domingo, 31 de julho de 2011

"UM TEMPO DE ESPERA...."

Vermelho o céu lá ao fundo....
Vermelho como se alguém tivesse esquecido uma fogueira acesa. Os telhados do casario, em contraste, recortam-se em negro!
É uma hora lixada esta !
Sempre fico nostálgica ao lusco-fusco, já aqui o disse, acho que vezes demais...
É uma hora de despedida...e eu odeio as despedidas.

Hoje estou particularmente vazia, como que saudosa de nada, expectante de nada, crente em nada... mas com um buraco no estômago, ainda assim!

Águas mornas, lodosas, pardacentas...
Uma amiga dizia-me hoje, num mail que me enviou, sentir mais ou menos a mesma coisa... Uma espécie de vida parada entre parêntesis...
A droga é que nem eu nem ela temos idade para manter os parêntesis fechados por muito mais tempo, ou encompridar as reticências, de três pontinhos para três mil pontinhos...

"Um tempo de espera não sei do quê"... dizia!...

O ser humano sempre espera...Acredito que ainda que afirme já nada esperar objectivamente, a "luz" nunca se apaga por completo...até porque com a esperança iria a vida, o resto da vida que lhe sobra!

A minha gaivota...há que tempos a não vejo a visitar a minha janela empoleirada!
Cá p'ra mim, mudou de casa ou anda a "empalitar-me" por aí... a ingrata!
Eu bem sei que gaivota liga melhor com Inverno, com borrasca, com vento desabrido, mar revolto e céu carregado.
Por isso agora, como as condições são outras, deve ter ido a banhos, na esperança de peixe fresco a cair das traineiras...

E eu, fico-me por aqui...a contemplar o nada, a regar as minhas sardinheiras, a despedir-me do sol poente... com a vida no meio dos tais dois "arquinhos",  a abrigá-la!!...

Vá-se lá saber até quando!!!....

Anamar

sábado, 30 de julho de 2011

"MAIS UM 30 DE JULHO"....

30 de Julho...

Habituei-me a olhar de esguelha este dia no calendário. Há dezanove anos atrás, o meu pai partiu, no que seria  a primeira definitiva grande perda da minha vida.
Nunca experimentara até então nada de tão arrasador, tão terrífico.... algo que me deixou, do dia p'ra noite, sem chão, sem ar, numa amputação que era quase física.
A depressão e o desespero, por não saber lidar com a situação, colocou-me à beira da rotura...

Foi então que entrou o Óscar, numa tentativa de aligeirar o meu sofrimento, desviando-me a atenção para "alguém" pequenino, totalmente dependente, sobretudo do meu afecto.

O Óscar deixou-me há dois anos, exactamente num 30 de Julho...

Desta vez não "entrou" nada nem ninguém que colmatasse essa falta desesperante.... E nesse 2009 inesquecível para mim, alguns meses mais tarde, novamente uma depressão profunda se me instalou... e desta vez, parece ser das "boas" e veio para ficar...

Os anos passaram (mais alguns), a capacidade regeneradora do ser humano varia em proporção inversa, a garra e a força de luta também...

Hoje os meus 30 de Julho têm ainda um pouco menos de sol...
Os sonhos parecem estar a deixar-me mais e mais órfã da vida....a minha estatura como pessoa integral diminui a olhos vistos, porque afinal, de acordo com o Mestre... "Nós temos a dimensão dos nossos sonhos"...

Foi por isso que ele se tornou um GIGANTE!!!...

Anamar

terça-feira, 26 de julho de 2011

"UM CAMPO DE FUTEBOL SEM LINHAS...."

Sou uma pessoa impaciente.

Tenho pressa de viver, pressa de sentir, pressa de me inundar de emoções, pressa de ser feliz, pressa de não deixar fugir ainda a esperança....
Sei que o tempo é implacável. Todos os dias vejo que esses mesmos dias me não dão tréguas, se calhar não dão tréguas a ninguém, e que a repetência dos seus registos, mata tudo o que ainda ilumina as almas...

A vontade, a força, a aposta, diferem entre o ontem e o hoje, certamente entre o hoje e o amanhã...
A saúde também nos mostra que está cada vez mais, numa corda de roupa, a bambolear ao vento forte... presa por molas...
Às vezes cedem, às vezes abrem, e a roupa solta-se, desprende-se... e lá vai...
Quando espreitamos, já era!!...

Tenho muita urgência em respirar, ou em suster a respiração por me emocionar por demais...
Pressa de me apaixonar, de me sentir outra vez adolescente, de correr de pés descalços na areia, na fímbria das ondas, só por correr e só por deixar os cabelos serem levados pelo vento desordeiro!...
Tenho absoluta urgência de chorar por uma canção, por uma memória, por uma flor, por um local, por um sonho...
Tenho pressa de relembrar aquela coisa louca que nos sufoca, quente, ao beijar e ser beijada... aquela tremura nas pernas dos que se abraçam e estão VIVOS!!...
Tenho pressa em treinar o amor... em treinar a "montanha russa" e os "carrinhos de choque"...

Não tenho muito mais tempo a perder... se calhar, não muito mais tempo a ganhar...

Já vi um pouco de tudo... talvez não tenha vivido um pouco de tudo, é certo... talvez para meu bem... talvez para meu mal... não sei!!
Aprendi a já não me espantar com muita coisa. Endureci, insensibilizei-me pelo menos por fora, onde arranjei cuidadosamente a minha carapaça de tartaruga...
Por dentro... bom, por dentro talvez não... Mas aí nem todos chegam, nem todos conhecem!!
As minhas vulnerabilidades, tento que fiquem no fundo do tal baú...
Percebi há muito que não quero mostrá-las, que não devo mostrá-las... apenas porque ninguém as entende, e porque todos fogem de vulnerabilidades e fragilidades alheias... Afinal todos estamos "bem servidos" com as nossas!!!...

"Um campo de futebol sem linhas"...terá dito Amy Winehouse, ser a VIDA!!!...

Não fui nunca sua fã, nem da sua música.
Talvez entenda muito esta frase, de rebeldia e solidão... "Um campo de futebol sem linhas" !!!...

Vinte e sete anos... escolha sua... quem sabe??!!...

"Uma mulher para quem o AMOR era tudo" - disse o pai, para a televisão!!!...

Sem comentários!!!...

Que tenha alcançado a PAZ !!!...

Anamar

domingo, 24 de julho de 2011

"A LAS CINCO DE LA TARDE..."


Fumar faz-me dor de cabeça.

Fumo normalmente em duas circunstâncias : se estou "down" e quero esquecer... ou se estou "up" e quero esquecer...
Explico, antes que me chamem louca... mais louca!
Pelos vistos o meu desejo é sempre esquecer... ao que parece...

Não confirmo nem desminto!...

Hoje estou na versão "down"!
É domingo, cinco da tarde... a hora de Lorca!...
Café dos "velhos", para uma bica pós almoço, que fiz há pouco.
Quatro pessoas por aqui...leem...todos leem.
Eu... bom, eu sonho! Sonho e escrevo! Sonho, escrevo e fumo... assim é que é!

Sonho acordada o que não consigo "programar" para sonhar a dormir. Os sonhos nocturnos poderiam ser ao menos, mecanismos de compensação para a imperfeição dos sonhos diurnos...
Mas não! Normalmente são fraudulentos, gozadores, irritantes!
Brincam connosco de gato e rato. Transportam-nos a "realidades" tão reais, tão reais, que têm tudo : cor, imagem, cheiros, sentires, sons...
E depois, bem, depois quando estamos lá mergulhados a acreditar viver esse outro mundo, "pimba", levamos o "safanão" injusto do despertar, com tudo inacabado!!!

Constato que vou sonhando pouco... de noite e de dia.
De dia estou a virar um "limão seco", com poucas emoções a fervilhar-me... De noite tento que os pesadelos ( raramente sonhos), me transportem aos Édens que me povoam.

Não ter sonhos significa velhice... não é??
Não ter sonhos é não ter metas a atingir, ou por que me "esgatanhar" para alcançar!!
É não acreditar já em grandes coisas... é deitar e "deixar rolar", simplesmente... Que marasmo!!!

Sempre gostei mais duma boa trovoada do que de céu carregado e ameaçador, que não consegue parir nem uma gota de chuva!
Sempre apreciei mais uma boa dialéctica por que me bater, do que aquele "chove não molha" daqueles para quem tudo está sempre bem e não tem erro!!!

Sou uma mulher de inconstâncias, de insatisfações, de turbilhão ... sou uma mulher de devaneio, mas também de saudade, uma mulher de dúvida...uma mulher de dor!...

Enfim, bastante confuso este post !... Pouco à vista... muito nas entrelinhas...


Parece que cada vez estou a precisar mais de fumar!!!...

Anamar

sábado, 23 de julho de 2011

OS "BOMBEIROS" DAS NOSSAS VIDAS


Pois bem... hoje falo-vos de algo que me tocou profundamente nestes últimos dias.

Algo que não me surpreendeu completamente, mas que ainda assim, me aqueceu o coração, me emocionou, me fez sentir a mulher mais "sortuda" à face da Terra!

Dei a conhecer aqui neste meu espaço de introspecção, de desabafo, de "arrego", todas as aflições que venho sentindo na minha vida, no que concerne à saúde da minha "velhota".

O dia a dia das pessoas é complexo, é preenchido, é extremamente ocupado e consequentemente a sociedade em que vivemos é duma forma geral, de indiferentismo, de anonimato, de quase ostracização nas células habitacionais que ocupamos, que diremos na rua, no bairro, na cidade!...

Nem mesmo os núcleos familiares, por vezes se podem compadecer com os problemas individuais, e por isso o isolamento grassa, o desconhecimento de como está o meu vizinho, o meu condómino, o meu confrade é total!

Corre-se de manhã à noite, a disponibilidade torna-se indisponibilidade... a paciência e a solidariedade desaparecem.
Vivemos, como sabemos, numa sociedade desumanizada e egoísta!

Pois, é neste contexto que efectivamente entram nas nossas vidas, uns "serzinhos" que nem sempre se mostram, mas que, se são dos "bons", nestas alturas nunca nos deixam carpir as mágoas sozinhos.
Os AMIGOS, aqueles com maiúsculas, aqueles absolutamente incondicionais, os "bombeiros" dos nossos destinos.
Quais arautos das nossas vidas estão sempre lá, mesmo quando já não nos falávamos há tempos, mesmo quando os atropelos do dia a dia não nos deixam margem para nos vermos, rirmos ou chorarmos.

Os "cordõezinhos invisíveis" dos afectos, como a Lena diz e eu gosto, nunca se rasgam, são de uma teia resistente e inquebrável aos "tsunamis" das nossas existências...

E foi isso que de repente eu tive junto de mim, nos últimos dias... provas inestimáveis, provas inesquecíveis... provas sem preço contabilizável, porque a amizade, o amor, o afecto, duma forma geral não se medem pelos valores dos humanos!...

E lembrei PESSOA... como não??... Lembrei o MESTRE, nesta sua "Dedicatória aos Amigos", que dedico a todos quantos, se calhar duma forma que eu não mereço, me continuam a dar o privilégio de lhes ser uma AMIGA... porque... "A vida une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão grande para fazer esquecer pessoas que por algum motivo um dia nos fizeram felizes!"...


Fernando Pessoa - "Dedicatória aos Amigos..."

Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que partilhamos. Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.
Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nas cartas que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Até que os dias vão passar, meses...anos... até este contacto se tornar cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no tempo.... Um dia os nossos filhos vão ver as nossas fotografias e perguntarão: "Quem são aquelas pessoas?" Diremos...que eram nossos amigos e...... isso vai doer tanto! "
Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons anos da minha vida!" A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...... Quando o nosso grupo estiver incompleto... reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo.
E, entre lágrimas abraçar-nos-emos. Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes desde aquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida, isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo..... Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida te passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades.... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!" 


Anamar

AFINAL.... NÃO ERA "SÓ UM CAFÉ" !!!...

O Escudeiro reabriu.

Reabriu esteticamente mais bonito, mais luminoso, mais "clean"... mais actual.
Aquele espaço rústico, imutável durante quase quarenta anos, tomou "duche", fez a higiene cuidada, vestiu-se com a melhor roupagem, maquilhou-se com as cores mais luminosas deste Verão que imaginamos atravessar, e abriu as portas de par em par.

Preços baratinhos a piscar o olho à clientela, variedade de bolos, bolinhos e bolecos, empregados com sorriso colado, de orelha a orelha a cativar os consumidores, mas ... o sr. Gonçalves, o sr. Veloso e o sr. Alexandre... ou estavam escondidos, ou não os vi!!
A D. Margarida e a sua gargalhada bem disposta, também não... nem na cozinha, afianço!!

Fui lá no dia da inauguração tomar um café... sopesando a hipótese de trocar para lá o meu pequeno almoço, ora tomado religiosamente no "café dos velhos", como sabem.
Mas não... tal como a minha mãe, pareço ser de "amores únicos"...

Todo o tempo estive à espera que num passe de varinha, como nos filmes de animação infantil, sabem, surgissem, numa nuvem de fumo vinda da cozinha, a D. Margarida com o seu avental crivado de nódoas e as gotas de suor a espreitarem do barrete de cozinheira, o sr. Veloso e o seu refilanço crónico, e o sr. Alexandre de avental vermelho à roda da cintura.

Bem esperei...

Eu estava sentada no meu lugar do costume... Isso, a nova gerência teve a decência de manter... vá lá!!

"Vi" por lá pessoas, noutros lugares... o sr. Leal a falar da sua "agricultura", o Filipe e os seus ensinamentos de informática, o Carlos, a D. Manuela e a Ana Maria acolitadas pelo regimento dos netos, a Catarina que ali matava as "saudades" da mãe em dias de ressaca afectiva, o meu ex-marido a ler a Bola e a lançar provocações para o ar, sobre os "dele" e os da concorrência... "vi" a Lena que também lá estava no banco de pé alto ao lado do meu, a Bia junto de mim também, o senhor brigadeiro com o filho tontinho ( já morreram os dois quase em simultâneo... desígnios divinos...)
Responderam todos "à chamada" !!...

"Ouvi" o meu cochichar baixo, em inconfidências cabeludas com a Lena, as gargalhadas que às vezes soltávamos... "ouvi" o silêncio de algumas lágrimas teimosas que me escorriam pela cara em dias menos "pacíficos"... "ouvi" as minhas "batidas de coração" a descompasso em duas ou três ocasiões especiais, para toda a vida... juro que "ouvi"!!!...

Foram as paredes que me contaram todas essas histórias... elas, as que restam... elas, as que guardaram em si os segredos de uma vida que foi a minha!...

E a bica não descia... o "nó" na garganta, apertava, sufocava-me, e uma "mágoa" no peito entristecia-me.
Parecia que o Inverno estava a descer sobre mim!!...

Que exagero...dirão os mais pragmáticos!! Afinal era só um café!!...
Pois... apenas, eu sinto assim, e não era "só um café"...era a "minha segunda casa"...era uma larga fatia da minha vida, como já vos contei !...

Anamar

quinta-feira, 21 de julho de 2011

"A CALHA"

Contei-vos ontem... a minha mãe está na fase da negação.
Nega o restinho de bem estar e "felicidade" que a vida lhe poderia ainda propor nesta recta final.
Não se ajuda, não nos ajuda... não quer nada, não se sente bem com nada... simplesmente porque acho que já não quer viver muito mais.
Matamos a cabeça à procura de soluções que pudessem minorar este estado de coisas. Não podemos levá-la a sério, senão desgastamo-nos desnecessariamente...
Afinal, ao que parece, todos os velhos, à semelhança de todas as crianças, são mais ou menos iguais.

Devem sentir-se derrotados, profundamente infelizes, desconfortáveis, ultrapassados pela própria existência.
Tudo lhes fugiu por entre os dedos : a beleza, o sonho, a esperança, a capacidade decisória, a independência de timoneiro ao leme da própria "embarcação"... a liberdade de movimentos...

Isso, se apenas falarmos da vertente psicológica, porque a acompanhar tudo isso vêm depois as queixas físicas, de uma "fatiota" que carregaram a vida toda e que está exaurida, desajustada, velha, esfarrapada e que só arrastam porque têm mesmo que arrastar, e não podem largar como a cobra larga a pele velha para renascer, no meio da savana africana!...

Penso que é um "quadro" de profunda injustiça!
É um "quadro" de uma violência atroz para o ser humano, pelo menos se este estiver ainda de posse de alguma clarividência, de alguns fogachos de lucidez...

A minha mãe não quer cão, não quer gato... tem algumas plantas com que quase a obriguei a florir a sua cozinha, para "sonhar" que ainda tem o jardim, o sol e as sardinheiras para a acompanharem... Só que a minha mãe já não sonha... e eu esqueci-me!!!

Não quer sequer abrir as janelas, como se não quisesse deixar o sol penetrar aquele rés-do-chão já por si escuro... como se não quisesse permitir que o sol profanasse o seu mundo de sombras e memórias...

Pela casa toda, há fotografias e mais fotografias, compulsivamente... dos mortos, dos vivos, dos assim-assim...
Estampazinhas de alguns santos da devoção, e claro... fotos do Gaspar!
Televisão quase não vê, as suas rendas não faz... o brio sempre existente no primor da casa, mantém-se a custo... as dores nos ossos não lhe dão tréguas, é verdade!

Um destes dias um amigo meu teve uma ideia que me pareceu muito interessante, embora duvide que ela se motive : arranjar-lhe um gravador de voz e propor-lhe que falasse aleatoriamente para ele, quando lhe apetecesse . Que para ele contasse histórias de vida, canções da sua juventude, falasse das suas vivências, dos seus, que "já foram" (como diz...), enfim, relatasse tudo o que viesse àquela cabecita branca por fora e amargurada por dentro...
Seria seguramente uma herança inestimável, que deixaria aos bisnetos, seria a sua presença continuada no tempo...
Seria a sabedoria de uma vida longa... a sabedoria dos velhos, uma verdadeira arca de tesouros preciosos!

Provavelmente o meu post, meio amargo de hoje, dá tão simplesmente voz a outras vozes que sentem, passaram ou passam por situações muito idênticas.
Afinal nesta calha que trilhamos, vamos todos indo em sequência lógica, a menos que alguém "resolva" trocar de lugar (e isso é que não é o lógico...)!
Os que vão esvaziando lugares, vão-os abrindo para os que vêm atrás... e a calha vai progredindo, vai avançando inexorável e lentamente...

É isto a VIDA... ou melhor, é isto o fim da Vida!...

Por que terá o "Arquitecto" arquitectado tudo isto tão imperfeito no fim??!!...
Por que não, podermos simplesmente ao deitar, duma forma pacífica, "soft", aconchegante, se calhar feliz... tal como fazemos ao candeeiro da cabeceira, desligar o interruptor... e adormecer profundamente no sono dos plenos, dos que consideraram que já alcançaram as suas metas... e para quem isto por aqui, se tornou penoso e já não diz grande coisa??!!...

A minha mãe faria isso... acredito!...

Anamar

"A MONTANHA DAS NOSSAS VIDAS ! "


Tudo muito modorrento por aqui... ou melhor, muitas coisas acontecendo em simultâneo, não me dando margem para usufruir daquele sossego, daquela concentração que me leva à reflexão mais profunda, ao inundar-me de emoções, à auscultação dos meus "interiores".

Realmente há tempos que não assomo ao espelho da alma... e não o fazendo... pois... fico "ressequida" por dentro, desconfortável, incompleta, amputada... e nesse estado lastimável, claro que não escrevo!

Tenho a minha mãe em casa, em luta com os seus noventa anos cronológicos contra uma cabeça talvez de menos vinte, e uma "carcaça" que inexoravelmente não se compadece.

O quadro diário é gravoso, é progressivamente gravoso; as capacidades, as forças, a memória... e claro, aquela mobilidade, a encostarem às "boxes"...
Tudo normal, tudo esperável, tudo de acordo com o "figurino humano"...
Só que a minha mãe "não quer"!...
A minha mãe declarou guerra aberta à areia da "ampulheta", e instalou-se num quadro amargo de existência desesperançada, que só vendo!...

A biologia devia "compadecer-se" com o desajuste entre a mente e a falência orgânica. Acho que seria menos doloroso, para quem já deixa de ter uma resposta aceitável, do "invólucro" que carrega (dentro dos moldes a que se habituou), se pudesse "apatetar" de vez... se "deletasse" as memórias mais ou menos recentes.

O indivíduo sofreria muito menos por inconsciência, a revolta e a inaceitação do grotesco em que se tornou, deixariam de atormentá-lo, e iria adormecendo em paz!...
Dessa forma, também quem o rodeia e se angustia perante a impotência face à irreversibilidade da situação, sentir-se-ia menos amargurado, penalizado, culpabilizado...
Porque, escusamos de dizer... tendo embora a consciência tranquila de um dever minimamente cumprido, tendo em paz a alma e o coração por se ter tentado todo o viável para que se atenuassem os efeitos... para as causas não pudemos encontrar remédio... e isso sempre nos atormenta!

Olhava há pouco o pôr-do-sol e pensava como na vida se criam carapaças, apesar de tudo, para tudo o que nela se tem que ultrapassar.
Já passei por muitas situações em que tive que "vendar" o coração.
Já atravessei muitos desertos de afectos, de mágoas, de sofrimentos. Foi então preciso arranjar mecanismos para o fazer, sem que as sequelas me derrubassem!
Pensamos sempre que desta é que não seremos capazes... que aquela lá, é a montanha das "nossas vidas"... aquela que nos vai barrar definitivamente o caminho...
Mas não! O ser humano, por sobrevivência, transcende-se, supera-se, ultrapassa-se, surpreende-se até a si próprio.
E uma e outra vez, cortamos metas, passamos fronteiras, atravessamos tempestades... e espantosamente saímos, não direi incólumes (porque saímos sempre um pouco "de menos"), mas, pelo menos... vivos!
Às vezes... quase sempre... atordoados, quase sempre cambaleantes e entorpecidos... mas VIVOS!

Esses os mecanismos que tento treinar de dia para dia... porque todos os dias há uma nova "montanha" por ali à espera, e eu tenho que a contornar, tenho que lhe descobrir as veredas que me podem levar até ao cume... para de novo poder ver o sol nascer !!!...

Anamar

terça-feira, 12 de julho de 2011

DE "APAGÃO"...


Hoje acordei de "apagão"...

Tenho uma amiga que diz que de quando em vez está "de alforreca".
Eu acho que estou mais para black-out, escurecimento total, persianas descidas!
Acho que nunca soube, não sei e não saberei provavelmente, lidar com as contrariedades, ou então convenci-me que a Vida as não teria.
E agora, digamos que de há tempos a esta parte, me caem em cima, como uma "chuva de estrelas"!...

A minha reacção é "enconchar-me", qual caracol na eminência de algo adverso!
Deve ser imaturidade, mais imaturidade aliás, mas estou desconfortável...isso, o que objectivamente sinto!
Estou como o país, estou como a Europa, estou como o Mundo...tudo em aberto, tudo indefinido, eu diria que "tudo fechado", isso sim!
Se calhar é exactamente essa situação de cansaço geral, qualquer coisa de pantanoso, fétido e escurecido, que me invade e me domina.

Neste momento as nossas vidas estão todas no arame do circo, mais para cair do que para se equilibrarem, estão todas na base do "se".
E "se" amanhã não houver dinheiro?!... E "se" amanhã as mazelas da saúde que já notoriamente me atormentam, não me deixarem fazer a vida normal... que capacidade terei de resposta?!... E "se" amanhã ficar mais só ainda, face aos afectos ( que tão escassos já são )?...Como acordar e dormir numa casa vazia, numa cama vazia, onde só pululam pensamentos requentados e recordações normalmente "doídas"?!...

Estamos todos afinal, com a vida suspensa entre duas "inspirações" até ao fundo, dois "ses" mal balbuciados... e nada mais desconfortável do que o que é "suspenso", do que o que não se mostra, não se define, não nos deixa capacidade de estratégia e defesa, a tal cortina de "nevoeiro" de que aqui neste espaço já falei mais do que uma vez, como algo que me deixa completamente louca e desgastada!
Pareço ver a realidade com óculos desfocados, estão a ver como é? Sempre receamos pôr um pé à frente do outro... sabe-se lá se é um degrau, um precipício, uma pedra saliente que nos espera??!!

Não sou mais nem menos que todos quantos, milhões e milhões e milhões sofrem neste planeta, se calhar, formas de sentir e estar como eu.
Sou apenas "centro" do meu mundo, e nesse centro, sinto-me absolutamente descentrada...

Há pouco, na televisão mostravam-se imagens de conflitualidade, miséria, devastidão, em mais um país africano.
Mostrava-se gente em sofrimento objectivo, mostravam-se populações com carências indescritíveis, mostravam-se pessoas desesperançadas, crianças sem futuro, gente com muito menos luz que o meu "apagão"...porque para eles, é o breu total !...

E claro, claro que me confronto com o meu negativismo, o meu egoísmo, a minha infantilidade absurda.
Ainda não vivo completamente a desnorte da realidade... e culpabilizo-me porque...olhem, porque devo achar que a vida sou eu, que o mundo gira à minha volta... porque estou a dar uma de "dondoca" (perdoem o termo )... e porque estou uma vez mais, talvez pela enésima vez a publicar um post inconsequente, um post de "nada", cujo conteúdo já repeti vezes sem conta ( e vocês não têm que "levar" comigo assim, estupidificada... )!!!...

Apenas... olhem... "hoje acordei de apagão" !!...

Anamar

sexta-feira, 8 de julho de 2011

É ESSENCIAL O "ESSENCIAL" !....


Ontem mais um jantar da "Begónia"...
O tal jantar anual, onde se voltam a cruzar os afectos, mesmo aqueles que, por força das circunstâncias, já só se partilham pela mente e pelo coração.

Como é bom ver rostos que foram "nossos", abraçar gente que foi "nossa", dividir histórias e problemas que por isso passaram a ser de todos!
Falar de filhos, de pais, de netos...

Rir, rir muito, e ali naquela mesa, esquecer o pesado da vida, as preocupações, as inseguranças, e soltar o melhor de nós...o menino que temos cá dentro e voltarmos a ser crianças outra vez... poder degustar sem pressas, de novo, as "cerejas" !...

A animação "cultural" da festa, como os meus amigos sempre chamam às brincadeiras, rábulas ou apontamentos mais sérios para reflexão... (normalmente tocantes ), herdei-a "vitaliciamente", e como tal, esperam até ao lavar dos cestos, que sempre eu leve qualquer coisa para lhes dar...
E dou de coração...uma "fatiazinha" de mim... depois da sobremesa!

Este ano em particular, sem grande disponibilidade mental para "criar" algo mais leve e brincalhão, levei comigo um texto que considerei muito oportuno e absolutamente magistral, de Mário de Andrade, em que nas suas entrelinhas tem, penso, a tradução dos sentires de todos os que ali estavam em torno do café!

Mário de Andrade, um paulista notável ( 1893 - !945 ), foi um renomado poeta, romancista, musicólogo, historiador, crítico de arte e fotógrafo, da nossa terra-irmã.
Este seu extraordinário "BALANÇO", será certamente o balanço de nós todos, particularmente numa faixa etária, em que a vida já nos colocou alguns / muitos cabelos brancos, rugas nos rostos, cicatrizes nos corações, e nos obrigou a destrinçar mais e mais profundamente entre os nossos ainda actuais e futuros objectivos de existência, sobre o que nos vale realmente a pena, numa fase da vida em que, penso, já contemporizamos pouco, pactuamos menos ainda, fazemos poucas ou nenhumas cedências abusivas...
Numa fase em que já não nos violentamos por nada, em que já não "vendemos" a alma, por lugares, sorrisos, salamaleques, "passadeiras vermelhas", podiuns...

É a fase de total verdade e autenticidade de nós mesmos enquanto seres humanos, e sobre ela só posso dizer, que à semelhança de Mário de Andrade... para mim..... "basta o ESSENCIAL"!!...


                     "BALANÇO"

"Contei meus anos
e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente
do que já vivi até agora

Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto como aquele menino que recebeu 
uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas
percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana ; que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o ESSENCIAL ! (...)"

                                                          Mário de Andrade

Anamar

quinta-feira, 7 de julho de 2011

"UM SOCO NO ESTÔMAGO" !!!...


Ontem mais um tsunami económico sobre Portugal.

A agência de rating americana Moody's fez uma avaliação mais que negativa da situação de solvência deste pobre país.
Os media, os governantes, os analistas... quem faz e interpreta História, diz ter sido um golpe cirúrgico  certeiro, do dólar face ao euro!

Triste Mundo este, que se apregoa e se pretende encaminhado para uma Democracia!
Que democracia, em que os lobbies económicos continuam a imperar, a "proteger" sempre os mesmos interesses, classes e países, e trucidam indiferentemente os restantes estados soberanos??!!

Neste momento, a sensação que tenho, é a de um náufrago exausto no meio do oceano, que avista um barco de salvamento ; reúne as últimas forças, sinaliza-se... e o barco segue o seu rumo, insensível à situação...

Assim me parece Portugal, face à Europa, face ao Mundo...

Dificilmente, por melhores equipas médicas de que se disponha, se "acordam" moribundos, quando ainda por cima, "enfermeiros mafiosos" desligam soros e transfusões, durante a noite!!!...

Os cidadãos deste pais voltaram a preguear  as testas de preocupação...
O peso de uma apreensão visível, aumenta de dia para dia... a nuvem negra teima em não se dissipar.
Os jornais diários fazem-nos apertar os corações mais e mais... Sim, porque os cintos...esses, já estão há muito no último furo!

Juro-vos, tenho que ser honesta e isenta nas análises : claramente há intenção séria, penso, de tentarmos virar a página...
"Um soco no estômago"....dizia Passos Coelho ontem, à comunicação social...

Eu olho para ele e tenho pena!
Verdade que ninguém o levou a ocupar o cargo que ocupa, verdade que ninguém o obrigou a ser "salvador" de náufragos em meio de borrasca.... mas ele tem cara de menino, ingénuo, crente, desarmado, determinado....será ? ( não o conheço ).... mas menino !.... E todos os meninos parecem sempre solicitar-nos colo!
E por isso sinto-o como carne para canhão, como atirado ao "circo de feras" internacional, aos interesses mais miseráveis das supremacias mundiais, e por isso até já me dói o estômago onde ele...todos nós levámos o tal soco!!!....

Entretanto, no café onde estou, o café dos idosos, como já vos relatei sobejamente, mais uma senhora, curta de vista e de ouvido, conta cautelosamente o troco do seu almoço : uma sopa de feijão verde ( "está agora mais barato"... dizia ela ao empregado... As coisas que ela sabia!! ) e meia torrada... "uma é demais" !!!...

Um "soco no estômago" de todos os portugueses... fins de vida injustos, indignos, tristes... desesperançosos... sem nenhuma luz!!!

A Europa da unificação, a Europa da solidariedade e dos direitos humanos... dos compromissos comuns... a Europa do Século XXI !!!....

Anamar

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A PÁGINA VIROU...


Despedi-me outra vez daquela casa...despedi-me definitivamente daquela casa...

Despedi-me, não voltarei lá...mas fiquei, estou lá em cada esquina, em cada flor do jardim, em cada quadro, cada peça adormecida sobre os móveis...
Aquela casa foi ficando desertificada. Os seus reais moradores, aqueles que a gostavam de coração, sumiram.
Alguns, à nossa revelia, sem nossa ordem, de teimosos que eram!...

Assim, foi primeiro o Óscar que era o "rei" do jardim, o "paxá" na sombra das hortenses, na canícula dos Verões.
O Óscar era dono do jardim...do seu, e de todos os outros que ficavam ao alcance do seu salto de felino hábil e intrépido.
O Óscar partiu, faz dois anos, também na canícula de um Julho que lhe fechou a porta da vida... ao som de Strauss... ao som das valsas vieenenses que compartilhámos até à despedida...

Bom, depois foi a vez do Gaspar, o rafeirote empertigado e provocador. Um arruaceiro com coração de ouro.
O Gaspar morreu nos braços de quem mais o amava, nos braços de quem o tinha não por cão de companhia, mas por um igual a si.
E deixou até hoje, um vazio nunca preenchido. A sua fotografia convive de bem perto com quem tanto o amou... o seu olhar perpetuou-se no nosso coração!
O Gaspar era "alguém" muito nosso, alguém que apenas não sabia verbalizar linguagem humana!...

Eu, já partira faz tempo, mas não definitivamente, até porque, cada vez que lá voltava, sempre deixava mais um pedaço de mim, a esmo, espalhado naquele espaço, que tinha a ponta do meu lápis e do meu querer, desde que os primeiros caboucos foram abertos...
O jardim, esse sempre me sorria com mais uma flor no pé, porque também ele, eu inventara...
E eu regressava sempre de menos, sempre mais pobre, sempre com o coração espremidinho e um nó teimoso a estrangular...eu acho que a alma!!...

Fazia-me mal ir àquela casa...já vos disse!!!...

Agora...bem, agora veio a última "guerreira".
A mulher que enquanto teve saúde não desertou, a mulher que das poucas, fazia muitas forças, a mulher que não teve coragem de trazer consigo as flores que a acompanharam (porque não poderia olhá-las...cá.... longe; seria demais para o seu coração sofrido, de noventa anos e muitos atropelos da vida! )

Veio definitivamente a minha mãe, que ainda há tão pouco tomava banho de piscina, ainda há tão pouco fazia caminhadas para exercitar os músculos...
Veio vencida pela vida, absolutamente dilacerada, destruída, para recomeçar uma vida no "betão", outra vez, confinada ao isolamento da grande cidade, ao indiferentismo para com os idosos...na recta final da sua existência.
O sorriso abandonou o rosto pregueado daquela velhinha.... não há quem a console, não há quem consiga ajudá-la psicologicamente, não há nada que se faça, para a rodear de mimos, que lhe tire aquele ar mortal e desistente de ultrapassada inexoravelmente, pela única coisa contra a qual não pôde lutar : a marcha inapelável dos anos!!...

Logo a minha mãe.... uma "guerreira" nata!!!...

Anamar

terça-feira, 5 de julho de 2011

DIA 9


Estou a horas de me fazer aos céus...
Tudo pronto, aguardando apenas a hora da ida para o aeroporto.

A Ilha Maurícia hoje tinha uma surpresa para mim : à hora do nascer do sol, quando eu o esperava no firmamento ainda mal iluminado, numa maré baixa que descobria todos os rochedos e algas à beira-mar, ali, aos meus pés, uma pequena estrela do mar...vermelha, coral intenso, laranja forte, como queiram!
Ali, pousada sobre uma das rochas negras, como que adormecida, qual a "pequena sereia", descobriu-se-me, assim, do nada!

Fiquei extasiada, emocionada pela surpresa, pela singeleza e pela perfeição das formas.
Parecia que o mar me havia querido dar um presente de despedida, um presente que tornasse ainda mais inesquecível esta minha vinda à Maurícia...

Lembrei outra vez Sta. Lucia, naquele dia de Agosto, em que frente à portada do meu quarto, o hibisco vermelho me deu, pela manhã também do dia da partida, a primeira e única flor, durante toda a minha estadia, naquelas paragens.
Uma prenda inesquecível!...
Acariciei entre as minhas mãos aquela flor, as lágrimas espreitaram-me e deixei-a lá.... flor de um dia... no ramo de onde despontara.

Assim hoje, peguei na "pequena sereia", coloquei-a na palma da minha mão, olhei-a longamente, tirei-lhe uma foto para não mais a esquecer... e devolvi-a à sua casa... ao mar, aos meus pés!!...

Eu sou muito destas coisas!...

Parece que cada vez sou mais destas coisas, e mais estou desperta para estes pequenos sinais, que para mim são mensagens do grande "mestre", a Natureza sábia que nos envolve!

Jamais esquecerei o dia de hoje; na areia das Maurícias deixei as minha pegadas e a forma das minhas mãos... o Babalás, com o ar mais triste deste mundo, com cara de "menino pidão", apenas me dizia, no seu inglês mais do que atamancado, enquanto me oferecia uma coca-cola (talvez o único presente ao seu alcance) : "Don't go princess!  Today is a day not good for me...a day very sad!..."
O mar, esse, deu-me uma estrela, que sendo sua....quem sabe, foi alguma tombada do céu aos meus pés, para que jamais esquecesse esta terra....terra que segundo Mark Twain foi criada antes do Paraíso

Mark Twain: "Deus criou a ilha Maurícia e só depois o Paraíso."  (sic)



Anamar 

DIA 8


E pronto... terminou!

Como diríamos prosaicamente, era bom mas acabou!

Não faz mal! Afinal, cada chegada é sempre o início de uma nova partida, e cada final é já um recomeço!

É bom chegar a casa, porque nela haverá espaço para recordar como foi, o que foi, quem eu fui!
É bom sentir que suguei sofregamente mais uma parcela de vida, com emoção, cor, sangue a pulsar, calor no corpo a invadir-me... Isto, é estar viva, é sentir-me viva !!


Tenho tactuado em mim o símbolo chinês "Yin-Yang".
Tactuei-o faz tempo, quando a minha vida me obrigou a parar para pensar, quando tive que amadurecer por sofrimento, quando tive que ganhar armas para não perder a esperança, quando criei asas de liberdade, para voltar a sonhar...

Maturei então... fui obrigada a amadurecer, por sobrevivência.
Com carne rasgada e sangue a escorrer, tive então que ver as duas partes da vida : o positivo e o negativo, a mescla diária dessas duas metades, digamos que simétricas, em dinâmica permanente, empurrando a existência do ser humano adiante.

E tive que fazer uma profunda reflexão e paragem, e perceber a realidade, que se calhar para mim não era óbvia, do copo "meio cheio e meio vazio"!...
Passei a sentir-me talvez menos expectante, menos exigente, menos intransigente e por isso mais grata, mais plena, mais "confortável" e provavelmente menos infeliz (reparem que ainda não consigo dizer o oposto disto... lá chegarei!...)
Passei, como já aqui deixei expresso neste espaço, a deixar-me inundar com as pequenas / grandes coisas da vida, a deixar-me surpreender por ela, a ser mais permeável às emoções com que ela me inunda, cada minuto.

E quando  tender a esquecer-me de tudo isto (porque há momentos menos bons).... basta que me volte de costas para o espelho...  porque ele vai devolver-me a imagem talismã do preto e branco... que me dirá que aquilo ali, é simplesmente a VIDA, tactuada nas minhas costas!!!...

Anamar

DIA 7






Reparo que 60% das fotos que tiro, concernem a pôres e nasceres de sol, 30% a flores e os restantes 10% a rostos humanos.

São três vertentes que me apaixonam pela sua expressividade.

Antes das sete da manhã, eis-me numa praia deserta, envolta numa luminosidade particular, a luminosidade incomparável dum sol que nasce lá ao fundo, num horizonte que o desperta.
O "rei" acorda, espreguiça-se e inicia o seu périplo até atingir outro horizonte... apenas, do lado oposto.
Terá feito o seu "caminho" para esse dia!

Fico por ali, naquela quietude, com o silêncio duma rebentação que o não é, de tão meiga e doce, com o  repassar da aragem pela ramagem do coqueiral, com os trinados dos pássaros, esses acordados já há longo tempo.
E fico num silêncio profundo, como se reza num templo, receando estragar o "milagre" que está a acontecer, receando perturbar aquele mistério, de uma hora tão particular e abençoada!
Quase não respiro...e fotografo, e fotografo e fotografo... compulsivamente fotografo, como se essa fosse a minha forma de perpetuar aqueles instantes, como se essa fosse a minha forma de render preito ao "Arquitecto"...algures por ali!

Tudo se repete quando o "rei" vai dormir.
Aí as cores são outras, os sons são outros, os cheiros mais adocicados também... apenas o místico dos minutos transcursos... o mesmo...
E ele desce, desce e desce, enquanto que a linha do mar o aguarda para o embalo e o sono aconchegante!

Poderá pensar-se, que tão diferente tem um nascer ou um pôr de sol, de outro?!
Que diferença haverá entre esses acontecimentos, num lugar ou outro, no Mundo?!

Quem está atento, sabe que há profundas diferenças, tão simplesmente como ontem ser ontem e hoje ser hoje...
Os meus olhos ontem estavam imbuídos de uma emoção, que não a de hoje, e a de hoje será certamente diferente da que experimentarei amanhã!!!

O mesmo com as flores.
Alguém me dizia em tempos (com ar meio enfadado, meio brincalhão), ao ver a parafernália de fotos de orquídeas tiradas numa estufa na Tailândia : "pronto... agora começam as orquídeas!!..."
É que, como duas pessoas, dois quaisquer seres, cada um é diferente do outro.
Uma buganvílea laranja é aquela, em particular....que terá uma beleza diferente da flor da amarela, da lilás, da vermelha ou da branca!
Os olhos que as estão a ver, também . O coração que bate ao "senti-las", mais ainda!
Sempre transportamos para o que vemos, parte de nós. Aliás, aquilo que vemos, é um retrato subjectivo, projectado, do nosso "eu".






Também alguém me dizia aqui neste espaço, em tempos ( e eu concordo em absoluto), que na minha escrita se vê exactamente isso mesmo...
Eu não sou, de todo, objectiva e imparcial na análise da realidade. Em mim, a realidade é tudo menos realidade...Se estou triste, tudo é cinzento à minha volta, se estou feliz, a natureza pinta-se de luz e cor!!

Fazer o quê??!!.... "Marca da casa"... isso sim, que não me acarreta preocupação por demais!

Entretanto, continuo feliz por aqui, na verdadeira  "house of the rising sun"!...

Amanhã, lá estarei, antes das sete horas, a esperá-lo, para lhe abrir as portadas e lhe dar as boas vindas para mais um dia que começará!!...


Anamar

DIA 6


Hoje falo-vos de eternidade!
Como não falar de eternidade, num local onde ela nos impregna a alma??!!

Hoje fui "catar" corais junto à rebentação quase inexistente, dum mar manso e profundamente azul.
Praia absolutamente deserta, silêncio absolutamente total, interioridade absolutamente imposta por uma natureza pujante e pródiga.
Apenas o vento nos meus cabelos, com toda a permissão do mundo para despenteá-los, água que vai, água que vem, naquele barulhinho lânguido por entre as rochas, ali a esmo espalhadas...

Foi então que pensei uma vez mais na tal eternidade.

Muitas vezes nela reflecti pelas mais variadas razões, nos mais variados locais...já aqui o expus, lá para trás.
Sempre o fiz em momentos nos quais sou "retirada" deste mundo, pela sua esmagadora simplicidade e sumptuosidade.
Nela pensei, olhando as pedras de histórias, de castelos de tanta História... Nela meditei perdidamente, no vaivém do oceano, no alto duma falésia... Nela me deixei ir, nos horizontes sem horizonte das "minhas searas" no maduro do Verão, nas terras do sul....
Ou simplesmente olhando o voo altaneiro da águia real, ou a liberdade sem limites da minha gaivota, quando resolve lembrar-se de mim...

Mas sempre em todos os sítios, circunstâncias, motivos...fico reduzida a um grão de areia, fico confrontada mais e mais com a minha pequenez, com o efémero de tudo isto, com a insignificância do Homem, neste universo mágico que habita!

Pensava eu, olhando os pedaços de coral arrastados para a areia, pelas marés de séculos : "onde estiveram eles até chegar aqui? Por eles terão passado muitas e muitas espécies, muitos e muitos seres vivos, multicores ou não, de luz ou de sombra!!! Que histórias dos jardins proibidos, me contariam, se o pudessem??!!...

E agora...agora que foram jogados, pela aleatoriedade de uma maré que os trouxe aqui, neste pedaço deste planeta, desta galáxia, deste Universo??...
Agora, ali depositados, esperam de peito feito, ventos e marés, Invernos depois de Verões, tempestades depois de acalmias...e vão-se reduzindo ao tal grão de areia, em que se transformarão daqui a eternidades de novo...

E tudo começará!...

O mar vai reencontrá-los; provavelmente os jardins das profundezas lá estarão à espera...e tudo irá começar outra  vez!!
Eles, como nós, aguardamos paciente e esperançosamente na nossa praia... porque "o sonho é uma coisa muito séria" - diz o pacote de açúcar com que acabei de adoçar o meu café, nesta tarde de fim de Junho, nas Île Maurice...Oceano Índico...Planeta Terra!!....

Anamar

segunda-feira, 4 de julho de 2011

DIA 5


A história do dia de hoje, é a chamada história de um dia sem história!

Já estive duas vezes na praia, e outras duas de lá fui corrida, por uma chuva torrencial, despejada de nuvens negras acasteladas num céu cinzento e escuro.
Tenho que concluir que não foi prudente vir para o hemisfério sul, em época de Inverno por aqui.
Bem me dizia o Pedro, que viveu muito e muito tempo na África do Sul!
Bom, agora nada a fazer...aproveitar o melhor que souber e puder, o resto dos dias da minha estadia, isso sim!

As possibilidades de ocupação do tempo seriam muitas...o hotel tem um pouco de tudo.
Olho "gulosa" para os casais ou grupos que conversam e riem, descontraidamente, indiferentes à intempérie...olho "gulosa" para as mesas de snooker ou ping-pong à minha frente (é preciso adversário...), ou até para o plasma que exibe programas legendados apenas em inglês, claro!
Que falta me fazia o meu computadorzinho (agora é que percebo que a chatice do PC na mão, em viagem, tem um retorno útil, por vezes!)

Dormir...dormir seria uma hipótese, no entanto descartada, pela irritabilidade com que sempre acordo se o faço durante o dia. E aqui, então, sentir-me-ia como estando a pagar os minutos, excessivamente caros.
Assim, por aqui estou, sentada no lobbie, com os sofás dispersos a esmo, escrevendo alguma coisa de coisa nenhuma, esperando, com a remota esperança do Babalás, que o sol, o tão desejado e famoso sol tropical, se condoa e desça até nós, para me deixar no dia de hoje, só um pouquinho menos...infeliz!!!


Bom, e condoeu mesmo!
Pela tarde deste dia, mais Março que Junho em Portugal (Março, marçagão...manhã de Inverno, tarde de Verão!...) o sol veio em força, e a tarde de praia, valeu por um dia inteiro!
Só que nos trópicos, no Inverno, anoitece muito cedo e o sol mergulha vertiginosamente na linha do mar, lá ao fundo, e extingue-se perante os nossos olhos impotentes, que querem retê-lo.
O céu fica repentinamente entre o laranja e o violeta, tudo vira sombra, e todas as sombras são-no esfíngicas, em contra-luz. Tudo se torna particularmente belo e misterioso, com cores que não se descrevem; o contorno da folhagem dos coqueiros e palmeiras, em fundo mal aceso ou mal apagado, são sombras chinesas, a brincar de esconde-esconde na aragem que corre.

Ainda me deitei numa espreguiçadeira, perdida no horizonte distante. O olhar também por lá estava, no imenso desse horizonte, e o pensamento, para lá dessa imensidão...

Na praia, bem lá ao fundo realizava-se talvez o quarto casamento que já presenciei, nos cinco dias que por cá estou!
Será sem dúvida, para estes noivos, a realização de um sonho particularmente romântico neste cenário, nesta ambiência, neste contexto. Descalços na areia, fotografias nas rochas, pés na água...um bouquet de particularidades dignas das melhores realizações de Hollywood!

Dei comigo a questionar-me e a falar sozinha: "Porquê tenho hoje uma reacção tão adversa, tão desacreditada, tão amarga, sobre esta instituição?? Porquê (dei comigo a dizer entre dentes) "deixem passar os dias...depois verão!!..." ou então : "este ainda é o primeiro...quantos mais virão, com menos cor, menos romantismo, menos aposta??!!"
Mas as pessoas continuam militantemente a casar. Será que acreditam mesmo no que ali está a passar-se? Será que o fazem pelo "folclore" associado ao evento? Será porque acham valer a pena apostar apenas no momento, independentemente do que venha a acontecer no futuro?

E eu? Por que estou eu, sou eu, tão amarga com a vida? Por que pareço ter deixado de apostar nela há muito tempo?
Ou será uma pontinha/muita inveja, despeito, desdém?
Porque, se calhar eu queria ter ainda a ingenuidade deles e não sou capaz...porque se calhar queria continuar a pensar que posso agarrar uma vida para valer...porque se calhar queria ter a fé e o crer da juventude, e já não tenho, não terei nunca mais!!!

Bom, e escureceu! Escureceu definitivamente...na linha do horizonte, neste firmamento que de violeta já passou a negro...e escureceu dentro de mim...

Afinal, aqui "dentro", o dia começou num Março do hemisfério norte, e terminou-me num Junho do hemisfério sul !!!...


Anamar

DIA 4



O dia amanheceu com uma noite muito pouco dormida...

Passo a explicar: depois de mais um serão passado ao som de canções intemporais, interpretadas espectacularmente pelo conjunto responsável pela animação do hotel (cujos vocalistas são dois jovens que têm uma voz de dar inveja aos legítimos intérpretes dos temas escolhidos)...entre dois "Maitai", uma lágrima teimosa que espreita (porque afinal o clima que se respira é amor esbanjado por todos os poros, nos toques, nos olhares, nas cumplicidades nada escondidas...no calor de corpos em sedução permanente, ou não estivéssemos nos trópicos)....depois de todos estes condimentos que me deixam de rastos, nostálgica, "molinha", "molinha"...com ganas de roubar para dançar, qualquer par a uma qualquer dama (porque isto ou há justiça, ou comem todos....) bem, lá recolhi aos aposentos e procurei dormir, porque o corpo chega moído e as emoções afogam o coração!

E dormi até às quatro e meia, hora a que precisei por razões óbvias, de me levantar e desgraçadamente...oh pontaria das pontarias, coisa que nem é hábito meu...resolvi acender a luz do quarto.
Eis senão quando, apesar das minhas dioptrias estarem bastante agravadas e não ter as lunetas colocadas, visualizo junto ao tecto, esfingicamente, algo que não me deixava dúvidas: uma osga tamanho XL (pelo menos para mim são todas XL ), que resolvera dividir o quarto comigo.
Ora isso é questão que não se coloca...ou ela ou eu !...

Estaquei absolutamente "vidrada", e reflecti sobre que hipóteses eu teria àquela famigerada hora.
Ligar para a recepção pedindo socorro...um pouco impensável, talvez ridícula até, num local, onde evidentemente se convive pacificamente com estes "quadrúpedes"... (amanhã todo o hotel saberia do inusitado - já me estava a ver ser alvo de sorrisos disfarçados...) ; ser eu a "justiceira"...como, sem vassoura ou outra arma de arremesso, dado a alimária estar junto ao tecto??!!...  Passar a noite em pé, a controlar-lhe os movimentos??... Pois, pareceu-me ser a única alternativa, apesar ...das 5 da matina apenas!!
E se ela resolvesse dirigir-se para "ponto de mira", ou melhor, "ponto de queda"...por sobre a minha cama??!!

Resolvi puxar a cama para o meio do quarto, evitando o contacto das almofadas com a parede, não fosse o diabo tecê-las...
Só que tudo não eram mais do que técnicas de remediação!...

Olhei então para a mesa de cabeceira, onde, de outra matança da noite anterior, um empregado do hotel me deixara um spray anti-mosquitos...e pensei : "E se eu a adormecesse ou drogasse, ou quiçá matasse, com tal químico"??
Claro que isto seria como matar um elefante com uma pressão de ar, e foi exactamente o que aconteceu!
Despejado que foi  o spray em causa, o que presumo deva ter deixado os meus pulmões em petição de miséria (e se não morri esta noite, não morro tão cedo...), a minha visitante nocturna pôs-se a milhas, correu vertiginosamente para o local onde se sentia talvez mais protegida (as traseiras do frigo-bar), e ficou...

Ora isto é o pior que me pode acontecer: não ter um um cadáver para exibir, comprovativo do crime... e pensei : "e agora?? Não posso apagar as luzes, senão não sei o que se irá passar ! Não convém deixar acesa nenhuma junto à cama (porque elas procuram a luz, como se sabe) ! Talvez deixar a luz junto à porta de entrada do quarto (local mais afastado da cama) !

Como o sono me atacava forte e feio, resolvi : "vou deitar-me mesmo assim, e nos entretantos vou controlando a "fera"!
Claro que dormir mais, foi mentira... Ainda por cima, o "estafermo" anunciava-me que continuava viva, porque cada vez que o frigorífico disparava, ela resfolegava lá pelas traseiras, mexia e remexia, o que me fazia levantar o pescoço da almofada, cada dois minutos.

Bom... a cegada terminou, quando felizmente, o despertador tocou às 6,30 h, hora de todos os acordares.
Desta vez abençoei-o, e decidi avisar os camareiros para virem armados da respectiva G3, encaminhando-me para a praia.

O dia prosseguiu sem demais atropelos, e hoje foi o dia do Babalás!

O Babalás surgiu-me na tentativa de me vender, na praia, umas t-shirts.
Mais um maurício médio-escurinho, que calcorreia as areias, de cá para lá, de lá para cá!
Claro que para vender t-shirts, a técnica de marketing impõe uma aproximação pessoal, invariavelmente idêntica "Donde veio?....É a primeira vez que está nas Maurícias?...Está a gostar? E o tempo?...humm...não está grande coisa...mas é Inverno!" (e eu a pensar : "realmente, ninguém me mandou ser burra !..." ) etc, etc...

Babalás (nick name ou apelido, segundo ele) é um "puto" de trinta anos (eu havia diagnosticado menos dez à vontade), um puto gordinho, mal "enjumbrado", de boné na cabeça posto àdoque, todo "pendurão", "sapudinho", "anafadinho", aquele estilo de puto que na escola é alvo de gozo do pessoal, estão a ver??!!...

A conversa deu para o Babalás se sentar na areia ao pé de mim, o que lhe fez esquecer as t-shirts (aliás, os meus interlocutores acabam sentando-se, porque a conversa dá pano para mangas...).
Um puto puro, absolutamente transparente, ingénuo , sem malícia!
Queixava-se que não tem "girlfriend"... Só teve uma...(e eu a pensar : " mesmo assim, como foi possível??!!...)  porque todos os rapazes bons, não têm sorte nessa matéria"...Mas tem esperança que ainda há-de encontrar a cara-metade.
Falou-me da pobreza do povo, das curtas rupias com que tem que sobreviver; falou-me da vida faustosa dos governantes...(lá como cá...como em qualquer ponto do Mundo parece...), falou-me de ter deixado a escola para ganhar a vida  (quatro irmãos em casa...)

O Babalás não foi de modas, e como já éramos quase "tu cá tu lá" (rsrsrsrs), logo ali me convidou para dançar, se eu quisesse, e beber rum com ele...porque, "quando me vira ali na praia, sozinha, supusera que eu não seria pessoa de chegar às falas e ficara muito feliz por se ter enganado"...

Fui assim uma espécie de prémio de consolação que saíra ao Babalás, para esfregar nas "fuças" dos colegas de praia e t-shirts, que quase haviam apostado que o Babalás era mas era um lunático!!!

Enfim...histórias de pessoas... histórias de gente simples, "naïve", autêntica, genuína...
Nem sempre se cruzam nos nossos caminhos!!...

Anamar

domingo, 3 de julho de 2011

DIA 3

DIA 3




Hoje eu conheci o Jacques, na praia.

Um maurício seco de carnes, alto, uns dentes lindos impecavelmente desenhados e brancos, num rosto obviamente bem escuro.
O Jacques vende pela praia, bijouteria que ele próprio elabora; tem uma filha de catorze anos e não troca as Maurícias por nada!
Esteve há meses atrás na Alemanha, a convite de amigos, mas a fuga do "betão" e o regresso à terra natal, foi o maior desejo alcançado, para alguém que começava a sentir-se espartilhado e sufocado, numa realidade que não era a sua.
Aqui, ele faz snorkeling, e traduziu-me com clareza, exactamente a mesma sensação que experimento quando também o faço: o mergulho não só nas águas mas num mundo seguramente "out" da realidade aqui de cima, a vivência num paraíso que nos faz esquecer as horas, os dias, o querer voltar...
Por ele, por mim, aqueles jardins submersos são mesmo para ficar...

Jacques diz que não tem exigências na vida. Para si, acordar e poder respirar este ar, ver este céu, absorver estes cheiros, comer estas frutas, este peixe, este marisco, viver na amplidão destes espaços....são os únicos requisitos que anseia para a sua existência!

Falámos um bom pedaço, mas a identificação sobre a expectativa do que hoje em dia será qualidade de vida, real qualidade de vida, com a valorização do essencial em detrimento do acessório que persegue o ser humano em tempos de materialismo e consumismo desenfreados, de desumanização total...foi absolutamente notória...

Não o questionei, mas dado o teor e fluência da conversa e a forma de se expressar, indica  tratar-se de alguém, que dificilmente será um simples vendedor de praia.
Pareceu-me uma pessoa culta e com conteúdo...a conversa desenrolou-se duma forma interessante!

Não esquecerei certamente o riso "desarmado" do Jacques! 

Anamar

CONTINUANDO.....

DIA 2



Estou aqui num complexo de culpa desgraçado, porque o privilégio de que desfruto neste momento, me bafejou a mim, eu, que tão mal agradecida sou frequentemente, com a vida!

É já grande o rol de locais de paraíso na Terra, por onde passei, e este seguramente é um deles.
A natureza efectivamente organizou-se de tal forma, que não há um reparo a pôr, uma "reclamação" a fazer.
O céu e o mar misturam-se, apenas este mais intenso de cor...o verde dos coqueiros e das palmeiras despenteadas pelo vento que corre, as flores de matizado variado, os aromas particulares destas paragens, a simpatia das gentes calorosas no trato, e duma amabilidade extrema...

Acho que muitos dos serviços prestados em Portugal, na área da restauração, infelizmente, teriam muito a aprender com a discrição, a humildade, a solicitude, o jeito caloroso com que esta gente se excede para nos prestar tudo o que pagámos, sem dúvida....mas muito para lá do que o dinheiro compra...o podermos, numa terra estranha e tão longe de casa, sentir-nos "tão gente" como se no nosso próprio lar estivéssemos!

Nestas minhas fugas, a introspecção sempre se potencia, porque a paz é muita, o silêncio também, o facto de estar só e não ter com quem conversar e a ausência de telemóveis, sempre nos fazem sentir que afinal fechámos mesmo uma porta, pusemos o comutador no "off". E isso é realmente gratificante, isso motiva-nos para nos travestirmos de um outro "eu", mais solto, mais liberto, mais disponível a beber tudo o que nos cerca!


Neste meu "dia 2", até agora tudo perfeito!

Aliás, um único senão; uma "nuvenzinha" que paira na minha cabeça e no meu coração, motivada pelo estado de saúde da minha mãe, que não deixei bem, e que de longe me acresce em preocupação!
Esperemos que seja somente "passageira" e que com "o tempo se vá"!!...

Anamar     

CRÓNICAS DE "OUTRO MUNDO"

Regressei....bem vos disse que nada é mais volátil que o tempo!

Regressei e já me desabou o "mundo" em cima, feito um tractor, um ciclone ou uma onda gigante. Depois vos conto.
Para já, vou colocar aqui os "meus escritos" que pretendem traduzir-vos tudo quanto por lá senti, vivi, experimentei. Coloco-os obviamente pela ordem em que foram escritos.

DIA UM 


Um aeroporto é uma cidade dentro da cidade.

O aeroporto de Londres, talvez um dos maiores do Mundo, é um espectáculo indescritível!
A mistura de gentes, de rostos, de raças...as posturas dos que esperam, dos que passam e dos que correm, interessantíssimas.
Semblantes "negligés" de horas pela frente a queimar...semblantes stressados de horários a esgotarem-se e a porta que se busca ainda não encontrada...semblantes cansados de quem compõe o sono que falta, de horas de viagem já feitas e tantas pela frente a cumprir.

O ritmo alucinante é cá dentro, mas é igualmente nas pistas. Os aviões levantam e aterram ao ritmo do minuto. Fazem fila na pista de descolagem, aguardando vez.
Depois , depois é vê-los, na "rampa de lançamento", desafiadores dos céus!


Não cansa, nunca cansa olhá-los apenas. É como olhar o mar...parece igual, mas não o é!

Sentei-me junto às paredes totalmente envidraçadas da sala de embarque, perdida no tempo e no espaço.
Alheei-me do "brouhaha" que se sentia, recuei algum tempo na minha vida, em que também em Londres, assistira ao mesmo espectáculo, numa tarde de Agosto.
Perto, bem perto do aeroporto, lá estava também como nessa meteórica passagem, o Park Inn, hotel de uma noite, "debruçado" sobre as pistas.

Sempre estou  fadada a confrontar-me com pegadas na areia...sempre estou condenada a nunca conseguir ter memórias selectivas...sempre sou perseguida pelas marcas do caminho!...
Nesse Agosto era Sta. Lucia que me esperava...e um sonho afinal inacabado!!...

Anamar