, tantos quantos os que medeiam entre o encerramento do túnel do Rossio e hoje, em que decidi, que seguramente encontraria no comércio que lá "deixara", um presente especial de Natal para alguém que também foi especial na minha vida e está de partida...

Fiz-me portanto a Lisboa, aproveitando para fazer a minha "vistoria" às obras do túnel.

E "desaguei" em pleno Rossio. Um Rossio inundado de um sol luminoso de Inverno, emoldurado pelo velhinho castelo de S. Jorge, vigilante sobre as colinas.

Deambulei por ali, porque as três da tarde ainda tardavam um pouco, e com elas a expectativa da abertura de lojas encerradas para almoço.

E senti Lisboa "fria", senti Lisboa algo só, senti Lisboa uma cidade desconhecida...
Começavam a instalar-se-me um "desconforto" e uma melancolia crescentes.
Os meus olhos vasculhavam os lugares, perscrutavam os ambientes, procuravam o que não encontravam.
Parecia haver décadas que não visitava aquele espaço, parecia que 1755 regressara a Lisboa para, desta vez, não lhe deixar "pedra sobre pedra"...



Lisboa está povoada por uma multidão que eu desconhecia.
Uma miscigenação imensa de raças, de tipos, de gentes, faz desfilar figuras ímpares que vão das cores às vestes, dos semblantes aos idiomas, da solidão às verdadeiras tribos.

Vi africanos com indumentárias a rigor, vi árabes de turbantes e barbas, vi mendigos sem pátria nem terra, a dormir em cartões, em pleno meio do dia, nas arcadas do Teatro D.Maria.
Vi concidadãos de espaços que não este, a beber cervejas, promiscuamente sentados por ali, ao sol, gesticulando, rindo, falando muito alto, num linguajar efusivo, a enganar solidões que não se deixam enganar...
Vi brasileiros com ar triste e acabrunhado, a venderem bujigangas que ninguém compra nunca, na esperança de uns trocos com que se aconchegue o estômago...e pedem, sempre pedem:"ainda não comi nada hoje"... e a "cidade maravilhosa" lá tão longe!...
E vi velhos, muitos velhos, de rosto apagado e inexpressivo, com sonhos a fugir pelo pregueado da pele sem luz...na espera, sempre na espera do decurso do tempo.
"Eu, todos os meses compro o 123 para a terceira idade...a minha reinação é vir até aqui todas as tardes. Vou até à rua da Madalena, dou a volta ao Terreiro do Paço"...e não escutei o resto...

"A minha reinação"!...Triste epílogo de vida!...
Nem os pombos já querem saber dos idosos, e os idosos também já não têm mais milho para os pombos...

O indiferentismo, a ausência, o cansaço, a resignação habitam os rostos dos idosos...os mesmos que, irónica e dramaticamente, têm que seleccionar em cada mês, os remédios que aviam na farmácia (do longo "cardápio" prescrito), com os recursos a encolher todos os dias...




Lisboa está a divorciar-se do Tejo...
Os cinco "dedos" da sua mão que sempre apontaram para o rio, estão a envelhecer e a ficar sós.
Não há vida naquelas ruas, muitas e muitas lojas estão fechadas ou a trespasse, o "brouhaa" das gentes passantes está a silenciar-se, a animação de rua que lhes dava rosto, desapareceu, algumas (poucas) esplanadas...desertas...; até as vendedeiras de flores das esquinas, sumiram.

E é assim, da Rua da Madalena à do Ouro; é assim, da Praça da Figueira, do Largo de S.Domingos, da Barros Queirós ao Martim Moniz...
A vida fugiu da Baixa para outras zonas, talvez...
Eu diria, injustamente deixou de pulsar na zona nobre e coração desta Lisboa, e passou para os centros comerciais, para as grandes superfícies, onde se "fazem" familiarmente, entre paredes, fins de semana inteiros, onde se passeia, onde se compra, onde se come e onde todos parecem "divertir-se" à grande...

Já não existe a Pensão Glória da minha meninice, mas salvou-se o "Hospital das Bonecas"...meu Deus, o "Hospital das Bonecas" ainda existe!...
Continua resistente à hecatombe, lá, na Praça da Figueira, com uma montra repleta de brinquedos de lata que me aqueceram a alma...

O resto...bom, o resto foi frio...vazio...uma cidade em silêncio, descaracterizada e cinzenta, justamente numa época do ano que foi de ouro e fulgor noutros tempos, na correria de mais um Natal que se avizinha...

Mas hoje, eu perguntei-me todo o tempo: "Afinal o que foi feito desta Lisboa que eu amo??!!..."




Anamar

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

sábado, 13 de dezembro de 2008

"TANTO OU TÃO POUCO..."








Olhando estas imagens,um misto de sentimentos e reflexões me atravessa o espírito: perplexidade, incredulidade, comiseração, incompreensão, angústia, espanto...

Já viajei por alguns países em que realidades como a que as imagens espelham, não são estranhas.
Países da América, países da Ásia ou da África.
Em todos eles, as franjas da sociedade mais débeis, menos bafejadas pelas comodidade e segurança económicas, vivem efectivamente desta forma, relegadas para uma quase marginalidade, de tão precária a sua situação.

Lembro indistintamente os meninos de Cuba, da República Dominicana, de Salvador da Bahia, de Phuket, de Chiang Mai ou de Malé...meninos do calçadão do Rio, das favelas, do Pão de Açúcar, ou ainda meninos dos musseques de Luanda...

Meninos todos, seminus, descalços, meninos de olhos grandes e doces, meninos de ranho até à boca, de rostos sujos, de pés informes das pedras e agruras dos caminhos...
Meninos de mãos estendidas, para quem um punhado de rebuçados ou algumas moedas, desenham sorrisos que incendeiam rostos.

Recordo habitações indescritíveis, condições higiénicas inexistentes, alimentos expostos em bancas improvisadas na beira das ruas, carnes pingando sangue, cobertas "normalmente" por moscas e poeira...porque lá, a vida é assim mesmo.

Lembro claramente toda essa precaridade, que ainda assim, à luz da nossa sociedade mais desfavorecida, parece mera cena de ficção.
Recordo flashes perfeitamente inconcebíveis e inaceitáveis, no século XXI em que já vivemos, em plena época da ciência e tecnologia...

Mas, de tudo o que vi há algo que sempre me intriga:
apesar da "miséria mais miserável" com que coexistem, apesar quase só da sobrevivência que enfrentam, apesar da inexistência de qualquer qualidade de vida, todos esses povos, toda essa gente, transmite uma leveza de ânimo, uma (pelo menos aparente) ausência de angústia, uma alegria contagiante, uma festa permanente no coração e na alma, que ficam a anos-luz do "fado", da "cruz", da "desgraça" que nós, portugueses carregamos, que ficam a anos-luz do "cinzento-negro" com que pintamos o nosso quotidiano.

Será porque esses povos são privilegiados com um sol que procura colmatar tudo o resto que lhes falta?
Será porque são abençoados com uma natureza pródiga e farta, capaz de lhes suprir as faltas no seu dia a dia?
Ou será pura e simplesmente, porque são almas simples, despojadas, que não conhecem as "necessidades" imperativas, crescentes e nunca satisfeitas, de uma sociedade de consumo que nos envenena e nos consome, como um polvo gigante que nos envolve até nos sufocar?...

Seguramente o inconformismo, a depressão e a insatisfação que arrastam consigo angústias, infelicidades, auto-destruição, são fruto de sociedades cada vez mais desumanizadas, robotizadas, consumistas, competitivas, em que o ser humano é trucidado pelas exigências e pseudo-valores que ele próprio criou.

Ao reler o que escrevi e olhando de novo para as imagens iniciais, até parece que fiz aqui uma inflexão no discurso, até parece daqui a pouco, que acabei por fazer a apologia "ingénua" do "estomatologista" de rua...

Não sejamos simplistas...
O meu texto poderia resumir-se sim, a uma única frase, a uma única pergunta, a uma perplexidade: "Porquê eles não têm nada e são felizes...porquê nós, que temos tudo ou quase tudo, o desvalorizamos, nos deprimimos, sofremos...nos "suicidamos" afinal, com tudo o que temos ao nosso alcance??!!..."

Anamar

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

"OLHO POR OLHO...FICAREMOS CEGOS..." - GHANDI

10 de DEZEMBRO de 2008


SÓ PARA LEMBRAR...


Mundo comemora os 60 anos da Declaração de Direitos Humanos

VATICANO
TAIWAN
FRANÇA
MYANMAR
MARROCOS
ÍNDIA
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Lisboa, 11 Dez (Lusa) - O Nobel da Literatura, José Saramago, considerou quarta-feira que "nada mudou" nos últimos dez anos em relação aos Direitos Humanos e acusou os Governos mundiais de nada fazerem em prol da defesa do indivíduo.

"A situação piorou nestes últimos dez anos, nada mudou, a situação piorou", declarou José Saramago no final da cerimónia de homenagem ao escritor, dez anos passados da atribuição do Nobel.

Saramago acusou os governantes de nada fazerem, de apenas "acenderem charutos uns aos outros e de trocarem condecorações".

No entender do escritor, "muito se podia fazer se os cidadãos se mobilizassem em torno da temática dos Direitos Humanos"

"A Declaração Universal é geralmente considerada pelos poderes económicos e pelos poderes políticos, mesmo quando presumem de democráticos, como um documento cuja importância não vai muito além do grau de boa consciência que lhes proporcione",





Anamar