domingo, 30 de janeiro de 2011

"TARTARUGAS MARINHAS"


A tartaruga marinha , existente há 150 milhões de anos no planeta, é um réptil de origem terrestre, mas que evoluíu para o mar.
A sua carapaça tem cerca de 2 metros e pesam cerca de 600 quilogramas. São verdadeiros monstros marinhos, respeitáveis, com características muito próprias e simpáticas.

A tartaruga marinha sempre volta ao local onde nasceu. Na praia onde nasceu, ali desova, dando continuidade ao ciclo da vida, quando atinge o estado adulto, pelos 20 ou 25 anos de idade.
A desova das tartarugas marinhas, espécie protegida sobretudo em países que já estão sensibilizados para a inevitabilidade de se tratar de uma espécie em vias de extinção, e como tal, protegida, é um verdadeiro espectáculo.

Acontece na escuridão do início da noite. Não pode haver movimentações estranhas ou ruídos no areal, ou sequer luminosidade que não a natural, que a perturbe.
As tartarugas deixam o mar e sobem em direcção ao areal. Aí, com as suas patas nadadoras, ao estilo de pás de escavação aprofundam buracos para o depósito dos ovos. Acontece serem mais de cem ovos por ninho, embora a viabilidade de fertilidade desses mesmos ovos seja de 50%.
Durante a desova, a tartaruga entra em transe, um estado cataléptico tal, que se for tocada, não o acusa.
Quem quer assistir a este verdadeiro espectáculo, deverá ter uma postura silenciosa e discreta, vestindo-se de cores escuras, para que nada interfira na paz que deve reinar no areal.

Terminada a desova, a tartaruga cobre cuidadosamente os ovos, e disfarça o local, igualmente com as patas. Ela "sabe" que os predadores para os futuros nascituros, são imensos, desde aves marinhas, caranguejos, peixes, até infelizmente, o ser humano.
De seguida dirige-se para as águas onde vive, as profundidades oceânicas, por onde se passeia na sua cadência lenta, no meio dos abismos rochosos ou nos "jardins" de corais e anémonas, onde a luz solar, difusa, penetra mais ou menos, levando a água de azul escuro a turqueza e onde as cores multicoloridas dos peixes, de fazer inveja a qualquer arco-íris, acendem fogachos de irrealidade...

Quando os ovos eclodem, as pequenas tartarugas correm para o mar, seu habitat natural, mas ainda assim, a estatística de sobrevivência é de cerca de 1% apenas...

Eu acho que tenho um pouco de tartaruga marinha.
A minha "carapaça" também é imensa, e nela procuro esconder-me e proteger-me face às intempéries da vida, e com ela me defendo dos predadores da mesma...
Como ela sou um animal de solidão...e adoro o mar!
De resto, cumpro, sem discutir, tal como a tartaruga, o caminho adiante, escrito e destinado, o ritual de sobrevivência, lentamente, como uma dança...seraficamente...

Só não tenho a sorte de ter como ela, aqueles jardins à minha disposição, flores de coral e anémonas "bandos" de peixes indescritivelmente belos a rodear-me, abismos silenciosos, enigmáticos e profundos...

Anamar

sábado, 29 de janeiro de 2011

"MOURINHO - A VITÓRIA DO HOMEM"


Computador avariado, para variar (eu acho que são os desígnios divinos que se conjuram para me tirar "protagonismo" aqui no meu canto....rsrsrs). Bom, mas há sempre um amigo generoso que sabe destas engenhocas, e que o tirou do estado comatoso para o recobro (ele coitado não tem muito mais hipóteses)...

Simultâneamente, e acho que por solidariedade, adoeci eu. Eu, infelizmente continuo, e portanto tenho passado o máximo tempo possível na cama (nem PC, nem TV...vontade zero...escrever, também não!)
Mas voltei às lides.

Há dias recebi um mail, que reencaminhei para os meus contactos todos, tal a "enormidade" que eu acho ele constituir.
De um amigo, recebi de volta, o repto de abordar o meu ponto de vista, aqui no "Filosofices".

Eu sou uma mulher de consensos, mas não refuto uma boa demanda, dialéctica, troca de opiniões e pensares, sobre nada, portanto embora sabendo que é polémico, aqui estou.

Primeiramente, vou disponibilizar o texto do mail tal o recebi, e depois, tecer aquilo que se me oferece sobre o seu conteúdo.


José Mourinho: Deus e a carreira de sucesso

Melhor treinador de futebol do mundo fala da sua fé, da Bíblia que lê antes dos jogos e da «missão» que lhe sente ter sido destinada
Madrid, 22 Jan (Ecclesia) - José Mourinho acredita que Deus também faz parte da sua carreira de sucesso e, rejeitando superstições, gosta de ler algumas páginas da Bíblia antes dos jogos não para “Lhe pedir” ajuda, mas porque “acredita que Ele está”.

“Quando leio a Bíblia não estou propriamente a pedir-Lhe para que me ajude. Eu não peço para que me ajude num jogo. Mas penso que se eu for um bom homem, um bom pai, um bom marido, um bom amigo, se tiver uma vida social compatível com aquilo que são os Seus ideais, penso que tenho mais possibilidade de... É uma coisa que me alimenta na fé”, refere o treinador da equipa de futebol profissional do Real Madrid.

As declarações de José Mourinho foram recolhidas em Madrid, no âmbito de um projecto editorial sob figuras empreendedoras em Portugal, promovido pelo CLEPUL (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) em parceria com o Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa e com a Universidade de Aveiro, a que o Programa «70x7» se associou.

[[v,d,1758,Melhor treinador de futebol do mundo em registo pessoal, no «70x7»]]Na emissão deste Domingo, 23 de Janeiro, o «70x7» apresenta José Mourinho num discurso na primeira pessoa.

O homem que recentemente foi eleito o melhor treinador do ano pela FIFA/France Football diz quais as suas convicções, as memórias pessoais que determinaram a sua vida e o que faz dele o “special one”, o especial.

Para José Mourinho, tem sido determinante para o sucesso desportivo o facto de ter tido formação académica, capaz de lhe dar conhecimento para exercer lideranças com qualidade.

“Eu tive formação académica porque quis ter e porque nasci numa família onde havia um certo controlo familiar”, refere, recordando a importância da mãe, professora, no seu percurso formativo, assim como a influência da mulher, que estudou filosofia.

“Há uma coisa que digo sempre: tenho de tomar decisões mas tenho de ter razões para as minhas decisões” porque, reconhece, “o jogador de futebol não é fácil gerir”.

Nos momentos de tensão, quando toma decisões por intuição e que determinam um jogo e, por vezes, uma época, reconhece também a presença de Deus.

“Eu digo sempre: Ele lá em cima apontou para mim e disse tu vais ser um dos talentosos naquela área. E assim foi”, afirmou Mourinho.

“Sem ser aquele praticante profundo - que não o sou ou por personalidade ou pelo próprio estilo de vida que acabo por ter - acredito muito que ele está e que, da mesma maneira que me escolheu como um dos eleitos, eu tenho também uma missão a cumprir neste mundo”, precisa.

“A minha leitura de duas, três, quatro páginas da Bíblia antes dos jogos é simplesmente um acto de fé e de me sentir bem”, acrescenta.

No programa «70x7» de 23 de Janeiro, com emissão na RTP2 pelas o9h30, José Mourinho revela também as suas convicções e as características de uma personalidade que fazem dele o melhor treinador de futebol do mundo.

(sic)

Aborda ele a figura de José Mourinho, e o que eu considero de "aproveitamento abusivo e ridículo" da Igreja Católica, sobre essa figura, e que só poderá envergonhar os cidadãos de uma forma geral: os católicos convictos, irão enrubescer e pôr os olhos no chão, os assim assim, vão assobiar e olhar para o lado e os que o não são, que é o meu caso, vão ficar irritados. Afinal este país não sai da parvoeira nem da basbaquice do costume. Ainda não saímos de umas e já estamos noutras...não há coração que resista!!

Devo dizer que por um lado não gosto de futebol (embora o respeite e o considere uma verdadeira arte de malabarismo à flor da relva, quando bem jogado),segundo, sou agnóstica, terceiro, não simpatizo particularmente com Zé Mourinho, portanto, sou insuspeita, creio, p'ra me pronunciar.

Mourinho tem inegável e internacionalmente o mérito que lhe reconhecemos;
admiro-o pelas suas qualidades, que ao que parece lhe estão nos genes.
Começou de baixo, de ascendência quase humilde (que nunca negou), soube o que foi subir a corda a pulso.
É um homem de convicções, um líder, um perfeito "orientador" de homens. Tem metas, objectivos, é coerente, sabe onde está a "estrela" e sabe o que tem que fazer para a ir lá buscar.
As suas qualidades de liderança, reconhecidas aliás pelos seus pupilos, são de respeito, de auto-confiança, de audácia, de amizade, de incentivo, de disciplina e de muito trabalho.
Mourinho não tem um emprego, tem um trabalho, persistente, sempre persistente...

É um "self made man", que projectou, lado a lado com Cristiano e Figo, a imagem de Portugal nos recantos mais inóspitos do planeta.
É um "low profile", controlado, de nervos de aço, cabeça no sítio e pés bem no chão.
Tenho para mim que sabe perfeitamente, que se não exercesse o seu trabalho de uma forma séria, honesta e rigorosa, nem Sto. Expedito (advogado das causas impossíveis, segundo a minha mãe), olharia por ele.

Como disse, não simpatizo particularmente com a figura de Zé Mourinho. Aliás, acho que ele deixou criar à sua volta, uma imagem de marca excessiva, já adoptada, o que desilude um pouco, na personalidade do "special one".

O semblante inalterado, denotando emoções muito controladas, acho um pouco "trabalhado" demais. As maçãs do rosto marcadas, o ar distante e duro, uma desagradável arrogância, querem fazer acreditar que se trata de um assumido "ice man".
Ora eu não creio, apesar de nunca o ter visto sequer sorrir, que quando na sua intimidade, Mourinho solte um "dassee".....não se dê conta, de que se ali se deu realmente qualquer coisa, mais que suficiente para lhe abrir no rosto um sorriso de orelha a orelha!!!! rsrsrs!!

Anamar

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"PALAVRAS PARA QUÊ??..."



OBVIAMENTE AS MINHAS PALAVRAS ESTARIAM A MAIS!!...

ANAMAR

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

"ESTORINHAS DA HISTÓRIA..."


Estou cheia das piores intenções. Hoje resolvi "comprar" a minha gaivota...Sim porque tudo tem um preço, incluindo as gaivotas.

Verifico que o seu voo é mais e mais rasante à minha janela, de dia para dia, e mais, que a minha gaivota já aliciou as amigas a passarem por aqui. Sendo assim, tenho uma família a trazer-me a aragem do mar, os grasnidos inconfundíveis e o ruído da rebentação aqui bem para perto de mim...

Por isso, achei que devia obsequiá-las com uns pedacinhos de bolachas sobre o parapeito...e como a tentação também nas gaivotas é superior ao que manda a prudência....não demorará que elas venham buscar à minha mão, a guloseima...aliás, como na Costa Rica eu também aliciava, indecentemente, a "ingénua" passarada!!!!

Hoje lá fui à minha caminhada...através daquele bosque, que qualquer dia estará um espectáculo.
Neste momento isso já se adivinha, pela eclosão das flores nas árvores, que vão do branco ao rosa, o amarelo das azedas que atapetam o chão, os medronhos a despontar, e ainda raminhos das bagas vermelhas do azevinho do Natal, que por lá ficou esquecido...não falando já na explosão do ouro das mimosas.
A passarada também por lá anda, de galho em galho, hoje particularmente feliz, porque um bonito sol de Inverno iluminava as clareiras.
Os melros de bico amarelo já nem levantam à minha passagem, e a água que corre no ribeiro, totalmente transparente, mostra os seixos e os líquenes que se depositam no fundo.

Aquele bosque era local de passeio da Rainha D. Maria I, aliás, ele situa-se frente ao Palácio Nacional de Queluz, residência da monarca e apesar de estar ao abandono, o que faz doer a alma, ainda mostra um pequeno miradouro de sua magestade (hoje sobre a IC 19....), e restos de azuleijaria portuguesa antiga, com as características cores azul e amarelo, totalmente vandadalizada, à boa "moda", infelizmente, de muito do nosso património...

E pronto....o assunto hoje é pobrezinho e um pouco chocho, mas se vos transportei por alguns momentos, para uma realidade mais fresca, de ar puro e são...já não foi tempo perdido!!

Anamar

domingo, 16 de janeiro de 2011

"UMA ROSA..."


Isabella estava junto à vidraça e olhava o cinzento uniforme que tinha à sua frente, por onde bandos de pombos voejavam.
O seu olhar estava mergulhado no seu pensamento, e o seu pensamento fixado no nada...

"Por que não pode haver um terapeuta que abra um coração com um bisturi e tire lá de dentro, como um coelho da cartola, o intruso que o ocupa?? Por que tem alguém que percorrer uma via sacra de dor, desespero, angústia e abandono, para que consiga simplesmente o desiderato de passar esponjas com lixívia nesse coração magoado??
A lixívia esbate, esbate, mas há manchas que nunca se conseguem apagar..." - tantas vezes já ouvira a empregada reclamar!!

Isabella estava por demais cansada.
Era uma mulher cheia de potencialidades a muitos níveis - era o que diziam - mas não as explorava.
Não dava um passo, não se mexia. Parecia anestesiada, apática, incapaz de qualquer reacção.

A sua vida decorria entre o que fora e o que era, entre o analisar e o decidir, entre o entender e o aceitar...num marasmo tão grande que lhe tolhia até o discernimento, a vontade e o orgulho próprio, imobilizando-a.

Era inteligente o suficiente para ter capacidade de dissecar tudo o que fora a sua vida, conhecia os caminhos de fuga, mas na eminência de um "tsunami", deixava-se ficar à espera de ser engolida pela onda...
Parece que abdicara de viver!!
Que "poção" pegadiça e imobilizante tinha ingerido!!

Isabella era assim. Não era uma mulher pragmática, objectiva, prática, pronta a arregaçar mangas e reagir às adversidades. Sempre o coração lhe havia comandado a razão.
Não...Isabella queria, porque queria, voltar ao útero materno; ali estaria defendida; cá fora, era uma criança largada só, no meio de uma grande cidade...

Olhava os pombos, olhava o céu e pensava: "quando alguém muito querido parte e nos deixa, acompanhamo-lo, sabemos onde o deixamos e onde o "encontraremos", se precisarmos ainda "senti-lo", falar com ele, dar-lhe uma rosa!...
Onde se deixam então as flores dos morto-vivos que perdemos por aí??...
Onde será que as podemos deixar, para sufragar essas memórias, que nem com lixívia no coração, desaparecem??!!..."

Anamar

sábado, 15 de janeiro de 2011

"A MAIOR ARCA!..."

É sábado, uma e um quarto da tarde; estou invariavelmente a tomar o pequeno almoço, no café habitual.
Estamos no início de mais um fim de semana, aos quais não consigo adaptar-me sem angústia, e esta é a minha hora preferencial dos sábados e domingos ( dias menos rotineiros que ao longo da semana), porque a esta hora, as pessoas ditas normais, já almoçam, nas respectivas casas.
O café está muito mais só e consequentemente, o sossego impera.
Escuso portanto de ouvir as histórias, os "debates", as opiniões, as insanidades (quantas vezes), que não peço para ouvir.
A esta hora há mais silêncio...

Li agora num jornal, uma crónica de Joel Neto, cuja escrita aprecio, e que faz parte, aos sábados, da revista que acompanha o JN.
O tema de hoje versava as casas minimalistas, muito procuradas e apreciadas actualmente, e que segundo ele, o confundem, digamos, pelo absoluto vazio de tudo, com padrões normalmente esiereotipados,(só lendo a crónica nos apercebemos da satirização da mesma), e uma espécie de "solidão" interior, reduzida ao sofá, ao puff, ao plasma, à aparelhagem B-O, os livros provavelmente no iPad, as músicas no iPod...parecendo que são os seus habitantes apenas um complemento necessário e indispensável à decoração e ao preenchimento das mesmas...

Eu sei que essas casas, ou melhor, essa forma decorativa, é muito apreciada pelos jovens, sobretudo.
Não sei se receiam tropeçar nos móveis, se pensam que representa uma forma de ser "muito à frente"...o que é facto é que adoram os "openspaces" e o minimalismo total.
Também sei que se trata de um estilo de decoração, não uma ausência de objectos, de qualquer forma talvez até se entenda, porque os jovens "ainda" não têm necessidade de se rodear de muitas memórias ou escoras (ou ainda as não detenham), que por vezes, são os próprios objectos que nos dão...

Da leitura do texto reportei-me à minha própria casa, e reflectindo sobre ela, concluí várias coisas;
Quando me divorciei, as minhas filhas achavam, e eu também, que deveria mudar de espaço, porque com ele, iriam as vivências.
Tive a casa à venda ainda durante seis meses, mas retirei-a de venda.

De facto, a minha casa é um "ovo". Eu creio que não tem dez centímetros de espaço para pôr mais nada, em divisão nenhuma.
O meu ex-marido chamava-a de "museu"; mais tarde, um dos tais "minimalistas", meu amigo, referia-se, não ostensivamente, claro, ao sobrepreenchimento dos espaços...
Eu costumava argumentar, dizendo-lhe (o que era verdade), que aquela casa fora uma casa de família, onde viveram quatro pessoas; consequentemente, um repositório de coisas próprias, com uma decoração clássica, agradável, pelo menos, sempre até hoje elogiada por quem lá entra...

E o que eu sinto, é que ficaria absolutamente órfã se me tirassem dali.
Embora eu diga muitas vezes que se trata de uma casa sem alma (isso não advém da casa, mas da incapacidade de eu própria ter criado um "ninho" naquela casa, de eu própria, e porque foi sempre uma casa de solidão (acompanhada ou não), a "aquecer" com o coração e a alma...advém de ter sido sempre uma casa de tristeza;

Ficaria órfã, dizia, se deixasse de ter aquela infinidade de fotografias a olharem-me, se deixasse de ter aquela mobília do escritório do meu pai, se deixasse de poder ter as pequenas e insignificantes recordações dos lugares mais inóspitos de férias, se deixasse de poder olhar a minha primeira boneca de porcelana, os meus postais ilustrados dos primeiros aniversários,escritos com aquela letra muito desenhadinha que todos conhecemos, o micro servicinho de chá com bonecos da Disney, que a minha madrinha de baptismo me ofereceu, sabe-se lá que idade eu teria, e com o qual a minha mãe nunca me deixou brincar, se deixasse de poder manusear objectos pessoais do meu pai ( a cigarreira de prata com o monograma inscrito, o relógio de bolso, com corrente, o adaptador do lápis com que escrevia, também em prata, para que o lápis fosse aproveitado até ao finzinho, uma pequena navalha com que os afiava, o pin da associação dos Inválidos do Comércio, de que era sócio fundador), a tacinha das flores, uma de cada, de todas as que teve na jarra da sua campa no cemitério, um novelinho de pêlo do Óscar, que já me deixou há tanto tempo...eu ficaria órfã, tenho a certeza...

Neste momento, se é que eu tenho algumas referências seguras, na minha vida, como as amarras nos cais, são aquele espólio, aquele conteúdo, que para alguns é excessivo, mas que para mim,ainda vai sendo o conforto de um colchão de penas para a alma, a toca, o buraco, o refúgio...
Tenho a sensação de que aquela casa é o meu "bunker", e que ali nada de mal me pode acontecer...mesmo não tendo a tal "alma", o tal calor humano que a vida nunca lhe conseguiu dar...

Não é à toa que a casa reflecte a personalidade de quem lá vive,de quem a decorou, e é exactamente assim.
Eu rodeio-me como muitas vezes já referi, de coisas por vezes insignificantes que referenciam momentos, ocasiões, alegrias e tristezas; eu encho arcas e arcas de tudo aquilo que me preenche a alma, e a minha casa será com certeza, de todas elas, a maior arca que eu tenho!!...

Anamar

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"O CRIADOR E A OBRA"


Chegou-me à mão, via PC, um artigo que li, deitei fora, mas que recuperei depois, para voltar a ler, na medida em que fiquei a pensar nele.

O artigo é escrito por Guilherme de Melo, jornalista, que foi, durante quarenta anos amigo de Carlos Castro.

Não pensem que vou debruçar-me sobre o "caso mais mediático" da actualidade;
primeiro, porque já está gasto por demais, segundo, porque toda a gente opina, conheça ou não os meandros da questão, terceiro, porque não estou para me expor, a fazer juízos de valor sobre uma figura que teve tanto de polémica como de controversa, naquilo a que eu chamo de lixo no jornalismo português...

Aquilo que me fez reler o artigo com maior acuidade, foi uma faceta nele revelada, que dá que pensar, e que é mais frequente do que se supõe, no ser humano...

Guilherme de Melo procura traçar um retrato tão fiel quanto possível, do amigo da seguinte forma:

"O Carlos vivia o amor como um fantasista, um sonhador. As coisas eram como ele queria, não como na realidade eram. Sempre foi um "naif", uma pessoa de grande ingenuidade, uma criança grande. Quando amava, entregava-se completamente. Estava desfasado do seu tempo, vivia fora do tempo. Era um crédulo!" (sic)

Nunca tive nenhuma simpatia por Carlos Castro; não pelas suas opções sexuais. A esse nível, sou absolutamente despida de preconceitos e tabus, e respeito integralmente também essa liberdade dos cidadãos.
Mas este aspecto personalístico revelado pelo seu amigo de muitos anos, tocou-me particularmente.

À semelhança de Carlos Castro, há quem, narcisisticamente ame a "obra" de tal forma a realiza, que a corporiza, apagando com isso a realidade, (sobretudo se esta lhe for adversa), a conceba, a invente, nela acredite à medida das suas necessidades, e ingénua e piamente a torne "real", alimentando-se dela...

Normalmente são pessoas não pragmáticas, não com os pés assentes na terra, mas sim carentes, sensíveis, ingénuas, marcadas pela dureza da vida, que necessitam estar permanentemente num palco imaginário, fantasiados de uma felicidade que nunca tiveram, onde as possam aceitar,amar...acarinhar...

Como consequência tornam-se figuras obsessivas, possessivas e absorventes, pois não têm "endurance" para deixar "fugir" aquilo que "criaram" e em que acreditam.

Digamos que não são pessoas deste mundo;
Nesse sentido, e com este perfil, nada mais lógico que Carlos Castro estar ligado à ribalta, às lantejoulas e às plumas, da pseudo fama, do cor de rosa, do postiço, do sonhador...do fantástico!!!...

As sus vidas estão afastadas da realidade, e eles nem dão por isso, "negam" o contrário, recusam o que não corresponda à fantasia das suas cabeças; daí, sossobrarem, quando o chão lhes falta sob os pés e exultem quando acreditam que a sua "felicidade" foi atingida...

Apesar de como disse, não empatizar com a figura de Carlos Castro, nem pessoal, nem profissionalmente, rendo-me com muita complacência, quase alguma ternura, e curvo-me, apesar dos pesares, perante a memória daquela criança que nunca cresceu...

Anamar

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

"FOG"


São quatro e meia de um dia absolutamente oposto, atmosfericamente, ao de ontem.
Ontem esteve sol, fraco, claro, mas sol; não esteve frio, e consequentemente o ar sentia-se mais seco.
Hoje, da minha janela aberta ao casario, nem casario, nem nada que se divise, nem a minha gaivota se atreveu (eu acho que com medo de perder o norte), a aventurar-se neste cinza pardacento claro, totalmente fechado, dum nevoeiro cerradíssimo, que cresce, cresce, cresce...e se agiganta!

Engraçado como dou por mim, quase sempre a escrever sobre os elementos naturais que dominam os meus dias, como se eu fosse daqueles palhacinhos com fios presos aos pés e às mãos, e se manipulam de acordo com eles.
Eu sei que este é o tempo, que tudo isto encaixa rigorosamente num Janeiro, pleno Inverno por aqui, mas o nevoeiro, confunde-me, mexe mais comigo que um torrencial dia de chuva, trovões ou ventania...
Porque nesses, sabemos bem com o que contamos....Vemos!!!

Há largos tempos atrás, já escrevi por aqui um post que focava exactamente este tema: "as nieblas"...o como que terminar da estrada, a um passo do nosso nariz, sem que demos por isso...
As "nieblas" são falsas, dissimuladas, não mostram... ao contrário, ocultam...e tudo pode existir para lá desta "cortina"...
Transmitem-nos uma sensação de insegurança, como, imagino, deverá sentir um invisual, num terreno que não conheça.
Apetece afastar os fios deste "pano de palco", do nosso horizonte visual...e depois, seja lá o que estiver para além, a gente pode observar, e deixamos de ficar incautos, ingénuos...ganhamos imunidade...podemos defender-nos!!!

Há tantas "nieblas" por aí!!!
As que se vêem, que nem hoje....e aquelas que só se pressentem!
Essas ainda são mais angustiantes, porque não se lhes conhece antídoto. Essas, quando se instalam, costumam "grudar", e é uma tormenta para que se dissipem.
A de hoje...bom, acredito que se submeta a um abençoado, quanto desejado sol, mesmo que fraquinho, na próxima manhã...

Anamar

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"NO OLHO DO FURACÃO"

Verónica seguia junto à janela daquele comboio.
O seu destino, Paris, gare de Saint Lazare... ou melhor, o seu destino, uma incógnita.
Havia sido convidada a leccionar na Sorbonne, e nem pestanejara. Não quis, sequer pensar muito, nas alterações que a sua vida viria a ter, a partir dessa decisão.

Era uma mulher jovem, quarenta e poucos anos, fisicamente atraente, mas simultaneamente distante...com um hermetismo que deixava curiosidade.

Ia iniciar uma nova vida, tentando deixar bem arquivada a que abandonava.
Levava um livro largado no regaço, que tentara ler por duas ou três vezes, mas a desconcentração que lhe provocava a existência daquelas rugas entre as sobrancelhas, traíam-na, e impediam-na de iniciar a leitura.
O olhar perdia-se no desfilar da paisagem, dos campos, dos bosques, dos vinhedos, dos verdes aos castanhos, a uma velocidade vertiginosa frente aos seus olhos.
Verónica olhava, mas não via. Percebia-se que estava e não estava ali, percebia-se que se rebelava contra si mesma por não conseguir deixar de remexer naquela arca, que ficara atrás de si e que tinha experimentado enterrar...

Uma frustração de alma destruía-a.
Como pudera fazer da sua vida um saco de lixo, por causa de um homem?!

Verónica amara aquele homem por demais. Ele fora tudo em troca de muito pouco, para ela.
Por ele cometera as maiores loucuras, mas dera um sentido real, fosse lá qual fosse, à sua vida; Muitas vezes pensou em desistir, em pôr fim àquela ligação destrutiva, ingloriamente. Não fora capaz, não tinha querido ser capaz, se calhar...

E entre o nada ter e o ter alguma coisa, fora ficando, fora imaginando que a vida era assim mesmo...

Até àquele dia. Nesse dia, fora ele, que com um pragmatismo e uma frieza total, pusera um basta no pouco de que Verónica dispunha. Um basta, irredutível, um basta sem retorno, um basta que a deixou a vacilar como abanada por uma forte ventania..."Não podia ser verdade!...Porquê aquela invernia, justo num momento em que parecia que havia flores primaveris a despontar entre os dois?"...

E Verónica viu-se sozinha, completamente sozinha, largada no "olho do furacão"...
Ficou perdida e não conseguiu lutar contra os elementos duma natureza que era ácida, que queimava,que corroía, que só lhe cheirava a traição destruidora.
Deixou-se tomar pelo ódio, pela raiva, pelo azedume, pela desconfiança que subtilmente sempre lhe amarinhava ao coração. Jurou para si mesma uma espécie de vingança, vingança que ela não sabia pôr em prática, que ela sempre punha em prática contra si própria, esquartejando a alma, demolindo o carácter, os valores, o trilho que sempre fora o seu...

Era vulgar querer morrer quando um dos seus "amigos", saía, depois de um último beijo envenenado, e a deixava a vestir-se, no quarto daquele hotel de luxo... "A gente depois fala-se....foi muito bom!"
E sempre partiam, e sempre tinham pressa, muitos nem a "conheciam"....

Ele batia a porta, ela ainda nua naquela cama larga demais, olhava nostalgicamente pela janela...e normalmente chovia muito lá fora!!!....

Verónica ia para Paris....ia fugir de quartos de hotel, ia fugir de memórias, ia fugir da solidão...ia tentar reencontrar a "velha" Verónica!...
Saint Lazare esperava-a, a Sorbonne também....talvez ainda não fosse tarde para começar de novo...

Anamar

sábado, 8 de janeiro de 2011

"QUERO !..."

Não sei, neste momento, muito bem o que faço aqui.
Ou melhor, sei que estou à espera da hora de uma sessão de cinema que não era para ver hoje, sei que estou a comer um bruto gelado que não era para comer agora na digestão do almoço, sei que estou no Alegro, onde não era para estar...Afinal sei muitas coisas!!!....

Por que estou??
Não sei...porque talvez as quatro paredes do quarto se estejam a aproximar mais umas das outras, e a torná-lo menor, menor, menor, e eu corro o risco de um destes dias ficar lá entalada...

Por que vim ao Alegro....acho que viria a qualquer sítio onde houvesse gente a circular à minha volta, embora sem que a veja muito bem, apenas lhe oiça no fundo da minha cabeça, o buliço...

Por que vim ver o filme...porque as pernas me levaram até ao piso de cima, autocomandadas, e isso fosse justificação para comprar o bilhete...

Morre-se com falta de ar?
Se calhar, morre!
Mas não é este ar que se respira, que todos respiramos...é o ar da alma, e é esse que eu não vou tendo!

Telefonei a uma amiga a desafiá-la a aparecer....já era tarde para ela...3,30h...daqui a pouco seria noite...
Pois, eu sei...daqui a pouco é noite!
Mas ela está em casa a ver televisão, sobre televisão, e não sufoca...Ela nunca conheceu outro oxigénio para respirar...esse o problema...não sofre portanto a "ressaca" da abstinência".
Quem nunca teve, não quer ter, porque não conhece...

Estou quase maluca...não digo coisa com coisa...
Há pouco, dei por mim a ir ao Google procurar clubes de gente isolada que nem eu (não hei-de ser espécime raro!...), sem outro fim que não o convívio, o falar, o ver gente, o trocar ideias, sei lá...
Devo ser muito ingénua mesmo...aliás eu sei que sou, não ingénua, mas deliberadamente burra, o que é pior...
É claro que só encontrei "merda"...desculpem o vernaculismo da linguagem.

A minha mãe nunca me facilitou a prática do convívio, a troca da amizade...por isso continuo limitada.
Apetece-me sair p'ra rua com um cartaz onde se diga: "Quem quer conhecer pessoas, falar com pessoas, sentir pessoas, ter pessoas para passear, ir ao cinema, fazer fotografia, discutir, zangar-se e fazer as pazes, lanchar, ir ver o mar, ou só tomar um copo à noite...abraçar, chorar e rir...aquelas coisas que se fazem incondicionalmente, com quem empatizamos???"

Quero um ombro, quero umas mãos quentes porque as minhas estão sempre geladas...
Quero, quero, quero...

Anamar

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

"DE NOVO...NÃO!"...

Hoje é o primeiro dia em que começo a convencer-me das evidências, que se calhar quis, por defesa, escamotear para mim : a Rita está realmente doente, e apesar de só ter uma maior certeza no próximo dia 11, dia em vai fazer uma nova Ecogafria para estabelecer a equiparação à que fez há cerca de um ano, começo a apavorar-me com a ideia de que o possível diagnóstico se confirme : um linfoma.

Hoje é o primeiro dia em que está absolutamente "desligada" do que a rodeia, embrulhada no robe fofinho sobre um saco de água quente, um olhar apagado, não ronrona às minhas festas, não vem deitar-se aos meus pés ao calor do aquecedor...e está, como dizia a minha empregada há pouco (e eu sinto isso perfeitamente), cada vez mais magra. A Rita está por metade do que era...
Está a ser medicada, e hoje até nem se debateu tão veementemente contra a toma dos medicamentos, como habitualmente o faz...

Entretanto de hoje exactamente a uma semana, no próximo dia 10, faz um ano que o Gaspar nos deixou, e a sua ausência, sentida particularmente pela minha mãe, é-o também por mim, sempre que vou à Verdizela.
Aquela casa vai estando amputada de presenças que lhe eram inerentes.
As suas recordações, as suas imagens, estão absolutamente nítidas nas nossas mentes, já não falando nos nossos corações...

Se a Rita também me deixar, se a Rita também for embora, esta casa ficará definitivamente deserta de afectos...
Agora, sem que fale comigo, olhamo-nos, comunicamos, dorme junto ao meu corpo como um ursinho de peluche, sinto-a respirar....é um ser vivo que está ali, junto comigo...
Depois...bem, depois não sei como será, não quero pensar como será, não quero sentir como será....

Sei que não estou preparada para deixar a Rita ir embora, como o Óscar foi há já um ano e meio, e cuja ausência está presente por aqui...
Dizia eu na altura, por que temos efectivamente que sobreviver aos nossos bichos, se, seguramente, ninguém nos retribuíu nesta vida o afecto, a dedicação, o amor, com tanta dignidade, com tanto desinteresse, sem um pingo de exigência, censura ou cobrança??!!
Só pode ser mais uma das injustiças da Vida, só pode ser mais uma brincadeirinha de mau gosto com que ela nos premeia...

Acho que já contei, a Rita foi-me legada em herança, na "partilha" do namoro entre a minha filha e o namorado.
Foram quinze centímetros de gato encontrados no motor dum carro, onde se enfiara. É um europeu, de pelo batido, mas que tem uma particularidade que nunca vi em nenhum outro : A Rita é totalmente simétrica na pelagem, o que me lembra uma mariposa, e o que a torna perfeitamente "sui-generis" e muito bonita.
Acresce que veio para cá como gata, e pregou-nos uma "partida". Mas dado o adiantado dos acontecimentos, Rita ficou...

Foi viver, ao ser recuperada da rua, para uma residência universitária de rapazes, que desde fazerem da Rita bola de jogar, a fazê-la de "skate" no corredor da casa....todas as tropelias lhe eram infringidas...
A Rita passou a viver escondida num roupeiro, e passou a ter medo de tudo. Ainda hoje, passados talvez onze ou doze anos, quando ouve a campainha da porta, corre, procurando protecção, para debaixo da mesa que lhe está mais perto....
Passar a viver aqui em casa, foi para a Rita, a recuperação da paz que lhe faltava, tornou-se um animal "agradecido", que não conhece o poder dos dentes, nem das unhas...boa companheira e extremamente meiga.

Adoeceu, depois do Óscar nos ter deixado...o seu companheiro de todas as horas....

O "veredicto" tê-lo-ei daqui a uma semana....mas não é justo que a Rita , à semelhança do Óscar, também me vá deixar!!...

Anamar
Posted by Picasa

"ISTO É VIDA?..."

É uma hora da tarde.
Estou a tomar o pequeno almoço. Trouxe o livro que estou a ler para ler mais algumas páginas, porque papel para escrever sempre anda na mala e caneta também.
Depois irei ao banco depositar um cheque. Depois iria à Worten por causa da impressora...mas tudo pode esperar sempre para o dia seguinte...

Essa, uma das coisas que mais me complica o esquema mental, nesta minha "nova vida" de há seis meses para cá...
Tudo pode ser adiado, ou quase tudo; nada tem timings obrigatórios; faço uma coisa por dia, para ter uma coisa para fazer em cada dia; espero que aconteça, com paciência de pescador na beira do rio, que aconteça qualquer coisa de diferente nesse dia...e canso-me de nada acontecer!

E daí a pouco é noite...às cinco e meia, no cinzento uniforme do céu, a luz é "desligada"...cedo...demasiado cedo...
Farto-me da leitura, não tenho assunto para escrever, saturo-me do computador, até porque parece que estou cada vez mais burra informaticamente falando, e não consigo fazer nada com ele; não abre DVDs (não sei porquê), o disco externo que comprei, a conselho, acho que não tem capacidade para salvar tudo o que quereria, as web cam (já comprei duas) não funcionam, agora a impressora, apesar de ter tinta genuína não reconhece os tinteiros, não aparece ninguém para conversar no msn, e a certa altura, dou por mim a ir para a cama cada vez mais cedo...

Os programas de TV escolhidos, são invariavelmente o Travel (e aí projecto a minha mente viajante para onde o meu espírito me levaria, se tivesse dinheiro para isso), o National Geographic (e aí fico sempre a torcer pelos bichinhos mais fracos, a serem comidos pelos senhores da selva), ou então...quando também já isso me cansa, o My Zen, programa só de imagens de relaxamento, e música igualmente "zen", ou com os sons reais da natureza, as ondas que batem nos rochedos ou se espraiam mansamente na areia, os pássaros que voam, as paisagens repousantes, os verdes, o turqueza do mar de águas traslúcidas, o inóspito de arribas abruptas, ou as quedas de água a despencar lá bem do alto...e o meu pensamento foge-me, vagueia por outras paragens, lá vai ele por este quarto....até que o perca de vista...e deixo-o simplesmente ir....

Até que me aninho, fecho a luz, (não sem que antes me tenha sentido a mais infeliz dos mortais....). Não tenho felizmente dificuldade em adormecer....aliás, o sono é um pouco refúgio cultivado...

O dia seguinte muito provavelmente repete o "figurino"...
E eu pergunto, até quando, como poderei continuar assim, nesta ausência de interesses, neste alheamento e isolamento de quase todos, neste deserto de afectos, a fazer de conta que estou equilibrada e feliz??!!...

Quem me ler, dirá: "Mas isto é vida?"....
Essa mesma pergunta faço-ma diariamente...e a resposta é sempre um silêncio total!!...

Anamar

domingo, 2 de janeiro de 2011

"INCONTORNÁVEL..."

"Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente."

                   Martha Medeiros
                                                                             
Tarde cinzenta , sem definição à vista, nem chove nem faz sol, nem ao menos um vento frio para a gente ter de que se queixar...
Estou há dois dias enclausurada em casa, na cama, tipo sete da tarde, amigas tudo indisponível, telemóvel mudo, na NET ninguém, nem para contar se as rabanadas caíram bem...parece que todo o mundo encerrou p'ra balanço, ou ficou cinzento como o tempo, e tem vergonha de "dar as caras".

Precisava de escrever....Começa-me aquele aperto a subir do que chamam de "peito", até à garganta, começa-me o nó a apertar, começam-me os olhos a ficar húmidos, começo a sentir-me "desgraçada" e quando me sinto desgraçada, já o caldo está todo entornado.

Escrever...botar p'ra fora, aliviar a alma, tornar o coração mais leve, da carga que me cansa carregar e carregar e carregar, ou então fingir que está tudo "numa óptima" e que sou um poço de felicidade...nada podia estar melhor!

"Está tudo bem com a senhora?" -pergunta-me solícito o empregado de mesa do Pigalle...o meu novo poiso, como sabem.
E eu, pintando de rosa choque o sorriso que não vem: "Está sim, obrigada! E consigo?" (parece sempre bem...)

Li há pouco esta frase que encima o meu post de hoje, de Martha Medeiros, jornalista e escritora brasileira, colunista de algumas publicações, e pensei : "Cá está....quem se despede de um amor deve deixar de existir, porque o "pack" também inclui despedirmo-nos de nós mesmos, ainda por cima sem nos pedirem a concordância, inteiramente à nossa revelia.
Como tudo o que acontece sem a nossa concordância, é algo que fica "atravessado", mal resolvido, como uma côdea de pão que escapou para baixo antes da hora.... dói, dói !

E fica o quê, depois de nos despedirmos desse amor?
Nada!
Um coração a esvaziar feito um balão de crianças, um sorriso outonal, feito o dia de hoje, um frio gélido a amarinhar por nós acima, um silêncio de alma, que nem a melodia que mais amávamos consegue preencher...uma água parada a putrefazer-se como o sangue que nos corre nas veias...uma solidão que nos deixa assim, órfãos, aparvalhados, incapazes!
Uma solidão de verso por escrever, de rima por acabar, de soneto incompleto!...

Anamar

sábado, 1 de janeiro de 2011

"O AÇÚCAR DA VIDA"

Os pacotes de açúcar da Nicola, que nos dão em alguns cafés para adoçar o galão e a vida, trazem frases desgarradas, de autores anónimos e avulsos.
Aquele que acabei de pôr no galão diz: "Um dia quebro a rotina", e tenho outro na mesa, para a bica, que diz: "Um dia...serás meu".
Por baixo de todas estas frases em complemento, está sempre: "Hoje é o dia!" - e depois é feita a propaganda ao café Nicola, claro.

Quero "fazer" um pacote meu, neste primeiro dia de Janeiro, em que começa a desfolhar-se o livro de mais um ano;
No "meu" pacote de açúcar, eu poria: "Um dia serei feliz!"...e depois viria a parte boa da coisa, que era o tal complemento em perfeição: "Hoje é o dia!"
Eu colocaria: "Hoje é o primeiro dia..."para não ser demasiado gananciosa.
Tenho sempre medo de desejar ou pedir em grande...
A minha mãe, é que toda a vida, diz, a brincar, quando aniversaria: "Eu só peço um ano de cada vez e não mais, senão depois não sou atendida!"...

Ontem foi um dia rocambolesco.
Como vos disse, já tinha reequacionado cem vezes se ia ou não ia ao tal restaurante dos meus amigos, passar o ano.
E comecei, aliás, fui começando, ao longo de todo o dia, a desistir aos poucos...
Aí pelas seis da tarde começou a chover, e eu pensei: "Que bom, a chuva é que me vai resolver o problema, pensando no que fora a noite anterior em termos de temporal. Jamais me meteria à estrada assim...
Mas era uma chuva miudinha, quase uns salpicos. Sobre Sintra, que vejo da minha alta janela do 7ºandar, via tudo carregado, e eu dizia em surdina para mim própria: "Chove, chove, chove...."
Mas a chuva não se condoía.
A certa altura, consciencializei que DEVIA, mas "não era capaz de ir", e pronto, com chuva ou bom tempo, não iria.

Vesti o pijama, pus água no saco de água quente, meti-me na cama. Trouxe para a cabeceira, não um, mas dois comprimidos dos que costumo tomar ao deitar (havia que apagar mesmo), e dado que eram pouco mais de sete horas, ainda fiquei a ver televisão (não me perguntem o quê, tão longe a minha mente estava, frente ao desfilar das imagens).
Tinha previsto, lá pelas dez horas, enfiar os comprimidos e dormir.

Mas o Cazé, o meu amigo do restaurante voltou a falar-me...(já o tinha feito a dizer que havia bom tempo e nem sombras de chuva, quando lhe telefonei a comunicar a minha desistência); desta vez fez-me uma espécie de ultimatum. "Estou a ligar-lhe, por ordem da Zé (a mulher)....o que é que está aí a fazer, ainda? Continuo à espera! Continua sol!..."

Eles são um casal super agradável, ele é um brincalhão e um bem disposto, e sei que são meus amigos, até porque acompanharam algumas fases "menos favoráveis" da minha vida.

Perante a ternura daquele telefonema, disse-lhe: "Olhe, já estou na cama! Só vocês para me tirarem daqui!"...

Acho que, se calhar, precisava daquele empurrão. Acho que a minha "veia" de vitimização, ainda a não consigo por vezes, ultrapassar sozinha. Penso que sou demasiado masoquista e que se calhar, queria ter hoje, para contar, que desgraçadamente ficara só, dormira às nove da noite, como uma donzela abandonada!!!...

Nem pestanejei mais, dei um pulo da cama, vesti-me num ápice, (de facto não chovia), peguei no carro e segui para o Magoito.
O restaurante estava cheio, com um grupo de senhoras que depois saíram, ficando por nossa conta, e quando digo "nossa conta", digo, os donos, eu, um casal brasileiro de Natal, super simpáticos e depois ainda um outro casal, também amigo deles que veio só para tomar uma bebida e tertuliar com o pessoal.

Bem, lareira acesa, ambiente intimista, fizémos a meia noite, saudámos o novo ano, com as passas, o champagne, muitos abraços e beijinhos, muita esperança, muita alegria por estarmos juntos, muita brincadeira...

Abençoei aquele telefonema e fiquei feliz pelo facto de ter ido. Acabei por me alhear de muita coisa, de afastar de mim aquela tristeza, que feita urubu já planava por cima de mim, para atacar a carniça, e ri e conversei como há muito o não fazia...

E percebi que preciso muito de "me trabalhar" ainda, e que a frase que eu escreveria no pacote de açúcar, só se alcançará, se começar a contrariar muito do negativo que cultivo em mim, mas que eu sei que cultivo, como forma de chamar a atenção dos outros, para me darem o cólo que necessito para viver....

Bom Ano para todos vocês!...Sejam felizes se puderem e souberem!...

Anamar

"DIVAGAÇÕES..."

31 de Dezembro (esta crónica está a sair atrasada um dia) - um dia perfeitamente odioso para mim... Hoje é um dia de solidão absoluta.

Lá dirão vocês, por que raio vivo presa aos dias, às datas, às épocas, à chuva, ao sol??
Isto só pode ser os parafusos cada vez mais enferrujados!

Acreditam que me aprontei toda, de ponto em branco, unhas, cabelo, etc, para ir jantar ao Magoito, dar-me o "luxo" de ir jantar sozinha no Magoito, ao restaurante do Cazé e da Zé, amigos de há algum tempo, e lá fazer a passagem do ano, e já pensei cem vezes em desistir??!!

No dia de hoje "sentem-se" as pessoas em casa, sentem-se as pessoas junto das lareiras, a "cutucar" as brasas, sente-se o calor dos lares, o gelado do champagne que aguarda nos frigoríficos, os aperitivos, o bolo-rei, as passas, as iguarias que se querem colocar na mesa, o afecto no interior de cada um...e a chover lá fora, normalmente a chover lá fora...

Tenho tantas saudades de algumas passagens de ano, tal como se o filme desfilasse na minha cabeça. As cores, os cheiros, as imagens, tudo paira, muito nítido, demasiado nítido, o que anula todas as minhas intrépidas "determinações" de mudança de vida, de mudança de rumo...E o meu rumo realmente está cada vez mais sem rumo...

Agora pensava: "aqui há anos atrás, basta recuar um ano, e o ano dividia-se por aulas, reuniões, férias, o antes do Natal, o depois do Natal, o recomeço a 3 de Janeiro, a ânsia pelo Carnaval, Páscoa, sempre de olho nas férias do Verão, os testes, a consulta do calendário para ver como calhavam os feriados, mais reuniões...mas havia metas, fases diferentes umas das outras...
Há pouco pensava, dizia, sentindo a ansiedade de quem vai recomeçar no dia 3... (ainda não me acostumei), a minha vida neste momento, é um deserto a perder de vista, de areias iguais, sem dunas, sem oásis, tempos atrás de tempos, uma alucinante paisagem lunar, igual, sem cambiantes, só com ventos adversos a fustigarem-me o rosto...

E pergunto-me: para quê mais médicos (tanto dinheiro gasto!), para quê mais "químicos para dentro, para quê fingir que sou marioneta do meu próprio destino, se eu não desvio um milímetro, de facto, do que sou e do que sinto, e cada dia estou mais igual a mim própria e mais cansada??!!...

Desculpem voltar a colocar nestas linhas pela enésima vez, as mesmas coisas, esta sensação estranha, incómoda, inquietante, de ser prisioneira de um destino feito um túnel sem luz em lado nenhum, e sem saída que se vislumbre!...

Foi mesmo só um desabafo, porque hoje acordei completamente "entupida" até à garganta, e as lágrimas já me assomaram aos olhos, várias vezes.
Mas já não choro, já não consigo chorar, porque quando o fazia, talvez cada lágrima que caía, levasse consigo um pouco do meu desânimo!...

Anamar