sábado, 28 de fevereiro de 2009

A "MÃE" QUE NUNCA NOS FALHA...



Sábado de cinzas mesmo, no rescaldo deste Carnaval que partiu.

Dizia ontem no meu pequeno texto, que nunca me senti enquadrada em tais comemorações, para além de que, estou muito mais "quaresmal" de espírito, que outra coisa.
O semblante do tempo atmosférico também se pôs a propósito, e uma dormência interior tomou conta de mim.
Fiz planos de visitar família, fiz planos de visitar amigos...e tudo redundou numa inércia entediante, que me remeteu a uma hibernação e letargia moles, frente ao cinzento da minha janela, frente a um casario descaracterístico de dar dó,com uns borrifos de chuva a salpicarem-me os vidros...frente a duas ou três gaivotas que me fazem negaças, na liberdade do seu planar lá fora.

Por aqui estou, num período da minha vida que está tal e qual como o colorido desta tarde de sábado...
Os meus gatos dormem uma profunda sesta, que diariamente por esta hora não perdoam, e eu, se levasse à letra a minha vontade, ia "pedir arrego" ao édredon ali atrás...

Ando, como aquela concha que a onda traz e leva, traz e leva até à praia, por cada maré...
Não sei bem por que vivo, para que vivo, por que acordo e me levanto, se é p'ra me deitar e dormir outra vez depois de uns pares de horas...enfim, pareço aqueles bonecos que vão rodando, rodando, até a corda se acabar...e a sensação mais nítida que experimento, é vazio, um vazio desconfortável, cansativo, atroz...

Bom, mas a "driblar" os três dias de pausa laboral da semana passada, tentei fugir de dias que iam mascarar-se de qualquer outra coisa, de certeza não genuína (como são todas as máscaras), que iam travestir-se de expectativas de sonho, que iam esconder atrás da mascarilha, o infortúnio do palhaço pobre...
E fui, em busca sobretudo de paz, de silêncio, de útero...




A Estrela deu-me cólo, com um manto branco que me aqueceu...
O sol privilegiou-me com uma presença fiel de amigo que não falha, e o azul das tintas lá "de cima", completou um bouquet, com a beleza das urzes, das giestas, dos rosmaninhos, alecrins e zimbros que já se espreguiçam nas encostas mais ensolaradas.
O frio gélido só vinha à noite, para que o crepitar da lareira a arder, o laranja das chamas bruxuleantes, ou o cheiro da carqueja no ar, inundassem aquela sala de pedra e madeira, de um silêncio audível, repouso da alma, viajante para o espírito, artesão de sonhos, de desejos, de ilusões...

E foi como se um manto providencial me envolvesse e embalasse, como se os chocalhos das ovelhas ecoando no silêncio, fossem música para os meus ouvidos, o marulhar dos córregos ou cachoeiras, serra abaixo, fossem árias duma orquestra em total acerto de timbres, e as avé-marias sempre tocadas hora a hora na torre sineira daquela aldeiazinha perdida em nenhures, fossem as vitaminas que o meu espírito cansado e se calhar doente ou em desacerto comigo mesmo, precisava como tónico de sobrevivência!!...



Anamar

"QUANDO A VIDA AINDA É UM ETERNO CARNAVAL"


Um Carnaval mais que se foi...felizmente!

Desde menina, nunca foi época que se me "quadrasse"; eu, que tento resistir a tudo aquilo que socialmente o calendário determina, imaginem agora, ter de me divertir, ter de rir, ter de "macaquear", ter de fazer de conta que estou incontidamente feliz...só porque o famigerado Fevereiro, normalmente indica que é Entrudo!!

Em pequena, era aquela coisa chata de ter que me mascarar como mandava o "figurino" da época, de espanhola, de camponesa, e penso que de nada mais, por serem estes os disfarces que a minha madrinha detinha, e ela era a única fonte providenciadora dos ditos.
Pertencendo a uma família abastada, a mãe fizera-lhe estas indumentárias a preceito, no tempo em que, nestas famílias , vinha semanalmente a casa uma costureira.

Alugarem-se fatos, como depois se vulgarizou, ainda não era costume, e de qualquer modo, o dinheiro que havia, também não era para estes desperdícios.
Assim, apanhei um enjoo de sevilhana e de camponesa, o que me tornava drasticamente mais fastidiosa, a quadra.
Depois, havia também aquela timidez terrível, que sempre me levou a desejar que ninguém desse por mim; e nesses dias, ser eu a forçar a atenção dos demais...era "dose"!!...
Por isso, as "cinzas" da 4ª feira, eram um alívio para o "coração", da menina das tranças que então eu era.

Anos mais tarde, com filhas a "invencionar" fatiotas e cabeleiras, penteados e maquilhagens, quer incentivadas pela escola, quer saídas daquelas "mentes brilhantes"...o "terror" lá voltava de novo...
Maquilhar, desmaquilhar, pentear com palha de aço e tudo (na esperança de que a "peineta" de sevilhana se aguentasse naquele "pelo de rato" dos seis, sete anos...) uma tremenda chatice!...

As mesmas reclamações, por os fatos da madrinha velha, com cheiro a naftalina, darem à luz...sempre os mesmos, claro, se bem lembro, com a nova hipótese de "fada"...
Os corsos também sempre os mesmos, os "gigantones" e "cabeçudos" cada vez mais apalermados (nas rábulas cansadas de repetidas), as pseudo-brincadeiras cada vez mais estúpidas, as portuguesinhas de trazer por casa a acreditarem-se cariocas em Sapucaí (no "descascanço" e no saracotear da "bunda boa", que acreditavam ter, pelo menos nos três milagrosos dias, em lugar do rabiosque de sempre...)
Enfim, a lixarada dos papelinhos e das serpentinas, as "línguas das sogras" nos nossos tímpanos, a água inconveniente das bisnagas, toda aquela "poluição" visual e sonora, numa ausência de graça ou piada confrangedora, simplesmente porque graça e piada, são coisas que nem por "alma da santa" se conseguem, se não saírem espontâneamente de dentro para fora, mesmo dos mais foliões!!...



Depois disto, para mim, o Carnaval implodiu no calendário...

Hoje, pasmo ao ver os pequeninos (vivendo paredes meias com as lojas dos chinocas, sortudos que são), a mascararem-se das figuras mais impensáveis do imaginário infantil, diferentes todos os Carnavais, sem a naftalina do baú da madrinha velha a empestear os narizes, desinibidos e brincalhões ainda, nos seus dois, quatro e sete anos...felizes que só eles...acreditando se calhar, que a Vida lhes será sempre um eterno Carnaval!!...



Anamar

sábado, 14 de fevereiro de 2009

"DIZEM QUE O AMOR É LINDO..."



O dia do amor...

Como se o amor fosse à hora, ao dia, ao mês!...
Como se existisse por determinação, como se fizesse parte do racional, como se obedecesse a uma lógica qualquer, como se acontecesse quando, e se, um homem quisesse...

O amor de "hoje" é aquele inventado por quem não tem mais nada que fazer, do que inventar datas, pretextos, motivos para consumismos a propósito.
Flores que se vendem aos quilos, cartões com frases que se calhar não são nada daquilo que se sente, mas que dão um jeitão para quem não é muito versátil nas letras, prendas mais abonadas exactamente para os que são abonados de algibeira.

Mas amor mesmo, aquele amor que nos faz sentir adolescentes quando os "entas" já vão por aí fora, aquele amor que nos faz rir ou chorar verdadeiramente de nada em especial, aquele que nos torna veementemente crentes num qualquer futuro, aquele que não nos inibe de dar ou receber um beijo cinéfilo no meio de uma rua apinhada (só porque nem vemos ninguém e menos ainda nos borrifamos que entendam ou não aquele "acesso" chamado de felicidade...) esse amor, que será de facto, um sentimento puro, genuíno, desarmado...esse amor que é um verdadeiro "estado de graça", padece quase sempre por efémero, acaba quase sempre por sucumbir à inevitável e atroz rotina do tempo, acaba quase sempre por nos desencantar com o desgaste da vida e pela dificuldade da determinante renovação.
O ser humano é exigente, e perenidades "ad eternum", de afectos sem beliscaduras, são quase uma miragem...

E como é fácil hoje em dia (eu pasmaria verdadeiramente, se acreditasse, ao ler circunstancialmente a propósito), as pessoas viverem em permanente estado de paixão!...

As figuras "cor de rosa" do nosso país tão cinzento, não se cansam de andar no troca e destroca (como quem substitui a escova de dentes), sempre e permanentemente apaixonadas!!
Parecem sair absolutamente incólumes, nunca "carregam" o fácies ao mundo, nunca perdem o gosto por um bom evento, uma boa viagem, uma boa maré para relançar as "redes"...perfeitamente "na maior"!!
Enfim, passa a sensação de uma profusa "oferta", em que a dificuldade está sempre e só, na escolha...
E todos ficam também, sempre e só, amigos como dantes, como num agradável serão de cartas, em que se baralha e volta a dar!

Ninguém parece sofrer nesta época do descartável, ninguém se deprime (afinal a vida são dois dias...), ninguém adoece da alma...porque, queiramos ou não, haverá um 14 de Fevereiro por cada ano, e as personagens podem sempre mudar, num cenário que se traveste na maior parte dos casos, de um "faz de conta", o que torna o filme sempre diferente, nada entediante e altamente emocionante pela adrenalina...
Ainda por cima é quase Carnaval!!...

Bom, eu sou do antigamente...
"Cresci" no BI, mas continuo irredutível, inelutável e "desgraçadamente" "teenager" no coração, na alma, nos creres e na recusa desta era de corações de "plástico"...

Fazer o quê?!...

Penso que foi Saramago que disse: "Não se morre por amor, mas não se vive sem amor..." - creio que sim, embora às vezes pense que não...mas, ainda assim, é essa "fé" que me faz levantar todos os dias!!...

Seja como for, no dia "das rosas vermelhas", e para verem como eu sou uma "romântica" sem remédio, ofereço-vos esta brincadeirinha, para que possamos concluir que...AFINAL O AMOR É LINDO!!... E LOUCO... (isso eu já sabia há muito!!!...)



Anamar

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

"UM SUBLIME ACTO DE AMOR"



Eluana, teve finalmente direito a descansar...

Mais uma hipocrisia da humanidade (eu, pelo menos vejo desta forma).
Eluana, acidentada há dezassete anos e em vida vegetativa, artificialmente mantida por máquinas, "lutou" através de seus pais, para que lhe fosse concedido o direito ao descanso e à paz.

Quem, mais do que os pais, quererá manter um filho vivo??...
Quem, apenas em desespero total, pedirá que as máquinas sejam desligadas e o filho abandonado finalmente ao seu destino traçado há muito??...
Quem o faria, se não tivesse perdido toda a esperança, de ver esse filho com um sopro que fosse, de vida??...

O direito à vida, ao seu corpo, ao seu espírito, ao seu destino, do meu ponto de vista, é um direito intransmissível, inalienável...
Quem somos, o "invólucro" que carregamos, o futuro que queremos ou já não queremos, deveria ser apenas um direito que apenas a nós dissesse respeito.
É um sofisma , uma hipocrisia social, que legislação feita por homens, de acordo com morais ou falsas morais, ao sabor de princípios de cada estado, determine unilateralmente do destino de cada indivíduo.

É injusto que numa interferência hipócrita, atrevida, de acordo com princípios balofos religiosos, muito mais que éticos e sociais, a Igreja Católica se arrogue o direito e se calhar o dever, de se imiscuir na decisão sobre a morte assistida de um ser humano que já o não é...
Isto, porque não é de todo viver, alguém que não comunica, não reage, não se exprime, não raciocina, não se relaciona e não pode sequer usar o seu livre arbítrio para opinar sobre si próprio e sobre o que desejaria para si...

Há conflitos éticos?? É possível!
Óbvio que nenhum médico, que jurou salvar vidas, contribuirá de ânimo leve para as cercear.
Mas a questão é exactamente essa: VIDA!!
E VIDA não é certamente aquilo que Eluana e quem lha deu, vivenciaram ao longo de um pesadelo de dezassete anos...

Querê-lo-ia para mim, estou certa, ou para alguém que eu amasse muito... porque ter o discernimento, a coragem, a serenidade e a paz para desistir desse alguém, ter a abnegação e a generosidade de deixar partir para sempre esse pedaço nosso, é sem dúvida um sublime e incomensurável acto de amor!!...



Anamar

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

"O SER HUMANO É ESTRANHO..."

O ser humano é estranho...

Reflecti uma vez mais sobre isto, ao deparar-me no jornal da manhã, com uma notícia sobre a localização de uma jovem cujo desaparecimento remontava há largos meses...

Fora encontrada em Paris, onde vivia com o namorado, estava de boa saúde, levava uma vida normal...apenas não dera nunca notícias sobre si própria, apesar de certamente se saber procurada.
Os pais, pessoas humildes do norte do nosso país, entrevistados para o citado jornal, mostravam-se muito felizes, porque para eles o "pesadelo" acabara.
Foi então que a mãe da jovem soltou a seguinte frase que me esbugalhou os olhos: "Não acredito que a minha filha tenha fugido de livre vontade"...

Bom, esta afirmação fez-me matutar sobre a posição de muitos pais, face aos comportamentos e posturas dos filhos ao longo da vida.
Por que razão, ainda que claramente a leitura de um determinado comportamento menos abonatório, seja por demais óbvio e não deixe dúvidas para os demais, sempre os pais têm tendência a não encarar a realidade, tentando ilibá-la ou escamoteá-la, com justificativas?

Será porque inconscientemente auto-assumem parte da responsabilidade como sendo sua??

Será porque nunca se apercebem que aqueles filhos que efectivamente geraram e educaram e que falham como qualquer ser humano, cortaram há muito o cordão umbilical, cresceram, tornaram-se autónomos e têm direito aos seus próprios erros, como pessoas independentes??

Será que sentem indirectamente que são eles os "julgados", através das atitudes dos seus descendentes, como se tivessem sido ineficientes na formação, incapazes na transmissão de valores, imperfeitos no exemplo dado??

Será que sempre os pais querem projectar nos filhos aquilo que eles próprios não conseguiram ser, de preferência que alcancem aquilo que lhes foi inalcançável??

Depreendo que se calhar, tudo isto talvez tenha um fundamento biológico.
Razão biológica que embota o razoável, o inteligente, o correcto...

Eu própria, que tendo uma mediana formação integral (como pessoa, como profissional, como cidadã), ou seja, não sendo propriamente alguém atávico, que não tenha tido acesso à cultura (com o consequente acréscimo de responsabilidades), cometo "erros de palmatória" racionalmente inadmissíveis.

Enquanto criança e adolescente, filha que fui de uma família de classe média, vivendo do trabalho e sem demais proventos, sempre fui responsabilizada desde cedo, por todos os meus actos; sempre me foi exigido o cumprimento do que me era atribuído, apenas por vezes desproporcionalmente ao razoável.
Fui das melhores alunas do liceu que frequentava, recebi prémios por isso mesmo, não me era "permitido" claudicar ou ter pequenos insucessos ou desvios, se calhar aceitáveis face à pouca idade que então tinha.

Inevitavelmente, por cada avaliação escolar que recebia, a pergunta sacramental da minha mãe, era, antes de tudo:"E as outras notas, como foram"?...

Lembro até hoje, um teste de Ciências Naturais, talvez no meu primeiro ou segundo ano do liceu (correspondentes ao quinto ou sexto anos actuais), que recebi com a classificação de Bom e que, como habitualmente, dei para que a minha mãe assinasse.
Olhou-o com uma cara de decepção, e desagradada atirou o teste para cima da mesa com tal violência, que o mesmo despencou no chão.
Senti uma mágoa e uma injustiça tão grandes, que a sua nitidez perdura, tanto tempo decorrido já...
A imagem dessa tarde está-me nítida nos olhos, acho que no coração e na alma...
"Vejo" o local, o gesto..."oiço" as palavras...

Pois bem...anos e anos depois, mãe que sou de filhas muito capazes, escolarmente irrepreensíveis, brilhantes quase...dei por mim, ao longo das suas vidas escolares, a ter posturas idênticas às daquela mãe, semi-analfabeta, a quem talvez não pudesse nem devesse ser exigido mais.

E olhando para trás, faço a minha "mea culpa", com uma carga de vergonha, por efectivamente não ter conseguido, quantas e quantas vezes, racionalizar, distanciar-me, ser inteligente, ser responsável, ser mãe com capacidade para ver, analisar, perceber e ajudar as pessoas que pus no Mundo (imperfeitas como qualquer ser humano), a conviverem com os seus insucessos, as suas derrotas ou desvios, as suas dificuldades; não sabendo aceitá-las quantas e quantas vezes, como indivíduos autonomizados e não me culpabilizando ou envergonhando, por não serem como eu "inventei", não me punindo por não serem muito melhores que o que eu fui capaz de ser...simplesmente porque são como são, pessoas, gente, responsáveis únicas pelos caminhos que trilham...

Ufa!!...Efectivamente, o ser humano é realmente estranho!!...

Anamar