quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

"MANHÃ SUBMERSA"






"Saío da cama, sempre a duras penas", pensou, "sejam seis da manhã ou meio dia"...
Essa, a prova provada do seu fraco apreço pela vida. Quanto mais cedo se levantasse maior seria esse dia que então se iniciava....Espantoso...ao invés de quem ama todos os minutos que lhe são concedidos para viver...

Leonora foi até à janela do quarto, correu as cortinas e deparou com um daqueles dias submersos num fumo que não dava grande margem de visão. O céu, uniformemente cinzento, uma chuva subtil e miúda, fê-la pensar que teria sido numa manhã como esta, cinza, desfocada, sem contrastes, que D.Sebastião haveria de voltar...(tinham-lhe ensinado na escola).
Esborrachou o nariz contra a vidraça, sem grande sucesso, já que o seu horizonte lhe estava muito perto, e imaginou aquele adolescente, quase uma criança, a caminhar ao encontro de quem não tinha desistido de o esperar...

Nas traseiras da sua casa, exactamente para onde a janela do quarto se abria, havia uma única árvore...um plátano, agora quase nu, com algumas folhas mais teimosas presas aos galhos, rondando naquelas patines que Leonora sempre invejava...castanhos discretos, em mistura com uns ocres mais abertos...vermelhos afogueados, em mistura com alguns (poucos) verdes esmaecidos. Os ouriços mais resistentes, abanavam ao sabor da aragem, nos ramos, como brincos de princesa....

Leonora pensou :"Uma verdadeira manhã de neblina!..."
Só que neblina é névoa, é algo que mostra e esconde, é algo em que o olhar submerge na busca de melhor enxergar...mas não! A neblina tem o seu quê de mistério, de difuso, de translúcido apenas...Como sombras chinesas, aguça a imaginação...

Olhou para a parede oposta do quarto, quase sobre a cabeceira da cama. Aí estava um óleo do seu pai, poucos dias antes de a ter deixado...Curiosamente, quem o pintou e lho ofereceu, falecera há poucos dias.

Ficou estática, como que hipnotizada, e na sua mente desenharam-se lado a lado dois quadros brancos. Um deles continha aquela pintura do seu quarto...o outro ao lado, continha a mesma figura como que num dia de nevoeiro cerrado...Leonora bem abria mais e mais os olhos, bem os esfregava para lhes retirar aquele véu do tempo...ingloriamente....aquele já só era o pai que ela retinha, volvidos dezassete anos...

Sentiu uma angústia galopar por si acima, enquanto que um pavor a dominava...
A mente...a mente é traiçoeira, a mente não fixa "ad eternum", não grava, não regista...torna tudo em fumaça!...
Concentrou-se mais e mais, tentando visualizar aquele quarto, aquela cama, aquele pijama em flanela azul, aquele verde que eram já só as duas frestazinhas dos olhos....e depois, bem mais nítido, quase real: o descarnado das mãos, que eram só pele raiada a cobrir os ossos...

E Leonora foi chamada à realidade...não são de facto precisos dezassete anos, nem dezassete meses...se calhar em dezassete dias que não estejamos com alguém, ainda que muito nosso, será tempo que baste para "perder" aquele contorno dos lábios, aquela expressão tão conhecida e tantas vezes flagrada, o timbre da voz a ir a ir, também, como numa manhã submersa que nem aquela!!...
Sentiu um estranho nó na garganta e um mau estar a dominá-la....Como o ser humano é efémero, face ao Tempo...Como o Tempo é defraudante face ao ser humano!...
É como se estivéssemos todos a percorrer um túnel com um estranho nevoeiro a adensar-se...
E sentiu medo, muito medo do esquecimento....de repente Leonora estaria no meio de estranhos, em que ninguém lembrava ninguém, sequer o rosto, sequer o beijo, sequer o calor, sequer as mãos, o sexo, o coração.....um MUNDO de estranhos perdidos numa manhã submersa!!...

Anamar

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

"HINO DA ALEGRIA"





"Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar, para poder voltar inteira" - Cecília Meireles


Inicio este tudo/nada que aqui deixo, com uma frase sabedora e sensível, criada por uma mulher, mas não por uma mulher qualquer...É a simplicidade do dizer, aliada à mensagem bordada por essa mesma simplicidade.

Não conheço a obra de Cecília  Meireles, do que me penitencio. Mas a frase que aqui está escrita e particularmente na fase da minha vida que atravesso, em que praticamente as coisas que consigo fazer de "moto próprio" são dormir e escrever, este pensamento é uma verdadeira pedrada no charco.

Eu venho a atravessar o Inferno aqui na Terra ...eu só tenho espinhos cortantes, que rasgam, dilaceram, destroem...em última análise matam...
Eu tenho tomado todos os dias, goles de cicuta servida num cálice de lembranças...
Eu tenho procurado caminhos e caminhos, estradas, encruzilhadas...veredas agrestes e carrascas...
A minha bússola interior tentava nortear-me, e eu entendia que ela me apontava um deserto, que eu já conhecia;
Eu entendia que ela me pedia, achando que se pode pedir a uma cerejeira, que não floresça mais na Primavera seguinte...e não era isso...
Os seixos do rio mantêm as suas posições se o caudal não for excessivo...mas se o for, e for necessário, o rio galga as margens, e continua em frente...e assim ao longo dos tempos...
Não parará...não voltará para trás....

Há doenças graves começadas a curar com um sorriso...Há gente que conhecemos, e outra que sequer nos conhece, mas divide o mesmo céu azul ou tenebroso, connosco...
Há, quem nem saiba porquê, e empatizou o nosso ar triste e desalentado...mas não deixa de olhar para nós...
A mesma música, pode levar-nos aos prantos...pode fazer-nos sorrir quase ironicamente ...

Uma chicotada, pode ser um beijo doce, do coração e da alma....mas um beijo doce, pode ser uma chicotada cuja cicatriz durará, durará e oxalá dure, sobretudo se a dor que ela provocou, nos impulsiona a não baixar a cabeça, e sobretudo a não termos pena de nós mesmos...

Sou uma mulher feliz...só posso sê-lo!...
Aqui na Terra, nos caminhos ínvios, pedregoso e doídos, tenho uma "barricada" protectora, de mulheres comuns, como eu, que do nada têm feito Tudo, como puderam, anjos da guarda que o são, nesta nossa passagem...
A elas, e não são muitas, mas são-no com letra bem maiúscula...o maior, mais empenhado e devedor BEM-HAJAM!...

Sou agnóstica, já o disse diversas vezes....mas hoje, ALGUÉM (e eu sei quem), me deitou a mão, quando eu já só tinha de fora a ponta dos dedos, álgidos, sem força....e já tinha desistido...
OBRIGADA MEU PAI!,,,,

O meu 2010 começou mais cedo...começou hoje, porque o mereço...
E juro que vou aprender com as Primaveras, a ficar forte e inteira, para os Verões que hão-de vir!!...

Anamar

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

"O APAGÃO"



Mais uma vez estamos às portas de mais uma viragem no calendário, que é como quem diz, todo aquele ritual da meia-noite do 31de Dezembro, as passas, o champagne, a barulheira nas ruas e nas janelas, a esperança, as saudações, os desejos, as promessas, alegria a sério e muitos nós nas gargantas...Vai repetir-se, o que significa, para lá de tudo o resto, que (com ou sem livro de reclamações) fomos obsequiados com mais (?), ou menos (?) um ano de calendário...

Um ano de calendário significa exactamente 365 dias, muitas vezes mal usufruídos, 8760 horas (muitas, passadas a dormir - eu), 525600 minutos em que podemos respirar 7884000 vezes; num ritmo cardíaco normal o nosso coração pulsará aproximadamente 99864000 vezes...
E a dizer "eu amo-te" haverá estatística feita?

Creio que não, mas por vezes é preciso uma VIDA, tenho a certeza...
Outras, é tão superficialmente dito, que poucos segundos bastam...mas a vida inteira é curta, para ser confirmada essa afirmação!
Outras vezes fica enrolada na língua, não sobe da garganta, faz explodir o coração...e não sai, de nenhuma forma...

Todas as noites ao deitar poderíamos endereçar um e-mail nas asas do sonho, a quem amamos de verdade, sem batota...Três palavras pequeninas, que carregariam o nosso amor milhares de vezes por minuto...até lá...lá, onde se calhar já não pertencemos fisicamente, mas onde pertenceremos sempre no coração.

Vocês sabem qual a hora que mais me conforta ao longo do dia?
Exactamente essa, a chamada "hora do apagão"...
Consiste em quê, esta hora?
Vou explicar: eu tenho estado doente com baixa por depressão (termo que eu detesto....psiquiátrica também detesto....), chamar-lhe-ei, até porque efectivamente o é...doença "sem rosto"...
Ora bem, a hora do "apagão", é aquela em que me estou  a enfiar no édredon, a hora em que a minha Rita se deita (fora do edredon, mas a fazer de aquecimento central às minhas costas), a hora em que eu envio nas asas da noite o tal e-mail...tomo os últimos comprimidos do dia (aqueles abençoados, que passados minutos já não sabemos de que terra somos), e antes que a angústia tome conta de mim, faço o clique do interruptor do candeeiro, ou seja, determino efectivamente o "apagão" para esse dia, sinto uma tristeza incontida por alguns minutos, e antes que o coração e a mente me tragam as lágrimas reprimidas ao rosto, espero que ao menos a noite tenha compaixão de mim...

Anamar

domingo, 27 de dezembro de 2009

"UM GPS PARA O CORAÇÃO..."









Faz hoje dois anos eu estava longe daqui.
Estava a usufruir do remanso que é uma Beira Alta com dias azuis, friozinho de Inverno e sol aberto e luminoso como é o inigualável sol, quando brilha nesta estação...

Estava em Geia, turismo rural onde já sou reincidente, de tal forma amei aquele local, lugar de paz familiar, praseiroso, janela escancarada para a Estrela, Açor, com o Caramulo em fundo, já com neves nos picos.
Os campos verdes, das chuvadas que o Inverno não havia negado, os chocalhos e campainhas dos rebanhos nas pastagens, a lareira acesa, uma casa linda, recuperada por holandeses, que do nada fizeram tudo, e a partilha de olhos que olhavam na mesma direcção, vontades e gostos comuns, tudo foi uma espécie de sonhar acordado no mesmo sítio...tudo tão perfeito, que esta narração está para o real, como a profanação para o sagrado!...

Geia!
Não sei mais falar de Geia, e da tal forma este pequeno apontamento está a colidir com as fímbrias do meu coração amarfanhado ( que eu julgava já mais calejado ) , que tenho que perceber que enquanto as corujas do Gerês, as águias de Marvão, a ginginha de Óbidos, o frio gélido e quente da penedia de Monsanto, a planura vista do castelo de Monsaraz, os pôres de sol de sta. Lucia e Jamaica, o místico indecifrável, que nos aprisiona por inteiro da Tailândia, ou simplesmente o gelo das noites de Évora....não virarem a encruzilhada do caminho, eu vou continuar perdida, assim, sem conseguir pensar que a vereda segue em frente...e mesmo vereda, terá de ser calcorreada até que atinja estrada com Norte...quando nunca ninguém me ensinou os pontos cardeais, e só eles sabem estes sítios....

Anamar

"OS RASGÕES DA ALMA"







É Natal...Natal porque é 25 de Dezembro...
Natal é nascimento, é renovação,
Solidariedade, fraternidade
Paz, alegria, esperança,
Compreensão, amor...
Natal é um acreditar em que o Homem mudará,
o Mundo mudará....porque é 25 de Dezembro!...
Onde existe este Natal recheado de todos estes condimentos, quanto os do perú na mesa da consoada??!!
Este Natal sequer existe, ou é mais uma trafulhice do calendário, que anda de mãos dadas sempre, com o consumismo que todos temos um pouco dentro de nós??!!...

Os Homens são bons a inventar, são bons a fazer de conta...
Esse será o meu Natal de hoje...um Natal a fazer de conta...Vou estar, mas não estarei, vou sorrir, para esconder alguma lágrima teimosa, todos vão pensar que estou viva naquela mesa, e não sou eu que estou afinal ali...

O dia fez jus ao meu estado de espírito. Não se vê vivalma nas ruas, excepto aquele jovem que diariamente perambula por aqui, com calor ou o frio gélido de hoje...ele e a sua garrafa ou pacote de vinho. O seu cheiro é pestilento, o aspecto, miserável, mas tem uns olhos verdes lindos, de...anjo, que eu já reparei...

A temperatura deve rondar os 0ºC, tem chovido a espaços. Eu estive na cama até às quatro e meia, e teria ficado todo o dia, se uma amiga não me tivesse "obrigado" a comparecer, para com ela comer uma rabanada e um chá. Ela intitula-se a brincar, o "meu serviço de despertar", e tem sido um anjo da guarda aqui na Terra, para mim...
Ela sabe bem que os meus cordéizinhos que me mantêm ainda inteira, se estão quase a partir. O meu equilíbrio é tão precário, mas tão precário, que a qualquer momento parece que despenco na ravina...
pareço largada num lago sem saber nadar, ou num espaço em que o oxigénio que respiro vai escasseando, e eu sufoco; sinto-me numa encruzilhada de mil caminhos e não tenho para onde ir...estou gelada de frio, e não enxergo um fraco raio de sol que seja...pensam que eu estou viva, mas não é verdade...

Aliás, todas as pessoas que por mim passam, são seres estranhos crivados de cicatrizes. Eu própria, não tenho já muito espaço para mais...
é que ao longo duma vida elas vão-se amontoando e nós quase já não damos por isso...
a maior parte das feridas seca, mas lá fica a cicatriz uma atrás da outra, uma sobre a outra...

Hoje quando desci reparei com muita atenção à minha volta, e à excepção do rapaz com cara de anjo ( em que nada mais pode já atingi-lo que o marque), o resto dos zombies que circulavam, novamente apressados à  minha volta (não percebo por que não dão uma trégua, se ainda agora é Natal...),estavam todos repletos de cicatrizes, costuras mal amanhadas de cicatrizações péssimas, ou mesmo chagas fétidas que ainda escorriam sangue...
"Que raio" -  pensei, andamos todos quase em carne viva, com feridas escancaradas, em que ainda uma não está sarada, e já outra e outra  se abriu....

Se as criancinhas percebessem isto, não quereriam crescer, seguir este trilho, que eu acho que só tem silveiras a bordejar o caminho, galhos pontiagudos que colidem, rasgam, dilaceram tudo, espinheiros e tojos...

E a gente vai levando alguma coisa connosco, ou a gente vai perdendo?
Tenho quase a certeza que a gente vai perdendo...Quando se olha para trás, pelo caminho e presos aos galhos dos espinhos, dos tojos, e das silvas, vê-se o rescaldo do que foi viver...
E os corpos seguem automatizados, cada vez mais nus, a sangrar...reparo agora...é parecido com a história de Cristo, que nos contaram na catequese...um filme de horrores, afinal...
Também, só o faz quem quer...podemos parar logo no primeiro farpão que apanharmos...daí em diante é sempre a piorar...

Énya, na sua voz de água translúcida...canta-me agora compulsivamente, um tema que me remexe as entranhas - "Only time"- só o tempo vai mostrar um dia se a estrada valeu a pena ser percorrida, se o amor venceu, se o sofrimento foi purificador, se a aprendizagem nos levará no fim do caminho, a transformar aqueles tojos em braçadas de rosas...

O céu escureceu, meu Deus como escureceu e se carregou de nuvens!...
A minha gaivota veio por aqui fazer um voo rasante à minha janela, como quem se despede "até amanhã"...
"Amanhã"...só o tempo o saberá!..."Only time"...



Anamar

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"A SÉPIA OU A CORES..."






A minha casa está pejada de molduras rodeando fotos recentes, assim assim, ou antigas.
Parece uma galeria de história, e de certo modo é exactamente isso...a minha história...

Aquelas que mais me prendem os olhos, são as fotos a sépia ou a preto e branco, que se lhes tivessem deixado acumular a poeira do tempo, seriam verdadeiras relíquias.

O que é um facto, é que por vezes acham que eu tenho um culto bizarro pela fotografia, quase uma compulsão interior; sem elas sentir-me-ia muito mais despida, vazia, ou pobre.

Há fotos desde a minha bisavó, ao mais novo elemento da família, que tem dois anos e meio, mas se minuciarmos, sem os efeitos das novas tecnologias, as fotos a preto e branco e a sépia, ganham uma riqueza toda especial.

"Parece um museu", há quem diga, mas cada sorriso, cada penteado, cada toilette, narra só por si uma história, uma época, e eu ainda consigo claramente lembrar, as cores dos vestidinhos com que a minha mãe me ornamentou para o efeito, tivesse eu dois, cinco ou mais anos.

Há fotos que nos fazem sorrir de ternura, perante a imagem que exibem...
há as que nos deixam com uma saudade doce, dos que já partiram; ainda dói, sempre vai doer, mas o desespero já deu lugar à paz quieta da doçura; outras têm histórias à sua volta, que conseguiríamos repetir quase fielmente...tão bem sabemos como foi...a birra da criança que não queria ser fotografada, a cara atontada de quem se surpreendeu com o flash inesperado, a expressão de "pose" estudada para a situação, ou o rosto simples e desartilhado de quem convive calmamente com o tirar de uma foto, naturalmente, sem quaisquer subterfúgios para o efeito...
há as que ainda têm o calor, o cheiro e o som do local onde foram captadas...e há as que vão estar guardadas em arcas, ainda muito e muito tempo, até que as dores que com elas se abrem , cicatrizem por completo...
Essas que evocam momentos julgados felizes, são as que nos arrancam lágrimas de desespero ao revê-las, porque os tais momentos já inevitavelmente fugiram, ou porque foram momentos sacralizados no nosso coração, que se tornaram intocáveis.








Em qualquer circunstância, eu tenho de facto o culto da fotografia, acho que já aqui disse neste espaço, que era como se eu conseguisse meter para sempre, dentro daquele quadradinho de papel, o que estou exactamente a viver nesse momento...
É como se pudesse afinal, "driblar" o tempo, como se o aprisionasse, porque o fixei, fi-lo parar ali, e mais ainda, posso fazer daquilo, uma reprise visualizável vezes sem conta, sem ter que pagar novo bilhete de ingresso por cada exibição!!!...

Eu, aliás, tenho, ordenados em arquinhas de cartão, pequenos/ imensos apontamentos, que vão de uma folha de azevinho, a uma concha ou pedrinha da praia, um guardanapo de papel duma esplanada, o que resta de um bilhete de cinema, uma factura de um restaurante...e claro, muitas e muitas fotografias estritamente mais particulares, embrulhadas em dias felizes, de céu azul, mar turqueza e sol a iluminar flores aos molhos...eternidade!!!...

E será para a eternidade que me acompanharão, seguramente, quando esse dia chegar e já não for eu a contemplar as "sépias" do meu "museu", mas ser eu a fazer parte, quadradinho a quadradinho desse eterno "museu"....

Anamar

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"AQUELE IPÊ DOURADO"....






Estamos obviamente às portas do Inverno.
O Inverno é feito para casais e não para gente avulsa...O frio e o desagradável da expressão atmosférica dos dias,  mostra bem que as pessoas se aconchegam, se aninham, se "escondem" debaixo de um só chapéu de chuva, protegem as mãos no bolso do outro, que sempre está quentinho, aquecem o coração com o calor que transborda do coração do outro também...

Adoro, percorrer, sem pressas, parques ou jardins desertos de pessoas, despidos de folhas, como se nada mais existisse ao redor... Normalmente a água da chuva activa cheiros característicos de plantas de Inverno, o cedro, as tuias, o pinho, os abetos... tudo alcança um cheiro singular na roupagem...
E como é gostoso sabermos que uma lareira quente nos acolhe em casa, quando as mãos já aquecidas se separarem!...
Até lá, os narizes ficam vermelhos, das bocas sai aquele "fuminho" desafiador do frio...e as quatro paredes cúmplices, tornam-se ninhos, para os casais de Inverno...

Hoje atravessei o jardim da terra onde vivo. Desertos os bancos que agora não angariam "clientela"....As árvores despenteadas ao sabor do vento, as alamedas molhadas, atapetadas das folhas grisalhas da estação; eram os castanhos, os ocres, os vermelhos, os laranjas...tudo cores quentes, que eu tenho para mim , que a natureza arranja, para compensar os que por ali passam, sós, mas carregados de fardos de desânimo e desistência....
Não têm outro bolso para aquecer as mãos, nem outras mãos para aquecerem os corações, nem o crepitar do lume , para que se enrosquem numa mantinha frente às chamas bruxuleantes, ao chegarem a casa...

Passam, mas quase não vêem....não vêem para não pensarem....não pensam para não enlouquecerem...

Até que a loucura é uma forma "saudável" de se viver...Aos loucos tudo se desculpabiliza, dos loucos tudo se espera, o mundo dos loucos lembra-me sempre a "Alice no país das maravilhas"...e que maravilha eram de facto, esses tempos da Alice!!

Repentinamente parei. Porque repentinamente - parecia acabado de nascer - erguia-se provocador, entre musgos e líquenes, erecto, com um ar de desafio à intempérie, aquele ipê dourado...só um, mas vitorioso, ostentando a pujança da sua beleza e a altivez um tantinho arrogante de, como um pavão que abre a cauda em leque, exibir para quem o olhasse naquele jardim de Inverno, a beleza soberba da mancha dourada, como um sol em noite escura!...

Talvez aquele ipê não estivesse ali por acaso....
E o misto de sentimentos que me assaltaram, foram desde uma  surpresa doce, às lágrimas que sem eu querer me escorreram....E eram lágrimas geladas, garanto|...

Anamar

domingo, 20 de dezembro de 2009

"O VERDADEIRO NATAL"





Odeio o Natal, odeio os sábados...odeio mais que tudo o sábado anterior ao Natal!!!

Este ano em especial, por razões particulares de saúde e outras, ainda não consciencializei que o que nunca espera por nós, é o tempo, e que sou verdadeiramente obrigada a mexer-me se não quero apanhar os Reis Magos já de regresso, quando ainda estou de ida...
ou seja, trocado por miúdos, não comprei rigorosamente nada para oferecer a ninguém, e quando penso que de alguma forma, queira eu ou não, a noite de quinta, vem já aí, rapidinho, rapidinho, ainda me sinto mais inerte, triste, morta....

Por que não prescindem de mim a fazer de conta que estou óptima, a sentir que estou péssima, a ficar louca com a "salganhada" que as crianças sempre aprontam, numa noite ainda por cima vocacionada para elas?!
Por que não se esquecem que eu existo, em vez de me obrigarem a "afivelar" uma cara desanuviada, presumindo-se que as crianças requerem felicidade à sua volta, ainda que seja postiça?!

Ninguém supõe como eu dava uma fortuna para aí pelas dez, enfiar um "Mutabom M", que é tiro e queda, e dez minutos depois ter apagado!....

Nas ruas, só vejo as pessoas com ar esfalfado, infeliz, vitimizado, a comparar os "tostões" das carteiras com os preços expostos nas vitrines, e ficando sempre com aquele ar terrífico, que "galinha gorda por pouco dinheiro"....
Pessoas esbaforidas com sacos e mais sacos....encomendas e mais encomendas, as rabanadas, a lampreia de ovos, o bolo-rei, as filhós, as azevias...os malfadados sonhos que nunca na vida foram tão "pesadelos", como nessa noite...

A luta contra o tempo que falta, é titânica. As  mães de família, até a hora do almoço no emprego, utilizam, para entre duas dentadas de qualquer coisa, comprarem mais meia dúzia de tretas.
Resultado, nada é personalizado, nada tem a "cara" de ninguém, nada já é original. Simplesmente não houve tempo de pensar no mais adequado a tornar o outro feliz. Ou então faz-se como alguém que eu conheço que numa meia hora despacha o Natal : vai a uma perfumaria e pede à vendedora dez perfumes ou colónias ao gosto dela....e....já está! Tudo irmãmente contemplado!...

E aí temos nós, como o que deveria ser feliz, desejado, esperado, fica estraçalhado pelo calendário...pela obrigatoriedade...por decreto!...
"Natal é sempre que um homem quiser".....não poderá ser "Não será Natal se um homem não quiser"??...

Já agora, como eu estou com os miolos a preço de loja dos chineses, vão-me perdoar,  mas lembrei-me de repente, e sinceramente estou quase a ir registar a patente... A  ideia só funciona para os adultos, mas mesmo assim, era meia trabalheira ou mais que se aligeirava, e era o verdadeiro sentido de Natal que se reabilitava.
Senão reparem: uma pequena caixa, tipo ourivesaria ou um montinho de algodão do tamanho de um rebuçado (eu até acho que há umas caixinhas tipo prendinha com que se enfeita a árvore de Natal. Aí então era ouro sobre azul...)
Do algodão, com papel bonito e umas fitinhas douradas ou prateadas, construiam-se rebuçados gorduchos.
Na hora da distribuição, quando o pai, a mãe, o avô, etc, etc, receberem  a caixinha ou o rebuçado e freneticamente os abrirem sem nada lá encontrarem, dir-se-ia : "Aí dentro está a melhor prenda que arranjei para si....um enorme beijo carregadinho de amor! Esse é o meu presente!..."
É  ou não é, uma ideia supimpa??!!...

Eu sei apenas que Janeiro devia chegar rápido, devia poder saltar-se o calendário, ou haver dispensa para quem precisasse...Caso contrário, esta loucura colectiva ainda nos encaminha a todos para o manicómio!...



                                                                  

                                                                           ANAMAR

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"NO MEIO DOS DESTROÇOS"

De uma mesa de café para outra, mesmo que as pessoas bichanem, sempre se ouve muita coisa; mais ainda se os interlocutores, de entusiasmados, estiverem "longe" deste mundo...


Fui tomar o pequeno/médio/lanche/almoço (isto está de mal a pior) num café mínimo, meio atamancado, na ausência da abertura do Escudeiro. Como a fome era mínima, os víveres também não correspondiam, fumar, claro, não se pode, artilhei-me de uma revista, daquelas que parece que a gente lê mas não lê (de "interessantes" que são), e estiquei preguiçosamente as horas, até porque o que me esperava era uma casa e um gato...


Numa mesa bem perto, pois como disse, o espaço é acanhado, estavam duas mulheres...quarentas e tais, cinquentas e tais...não sei estimar, desde que desatámos todas a vestir e a pentearmo-nos à "Barbie serôdia".


-"Como é que se mata alguém bem vivo, no coração??"


Levantei discretamente os olhos da dita revista, e contemplei o ar desalentado com uma lágrima furtiva a escorrer,  por baixo de uns óculos escuros nunca tirados, de quem fizera a pergunta.
A outra opinou e afiançou que se lhe fazem alguma, essa pessoa "morre" na hora, para ela, quanto mais tudo o que a amiga já tinha experienciado...
E começou a enumerar a lista das sacanices, da má formação, do desrespeito a que a amiga teria sido sujeita...
- Tu reage, porque tens o futuro todo à frente, sabes que ele não presta, porque nem desta vez soube ser digno, estás a arruinar-te, hipotecando a tua saúde e as tuas hipóteses....com gente tão interessante por aí!!!...


A amiga, com os óculos sempre colocados, cabisbaixa, não soltava uma palavra.


- Tu concentra o que sentes, nas coisas negativas por que passaste, porque  te custa menos...não penses no bom, tenta ignorar que ele existe e verá quem perdeu...


As lágrimas por detrás das lentes da outra, aumentavam...Já não dava muito para disfarçar...
Com uma voz sumida, que enrodilhava há que tempos um lenço de papel todo molhado, levantou os olhos, como que a medo, e como se fosse dizer o maior sacrilégio do mundo, balbuciou entre dentes :"mas eu gosto dele...não percebes que a minha vida não tem sentido agora?...


Voltei à revista, embora ela representasse o móbil de eu continuar por ali, e não mais.
E pensei, associando até a um livro que li há pouco tempo, de uma grande mulher, na minha óptica - Marília Gabriela -como é possível que alguém diga que a sua vida terminou por causa de outro alguém, que provavelmente nem valoriza, sequer adivinha o mal que lhe causou...
Eu julguei que este filme só podia ser uma reprise de má qualidade de um qualquer filme, digamos, do tempo da minha mãe...
Mas não, ali em frente a mim estavam os destroços de alguém, que dizia, por pudor, ridículo, quase medo de que lhe pusessem um rótulo de louca na cabeça...bem baixinho, como que a pedir desculpas : "mas eu gosto dele...."

Reparem, não estou fazer nenhuma cobertura protectiva do universo feminino. Não...a conversa era aquela,
porque foi aquela. 
Mexo-me mal na compreensão do universo masculino, a história com que me deparei, poderia perfeitamente ser lida ao contrário, que eu sentiria o mesmo nó no estômago...
O que se faz assim da noite para o dia, quando aquele alguém, nos retalhou o coração ao meio, com um golpe só, de um sabre tão afiado, mas tão afiado que nem sangue conseguiu de lá jorrar??!!
O que se faz para catar uma bússola de novo que nos aponte um qualquer norte??!!
O que se pode fazer para parar, reunir "cacos" que sobrassem ainda em bom estado, para reiniciar alguma coisa... qualquer coisa??!!
Como é possível pensar que há vida p'ra lá da que foi nossa, e que possamos começar o que quer que seja, acreditando as feridas todas saradas.......e não ver que a nossa derradeira escapatória é a morte, tal a profusão de sentimentos, pensares, dúvidas, raivas e ódios que noa amordaçam o coração??!!


Não sei se era esse o caso, mas ocorreu-me como possível, e a propósito dele, um artigo que li um destes dias num jornal da manhã :


 Tratava-se de  um artigo de opinião baseado em inquérito feito, não sei como, em que moldes, com que fiabilidade.
O inquérito concluía ser quase "pacífica", nos tempos que correm, a situação de traição numa relação, acrescentando-se que na sociedade portuguesa actual, a sua incidência, tradicionalmente maioritariamente masculina, se situa presentemente quase na ordem de cinquenta por cento indistintamente do sexo. Até aí, nada a objectar, se atendermos à defendida e desejável igualdade de direitos e deveres por parte de homens e mulheres, num vínculo afectivo. Isto, numa análise meramente estatística, sem ainda valorizar a questão em si.
Depois era ainda dito que cerca de 49% das mulheres inquiridas não relevaria a situação, o que a precipitaria para uma óbvia ruptura...
Perplexa que fiquei um pouco, com a "abertura" ou "pseudo-abertura" das mentes num manifesto nítido de alguma (para mim preocupante) liberalização de costumes, ocorreu-me desencantar da gaveta, alguma coisa que escrevera a propósito, nessa altura, e que traduz a minha visão, se calhar "dinossáurica" da coisa... Passo a expor: 
Nos afectos, não há maior dor que a da traição...
A traição é uma chaga aberta por um punhal que se enterra no peito de alguém, gratuitamente, desnecessariamente e que normalmente faz sangrar um coração e uma alma até à exaustão e que deixa uma cicatriz, que me atreveria a dizer, fica indelevelmente... 
Sempre nos lembramos da traição de amigos, de familiares, de amores...da vida...ainda que se tenham aparentemente perdido na bruma do tempo.
Atrever-me-ia a dizer que, de uma traição nunca se renasce inteiro, intocado...nunca se sara até ao limite, a ferida escancarada.
Eu diria que se propiciou, isso sim, a construção de muros mais altos e sufocantes à nossa volta, se semeou uma incapacidade acrescida de voltarmos a desarmarmo-nos perante a vida, se inculcou dentro de nós um sentimento destruidor altamente negativo de desvalorização da auto-estima, auto-confiança, do gostarmos de nós mesmos...
Sempre nos perguntamos, depois de uma traição : "onde é que eu falhei?"..."o que foi que eu não fui capaz de dar ou fazer?"..."por que é que eu não fui suficiente e gratificante para o outro?"... (ainda que na verdade, nada, mas mesmo nada a tivesse justificado nunca!!) 
A traição é monstruosa, por demolidora...é fantasmagórica, por injusta...
É algo profanador, porque é feito pela calada, pela dissimulação, no desferir do golpe, sem permitir armas de defesa...na ausência de lealdade, de carácter, de verticalidade...
É aproveitadora...tristemente aproveitadora...usa a boa fé, a entrega, o querer e o crer...quantas vezes, a ingenuidade de quem vitimiza...
A traição é avassaladoramente mortificante e tanto mais injusta e inaceitável, quanto quem a sofre, fez uma entrega total, incondicional, completa...quanto, quem a sofre, menor capacidade tem, de a ultrapassar, de lhe resistir, de reagir.
Aí, a amputação consegue ser duas vezes maior. 
A traição sempre deixa um amargo imenso no coração, uma dor incomensurável na alma e uma raiva indistinta contra o mundo...Afinal, ela representa o desmoronar de um bonito castelo de cartas em que acreditáramos com todas as nossas forças...
É como se de repente nos perguntássemos : "e agora faço o quê com as flores??!!..."


Anamar

domingo, 13 de dezembro de 2009

"HAVERÁ UM NATAL..."







Olá
Calculo que calculem que não estou a bater bem....e não se enganam, de todo.
Há dias (poucos) atrás, resolvi fechar o "estaminé" por aqui. Achei que se calhar escrevi coisas que não deveria ter escrito, por outro lado, por referenciado que está, o blogue não comporta coisas que precisava escrever e não escrevo (pois sendo do domínio público, deixo de ser eu mesma a de uma forma incondicional e inconsequente , entenda-se livre, a sentir-me solta para escrever o que me desse na gana - das maiores obscenidades aos pensamentos mais santificados).

Em suma, sinto-me de facto limitada mesmo no bom sentido, a manter "um boneco" que tem dias não corresponde minimamente ao que eu sou, ao que eu sinto e ao que exponho...Esses, normalmente, são os dias em que não escrevo.

Eu sei que gente feliz procura gente feliz, e gente amarga, descrente, cansada e triste, afasta de si todos os outros, (porque ninguém aqui é Cristo...), só que não consigo explicar que eu também queria sê-lo....apenas não consigo!

E levo a vida a ouvir estupefacções perante eu o não ser.
É a velha história do "tens que pensar ", "não deves fazer"....."assim não adiantas nada"..."sabe-se lá o dia de amanhã"..."tens tudo para dar certo"....
Juro, nunca tive tanto psicanalista na minha vida a julgararem em causa alheia....porque para julgar em causa própria, chego eu, que sei tudo isso, que cubro a dor a ansiedade e as mágoas, com uns tais cobertores que inventaram e se chamam anti-depressivos, e que servem lindamente para me robotizarem ou tornarem-me um "zombie" no meio da multidão!

Eu já desisti de tentar explicar a quem nunca o experienciou, o que nos leva a desejar por misericórdia, que um dia com um céu limpo e um sol de Inverno esplendoroso (e que eu adoro, terminando o dia junto a uma lareira para uma boa conversa, bem négligé, frente a um copo de vinho, sem horas...varando a noite...), dizia que já desisti de explicar, que esse céu, esse sol, essa lareira, esse vinho....os sinto como agressões, provocações,  porque de acordo com o meu interior deveria chover a potes, estar um dia cinzento, uma borrasca tão grande quanto a da minha vida.

Assim, tentei criar outra "casa" num outro espaço...mas o resultado foi catastrófico...ambiente gelado, falta de conforto, sei lá...um vazio ainda mais vazio que por aqui. Aqui, pelo menos já fiz um ninhozinho, ao qual sou fiel, como as andorinhas......

Resolvi ir ficando, massacrando quem me lê e  talvez ache que me entende, rachando a cabeça da minha filha mais velha que, por bem, eu sei, acha que não faço esforço para alterar os pressupostos à forma como encaro os dias neste momento... e aconselhando a quem acha assim uma coisa do outro mundo eu entregar-me a este imobilismo, solidão e enconchamento, a mudar de espaço ou de blogue e procurar algo com mais lógica, mais soft, menos em tons de cinza!...

Talvez seja verdade que não há nada mais ilógico que a lógica que me tem como refém  hoje. Acredito que sim....acredito que sei "as orações de cór" e não rezo....mas também sei seguramente que eu serei a protagonista duma história que eu gostava de conseguir levar a bom termo...disso eu estou absolutamente certa!...
Se não avanço um passo, é porque o não consigo fazer..


Deixo-vos um poema que adoro do grande David Mourão Ferreira...com que acordei vá-se lá saber porquê às três e meia da tarde, e que não mais me largou a cabeça:

«Ladainha dos póstumos Natais»

«Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito»

 

David Mourão-Ferreira, in "Cancioneiro de Natal"

Anamar

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"TUDO TEM UM FIM..."

Nada como o fim do ano para encerrar o que quer que seja...
É uma altura que estimula o arquivo, a arrumação, a ordem. Se mais não for, porque está a começar outro ano, que para os corações crédulos, será sempre de renovação, benfeitorias, eventos aliciantes e aquela auspiciosa mudança de tudo nas nossas vidas...Começar de novo!

Estou num período terrível da minha vida, um período sem luz, sem saúde, sem vontade, sem projectos, sem ânimo...
Como aqui disse muitas vezes, o blogue que escrevi, era a minha única escapatória ao isolamento, ao sofrimento, era porta de saída para o alívio que tantas vezes precisei, era também um cólo de amizade de muitos que, palavra aqui, palavra ali, sempre me acaraciavam e aqueciam por dentro.

Neste blogue, uma coisa foi sempre certa e segura...eu, era eu mesma. Nunca maquilhei o que escrevi, nunca tentei com isso manipular ninguém...menos ainda ser motivo de incómodo, preocupação acrescida face à minha pessoa, menos ainda usar as minhas palavras para chamar a atenção de quem o lesse...

Não, ele era realmente muito mais escrito de mim para mim, de acordo com a aleatoriedade que me atormentava na hora, de acordo com o conveniente ou inconveniente, sem preocupações do correcto ou não..

Se calhar expus-me muito, se calhar incomodei pessoas amigas que se preocuparam, se calhar fiz sofrer gente...e de facto não vale a pena...

Como tal, encerro com este post este meu espaço, penitenciando-me se de facto foi assim.
Agradeço a todos que me leram, comentando ou não, a todos quantos me incentivaram a que tirasse partido do que adoro fazer, escrever, a todos os anónimos e foram muitos de facto, que sem rosto, tiveram olhos e uns minutos do seu tempo para mim.

Se reiniciarei ou não, anonimamente aqui ou noutro lugar....o tempo o dirá. Uma vez mais o meu MUITO OBRIGADA, de coração!

Aproveito para vos desejar um feliz Natal e um soberbo 2010 para todos com um cartãozinho singelo de Boas Festas.

Um grande beijo da
Anamar




segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

"BATALHA INGLÓRIA"





As pessoas são como os iogurtes....passam o prazo de validade...

No meu caso, quis fazer um pacto com o tempo, mas o tempo não se compadeceu. Não sirvo para arranjar trabalho em qualquer lugar porque sou velha demais, nos balcões não são rostos responsáveis espelhando pessoas responsáveis que se pretendem, mas carinhas "larocas" em corpos mais "larocas" e apelativos, enfim, figuras promissoras de algumas coisas.

Sempre me chocou ouvir dizer sobre determinada mulher: "ah..essa subiu na horizontal..."
Para se subir na horizontal, efectivamente são necessários os tais requisitos de que falava.

Assim, quando terminar as minhas funções lectivas, estou relegada , ultrapassado que foi o prazo de validade, a mudar fraldas, passear meninos em carrinhos, fazer e criar iniciativas para a primeira idade, talvez fazer uns crochés, umas botinhas de malha, ser voluntária em qualquer lugar (já o fui, mas por iniciativa pessoal e não por exclusão)....ou passar as tardes nos bancos da minha praceta a fazer companhia à D. Madalena e seus pares, ou no jardim a ver os castanheiros bravos a descabelarem-se com o vento de Inverno que começa a soprar agreste...

Esta sociedade só privilegia a juventude, aquilo que "lava a vista" como se costuma dizer, o bonito ou falsamente atractivo, o que a mídia passa e com que nos bombardeia, como protótipo do valorizável...as "barbies" que desfilam insinuantemente e se impõem na cabeça da maioria.

Os valores respeitáveis de sageza, equilíbrio, experiência, seriedade, a valorização baseada em parâmetros reais e não outros, de manipulação, deixaram de ter lugar nesta terra, em que os expedientes grassam, o salve-se quem e como puder impera, o inescrúpulo e o facilitismo são pedras de toque...

O que sobra, neste mercado de competição frívola, a quem tiver mais umas quantas rugas, alguns cabelos brancos disfarçáveis e em que a lei da gravidade comece a fazer-se anunciar?
Não sobra rigorosamente nada, senão olhar o espelho e verificar que este não espelha nada do seu valor interior, da sua inteligência, cultura, sensibilidade, capacidade, enfim, desse "eu" global, que a tornariam uma pessoa valorizável, interessante, e não mais uma da turba alucinante de gente indistinta e bem superficial e vazia...

Perante esta realidade ...tal como ao iogurte, espera-me a lixeira da vida...esperam-me referências sempre no pretérito: "foste uma grande mulher"..."foste uma mulher corajosa"..."foste um professora renomada"... "foste a lenda da química no liceu"..."foste uma excelente colega"..."foste não uma mulher mais, mas a Senhora na minha vida"... foste, foste, foste....e eu faço o quê com tantos "foste", na minha história??!!

Resta-me de facto, ou viver destes pretéritos dolorosos e sufocantes....ou como o iogurte...a lixeira da vida!




Anamar

domingo, 6 de dezembro de 2009

"SUSPENSA NO ARAME"





Lembrei agora os meus circos de menina.
Circos de província, pobres, paupérrimos quantas vezes...
Lembrei que dia de circo era dia de festa, para qualquer criança um presente abençoado. O reboliço começava com a chegada das caravanas e com os megafones a anunciarem aos quatro ventos: "Grátis às damas.....espectáculo a não perder!!" - muito alarido, música, lantejoulas, caras pintadas, contorcionistas, malabaristas, piruetas, animais obedientes....corpos ginasticados, cor....luz...

O circo onde eu ia era o "Circo Mariano", quase o único que parava em Évora, ao tempo. Nada de circos "five stars"...
E de facto aquele mundo era mágico, aos olhos de qualquer criança. A pobreza e a precariedade não passavam as paredes de lona, nem fugiam pelas janelas das caravanas.

Nunca achei graça aos palhaços...Difícil  arrancarem-me  uma gargalhada espontânea, quer do "palhaço rico", com a sua cara empoeirada de branco, quer do "palhaço pobre", que ainda assim  vinha mais ao encontro dos meus gostos. E tinha dificuldade em perceber por que é que aquelas bancadas vinham abaixo, com as gargalhadas e as palmas da criançada em êxtase absoluto.

Pois hoje lembrei o circo, porque lembrei uma das apresentações que mais  me fascinavam e me deixavam suspensa....tal como me sinto hoje...

O meu número favorito, era de facto, a actuação dos equilibristas. O coração parava-me, quando os holofotes apontavam para os píncaros da cobertura (lá, onde o tecto faz um biquinho), e os artistas, mais míticos ainda, com os fatos a brilhar pelas luzes a incidir, iniciavam a actuação.
O voo entre trapézios, o  mergulho no nada, rumo a umas mãos que "in extremis" os prendiam, o atravessar o arame com uma barra equilibrante nas mãos, entre um lado e outro, a uma altura que atentava contra a nossa cervical, já na época...o silêncio que se fazia, pelas respirações suspensas, eram uma prova de fogo à resistência dos corações, ainda que fossem de criança...

Hoje o meu circo é outro.
Hoje eu sou a protagonista sem treino, de um número de equilíbrio num arame sem rede por baixo. Hoje, eu vivo no limbo do real e do irreal, hoje a minha vida é feita, segundo a segundo, no arame mesmo, com o Mundo a girar em rodopio à volta da minha cabeça, a entontecer-me e a testar o meu equilíbrio.

Não sei se a alma me escorrega, se o coração me cai, se o autómato que sou neste momento, se equilibra ou se deixa finalmente atingir a paz quando os holofotes se apagarem e o circo ficar vazio...
Hoje eu cansei de caminhadas em arames que julgava serem estradas seguras. Hoje eu cansei de vestir de lantejoulas, porque o meu espectáculo terminou ...Hoje eu cansei de ouvir as palmas , ou melhor, passei a ouvi-las longe, longe, cada vez mais longe...já não eram para mim...fechei os olhos e descansei finalmente...

Anamar

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"RESPIRO..."



O despertador tocou...puxei o édredon, aninhei mais o gato nas minhas costas, e recusei-me a abrir os olhos...
Os números luminosos na penumbra do quarto, marcavam quatro e um quarto da tarde. Chovia...de certeza tinha que estar  a chover!
O reflexo que vinha da rua pelos interstícios da persiana, parecia mostrar um esgar de sol, e na verdade também não conseguia ouvir aquele barulhinho aconchegante da água, quando bate nos peitoris...
Mas que raio, eu tinha direito a inventar um cardápio do tempo...e de certeza estaria a chover!

Constatei que respirava...logo, vivia!...

Apetecia-me inventar uma história para o dia de hoje...assim uma história de fadinhas, varinhas mágicas, sininhos e luzinhas de piscar.
Apetecia-me montar uma vassoura e sair pelo meio dos flocos de nuvens, por aí... ao encontro de um sítio onde ainda houvesse malmequeres.
Será que ainda há malmequeres pequenininhos, minúsculos, como aquele que só os olhinhos do António seriam capazes de descobrir, no meio das ervas, para me oferecer??!!...
O Pedro...o Pedro um dia também me ofereceu um malmequer pequenininho...e eu derretida....porque me sentia menina e mimada!!!
E não estávamos no país dos sonhos nem nada!...

Lancei o meu bafo no vidro da janela...embaciei-o... e consegui desenhar um sol. Aí vi que realmente estava viva ainda... Gente morta não desenha sóis...

Sim, porque muito tempo andei enganada. Julguei que estava muito viva... sentia o sangue quente pulsar-me nas veias, subir-me à cabeça, ao sexo, ao coração.... mas não estava nada.....estava só a sonhar!...

Sonhei todo o tempo que me deixaram.
Andei por aí, a julgar que era gente....e não era....andava fantasiada de gente, isso sim...e era feliz!
Eu também, não presto para gente....sou assim mais....uma coisa inventada... Sei que estou viva porque realmente embacio a vidraça!

Os meus olhos, andam um bocado à minha revelia. Olham sempre lá p'ra longe, ou lá p'ro alto... Aí, é porque andam à procura da minha gaivota.
Só gente doida é que acha que tem gaivotas, não é?
A minha, de quando em vez, desafiava-me, pesquisando-me...de soslaio.
Essa sim...tinha a mania que era gente, e não acreditava, quando eu me fartava de lhe dizer que era muito melhor ser gaivota...

Dancei a minha vida de roda..."Um, dó, li, tá...cara de amendoá"...Soltava gargalhadas de menina, cada vez mais entontecida da dança de roda....e a vida estava sempre no mesmo sítio.
Agora, pronto... acabou. Deixaram-me sozinha naquele relvado, só com o sol que consegui desenhar, com os olhos teimosos, o coração mais ainda (porque não quer e não quer ficar ali sozinho), a chamar, a chamar, a gritar para me ouvirem...e nada...e nem sequer há malmequeres, mesmo pequenininhos...

"...um sorriso colorido....quem está livre, livre está!..."
Anamar