sábado, 31 de julho de 2010

"MISCELÂNIA DE IDEIAS"



Há momentos em que o silêncio é uma bênção....com o estado de espírito com que ando, então, procuro-o desesperadamente.
O barulho maça-me, as pessoas cansam-me...poder estar num local onde o silêncio impere, onde a natureza nos invada, onde sejamos gratificados apenas com o sol, o sussurro da brisa fresca e o verde que nos rodeia, é de facto algo privilegiante.

Procurei isso hoje, no Belas Clube de Campo, paraíso a um passo da cidade, que costuma ser uma zona de paz...
mas, infelizmente hoje, ou porque é sábado, ou porque o calor é insuportável e a praia intolerável, com as temperaturas que temos tido, as pessoas procuraram o oásis que é esta esplanada, perto dos campos de golfe e da frescura dos lagos, donde a ponte 25 de Abril se avista na linha do horizonte...
A "poluição" sonora típica dos grupos que sempre têm que impor aos outros os mais variados assuntos, os berros e birras das criancinhas que me martelam na cabeça, cansam-me e causam-me um verdadeiro mal estar físico.

Tive uma noite indescritível, às 4,30 h estava a enviar uma mensagem de telemóvel...precisava "sentir" gente, acordada ou a dormir, em qualquer lado, mas gente...
Estava pronta a levantar-me, e no entanto tinha dormido apenas três horas. Pensei vir para o computador, mas também não saberia o que fazer àquela hora...o resto da noite foi no deita, levanta, foi o carregar daquele peso que me aperta e me estrangula, foi o arrastar daquele cansaço que não tem fim à vista, foi o sentir a inutilidade de noites a seguir a dias que se repetem iguais...sem bússola ou rosa dos ventos que os norteie...

E o barulho por aqui continua a "deteriorar" a paz deste local, a minha paciência está a ficar "em franja"....ou isto melhora, ou deserto mesmo!

É preciso ter azar!!...

Entretanto morreu António Feio, 54 anos....sem comentários!
Nunca o apreciei particularmente, nem como actor e como pessoa, embora o não conhecesse pessoalmente, era o tipo de figura que não me cativava.
Isso não vem p'ro caso...morreu, morreu com uma expectativa de vida ainda provável para viver.
Não é por ele nos ter deixado que vou fazer aqui e agora a apologia do que quer que seja sobre ele. Normalmente há sempre uma altura em que as pessoas ganham todas um estatuto invejável...é quando morrem.
Não...apenas quero aqui deixar, nesta miscelânia de ideias que constitui este post, uma afirmação sua que li, proferida nos últimos dias de vida, a qual me fez ler, reler e meditar ;
é quase um lugar comum ou frase feita, mas pelo menos eu, deveria repeti-la cada vinte e quatro horas em cada dia, para mim própria :

        "Se há coisa que eu costumo dizer é : aproveitem a vida e ajudem-se uns aos  outros. apreciem   cada  momento e não deixem nada por dizer, nada por fazer..."      António Feio

Deveria ser a maior verdade que norteasse a vida do ser humano, mas eu faço ouvidos moucos ao que sei que é mesmo assim...logo eu, que sinto claramente cada dia irrepetível, logo eu, que acho que deveria recuperar no tempo que me faltar, a dívida que a vida já me não vai saldar, logo eu, que sinto no coração o efémero e a precariedade de tudo!!!...

Como diria a minha filha mais velha, no seu habitual pragmatismo, e também a mais nova (que sendo enfermeira lida diariamente de perto, com a vida e a morte....) : "O que é que falta acontecer-te para "acordares",  mãe??!!...

Anamar

quinta-feira, 29 de julho de 2010

"UM ANO...."

Faz amanhã dezoito anos que o meu pai partiu....faz amanhã um ano que o Óscar me deixou....

Resta-me a Rita...aliás, vão restando cada vez menos e menos coisas na vida das pessoas, à medida que se escoa o que nos foi destinado viver.
Não tenho escrito nada nos últimos dias, porque me tenho sentido vazia, sem energia, sem metas....
Se calhar como deve ser... As metas alcançáveis ou sonhadas, vão encurtando e aproximando-se cada vez mais de nós, na razão inversa da força do que sonhámos ou em que acreditámos....

Começa a haver uma espécie de encolher de ombros, uma espécie de indiferença instalada, um amorfismo, que se o consciencializarmos dói...dói mesmo!

Na vida, os restos que nos vão ficando, vão sendo uma espécie de sobras de coisas normalmente boas (porque das más, nem os restos queremos guardar), que vivemos.

São sobras de amores eternos, como os dos nossos pais ou filhos....aqueles cujo sangue é mais o nosso....nunca apagados, sempre doídos, apenas um pouco apaziguados.
No entanto, sempre carregaram consigo um pedaço de nós mesmos...

São sobras de paixões que nos deram seiva, nos tornaram flor florida, nos levaram a ver o sol brilhar todos os dias, verão ou inverno, fizeram das nossas noites paraísos....e das quais ficam as tais sobras, mais ou menos avassaladoras, que nos matam e consomem, e escurecem o nosso céu irrecuperavelmente...
As consequências dessas sobras nunca serão apaziguadas, antes, sangram e sangram e sangram....

São sobras de amores a seres que partilharam o nosso espaço, com uma dedicação e uma devoção, eu diria cega e incondicional.
Seres que vieram para as nossas casas, em boas, más condições...mas que sempre aceitaram sem nenhuma reivindicação o que quisemos ou pudemos dar-lhes.
Sabemos à partida que normalmente lhes sobrevivemos....mas a sua ausência deixa-nos sempre um buraco que nada preenche.
O Óscar foi-me trazido pela minha filha, eram  quinze centímetros de gato....após a morte do meu pai, para me salvar da depressão profunda que me afundou durante dois anos....Partiu, no mesmo dia, há um ano!

Há oito meses que estou de novo profundamente mal, e eu acho que a Rita percebe isso.
Quando sente que a angústia me está a doer no peito, vem para junto de mim e olha-me, parecendo querer dizer-me algo que nem ela nem ninguém sabem dizer-me...

Enfim....os horizontes deixaram há muito de ter a amplidão dos da minha planície alentejana, o saco das metas e dos creres, vai-se esvaziando...e o saco dos "restos" vai-se avolumando....até quando?...

Anamar

sábado, 24 de julho de 2010

" DILO....ES LO ÚNICO QUE IMPORTA"...

       "Di tus cosas más íntimas, dilas, es lo único que importa.
         No te avergüences, las públicas están en el periódico"
                                                                               Elias Canetti

Recebi num mail que uma colega e amiga me enviou, esta frase, que vinha inscrita num livro, que por sua vez lhe havia sido oferecido por uma amiga espanhola....

Fiquei longamente a meditar sobre ela e em como seria mais fácil, se nas relações interpessoais as pessoas seguissem este princípio e se "defendessem" menos!
Mas não, até vulgarmente se ouve meio a brincar, meio a sério, que os maluquinhos é que dizem tudo o que lhes ocorre, sem peias ou limitações.
Já se soltaram desta realidade de conveniências e já ocupam outra dimensão!...

Também se diz que de ´"médicos e de loucos, todos nós temos um pouco"...( e eu acredito piamente na ciência milenar, que da sabedoria dos simples criou uma verdadeira bíblia ), e penso que vem daí esta minha veia inconsequente de exposição das minhas ideias e dos meus estares...

De facto, nesta altura da vida, muito pouca coisa limita já as minhas posturas (desde que razoáveis, óbvio), e cada vez é menor a preocupação que tenho com opiniões alheias. Certo ou errado, se qualquer coisa é "a minha verdade", então é-o mesmo, ao arrepio de convencionalismos, modismos, correntes, conveniências...

Quem costuma não me poupar muito a esta minha forma de algum risco, fio de navalha, salto de pára-quedas (chamem como quiserem), é a minha filha mais velha, que me lê religiosamente, e que no verdor dos seus trinta e sete anos quereria ter uma mãe mais enquadrada e "normal"....e descobriu agora, que tem uma mãe, que neste momento é muito mais sua filha, que mãe, e uma avó para os seus filhos que também não encaixa no figurino...

.....mas ela amanhã vai para o estrangeiro.....

Estou convicta, que se as pessoas deixassem falar a alma, tudo era mais fácil...menos mágoas arquivavam, menos dúvidas mantinham, mais partilha dividiam, mais amor e amizade espalhavam à sua volta...

Mas não, o ser humano caminha mais e mais para o ostracismo, para o bem estar e parecer, para o ocultar o "flanco", e parece ter medo ou vergonha de por as suas dificuldades e dúvidas aos seus semelhantes, porque infelizmente conhecemos o aproveitamento hipócrita que é feito do seu conhecimento ; e assim, caminhamos para um mundo de solidão, de individualismo, de "cada um que se amanhe"....sendo o ser humano à partida, um animal gregário, que só teria paz, felicidade e se sentiria pleno e completo, em comunhão com os seus semelhantes!!....

Anamar

quinta-feira, 22 de julho de 2010

"O RAPAZ DOS OLHOS VERDES"

Nunca vos falei dele...
Raro é o dia que não nos "esbarramos", quer dizer, que os meus olhos não batem nele, e têm feito germinar em mim um sentimento de revolta, de indignação perante a vida, de tristeza, de profunda inquietação...

O Miguel, soube hoje que se chama assim, é mais um dedo social em riste, apontado a todos nós....
Vive na rua, dorme onde calha, de comer, pouco me apercebi, deambula com um saco de plástico cujo conteúdo desconheço e permanentemente com pacotes de vinho ou cerveja na mão...permanentemente....

As pessoas evitam-no, porque a sujidade, a degradação, a miséria são de tal ordem, que deixam de mal consigo mesmos, os corações mesmo os mais empedernidos.
Muda-se de passeio, troca-se de calçada, enxota-se daqui para ali, como um cão vadio.

O Miguel não fala com ninguém, não pede sequer esmola...o Miguel tem uns olhos lindos, verdes, inocentes, de criança, mas que já não vivem por aqui....estão perdidos algures num vazio distante, em que recordações, não sei, com que imagens, também não...mas que afinal...fiquei perplexa....sabem chorar...

Hoje acordei muito cedo, eram pouco mais de sete horas.A essa hora, a minha cabeça ainda está leve, ainda tem energia, projectos, forças...e sabe-se lá porquê,  "saltaram-me" à frente a limpidez daqueles olhos que me incomodam.
O ser humano é cobarde. Eu acho, que o ser humano defende-se daquilo que puder agitar-lhe a consciência...e é hipócrita também.... Não estou a excluir-me, não me interpretem mal.
Normalmente recuso esmolas, excepto a idosos, e há dentro de mim uma espécie de vergonha, ao dizer não, um certo acabrunhamento, por eu ser uma privilegiada e eles não....eles, aqueles que de facto se sujeitaram a ouvi-lo...e não consigo encará-los nos olhos....
Decidi, que se os meus caminhos  se cruzassem... com os do rapaz de olhos verdes, hoje iria aproximar-me dele, e tentar perceber a complexidade daquele cérebro, que eu acho que ficou muito lá atrás....

Miguel estava sentado num daqueles bancos das paragens dos autocarros, que partem e chegam constantemente à minha praceta.
Comprei uma sandwich (sou franca, receava a forma como iria ser recebida....). Não queria que se sentisse humilhado, não queria magoá-lo mais que a vida já o fez.
Abeirei-me e estendi-lha...disse-lhe:"coma...agora, ou mais logo....não ponha só álcool no seu estômago...isso faz-lhe muito mal!" perguntei se me podia sentar e conversei longamente com ele, arrancando-lhe a custo algumas palavras....
Trinta anos da maior miséria inimaginável...não vou aqui expor o nosso diálogo...mas fiquei a saber que ele se considera sozinho no mundo....e fiquei a saber que aqueles olhos verdes de criança, sabem chorar...

As lágrimas rolaram-lhe pela face... e não me contive sem lhe dar um beijo e afagar-lhe a cabeça...."Força Miguel....só um dia de cada vez....prometa-me que vai tentar",,,

Demagogia...poderão dizer....Um coração de mãe a falar, isso sim....direi eu!...

Anamar

domingo, 18 de julho de 2010

"AO SABOR DAS LETRAS..."


Saramago encontrou Deus...o Deus que procurou a vida inteira, tenho a certeza, embora se dissesse ateu...
Onde ele estiver, Deus está a agradecer-lhe a forma enviesada como ele lutou por Ele, em vida.
Pelo humanismo, pela luta pelos desfavorecidos e marginalizados socialmente, pela denúncia corajosa e desassombrada das injustiças e arbitrariedades, duma sociedade que está a cair de podre, de uma forma frontal e livre...

Depois, vem a faceta de Saramago, que sou franca, desconhecia, de homem sensível, capaz de rasgar um sorriso aberto naquela cara circunspecta, capaz de se emocionar com aquele mar, aquele vento de Lanzarote, capaz de falar com o carinho, como o faz, da avó Josefa, ou do avô, que lhe mostrou a vida, capaz de querer que as suas cinzas repousassem quase anonimamente, sob a oliveira que plantara na ilha que o viu morrer...

Vem o Saramago, que, de miúdo humilde, quase miúdo de rua, teve que lutar pela subsistência da própria família...

Sou agnóstica, portanto, talvez religiosamente, não tão radical quanto Saramago.
Sou suficientemente egoísta e corrompida pela vida mundana de uma cidade descaracterizada, de um país triste, para nem sequer me poder agarrar a convicções que me dessem razão de vida.
Eu acho que isso, está de facto, entregue aos grandes seres...

E assim, a minha vida é de incoerências entediantes, em que defendo, admiro, vejo, analiso grandes causas, mas o vazio toma-me e tolhe-me...
"Alugo" as pessoas, e depois penalizo-me por isso. Isolo-me o mais possível, e depois sofro horrores...os dias cansam-me de vazios e ausência de horizontes...o silêncio, a quietude, a solidão...são os meus aliados preferenciais, e depois, desejo morrer, porque isto não é viver...

Hoje, acordei convicta que era segunda feira, e pensei que pelo menos, haveria mais vida lá fora, sente-se buliço, sente-se gente...
Depois lembrei que era domingo, e isso causou-me um mau estar que não se entende.
Neste momento, a minha vida é passada entre acordar, não ter nada para fazer e dormir...dia após dia...
As pessoas amigas e são algumas, as fiéis, e até algumas mais recentes, me parecem sinceras na disponibilidade que me oferecem de ajuda, porque acham que não me esforço, porque que tenho que reagir a esta apatia, e tentam de tudo para me tirar deste lodaçal....Não percebem que eu não tenho força para me reerguer....Estou entupida de químicos, e os dias são cópias uns dos outros.

Imaginam o que é (como hoje, por exemplo), pensar: vou fazer o quê, daqui a pouco? E excluir todas as hipóteses que me ocorrem, porque parece que os pés ou o coração estão grudados a este quarto, a esta cama, a este sono doentio, por contínuo?

E penso muitas vezes, embora tenha consciência que não é mais que uma infantil utopia, como desejaria ir embora, não sei para onde, nem por onde...mas depois também sei, que carregaria comigo todo o mal que faço a mim própria, mesmo sem querer...só porque ele está dentro de mim!...

Anamar

sábado, 17 de julho de 2010

"A MINHA CASA"

A minha casa é uma casa sem alma ; está tudo demasiado arrumado, demasiado estagnado, demasiado imóvel...

Um dia destes, a Lena dizia-me que a minha casa não têm fluência de energias...
O meu ex-marido dizia que era um "museu"...
Eu sinto-a como eu, quieta, estática, adormecida...se calhar morta...

É bonita a sua decoração, pelo menos eu gosto dela, clássica, fui eu que a escolhi, era uma casa onde viviam quatro pessoas...mas hoje, efectivamente não tem vida, "calor"...poucas pessoas entram, poucas saem, eu própria, de toda ela, frequento quase a tempo inteiro o meu quarto, onde reuni "as minhas comodidades", televisão, DVD, o PC, música, um sofá debaixo de um candeeiro de leitura ...e a cama, onde neste momento da minha vida passo grande parte do tempo, enroscada...

Depois, de lá vê-se Sintra, na linha do horizonte, vê-se a minha gaivota, quando por aqui circula, vê-se e sente-se a tempestade no Inverno, que normalmente é deste lado que fustiga a janela, e agora, vê-se o sol que se despede de mim todos os dias, naquela meia hora de silêncios e mistério, que já vos contei, em que não me mexo, só contemplo, não querendo perturbar o "milagre"...

Tudo está nos sítios, ninguém desarruma, as coisas têm lugares cativos.

Às vezes não percebia por que há pessoas que têm por hábito trocar as coisas de sítio, de local...e dizem que gostam de fazê-lo...Eu não entendia, e pensava "se estava tão bem como estava, agora ficou pior, para quê mexer?"'
Mas as pessoas só diziam que gostavam de o fazer...nunca me explicavam porquê...
Talvez agora eu perceba melhor. Dinamismo é vida...e eu, se calhar já estou  morta sem saber!

A minha relação com a casa tem variado ao longo dos tempos, desde que estou só. Houve um período em que me sufocava, e era martirizante viver nela, como se as energias negativas tivessem tomado conta de tudo isto....Depois houve um período em que a casa, era simplesmente para eu viver o tempo necessário por dia (tinha coisas mais motivadoras para mim, que me preenchiam), agora, é refúgio, é toca, é buraco...e apesar de eu saber que me não é saudável no período que atravesso, menos ainda solução para a minha vida esta auto-clausura, é um esforço titânico eu "arrancar" daqui....eu creio mesmo que ela é novamente uma espécie de conforto uterino que me protege...

Hoje é sábado, acordei de um sonho estranho que não recordo, como é típico dos sonhos, mas lembro a última frase que eu dizia a alguém :" A vassoura das bruxinhas é equivalente à varinha mágica das fadas"!....

Será que eu pressinto, que para resolver a minha vida, preciso de uma qualquer varinha mágica ou vassourinha de bruxa ???!!!...

Anamar

sexta-feira, 16 de julho de 2010

"PARA QUÊ?..."


Há dias li num jornal da manhã uma notícia, cujo título era :"Equipa médica demorou sete horas a reconstruir a  mão decepada a um sexagenário"....
Li, voltei a ler e pensei de mim para mim, qual a relevância de "a um sexagenário", no título da notícia, e por que não poderia o mesmo, realçar simplesmente o mérito da intervenção cirúrgica da equipa médica, que em sete horas, reconstruira a mão de um homem que, por negligência se decepara ?

Por que descrimina a sociedade os cidadãos a partir de determinada idade?
Porque os considera já ineptos, inválidos, incapazes?

"Idoso é colhido por um carro em passagem de peões"...."mulher idosa é brutalmente espancada ao entrar em casa"....etc, etc, etc....

Parece que existem os válidos, aqueles a quem jamais aconteceriam estas coisas, e depois, a classe vulnerável que é preciso realçar...

Como sabem, e já o tenho aqui reiterado vezes sem conta, lido muito mal com o declínio inevitável e perturbador da vida.
Sou, efectivamente uma revoltada com a perda das capacidades que nos reduzem a figuras fantasmagóricas, quantas vezes parecendo retiradas dum filme de terror....Para quê então, ser reforçado ainda mais o grotesco do irreversível, com afirmações do género das que referi?

Nós sabemos que cada dia tudo piora (e nisso, o Arquitecto, finalmente foi imparcial e justo - toca a todos ), é o ouvido, é a vista, é a mobilidade, é a força, a memória, a destreza, a capacidade de se fazer isto ou aquilo que se fazia com "uma perna às costas" ainda ontem....
Perdem a  identidade....deixam de ser um homem, uma mulher, para serem um idoso, um septuagenário...

Mas deixem-nos viver ao seu ritmo, não os minimizem, não lhes façam constantemente sentir que, como diria a minha mãe se aqui estivesse : "A vida tudo nos dá e tudo nos tira!..."

Anamar

terça-feira, 13 de julho de 2010

"REVOLUTIONARY ROAD - OU A LUTA POR UM SONHO"

Lembro com nitidez o domingo em que visionei "Revolutionary Road", num cinema de Lisboa...
Não lembro quando, se 2006, 2007, ou até 2008 ou 9....nem lembro em que cinema foi...mas isso era o de menos!...
Bom mesmo, era dissecar o filme num jantarzinho calmo, bom mesmo, era acertar ou desacertar o passo nas opiniões sobre o que se vira.

"Revolutionary Road" foi alvo de total e absoluta coincidência de opiniões...

Mau mesmo, foi tê-lo revisto  há pouco, num canal de TV, aqui neste meu quarto vazio, e por isso, só agora estou a jantar, também neste quarto vazio, onde apenas sinto  a multiplicidade de emoções....as que o filme me voltou a impor, e outras, que de novo me levaram a reflectir.

Para quem não viu a película, esta linguagem talvez surja um pouco codificada, mas na sua essência, o que o drama foca (porque de um drama se trata), é o lutar ou o acomodar de um ser humano, a perseguir ou a desistir dos seus sonhos e do alcançar de um significado para a sua existência.
No fundo, é a luta entre o cinzentismo ou o colorido que uma vida possa apresentar, dependendo do sonho, da sensibilidade, do acreditar do ser humano...é a tentativa da não acomodação, e o desafio  à fuga do "vazio mortal", do quotidiano da maioria de todos nós...

Esta frase é dita intencionalmente, percebe-se, por um personagem que também faz parte da trama, supostamente louco ( e por isso se encontra internado num manicómio), e que simbolicamente encarna o papel do abanar das consciências, levanta a questão da insatisfação do quotidiano que arrastamos, nos agrilhoa e de que não conseguimos evadir-nos.

O sonho, o objectivo, a meta, a razão para lutar, não desistir, acreditar....têm que estar em cada manhã nos nossos espíritos, e será com eles que a vida poderá ser comandada com alguma consistência.
O reverso disto, é o vazio duma vida que só se finge viver...

Anamar

domingo, 11 de julho de 2010

""APRISIONAR SONHOS..."


Ontem fui ao monte...
Com uma temperatura tórrida, fui encontrar o meu Alentejo, com outro rosto diferente daquele que ostentava da última vez que lá estive.
Com o Verão a pino, os amarelos, os ocres, os castanhos, dominavam, o silêncio era só audível pelo resfolegar do restolho bem seco, com a brisa que perpassava.
Até ao fim da tarde e a paz de alguma frescura  se instalar, reinou aquele silêncio que eu tão bem conheço. O calor não deixa as almas vivas darem qualquer sinal, mas sobre o fim do dia, quando a paz do abatimento da canícula impera, o Alentejo ganha vida...acorda da sesta...

Os abelharucos (em bandos), as garças reais, as rolas, as pôpas, as cegonhas, reiniciam o seu ciclo vital, procurando insectos na terra revolvida pela charrua.

Não me faz bem ir ao monte.
A angústia que me domina e que trago comigo na alma, ao regressar a Lisboa, justifica o silêncio que se me instalou em todo o percurso de volta....A solidão daquela casa, a solidão que aquela mulher deve carregar de volta, sem que o transpareça, para não incomodar, parece que sou eu que estou a senti-la; É um desalento e um abandono compungido que me aperta, muito apertadinho, o coração, e pesa "arrobas"....

Sinto isso em espaços que tiveram vida e deixaram de a ter. Sinto isso também, embora mais atenuadamente, ao ir à casa, fechada há seis anos, da minha mãe ;  sinto isso também um pouco na minha casa, que mesmo estando lá eu e a Rita, já foi uma casa de gente....e já penso, como será, quando também a Rita "desertar"...

Esta tarde, tenho destinado, fazer algo que precisa efectivamente ser feito, e que tenho sistematicamente (por defesa pessoal), adiado de dia para dia.
Já comprei fita de cetim azul, para atar as arquinhas que estão cheias  até à borda, de algo que não tem tamanho, peso, ou medida...Vou "aprisionar sonhos" ....

As minhas noites, que agora se dividem entre o "antes da insónia" e o "depois da insónia", dão-me exactamente por isso, períodos vazios, de reflexão e meditação.
A insónia tanto pode ser às três, às quatro...às cinco.
Levanto-me por necessidade, e de imediato sinto que o sono já era...; Depois, é uma prova de força -  rebolo, rebolo na cama até não dar mais, e já verifiquei que só consigo conciliar de novo o sono, tomando algum leite morno.

Pois foi na insónia desta noite, que pensei que teria que enfrentar mais uma "provação" na minha vida, ter a coragem que me tem faltado, para arquivar definitivamente sonhos que povoam essas tais arquinhas, a esmo, antes que eles me fujam...

É assim: há pessoas que "coleccionam" pensamentos, outras, memórias,  outras, palavras, outras, sonhos... sem receio que o vento os leve.
Eu, como sei que a mente é traiçoeira, colecciono, já vos tenho dito, pedacinhos felizes de vida...e assim, pedacinho aqui, pedacinho ali, uma folha, um galho, uma rosa seca, um poema, um guardanapo de papel com uma data escrita, uma esferográfica, um sabonete pequenino, um bilhete de cinema...tudo está nas minhas arcas e tem que ser definitivamente arrumado, antes  que os anos ( que têm subterfúgios dolorosos na vida ), me traiam e aquelas arcas fiquem "imprestáveis"...

Escolhi a fita azul, cor do céu, cor do mar que tanto amo...vai "selá-las", e acho que não voltarão a ser abertas nunca mais, porque os sonhos que têm lá dentro, já não têm força para entreabrir as tampas...

Por isso, hoje, vou "aprisionar sonhos"!...

Aliás, ou porque é esse o meu trabalho desta tarde, ou porque o trabalho desta tarde é que me deixa assim, sinto uma solidão tão doída dentro de mim, uma tristeza de morte anunciada, uma mágoa de desesperança, que não vos consigo traduzir...

Hoje, eu sou aquele barquinho de papel, que aquele menino de seis anos pôs a flutuar na água, que sobe, que desce e que se vai afastando com a maré, até se perder definitivamente, até se afundar...
Hoje, eu sinto que me afundarei...é uma questão de tempo...
E sinto que não vale a pena fazer de conta que vivo, que luto cada dia ( o que me dá um cansaço atroz ), porque as pessoas não percebem que eu faço teatro o tempo todo...até para mim mesma...e começo a ficar realmente cansada, porque sei que o que está estruturado, dificilmente é alterável!
Só tenho uma mágoa enorme, de envolver mesmo sem querer, pessoas que eu amo, numa preocupação acrescida às suas já complicadas vidas...

Meu Deus, por que terei eu que ser assim??!! Que raio de pena estou a cumprir em vida, por um mal que terei cometido sem saber??!!...

Peço desculpa pelo texto de hoje...não se angustiem por mim.
Apenas, eu tinha que por no papel ( o tal buraco na areia ), tudo o que, como as minhas arcas, me vai enchendo, enchendo, e que acaba por me saltar do coração...

Afinal, eu não tenho fita azul a selar a minha alma!!...

Anamar

Nota: Foto retirada da Net (o autor está identificado)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

"O QUE FICA E FICARÁ..."

 
Acham que é possível ter saudades de alguém, ainda estando com esse alguém?
Ter saudade de algo que acontece, enquanto ainda acontece?
Ter saudade da Vida, estando a fazê-la todos os dias?

Pois é...foi o que aconteceu comigo ontem (já tem acontecido noutras circunstâncias, mas ontem foi notório)...

Realizou-se a Festa anual "da Begónia", de encerramento do ano lectivo, como vai sendo habitual, entre os professores que na minha Escola dão aulas no período nocturno.
"Da Begónia", penso que já vos expliquei, porque, a brincar se criou a "Confraria da Begónia", que é anualmente engrossada, por todos quantos se aposentaram nesse ano escolar (os "begoniandos", que dessa forma, assumem  a categoria de "Barões e baronesas da Real Ordem da Begónia", ou seja passam a "begoniados"....)
É uma confraternização de muito mais que colegas, que transcende a relação meramente de cariz profissional, é uma confraternização de irmãos, uma partilha de afectos, em que é oferecida uma begónia (que é uma flor particularmente bela, aos aposentados nesse ano lectivo, como disse.

Pois bem, o ano lectivo 2009/2010 foi para mim um ano absolutamente distinto e marcante , em toda a minha carreira.
Primeiro, porque estive afastada da escola desde fins de Novembro, por razões de saúde, e depois, porque a falta de saúde era do foro psicológico , deprimindo-me, incapacitando-me, exaurindo-me e causando-me uma mágoa e uma tristeza que ainda carrego como cruz.
Acontece que há cerca de uma semana tornei-me eu, também, begoniável,  porque saíu a aposentação antecipada que requerera em Dezembro, e como tal, este ano, a festa do fim de ano "bateu forte", visto que a senti como sendo particularmente um adeus ou despedida minha (embora também o fosse p'ra outra "companheira de estrada" de há muitos anos).

Penso que, desde que esta "brincadeira" se iniciou, este, foi o ano em que mais colegas se reuniram. Entre os que estão e os que estiveram em actividade, seríamos perto de quarenta pessoas...e eu estava tão feliz!...
Uma felicidade que me fez esquecer por horas, todo o sofrimento por que tenho tenho passado, que me apagou a longa "invernia" que atravessei, pelo calor humano que me foi transmitido, pela amizade que senti, pelo sentir-me querida e acarinhada...pelo perceber, finalmente, que tinha importância para as pessoas...

Ao mesmo tempo, amordacei na garganta a emoção que me assaltava, pela "despedida", pelo virar de página, pelo fecho de um ciclo e um recomeço de vida...com tudo, de bom e de mau que ela me poderá dar daqui para a frente...
Mas a partilha, o estar ao lado de, a cumplicidade, a amizade, as palavras que recebi, no fim, de alguns colegas (e que jamais esquecerei), deixaram-me por demais, com um nó no coração...

E à medida que o jantar se aproximava do fim, a saudade e a nostalgia já me invadiam, e eu já estava a vivê-lo no passado, ele já me estava a fugir, porque tudo é assim na minha vida...nunca vivo nada em pleno...vivo sempre com a angústia do fim à vista, e a tristeza de não poder perpetuar tudo o que me conforta a alma...

Eu sei que esta filosofia não é correcta, porque como dizia John Lennon: "o passado já foi, o futuro não sabemos se será...o presente é o que temos", e em vez de o saborearmos, por vezes não o agarramos sequer, como um "oferta" com laço e tudo...porque as sombras dos pensamentos erróneos nos dominam...
 E como nada é mais efémero que a própria Vida, se não sorvermos estes pequenos/grandes momentos com que ela nos presenteia...então não fica mesmo nada...e nada disto fará sentido!...

Deixo aqui a foto da minha begónia, porque ela poderá morrer, como uma planta que é... mas o que ela representa, estará sempre vivo na minha memória para todo o sempre!...E é amarela...a cor que mais gosto...a cor do sol que amo e que saúdo todos os dias...

Anamar

terça-feira, 6 de julho de 2010

"AQUELE PÔR-DE-SOL..."


Apenas a natureza me não decepciona...
Sentada na minha cama, entre as oito e meia e as nove da noite, e porque moro num sétimo andar com Sintra na linha do horizonte, guardo um período de absoluto silêncio, de um misticismo respeitador, de um êxtase de reflexão...

Durante essa meia hora, todos os dias, o sol me tem presenteado com um espectáculo que nunca é igual, de dia para dia, de local para local, mas que é sempre pujante, glorioso e nos reduz a um grão de poeira no espaço...
Eu fico quietinha, a vê-lo descer, lentamente, como um lenço a acenar num cais...aquela bola de fogo que vai do laranja ao vermelho, até que a linha do horizonte o engole...

O "rei" foi dormir, e deixa atrás de si, uma cor no firmamento, indefinida, entre os rosas e os laranjas....sabem do que falo, claro.
Não estou a falar de nada novo...tudo isto é uma descrição banal...mas digo-vos...é tão grandiosa, que é impossível depois de um pôr-de-sol, é impossível que fiquemos os mesmos!

Assisti já a tantos, da falésia de S.Lourenço, à varanda das Furnas....da Jamaica às Maldivas....ou aos mais inesquecíveis para mim de Sta. Lucia....e todos eles, dentro de mim, são um ritual que eu respeito duma forma avassaladora, porque afinal trata-se dum morrer para um renascer horas depois...

A vida decepciona-nos, o ser humano maltrata-nos, os desgostos consomem-nos... a Natureza, essa, nunca nos falha nos presentes que nos dá, quando o borboto deu uma flor para nos perfumar o dia , quando a crisálida deu uma borboleta de cores deslumbrantes, quando daquele ovo sai uma nova criatura que se faz à Vida, quando o vento nos canta nas searas, aquela canção de embalar ....quando a onda traz e leva até à praia os sonhos que lhe contámos...

Desculpem a falta de conteúdo...ou talvez do conteúdo a mais....
Isto hoje está assim...

Anamar

segunda-feira, 5 de julho de 2010

"TARDE DEMAIS...."

A minha vida, hoje, é um pouco esperar que um dia acabe e comece outro.
São iguais os meus dias...sem cor (ou eu tornei-me daltónica, que é o mais provável). A mente pede-me casa, refúgio, toca, buraco...o corpo está ocioso, não dá um empurrão.
Acho que recomeço a atravessar outro deserto...e para mim, deserto, é sempre ausência de afectos.

Há pouco pensava, enquanto tomava duche (e não sei se se passará o mesmo com mais pessoas, ou se sou simplesmente um ser execravelmente único nesta matéria), que há já tanto tempo que não manifesto ou sou alvo do afecto de alguém. Afecto, refiro-me àquele afecto do toque, do colo, do abraço, do beijo, da pele, do calor...

Passei a tarde de ontem com a minha filha mais velha, o António, a Vitória, o Frederico e a minha  mãe.
Essa minha filha é profundamente pragmática. Extremamente sensível, mas daquelas pessoas que não conseguem traduzir por gestos, o que lhes vai no coração.
O pai dela, foi e será ( ? ) exactamente assim.
É extremamente, demasiado até, preocupada comigo, que eu sei, excessivamente...mas ninguém lhe "arranca" uma palavra de amor.

Pensava eu, dizia...há quanto tempo não sento as minhas filhas no colo e lhes dou um beijo, um abraço bem apertado, ou digo que, no meu jeito enviesado de ser, as amo e são ainda, junto com a minha "velhota", a única herança com que a vida me presenteou?
E tive vontade de o fazer...mas parece que a partir duma certa idade, se levanta uma barreira de uma espécie de "vergonha" ou timidez, um receio de "pieguice" inexplicáveis...que nos tolhem os movimentos...
Damos um beijo de cumprimento e de despedida...mas isso, também fazemos aos de fora, àqueles que não carregámos nove messes na barriga...

O mesmo em relação à minha filha mais nova, e com essa até tenho uma certa empatia de ideias, falamos de tudo  (porque ela se aproxima mais da minha maneira de ser), sem pudores ou tabus, de mulher para mulher, como se fôssemos colegas ou irmãs...talvez...(ela é menos formal que a irmã).
Mas damos um beijo à chegada e outro à partida também, e o resto parece que está "atado" dentro de nós e não sai cá para fora.
Eu bem sei que ambas estão na casa dos trinta anos, mas de qualquer forma, estranho fenómeno este, que nos tolhe o mais genuíno que o ser humano pode ter: a felicidade da manifestação do afecto, do mostrar quanto o outro nos é importante, nos faz falta, que nunca seríamos mais os mesmos sem ele...

Mas eu, também sou da mesma forma com a minha "velhota", de tal forma que, se por qualquer estranha razão lhe dou um abraço mais apertado ou a beijo mais, ela deixa as lágrimas escorrerem pela face, porque ela, eu acho, ainda era capaz de me propor que eu me sentasse nas suas pernas descarnadas de noventa anos...mas também não o faz...

Será assim com as outras pessoas?
Quando, porquê, a partir de que idade, se levanta esse muro impiedoso que nos algema o coração,  e nos faz sofrer, afinal???
E como seria importante sentirmo-nos de novo crianças, recebendo as meiguices, as manifestações reais de afecto, que só temos até uma certa altura da vida!!!

As crianças, essas são extremamente generosas. Estes problemas existenciais obviamente ainda não se lhes colocam.
Passei, como disse, parte da tarde de ontem com os meus pequeninos...
Sou omissa com eles, já aqui disse noutros posts. Não fui "talhada" para avó...tristemente...e carrego as "toneladas" dessa culpa.
Por isso, talvez a presença deles me obrigue a confrontar-me comigo mesma, como um dedo acusador e me faça sentir pior ainda do que eu já sou.
No entanto, as crianças são regeneradoras; elas aceitam-me como sou, acho...
Falam-me sem ressentimentos ou estranheza, sem recriminações, correm para mim para me abraçar, querem brincar e conversam comigo, sem ofensa ou rejeição...
Parecem entender o meu jeito desajeitado de ser, a minha incapacidade de "peixe fora de água"...Contudo, como gosto deles!...

É sempre assim...
Depois, um dia, lamentamos as palavras que deveriam ter sido ditas, não foram...e já não as podemos dizer...
Sofremos por as termos amordaçado nas gargantas, por os braços terem ficado tolhidos nos movimentos, os olhos terem sido inexpressivos quantas vezes, as mãos inertes, o coração sem força para bombar o calor que guardava e não deu...e já é tarde!!!

Por isso, é que, totalmente "rasgada", lembro até hoje, como disse ao ouvido do meu pai, minutos antes dele partir, bem baixinho, enquanto lhe acariciava o rosto e lhe pegava na mão : " Pai, gosto e sempre gostei muito de si...toda a minha vida"...
E ele, mesmo com olhos que não abriram mais, deixou escorrer uma lágrima pela face e foi......Já era "tarde demais"!!                              
                                                                                                
Anamar                       

quinta-feira, 1 de julho de 2010

"A LENA"

Nunca vos falei da Lena.
A Lena é uma das minhas quatro amigas. Sim, porque eu sou tão sortuda, que tenho mesmo quatro amigas daquelas que se escrevem com A maiúsculo.
Mas, de todas elas, a Lena é talvez a mais próxima de mim, não só porque moramos a dois minutos uma da outra, (quase casa com casa), como porque partilhamos profissão e vida , há mais de trinta anos...
Demos aulas na mesma escola, a vida toda, tomamos o pequeno almoço, o almoço ou simplesmente um cafézinho com muita frequência nos cafés da nossa zona, dos quais o Escudeiro, já sabem, também é um pouco "pertença" da Lena.

A Lena é uma criança grande; tem a pureza de alma, a ingenuidade, a generosidade e o sonho, entranhados em si, como as crianças...
Nunca conheci ninguém que se esquecesse que existe, vinte e quatro horas por dia, em prol dos que a rodeiam. E os que a rodeiam, posso ser eu, pode ser a família, pode ser o velhote que ela sabe que está triste e vive só, pode ser aquela senhora com dificuldades económicas, pode ser a mãe duma aluna que está desempregada...pode ser o aluno que precisa de ajuda porque tem que acabar a escola para melhorar de vida, ou a empregada que lhe trabalhou em casa, teve um AVC, e a Lena fez de tudo para depois a recuperar!...

Ela não é deste mundo, tenho a certeza...
Acho que ficou aqui esquecida, como o pequeno príncipe, vinda de um qualquer asteróide, de uma qualquer galáxia, e ficou por cá, para "cativar" todos quantos cruzam o seu caminho...
Dela, emana sempre uma luz, que ela não vê, mas que se sente; uma luz que aclara um espaço escurecido, como aclara um coração apertado, como "levanta" do chão sempre, quem não tem força para o fazer...

O seu riso infantil, a sua boa disposição contagiante, os sonhos que leva aos que já os não têm, fazem dela, um ser que perpassa, mas que não pertence a este lugar...
No momento exacto,  ela lá está....dos seus lábios saem sempre palavras regeneradoras e esperançosas, com as quais, é impossível ficarmos os mesmos...

Ela é mais mãe da minha filha mais nova, do que eu própria, e penso que também "adoptou" como um pouco netos seus, o António, a Vitória e o Frederico!

Eu costumo dizer : "nada é impossível para a Lena"!
Se queremos ter força e não desistir num momento em que tudo parece sem sentido, a Lena ( como um mágico), tira o coelho da cartola e consegue ter as palavras exactas que precisávamos ouvir, ou o carinho que precisávamos receber naquele momento...
Por vezes pergunto-me se o dia, para ela, não terá quarenta e oito em vez de vinte e quatro horas?!
Apesar de todo o trabalho que desenvolve ao longo do dia (profissional, doméstico, familiar), ainda arranja tempo (e nunca olha para o relógio), se percebe que alguém lhe lançou um SOS e precisa dela.
Lá está para  ouvir, dar o ombro, dar a bênção, dar a força, se for o caso, chorar junto, rir junto...sempre disponível, como se o tempo, para ela,  fosse destinado a isso...

A Lena é muito "gente", muito "coração" e pouco "razão"...
"Não", é palavra que não conhece conhece!

Sempre que penso nela, vejo uma árvore enraizada, que oscila, oscila e não verga com a tempestade. Tenho a certeza que pela vida fora, ainda os seus ramos me abraçarão e não me deixarão cair,  a sua folhagem me dará sempre sombra, na canícula do Verão e os seus frutos me matarão a sede, quando estiver exausta na caminhada!...
Sempre assim o foi, é, e certamente o será...e sinto em mim aquele ímpeto que se tem, de acarinhar uma criança, sentá-la no colo e dizer-lhe : " Lena, não tenho o teu dom, não tenho a tua aura, não estou no teu patamar de perfeição....mas deixa-me ao menos, nesta vida, ser a rosa que alegrava e perfumava o pequeno príncipe e que ele regava amorosamente todos os dias!"...

Anamar


                                                         Com um beijo, para a Lena