segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

"O MUNDO DOS LOUCOS"


Hoje estou num aquário vazio.
Imagino uma jaula de paredes de vidro, assim como os aquários de peixes de água quente. Não estou presa, mas estou...o meu cérebro parece parado.
As paredes são de vidro porque vejo tudo e oiço tudo à minha volta, mas é como se não pudesse comunicar...

Estou efectivamente parada, inerte, incapaz; o cérebro lembra uma daquelas gavetas que não arrumamos há séculos, tal o caos e o desalinho que a preenchem. Tem tudo...só nós é que não achamos nada...

Faço e esqueço no instante seguinte...."pus creme? "Não pus creme?""dei os medicamentos à Rita ou isso foi ontem?'"
Na rua, ando como imagino que um ébrio ande. Fazer movimentos bruscos, não devo, porque todo o corpo tomba nessa direcção. À conta disso já dei três quedas que poderiam ter sido graves.

Desculpem trazer isto aqui, mas só me sinto bem , neste quarto, frente a esta frincha que se abre ao mundo, o PC, com o radiador e a Rita aos meus pés, o casario da cidade a desfilar à minha frente ...e assim como que a dormir acordada.

Felizmente o dia está cinzento e modorrenho.... Odiaria que hoje houvesse  sol...Parece que o cinzento uniforme que está sobre a minha cabeça, tem o poder de me aconchegar, de me envolver.
Se houvesse sol, penalizar-me-ia de ter saído da cama, ou melhor, ter sido acordada pelo telemóvel, ás 2 e tal da tarde...teria perdido um dos meus motores de arranque....o dourado cólo da mãe, que sempre é uma nesga de sol.

Estou a ficar preocupada (desculpem-me dividir isto convosco), mas, ou estou indiferente a tudo  ( se me sinto neste mundo), ou me isolo, porque não tenho paciência para "fazer sala" a ninguém; vejo o mundo inertemente de dentro para fora do tal aquário protector de vidro, fazendo e não fazendo parte desse mesmo mundo. Parece que neste momento, tudo o que bate em mim, faz ricochete, como se estivesse revestida de uma pele impermeável, onde as gotas de chuva não molham, menos ainda empapam...
Estou porque estou, vivo porque vivo, faço ou não faço e estou-me nas tintas seja qual for a escolha feita!

Parece que fui aqui largada de um outro planeta. Neste, tenho comigo a escrita, a música (alguma), e esta cabeça oca em cima dos ombros, sem qualquer préstimo...e eu, como que sentada numa falésia, de olhar perdido no mar, que vai e que vem....nenhuma perturbação, silêncio apenas, e uma indiferença total a que o Mundo caia e eu não dê por isso...

Este é o mundo dos loucos, não é? E pelos vistos não é difícil transpor o muro!...

Anamar

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Miau-miau"




Faz toda a diferença ter um amigo....

Ontem encontrei um, que de certeza era jardineiro....
Ele disse-me que tinha um malmequer, mas cá para mim, também havia de gostar de ter margaridas e girassóis...
Tinha uns olhos de menino traquina, arregalados, olhos puros e crentes...
Que engraçado, lembrei agora que ainda há olhos puros e crentes....

Era um amigo tão amigo, que até pediu para que eu não chorasse mais...eu, que estava tão triste;
conseguiu que por instantes eu esquecesse o que me havia feito correr aquele "caudal", pela cara abaixo...e passou a haver sol no meu quarto...

Ele não tinha, mas já o vejo com um macacão azul, um avental, um chapéu de palha e um regador, de joelhos em terra, a caçar às flores, sorrisos, como fez comigo....

Aquele meu amigo, tem o nome de "miau-miau" (ainda não apurei bem porquê...), e desatou a mimar-me desde então.... (ele deve ter percebido que eu continuo a ser o tal saco roto de afecto, que ainda ninguém costurou), e deixa-me sonhos de arco íris, beijos recheados de sol, diz que eu sou uma fada linda do bosque encantado,  onde em sonhos nos conhecemos, manda-me beijos com chocolate quente e doce de ameixa....enfim....cá para mim ele só pode ser a simbiose de duas pessoas especiais, uma  real e outra não.

Ele é um sósia impressionante, do nosso Solnado, e como nunca falei com ele, a voz que oiço no meu espirito, é aquela que saía daquela cara de menino crescido e bem  "levadinho"...
Depois, tenho a certeza absoluta que ele é aquele príncipe que todos deveriam conhecer, e que viveu num asteróide, estão a ver??....

Não estou nada enganada, tenho a certeza.     

E se calhar, porque nada acontece por acaso, e eu estou a atravessar um daqueles "acasos" da vida, que nos matam aos pouquinhos e pouquinhos....o meu pequeno/grande príncipe, "miau-miau", parou por aqui, vindo nas asas duma borboleta, para me lembrar que "as coisas realmente importantes, não se vêem com os olhos, mas sim com o coração".... e que de cem mil pessoas iguais, apenas podemos chamar de "amigas" àquelas que cativámos....este o  caso do meu amigo "miau-miau"...

Anamar

domingo, 14 de fevereiro de 2010

"NEM UM SIMPLES MIOSÓTIS...."



Belas....
Sol, um sol quente de um Verão que parece que fez marcha atrás e voltou...
Um dia esplendoroso com as cores de uma paleta não regateada, desde o azul intenso de um céu completamente limpo, com os verdes do Inverno, nos alecrins, nas alfazemas, nas tuias e nos cedros, antes do verde viçoso dos borbotos da Primavera que chegará...

O Tejo em fundo, o verde da relva do golfe, as flores a dormir ainda, numa sonolência de quem começará a espreguiçar-se  qualquer dia...porque, caramba, já estamos a meio de um Fevereiro generoso...

Amanhã, 14 de Fevereiro, mais um S. Valentim...mais uma data determinada pelo calendário e não pelo coração das pessoas.

Há namorados que o são, às vezes sem saberem, a vida inteira...
Pode vir um homem, depois outro, e mais tarde um outro...mas de todos, houve o eleito, que ficou a tomar conta do lugar e não arreda pé...vá-se lá saber porquê??!!
Haja cataclismos, haja tsunamis afectivos, haja tornados avassaladores....e mistério dos mistérios...o eterno namoradinho nem vacila.!Grudou por razões às vezes inexplicáveis...

E às vezes fica, já não sabe que o é (porque para ele já passaram cinquenta catorze de Fevereiros), e por isso, já comprou a rosa vermelha para a "actual", e ela, a que o elegeu o namoradinho de toda a vida, chora que se desunha, não tem a quem comprar nem um miosótis, quanto mais a rosa... mas escreve-lhe na mesma, meia dúzia de palavras num cartão  condicente, nem que seja para guardar religiosamente numa arca da vida...

Esta foi uma história diferente de S. Valentim....
Fui escrevendo, e foi correndo....fui escrevendo, o sol de que estamos sequiosos foi indo, e a sombra foi subindo...
Um catorze de Fevereiro diferente, um S. Valentim mascarado de sábado de Carnaval...

Anamar

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"A PEDRADA NO CHARCO..."


Em 1919 logicamente eu ainda não tinha nascido.
Nasci no Baixo Alentejo e vim com cerca de dois anos para a cidade de Florbela Espanca, Évora. onde viveu embora fosse oriunda de uma vila bem próxima, de que já aqui falei muito.
Lembro-me de em menina vir do colégio com a minha mãe, e ser percurso obrigatório, atravessarmos diariamente o jardim da cidade, e de, portanto, ver numa placa  ajardinada o busto de homenagem à poetisa. Vem daí o meu primeiro contacto com a personalidade e posteriormente com a sua história de vida e os seus poemas.
Descobri na biblioteca do meu pai o seu livro de sonetos, que depois de a conhecer um pouco mais como mulher, para mim, passou a ser uma bandeira ou estandarte, naquele Alentejo redutor e profundo, e a ser  o meu livro de cabeceira, lamentando que ainda hoje publicamente, não se tenha feito no país, justiça à mulher e à poesia, no nosso universo literário...

A minha inspiração está escassa e resolvi hoje, em jeito de uma pobre homenagem, deixar aqui um poema meu, sobreposto à "ALMA PERDIDA", soneto do seu  "Livro das Mágoas" de 1919:

Alma perdida
 
Florbela Espanca





Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
       Que chorasse perdida em tua voz!...   
 
1913
         
 
 
(sem título)
 
Eu sinto que em mim ela encarnou 
Embora dela apenas seja a dor,
o regalo,o vazio, a mágoa, o despudor
que ela deixou por cá,a flutuar...
a charneca foi seu berço e seu embalo
as papoilas que a tingiram, o regalo 
de um coração sangrante , a sossobrar...

Era força de mulher em desespero
Era míngua de luar trazendo paz,
a voz do rouxinol e do seu canto,
nada mais foi, que a sua voz
exangue, inerte... morta, incapaz....




Mulher que em vida  não vivias,



por ti o amor só esvoaçou ...
a urze e a murta que colhias 
nem p'ra aquecer teu pobre coração enfim chegou!...
 
2010
 





Anamar 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

"AFINAL QUEM SOU EU?"


Eu sou a que procura, sem querer achar...
Sou a que busca, mas não quer alcançar...
Aquela em que os espinhos é que dão sentido ao paraíso a que se chegou, embora o ter-se chegado seja irrelevante!
É a que sonha, embora a cor dos sonhos se esbata por já não valer a pena...
Sou a que constrói a ferro e fogo com a mão direita,
para desconstruir com a esquerda, porque tudo não passava de uma quimera!
É a que saboreia a estrada de ida e odeia a mesma estrada no regresso...porque já foi!
É aquela que ao criar, põe a fasquia intencionalmente exigente, sabendo já, que sempre o atingível fica aquém..
É para a que o que vale a pena é a presunção, porque nunca o real atinge um presumido, exactamente por isso...porque foi meramente um presumido...
É aquela para que se esmera numa construção de areia, que só lhe interessa até que a maré suba....porque depois é um monte indefinido de areia amontoada....
É a que quer e não quer, faz e desmancha, sonha e vira pesadelo, sente-se gente e não deste mundo...
Só é feliz, no durante, porque o antes é um sofrimento e o depois uma desilusão sem tamanho!..
Sou a que gosta da viagem...mas nunca do destino...
É alguém que deambula erroneamente, porque não tem uma meta, um trilho, um GPS, sequer uma vereda...
Não tem coordenadas de cabeça nem de coração!.... 
Isto é alguém real?
É alguém com distúrbio de personalidade?
E se o for, quer dizer o quê?...

Anamar