sábado, 31 de dezembro de 2011

"O HOMEM DAS ROSAS"


O homem das rosas passava quase sempre.

Cabelo todo branco, olhos miudinhos por detrás de umas lentes finas ... e uma rosa na mão.
O rosto sério e determinado, parecia, tinha uma qualquer luz a inundá-lo, lá isso tinha!

Maribel sempre o via passar, do seu portão.
Quase já fazia parte da sua rotina, vê-lo dobrar a esquina, de passo estugado, como se tivesse urgência de chegar a qualquer lado. Maribel não sabia onde.

Olhava-o atentamente e seguia-o com os olhos, desde que a sua silhueta surgia ao fundo da estrada, até que sumia de novo na outra curva.
Àquela hora, a menina descia o caminho, apoiava o queixo na cancela, e "estendia" os olhos pela estrada.
Sempre o coração lhe dava um saltinho no peito, quando ele uma vez mais não falhava.
Aquele mistério era um segredo que não contava a ninguém, e que começava a iluminar-lhe os dias.
"Aquela hora"  passou a ser  "aquela hora" ... e a inquietude dominava-a, até que o coração repousava fnalmente !

Engraçado aquilo !!!...

Entre a menina e o homem dos cabelos brancos, estava tácita e invisivelmente criado um "laço" ...

Um dia ele sorriu, porque afinal para ele, aquela menina também era um mistério.
Por que sempre estava ela àquela hora, naquele portão, com aquele olhar curioso?!
Por que parecia "segui-lo" desde que se avistavam, até que ele dobrava o caminho?!

O tempo foi passando, os dias e as tardes seguiam o seu percurso.

O homem das rosas tinha sempre pressa de chegar ao destino. Maribel nunca soube qual!
Ele nunca tinha tempo para esboçar mais do que um sorriso ... Ainda assim, era um sorriso triste ... contudo doce ... contudo quente ...
Haviam "atado" as suas vidas, por uma flor ... O homem "cativara" a menina, e a menina "cativara" o homem das rosas ...
E, como no "Pequeno Príncipe", sempre somos responsáveis por quem amamos ... e por isso, se pudesse, a menina ter-lhe-ia oferecido uma rosa do seu jardim, para o fazer sorrir mais, e o "prender" para sempre ao seu portão!

E o tempo continuou passando, os dias e as tardes seguiam o seu percurso.

Para ela, aquele homem tornou-se num "menino" da sua idade, passou a ser o sol da sua rua ... e Maribel também não percebia porquê ... mas sentia!
E o que se sente é que importa !  E mesmo sendo cegos os olhos, é preciso "ver" com o coração !...

Para ele, aquela menina, de queixo esborrachado na cancela, era uma espécie de arco-íris que se acendia no céu ...
Mas, os arco-íris não se prendem ... são livres ... e escondem-se em dias que não são de sol e chuva !
E por isso, ele acreditou que aquela "pintura" no firmamento, que ele criara na sua cabeça, era coisa que nunca alcançaria ...
Não acreditou que pudesse lá chegar, mesmo que fosse nas asas de uma borboleta, porque essas são livres também, e chegam a todos os sítios e a todos os corações, onde os homens não conseguem alcançar ... e por isso ... o "homem das rosas" mudou de caminho ...
Tristemente esqueceu que nos tornamos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos ...

Um dia, ao amanhecer, quando nem os pássaros ainda tinham acordado, Maribel foi até ao portão ... outra vez ...  Sempre continuava esperando, dia após dia, tarde após tarde ...

Bem na sua frente, estava uma rosa branca, branca como a neve que é fria, branca, mas pura, como o coração de uma menina ...
E estranhamente, a rosa conseguiu aquecer-lhe, quase queimar-lhe as mãos e a alma !...

O homem nunca mais voltou ... e por isso, não pôde ver as lágrimas da menina a rolarem por um rosto infantil, mas já desencantadamente adulto ...  Não pôde ver os seus olhos que ficaram tristes, na sua rua sem sol ... porque nunca o percebeu ...  Não pôde ouvir os soluços do seu coração ... não pôde ...

Mas também ... ele tinha sempre pressa, não era ??!!...

Anamar

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

" O SER, O TER E O PARECER"


"Os tempos de vacas magras têm, para o homem sábio, o potencial de o relembrar da abissal diferença entre o SER e o TER.

Os tempos europeus e lusitanos de agora são tempos de pouco TER. Não são, porém, tempos perdidos ou improdutivos para aqueles que se preocupam essencialmente, não com o TER, mas com o SER. São tempos que nos mostram e ensinam a diferença entre o que é verdadeiramente essencial e o que, afinal, é apenas simplesmente confortável. São tempos que nos alertam para a precariedade do TER e que nos mostram a perenidade do SER. Que - com dureza mas também com clareza - nos ensinam que o que possuímos, o que amealhamos, os rendimentos que obtemos, estão à mercê dos desvarios de anónimos financeiros, dos apetites de insaciáveis banqueiros, das debilidades dos políticos a que entregamos os nossos destinos, dos conceitos dos teóricos económicos da moda e do acefalismo cinzento dos burocratas que a todos estes enquadram. Mas são também tempos que nos relembram que o nosso verdadeiro tesouro é aquilo que SOMOS, o que aprendemos, o que melhorámos, as capacidades que adquirimos, a nossa força, tenacidade, confiança em nós, o conjunto das capacidades que laboriosamente adquirimos ao longo da nossa existência e que é com o que cada um verdadeiramente É que resiste e ultrapassa e vence a falta ou diminuição do que TEM, que reconstrói sobre os destroços do que caiu, que avança e deixa para trás o deserto da penúria. Enfim, aquele que se concentra no que É sente menos falta do que não TEM.
O essencial é SER, não TER. Os tempos de crise servem para que o homem sábio o relembre e possa não o esquecer nas épocas de prosperidade.
Todos aqueles que dão ou agora aprendem ou reaprendem a dar primazia ao SER sobre o TER estão mais aptos a, apesar dos pesares, ter aquilo que, sem ironias, sem descabelados otimismos, mas também sem desnecessários pessimismos, a todos desejo: UM FELIZ ANO DE 2012! "

Rui Bandeira

Ainda em jeito de Natal e sem querer assumir-me como moralista de coisa nenhuma, que o não sou, peguei no texto que supracito, escrito brilhantemente pelo maçon da Loja Mestre Affonso Domingues, Rui Bandeira, que me chegou às mãos através de e-mail - e que não é mais do que um post seu, do blogue bastante interessante "A PARTIR PEDRA" - e sobre o qual meditei longamente ...
O post integral, "Exortação de mudança de ano", é obviamente mais extenso ;
dele retirei este excerto adaptado, porque suponho aqui concentradas todas as linhas norteadoras do que deveria ser ( e sobretudo neste momento, com maior relevância ), uma reflexão feita por todos nós.

Essa reflexão / conclusão apresentada, "encaixa" na perfeição, julgo, especialmente na quadra que vivemos, a qual, infelizmente continua a evidenciar as mentalidades do exagero, do supérfluo, a postura do excesso, a sociedade irrazoável do "TER".

Não irei acrescentar nada de novo ao exposto magistralmente por Rui Bandeira.
Creio que na sua exposição está tudo dito.

Curiosamente, esta cultura tão ocidental do "TER" em detrimento do "SER", inculcada nas gentes, nos países, nas sociedades do dito "Primeiro Mundo", situa-se nas antípodas das formas de ser e estar dos povos do oriente e das suas culturas.

Lá, efectivamente, a "corrosão" da sociedade de consumo ainda não fez muitos estragos, e a filosofia de vida prevalecente, baseia-se na essência do ser humano, na sua "herança" interior, no repositório de valores, orientadores do Homem, enquanto ser racional e inteligente.
"Vale-se" pelo que se "é" e não pelo que se "tem" ...
Temos qualidade e excelência, se o recheio das nossas existências for de sustentabilidade, de verdade, de tenacidade, esforço e confiança pessoais nas capacidades individuais!
Deverá / deveria ser essa de facto a "tatuagem genética", da bagagem que efectivamente nos acompanha pela vida, sempre no sentido de um crescimento, valorização e melhoria!

Atrever-me-ia humildemente, a apor ainda uma outra reflexão, paralela a esta, e que se baseia no habitual "TER" e consequente "PARECER".

O ser humano vive com a obsessão avassaladora, de que só é "gente", se o "PARECER" ...
É preciso parecer ter quaisquer graus académicos, é preciso parecer ser rico e bem instalado na vida, a qualquer custo, é preciso vestir bem para que o "invólucro" exterior dê credibilidade à "personagem", é preciso ostentar sinais de riqueza para que se possa frequentar determinados círculos ... é PRECISO, é PRECISO ... é PRECISO!!! ...
O "show-off" a que assistimos diariamente, alicerçado em princípios absolutamente balofos e despidos de consistência, continua portanto, infelizmente a grassar.
Classifica e subdivide pessoas, estratifica-as a partir do "PARECER", o que ainda é mais miserável e ignóbil do que a simples dicotomia SER / TER ; marginaliza, rotula, estigmatiza, pela "aparência" !...

Por fim, atrevo-me apenas a tomar como meu, o último parágrafo de Rui Bandeira, que subscrevo integralmente.
Todos aqueles que tiverem a clarividência e a sabedoria, de privilegiar o "SER", sobre o "TER" e o "PARECER", estarão, do meu / dos nossos pontos de vista, a merecerem os votos de um excelente 2012 !!!...

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"OUTRA VEZ E SEMPRE" ...



Outra vez e sempre ... o Mestre !

Pessoa, Alberto Caeiro ... "Poema do Menino Jesus" ...o poema mais poema alguma vez escrito!

É Natal, é tempo de "Menino Jesus", mesmo que seja só no nosso imaginário.
Jesus feito menino, como Pessoa o escreveu, como Bethânia o disse, é um Deus menino, muito mais menino que Deus!

É uma criança, igual entre as iguais ... É humano e é divino ...
Brinca, chora, ri, deslumbra-se e faz tropelias ... ouve histórias, adormece e tem sonhos !
Salta, corre, colhe as flores dos Homens e com elas fica igual a eles!

Desperta em nós o desejo de o pegar, de o ninar, de o acarinhar...
Uma criança...simplesmente!!!

Porquê surpreendermo-nos ??!!
Afinal, cada criança é muito mais Deus que muitos Deuses!

Outra vez e sempre
, o Mestre que tudo entendeu, e que num, se fez em muitos, transbordou de magia, de ternura, de sabedoria, como se ele próprio fosse menino outra vez!!!...

Anamar

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

" FIM DE FESTA" ...


Fim de festa, é sempre fim de festa !

Natal será festa familiar, dizem ... Ano Novo é festa para amantes ...

O amor que passa no Natal é um amor de sangue ... o amor que passa no Novo Ano, é um amor físico e sensual.

Natal é mesa cheia, é riso de criançada, é euforia de presentes que se desembrulham numa urgência do conteúdo.
Natal são laços e fitas e gargalhadas e correria.
Natal também são cânticos, luzes  e sinos ... E votos, muitos votos de que para o ano, na mesma mesa, à roda das tradicionais iguarias, se encontrem os mesmos rostos ... ainda!
As crianças, mais crescidas, mais adultas ... menos crianças ... sempre esperamos!
Os adultos, mais velhos, os cabelos mais grisalhos, mais pregueados os rostos, o olhar mais mortiço, por mais um ano de cansaços lhes terem diminuído o fulgor ...
Os corações mais fatigados também, porque afinal, trezentos e sessenta e cinco dias deixam marcas e sinais, muitas vezes indeléveis...

Natal, às vezes é lareira, sobretudo se o for longe do betão e do impessoal anónimo da grande cidade.
Pelo menos por certo, a lareira será mais genuína, mais a sério, mais aquela da nossa infância, das memórias remotas lá de trás ...
Não será lareira a brincar de fogão de sala ou de salamandra ... Não!... É lareira de saltar "faúlhas", de estalidos, de troncos que crepitam, de fumarada chaminé acima ... aquela chaminé, por onde as crianças sempre acreditam chegar o Pai Natal.

Natal também é cansaço de fim de noite, regresso a casa "embrulhado" em gorros, cachecóis, xailes, narizes gelados, "fuminho" a sair das bocas no gélido da madrugada já ... olhinhos a piscar de sono ...
E é Natal de amontoados de caixas, papéis rasgados ( em que os bonecos que os povoam já não riem como antes, quando estavam intactos e arrumadinhos junto à Árvore), laços, fitas, muitas fitas ... nos contentores pelas ruas, a desoras.
E é ainda montureira de outro "lixo" ... o humano ... aquele que continuou nos vãos das escadas, nos esconsos das soleiras das avenidas, como sempre ... para quem a noite é tão fria, ou talvez mais que todas as outras do ano, porque mais vazia, mais triste, mais perturbada de memórias e fantasmas !...
Aqueles para quem afinal, o Natal não compareceu, e só o "sabem" pelo calendário, pelo nó na garganta, pelas lágrimas que secam à nascença, nos olhos ...

Tudo isso é ... foi ... Natal!

E Ano Novo é ... será ... o quê?

Bom., doze badaladas ( que afinal dão todos os dias), nessa noite agigantam-se ...parecem determinar magicamente qualquer coisa ... acenam com promessas, esperanças, creres, sonhos ...
Nesse hiato, em que a contagem decresce de doze a zero ... nesse intervalo em que parece que a vida fica estranhamente suspensa, em que a pressa de engolir as passas e formular os desejos nos atropela, passa a vida, a vida de um ano, à nossa frente ... e cresce a fé, de que a próxima "empreitada" sempre seja melhor, e que seja esse o ano em que a felicidade, a realização e os sonhos, se "compadeçam" finalmente de nós ...
O maldito nó,"estrafega-nos" a garganta, um "engulho" incómodo constrange-nos o estômago ... as lágrimas desatinadas e teimosas, humedecem-nos os olhos ... sem que o permitíssemos.

A lareira vai estar mais iluminada, pelas chamas bruxuleantes e irrequietas, mais quente, porque pelo menos o champanhe também já nos aquece por dentro ;  a sala mais intimista, porque só a luz tépida e envolvente das velas e da fogueira  a  inunda, desenhando nas paredes sombras esfíngicas e dançarinas.

A mesa já não é a grande, corrida, com os lugares todos preenchidos ... mas sim uma pequena, discreta, "bastante" ... para as flutes, a taça das passas, os restantes aperitivos, o bolo-rei que ainda é "rei", alguns chocolates para adoçar ... sobretudo a alma!

As almofadas espalham-se também pelo chão ; as mantinhas de lã, sempre xadrezes ( por que será?), largadas a esmo, hão-de servir lá mais pela madrugada,  para cobrir corpos já descobertos e exaustos, então ...
A música é doce e já não tem sinos, nem é de "Jingle Bells" ...
É calma, envolvente, cúmplice ... sussurrante ... lânguida ... sensual ...
Um bom tinto substituirá o champanhe ( mais mundano ), pela noite dentro ... e terá o condão de despertar um tumulto de emoções, de desejos desbragados e incontidos, de loucuras entorpecentes, de vontades incontroladas de fundir dois corpos num só ... para que assim possam ficar por todo o ano ... por toda a vida ... enquanto o sonho deixar, enquanto valer a pena, enquanto for bom ... enquanto for Sonho !...

Novo Ano é para dois, é para os "amantes" desse ano ...
Nunca se sabe se ainda o serão, ao soar das próximas doze badaladas ...

... porque nas vidas, como nas festas ... fim de festa é sempre fim de festa !!!...

Anamar                                         

domingo, 25 de dezembro de 2011

"NEVOEIRO DE VIDA" ...


Abateu-se um imenso nevoeiro frente à vidraça do seu quarto ...

Estranho ... o dia até estivera ensolarado, embora com aquele sol envergonhado de um Dezembro que preverica.
Anoiteceu ... as últimas aves da tarde recortavam o céu, em busca de abrigo para a noite ... e subitamente, como tempestade que se anuncia, um breu, uma cerração, começou a baixar e fechou o firmamento.

A surpresa "chamou-a" à vidraça ...
Esborrachou bem o nariz contra ela, como se assim conseguisse divisar melhor alguma coisa.
Alguma coisa que Ana não sabia bem o que seria.
Por ora, apenas as folhas de plátano profusamente espalhadas pelo chão outonal, jaziam lá em baixo.

O horizonte tinha ficado curto ... melhor, parecia-lhe não ter mais horizonte à sua frente!...
Deixou perder os olhos por ali ... Nada do que conhecia, e há pouco ali estava, surgia, ainda que fosse difuso ...
Ana sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo, sentiu o sangue a fugir-lhe das veias, teve uma sensação estranha de estupefacção e medo ...
Como um cego que tacteia, ficou de repente perdida, surpreendentemente sem rumo ou destino, como se o chão também tivesse sumido debaixo dos seus pés, com a neblina cerrada.

Desenhou um sol no embaciado do vidro ... desenhou um coração ao lado do sol ... desenhou uma gaivota perto do coração ... e sorriu tristemente, achando-se louca !

Por que fora embora o sol, mesmo envergonhado, neste Dezembro prevericador?
É certo que Dezembro combina mais com chuva, cinza e névoas ... mas disso ela já tinha que chegasse !...
É certo que o coração precisa de luz para ter esperança e sonhar ...
É certo que o sonho precisa de "liberdade" para crescer ...
É certo que as pessoas precisam de horizontes para viver ...

Mas aquela cerração que lhe fechara a tarde, fechara-lhe também a vida ... outra vez !
Sim, porque Ana já vira muito nevoeiro da sua janela ... mais ou menos denso, mais ou menos fechado, mais ou menos desesperançoso !...
Sentia-se como quem tem que saltar de uma ravina e não sabe o que a espera lá em baixo!
Sentia-se como atravessando um tronco, entre duas margens de um desfiladeiro !
Sentia um pavor a crescer-lhe nas entranhas, à medida que as asas da noite a tocavam ...
Havia morte por ali ...percebia-se! Havia dor por ali ... ela sentia-a claramente!

Ficou letárgica, quieta, álgica ... Quase continha a respiração, para não perturbar o silêncio e a penumbra ameaçadores ...
Não se perscrutava, não se sentia ... seguramente, Ana suspendera a Vida entre dois parêntesis!

O sol continuava desenhado, o coração continuava sem luz ... o sonho perdera-se porque a cerração naquele fim de dia de Dezembro, fora implacável! ...
                                                                                         
Anamar

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"É ASSIM, E PRONTO !..."


Que raio de chatice !... é só o que me apetece dizer ...

Que chatice porque é Natal, é Ano Novo, quero escrever, não sei sobre o quê ... sinto-me desconfortável ... só me ocorrem insanidades ... estou sem paciência para mim e para os outros ... sinto-me gripada ... está sol mas vejo um dia cinzento ... sinto-me só ... sinto-me a baloiçar para cá e para lá sem sair do mesmo sítio, como a cortiça à tona de água ...
Enfim, como se vê, um cardápio de estados de espírito, qual deles o melhor !!!
Pareço os miúdos quando têm aquele choro estúpido com a rabugice do sono, ou os bêbedos quando "encalistam" com uma ideia, e "marram" na mesma direcção tempos infinitos.

Há muito já que não me sentia assim neste marasmo mental, emocional, físico até .
Há tempos que a inércia de vida não me apanhava de jeito ...

Mas estes dias, desta quadra "determinada", têm o condão de "massacrar" mesmo os mais resistentes.
Bem queremos imunizar-nos, bem queremos "fazer de conta", mas népia ...
As pessoas fogem de passá-la sós, como se sós não estivéssemos a maior parte do ano! As pessoas inventam saídas, outros locais, confraternizações...
Para quê?
Afinal o mágico daquela noite, nada tem de mágico além das outras noites todas. 
Porque a vida não pára por milagre, para começar  "a cores" no dia seguinte, porque no outro dia somos exactamente os mesmos, já que o Pai Natal não operou "gaita" de "milagre" nenhum ...
Porque todas as histórias quando viramos aquela página difícil de virar, estão lá, todinhas ... apenas pararam naquela frase, naquela palavra, naquela vírgula ... e a retórica recomeça no dia seguinte igualinha ...

Quase nos espantamos como é que é assim, se parecia que tudo iria ser diferente pelo facto do calendário ter deixado cair aquela folhinha ??!!... ou então ... sei lá ... sou eu que devo ser uma "estúpida" ...
Mas hoje estou assim, cáustica, azeda ... irritada! ...

A passagem de ano, então, pior ainda . Acho que este ano vou mesmo fazer o que sempre ameaço ano após ano ... passá-la a dormir !...
Afinal, meia-noite é boa hora de sono !
Porque se estiver acordada, aí sim, vou mesmo "derrapar" ... inevitavelmente despencar por mim abaixo, sem reabilitação possível !
Aquela "treta" das badaladas, das passas, do champanhe, dos votos, dos sonhos, das recordações, dos anseios e das frustrações ... "mata" qualquer um.
Aí é que me vou mesmo abaixo "das canetas" ... Sinto-me a mais infeliz dos mortais, a mais desgraçada, a mais só ...

Aquela coisa de dar um abraço à almofada, de esvaziar o copo sozinha e de me "martelar" com o programa sempre repetido em quantidade e em qualidade da televisão, a fazer de conta que "ai é tão bom, não é ??!! ... não dá !
As passas que não se comem, não desceriam, os desejos que formularíamos não são credíveis ... nos anseios, verdade verdadinha, não acreditamos ... as recordações do que foram outros 31 de Dezembro, teimam em ser sombras chinesas a mexer por detrás do pano, e a "chatear-nos", mortas e bem mortas, apenas mal enterradas ...

O que resta ??
Sejamos honestos : tomar um comprimidinho para garantir, fazer o saco de água quente, desligar o telemóvel ... desligar simultâneamente os miolos sempre mal "programados" ... e dormir ... dormir até que de manhã, 1 de Janeiro do que estiver para vir e não conhecemos, nos sentimos mais leves, como se tivéssemos superado uma prova de grau de dificuldade cinco, na escala de zero a cinco, claro !...

Bom ... e fico-me por aqui !
Por favor não me venham dizer que isto e que aquilo, que devo isto e que devo aquilo, que faço assim e devia fazer "assado" ... não ... poupem-me desta vez ... porque os cancros não são curáveis com pensos rápidos, e hoje ... como diria a Beta, estou irremediavelmente "cheia de não presta" ...

Fiquem vocês bem ... para mal, chego eu, ok?...

Anamar

domingo, 18 de dezembro de 2011

"SODADE ..."

                                 
Hoje, "saudade" diz-se em crioulo ...

Cesária Évora partiu e deixou-a nas gentes da sua terra, que cantou como ninguém, deixou-a nas gentes de Portugal, também nas gentes do Mundo!
A "diva dos pés descalços", a "rainha da morna" que deu Cabo Verde ao Mundo, foi embora ...

Cabo Verde é lá longe, mas sempre será um pouco perto de nós, os portugueses.
A terra das mornas, dos fados, lunduns, xotes, baiões ou serestas ficou mais pobre, ficou mais triste, sem a sua voz.

Oriunda de uma família muito pobre, de cinco filhos, o seu pai tocava cavaquinho, violão e violino, e cedo ela começou a cantar e a fazer actuações, aos domingos, na praça principal da sua cidade, Mindelo na Ilha de S. Vicente.
Aos dezasseis anos, Cise, como era conhecida, começou a cantar em bares e hotéis.
Com pouco mais de trinta anos, por questões pessoais e financeiras associadas à dificuldade económica e política do seu país ( Cabo Verde acabara de adquirir a independência - 1975 ), deixou de cantar para sustentar a sua família.
Esse período arrastou-se por dez anos, em que Cesária teve inclusive de lutar contra o alcoolismo.
Foram os seus "Dark Years", como dizia ...
Encorajada pelo também cantor e empresário Bana, reiniciou a sua carreira, e os seus êxitos multiplicaram-se.
Aos quarenta e sete anos já atingira o estrelato internacional.
Radicou-se então em Paris, onde em 2009 o presidente Sarkozi a medalhou com a Legião de Honra, entregue pela ministra da Cultura Francesa.
Em Setembro de 2011, com a saúde muito debilitada, cancelou uma série de concertos que havia agendado, e a sua editora anunciou então o fim da sua longa carreira artística.
A 17 de Dezembro, aos setenta anos, Cesária Évora fechou a "porta" ...

Cesária foi mulher da praia, e como ninguém, cantou este "algo" que nenhum outro povo define como nós, os portugueses ... a "saudade" ...essa coisa doce e doída que se tem por alguém ou por alguma coisa que perdemos ...

Somos povo de fado ... mas sobretudo povo de saudade !...

Saudade já se tem mal deixamos um amor, tem-se dos que partiram e não voltam mais, ou só daqueles que nos dizem "até logo" ...
Saudade, experimentamos por um sítio, um chão que foi nosso e ficou no nosso coração ...
Saudade ficou de um céu ou de um mar, que nos embalou e nos aqueceu.
De um olhar comprido, tão comprido que não "desgrudou", e se prendeu no nosso para sempre ...
Saudade de um abraço, de um beijo ou simplesmente de um calor, de um cheiro que nos pertenceu ...
Tem-se da infância feita de pais e família completa, tem-se de amores e amigos ... tem-se de NÓS ... tem-se de VIDA ...

Já temos saudades tuas, Cesária, porque afinal ... "saudade é o amor que fica"!!!...

Anamar

sábado, 17 de dezembro de 2011

VIAGEM AO "OUTRO LADO"...


Um painel com desenhos infantis, rabiscados por homens idosos ...
Pavilhão de Psico-Geriatria do Hospital Psiquiátrico do Telhal .

"A Eva, no consultório do médico, sofre da "Síndrome de Down" ...
A Eva, na escola, sofre de "trissomia vinte e um" ...
A Eva na rua, é obviamente mongolóide ...
A Eva para os amigos ... é simplesmente ... EVA !..."

 Aquele meu meio-irmão foi-me "apresentado", ainda eu não era nascida ...

Doze dias antes do meu nascimento, era ele internado na Casa de Saúde onde "vive" até hoje.
Ele pertence, por azar ou por "sorte", ao outro "mundo" ... ao outro lado. Aquele lado que não conhecemos, que não entendemos ...que é mistério!

Entre esse mundo e nós, o mundo dos "mentalmente sãos" ... há, julgo, uma barreira ténue, uma barreira de "nieblas", indivisa, diáfana, mas que  não nos deixa enxergar o que vai para lá dessa fronteira.

O meu meio-irmão, ainda assim meu irmão de pleno direito ( porque irmão de sangue ), "herdei-o" do primeiro casamento do meu pai.
Não o conheci, não convivi com ele, não o "saboreei" como se faz aos nossos chegados ... não o conheço!

Tenho contudo por ele, um carinho imenso, uma ternura ilimitada, quase um "amor" ... que talvez não me fosse exigível ... e uma comiseração que talvez não devesse ter, mas que se me impõe...

O Vítor nasceu de um casamento "mal-fadado" pelo destino. Durou muito poucos anos.
Da mãe, ele apenas usufruiu de dois, porque a "fraqueza de pulmões" a levou tísica, na flor da idade.
Foi então criado por parentes afastados, porque avós também já não tinha. Aproveitou da boa vontade e alguma disponibilidade de corações, quando lhas queriam proporcionar...
O pai, o nosso "querido" pai, como o refere ainda hoje, labutava pela vida, Alentejo fora, para poder sustentá-lo...

Passados bastantes anos, o meu pai voltou a casar. O Vítor teve finalmente direito a um lar de verdade, a carinho de verdade, a família de verdade...
A doença colheu-o ironicamente, quase logo.
Entrada na adolescência, esquizofrenia diagnosticada, tratamentos violentos e desumanos à altura ... uma Casa de Saúde distante, impessoal e fria à sua espera ...

Nasci eu, doze dias depois ...

Ao longo da minha vida, desde criança, o meu irmão era sinónimo de um mundo estranho, desconfortável, penoso de devassar ... Era sinónimo de sofrimento patente, de "injustiça" gritante, de impotência face ao destino ...
Visitas escassas (vivíamos em Évora e a Casa de Saúde é em Lisboa).
Sem transporte próprio, o ritual desses domingos, passava pela camioneta, passava pela compra da caixa com bolos, e em altura de festas, uma ou umas pequenas lembranças, a propósito.

Depois era a angústia (assustadora para uma criança), de franquear aqueles portões, de atravessar aqueles muros altos, passar portas fechadas por molhos de chaves (que voltavam a fechar-se após as atravessarmos) ... Era o medo por aquelas figuras fantasmagóricas, absolutamente estranhas ( a doença consegue incrivelmente distorcer mentes, mas também corpos), das quais nunca sabemos que reacções esperar... Era o penetrar no mundo dos "loucos", simultâneamente estranho e fascinante ...
Era mergulhar numa prisão que não o era ... mas era ... Prisão de pena perpétua, algemas que tornam reféns quem fica para lá das grades!...
Era a confrontação real e de perto com a situação, eram inevitavelmente as lágrimas da minha mãe, rosto abaixo ... era ela a  dizer-me até hoje : "Nunca te esqueças dele...ele tem o teu sangue ...e só te tem a ti ..."
Coisa lúgubre e "pesada" !!...

Telhal é sinónimo de Natal ... porque sempre o Natal foi inerente ao Telhal ...

E assim, lá fui hoje, com um peso tremendo dentro de mim, pela omissão e fuga por que me pauto ao longo do ano ... com uma raiva por hipocritamente pactuar e sucumbir a datas e quadras calendarizadas, logo eu que me rebelo contra isso ... com uma mágoa e um aperto no coração, como sempre ... com as palavras da minha mãe nos ouvidos, a martelar : "Nunca te esqueças dele ... "

Como poderia?!...

A Pena coroava a Serra, e a Serra envolvia a paisagem ... Sol encoberto, folhas tombadas num Inverno a chegar.
Abandono, solidão... acho que já total e absoluta indiferença ... figuras transparentes ... há muito, mortas ...

Um mundo REAL cá fora à minha espera !!!...

Anamar

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"PERDEU-SE A NOÇÂO ... "

O meu post de hoje é curto e por isso rápido .
Apenas vos quero passar o meu sentimento de surpresa e indignação, face a algo com que me deparei ...
Passo a expor :

Perdeu-se a noção do ridículo e do conveniente??!!
Esse o meu primeiro raciocínio, com o qual me questionei ...
Essa a conclusão, que me "saltou" das páginas do jornal que lia ao pequeno almoço.
Nele se relatava uma notícia sobre um atropelamento fatal, que vitimou há alguns meses atrás, uma mulher de trinta e três anos e o seu filho de dezassete meses.
O condutor da viatura que esteve na origem do acidente, era um homem de cinquenta e sete anos, que apresentou à altura, uma taxa de álcool no sangue, acima dos valores permitidos por lei.

Até aí tudo bem ... ou tudo mal !

O homem (que não mostrou arrependimento, nem terá tido nenhuma atitude que denotasse qualquer solidariedade ou pesar, perante o sofrimento dos atingidos),  foi agora julgado, condenado a três anos e alguns meses de pena suspensa e ... pasme-se ... a depositar semanalmente um ramo de flores na campa das vítimas !!!! (coisa a que a família das mesmas se opôs) .

Bom, eu pergunto-me : Será que se perdeu a noção do ridículo e do conveniente??!!...
Será que a Justiça portuguesa perdeu o resto do bom senso que devia assistir-lhe??!!...
Uma Justiça que é morosa, muitas vezes ineficiente e inconclusiva, perdeu de vez a "vergonha", e permite-se emitir uma pena deste teor??!!...

Que um réu seja condenado a prestar serviço cívico junto das comunidades e da sociedade em geral, é vulgar, faz sentido, é útil e pedagógico.
Aliás, sou apologista, e penso que muitos outros cidadãos o são também, de que as penas, cada vez mais se direccionem para o aproveitamento dos recursos humanos, daqueles que "vegetam" nas nossas cadeias.
Os reclusos, sendo saudáveis e na maior parte, penso, de uma faixa etária forçosamente produtiva, deveriam ser aproveitados pelo estado, como mão de obra braçal nas inúmeras situações nas quais faltam homens, ou são bem pagos por todos nós.
Na vigilância e ataque a fogos florestais, na construção civil de imóveis do estado, na manutenção dos eixos viários ... sei lá ... tantas outras áreas nas quais poderiam ser úteis, sem se tornarem um peso acrescido no erário público, e portanto nos nossos bolsos ... 

Acresce, que todos sabemos ser o ócio potenciador não só de estados depressivos, mas também do despoletar de ideias maquiavélicas, intenções e estratagemas delineados até à exaustão ( porque há tempo de sobra), a serem postos em prática quando a liberdade for alcançada.
É portanto de interesse, a bem da saúde mental dos próprios reclusos, que os mesmos estejam ocupados, o que lhes torna assim, mais "curto" o tempo de clausura, e também porque o cansaço motivado por corpos que trabalham, não deixa espaços livres para ideias mais problemáticas!

Bom, afastei-me um pouco do "leit motiv" do meu post ... a ridícula e despropositada pena, do meu ponto de vista, aplicada  sem nenhuma eficácia, a alguém que parece ter continuado insensível à dor e ao sofrimento causados ...

Anamar 

domingo, 11 de dezembro de 2011

"A SENHORA QUE SE SEGUE"


A "senhora que se segue" é a "quarta a contar de cima" ... a minha segunda filha.

A minha segunda filha é uma pessoa muito especial, e acrescem-me responsabilidades ao falar dela, porque além de não ser uma personalidade fácil de retratar, é uma réplica de mim própria, e portanto fica mais difícil alcançar o tal distanciamento necessário e desejável, para o fazer.

Desde cedo, criança ainda, logo deu sinais de independência, de alguma rebeldia provocadora e voluntarismo.
Lembro sempre duas histórias por ela protagonizadas, reveladoras disso mesmo :

Certo dia a irmã estava no banho e ela assistia. Não sei precisar a idade, mas lembro que ela se debruçava na banheira, como nos assomamos a uma janela ;  isto dá-vos ideia da altura da personagem.
Como a irmã brincava com a água e com isso salpicava o chão, eu já havia ralhado várias vezes.
Então, bem baixinho, ela debruçou-se para a irmã e sussurrou-lhe :  "Ana ... atira água para o chão, para a mamã te bater" !!! ...

Sempre reivindicava a compra de pastilhas elásticas, que de vez em quando eu comprava a pedido da irmã, quatro anos e meio mais velha.
Não lhas dava, obviamente, e explicava-lhe que as teria quando tivesse mais idade.
A irmã entretanto, oferecia-lhe aqueles papéizinhos com banda desenhada que vinham no interior das pastilhas, por terem bonecos e ela poder brincar.
Um dia, "afivelou" um ar bem solene e veio ter comigo inquirindo-me : "Mamã, quando eu for crescida (e simulava com a mão uma estatura elevada), compras-me pastilhas, não compras"?
Achando que finalmente ela estava a entender a questão, sorri e disse-lhe : "Claro, filha ... quando fores mais velha, eu compro " !...
Resposta imediata : "Então depois eu dou os papéis à Ana" !!!...

Bom, isto é um pouco a Catarina pelos seus quatro anos talvez !

O tempo foi passando e esta minha filha ia revelando um interior rico, generoso, disponível, multifacetado.
Tornou-se uma jovem solícita para quem a rodeava, extrovertida, com um poder para cativar tudo e todos, que hoje em dia sempre é referido por muitos que com ela privam.

Ela sabia e sabe escutar crianças, velhos, doentes ... ela sabe dizer a palavra certa a quem precisa de a ouvir, seja o arrumador de carros da praceta, o drogado, o sem-abrigo, os amigos, os vizinhos, os conhecidos ... e os que o são menos ... todos sempre tiveram e têm, um lugar no coração da Catarina, todos sempre tiveram direito a muito do seu tempo.
Ela pára para ouvir as histórias de vida, de muitos, e nessa altura, o "seu próprio relógio" pára também ... porque esses são mais importantes que ela própria.
A sua vertente humanista, a sua boa-fé, sempre está presente, e quantas vezes é aproveitada e explorada por tantos inescrupulosos !

A Catarina é simultâneamente uma crédula, uma sonhadora e por isso uma utópica ...
É um "D. Quixote" na sua vida pessoal e profissional.
Defende as suas convicções se as entende correctas, contra tudo e contra todos, o que lhe tem acarretado alguns dissabores, má aceitação por vezes, alguma marginalização, até ...

Enfrenta o "socialmente correcto" e comporta-se ao arrepio do instituído, se for o caso ...
Não pactua com o que acha menos certo, não cede nunca, se entende que está no trilho devido.

Muitos a utilizam como estandarte ou bandeira de causas, já no liceu, na Faculdade, na vida profissional.
Não se coïbe por acomodação, benefício pessoal, ou conveniência, de dar a cara ... Não faz "fretes" ou rasteja perante ninguém para obter dividendos ...
É assim, autêntica, igual a si própria ...

Nem sempre a vida lhe facilita o percurso.
O "bater de frente", como sabemos, angaria inimigos ...
mas ainda assim, a Catarina "colecciona" (como costumo dizer), um batalhão de amigos e amigas, das mais variadas origens, que cruzaram o seu caminho.
A sua vida profissional neste momento, não lhe dá brechas em termos de tempo, para manter a vida pessoal e social que gostaria, e por isso, não se sente muito feliz.
Adora o que faz, mas precisa de "gente", vive junto de "gente", respira "gente" ...
Seguiu talvez por isso, a carreira de enfermagem.

Neste momento sente-se muito "máquina", engrenada para o trabalho, robôtizada dia após dia ... e o tempo lúdico, o tempo para conviver é sempre precário, excessivamente curto para o que necessita, para o que sonha ainda fazer no futuro.

Os animais fazem parte da sua vida.  Também com eles sempre fez trabalho "de campo".
Atenta aos "desvalidos" da sorte, pelas suas mãos e pelo seu coração, passaram muitos, entre a rua e outros destinos !
Neste momento, cohabita com um cão bem velhinho e doente, que recolheu da rua há largos anos, numa situação de precariedade total e chocante, e três gatos, dois deles vindos de um contentor de lixo, ainda bébés, claro ...

Que mais dizer sobre a Catarina???

É uma rebelde sonhadora da vida ... "Parte a cara"... mas vai lá! ...  "Dá-se mal, mas insiste, se quer muito! ...  Tem sonhos de menina, que não se compadecem da idade que já tem.

Continua a aguardar na esquina, a chegada do "Pai Natal", eu acho ...  a chegada de um qualquer "cavaleiro andante" que lhe traga um "Mundo" à medida do que concebeu e em que acredita ...

Só espero que a estrada que ainda tem pela frente, não tenha excesso de espinhos, nem demasiadas encruzilhadas, porque, tenho a certeza ... sempre se irá magoar a percorrê-la !!!...

Anamar

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

"RETALHOS..."


"Nieblas" neste 8 de Dezembro, dia da Sra. da Conceição, festejado "Dia da Mãe" dos meus tempos de menina.
Agora, a igreja transferiu esta comemoração para o primeiro domingo de Maio de cada ano, data móvel portanto ... e eu zanguei-me!
Vêem por que me recuso a aceitar comemorações impostas??!!
De repente, e à revelia de nós todos, surge uma cabeça pensante ... e catrapumba ... nada do que era, continua a ser!

Bom, mas eu como sou e serei sempre (acho), contestatária, "decidi" que sou fiel às minhas convicções e memórias, e como tal, mantive e manterei, enquanto a minha mãe viver, o 8 de Dezembro como o "seu" dia oficial.

Nos meus tempos de garotinha, no liceu que eu frequentava, na saudosa cidade de Évora onde vivia, existia uma disciplina que certamente muitos lembrarão ... "Lavores Femininos".
Sempre, ano após ano, nessas aulas e por todo o primeiro período escolar (porque afinal estamos praticamente a encerrar as actividades escolares), se confeccionava um berço, a oferecer no dia de hoje, a uma família carenciada, que obviamente esperasse "a cegonha", com as dificuldades inerentes à situação.

A professora entregava a cada aluna (na altura as turmas não eram mistas ... como sabem), a tarefa de confeccionar, à sua escolha, uma das peças que comporia o enxoval do nascituro.
Assim, uma aluna faria botinhas, outra casaquinhos de malha, gorrinhos, outra babetes, outra bordaria uma ou mais fraldas (na altura em pano, lembram?) ... outra faria uma camisinha ...outras forrariam a alcofinha.
Tudo muito mimoso, tudo bem feitinho, tudo com muito amor.
Claro que se o trabalho estava atrasado e o tempo urgia, a professora fazia-se "desentendida" e deixava que os trabalhos viessem para casa, entre aulas, a fim de que se acelerassem...
Aqui para nós ... óbvio ... era altura das respectivas mães entrarem ao serviço, adiantando ou finalizando a tarefa destinada ... rsrsrs.
Mas era por uma boa causa ... e ninguém era penalizado !

Eu escolhia sempre fazer uma camisinha ... A cor é que oscilava entre o rosa e o azul (também, conhecer-se o sexo do bébé, à altura, era impensável ...).
Por via das dúvidas ficava-me quase sempre pelo amarelinho claro.
Era bordada com "ajour", com florzinhas ou passarinhos a "cheio", "ponto pé de flor"..."grilhão" ou "sombra", e escrita a palavra "Bébé" para a alindar ainda mais!
Pasmo ao lembrar com carinho e uma pontinha de emoção, as coisas que nós sabíamos então, as coisas a que nos dedicávamos ... Os nossos horizontes...dos doze, treze anos ...

Bom, retomando ... Para mim, "Dia da Mãe" "ad eternum", o dia de hoje!...

Amanheceu absolutamente outonal, no cinzento uniforme... uma abóboda de nevoeiro adensava-se por sobre as nossas cabeças, à frente dos nossos olhos...
Ar ... absolutamente gélido... a lembrar-nos que poucos dias faltam já, para o Inverno se apresentar em força ...
A minha gaivota apareceu por aqui, mas não foi para ficar. Vinha acompanhada, e cá para mim, anda de namorado novo ...

E lá fui visitar a minha velhota e obsequiá-la como todos os anos, com qualquer coisa que ela goste.
Nesta altura do "campeonato", enjeita todo e qualquer bem material (diz, e eu acredito, que já tem tudo até morrer...) ...
Como tal, e porque os velhotes sempre são lambareiros, e ela não foge à regra, comprei um bolo-rei pequenino para que inaugurasse a quadra natalícia.
Aproveitou e pediu-me uma "fartura"... o "brinhol", no Alentejo ... de que diz ter muitas, muitas saudades! rsrsrs

A visita hoje foi interessantíssima. Nem vos consigo passar uma pálida ideia de como decorreu.
Começou logo à entrada, por me dizer que há oitenta e alguns anos, na sua terra, morreu a Menina Custódia, trinta e tal anos, empregada no Montepio...uma das duas farmácias da vila. Figura muito popular e acarinhada, a sua partida foi muito sentida pelo "povo".

"O seu funeral e o do Sr. Padre Serrão (tão boa pessoa, que até ciganos casava religiosamente), foram dos mais sentidos por quem os "estimava" muito".
"O Padre Serrão (que também casou os meus avós, sem que o meu avô, que não era de igrejas, se tivesse confessado (!!!)), foi encontrado morto, no banho frio que tomava sempre antes da "missa d'alva"...fosse Verão ou Inverno!"

Da Menina Custódia passou-se para o Tio Tiago Nobre, que de acordo com a descrição, na minha cabeça, encarnaria na perfeição, o Zé Povinho, de Bordalo.
Barrete na cabeça, figura atarracada, com um cão a acompanhá-lo, tinha o hábito de festejar a Restauração da Independência a 1 de Dezembro.
Vinha ao postigo da sua porta, e com uma espingarda, todos os anos à meia-noite, disparava as suas "salvas" comemorativas.
Dizia a minha mãe, que hoje em dia o Tio Tiago Nobre estaria tristíssimo com o governo, por lhe sonegar feriado tão desejado ...
O Tio Tiago Nobre vivia na rua da minha bisavó...portanto, avó da minha mãe ... Aldonsa de nome.
E aí, repegou-se outro tema ...

"Com a minha avó (a cuja casa a minha mãe ia dormir, em criança), aprendi tudo ! Foi ela que me tornou a mulher que fui toda a vida ... a saber dar conta das minhas coisinhas"!...
Enviuvou aos trinta e um anos, tendo ficado com três meninas com sete, cinco e três anos. "O marido finou-se com um "catarral "...  Ainda o "sangraram" ... mas não adiantou"...
conta... 
"A minha avó coitada, p'ra criar as filhas trabalhava no campo. Se era na monda...tomava dois regos por conta, um para ela, outro para a avó (a mais velha das três), que a acompanhava na lida ... para ganhar mais qualquer coisa.
Claro que ela mondava o seu, e completava o da avó" - dizia-me a minha mãe, passando para o discurso directo.

"Se era na apanha da azeitona, a mesma coisa ...
Depois vinha para casa, e sem nunca ter aprendido a "coser" ...aceitava trabalhos de costura e confeccionava mesmo, calças e camisas de homem ...pela noite dentro, na máquina de costura, à luz da candeia ou do candeeiro de petróleo !!! Tempos muito "custosos"...

"Quando eu era bem pequenina, punha-me com os joelhos numa "joelheira" de madeira, para lavarmos o chão, de tijoleira de barro.
Não havia lá esfregonas !!... Era à escova que se lavava! E tinha que ser muito esfregado, para que as juntas entre as tijoleiras, ficassem bem branquinhas, e as pedrinhas que as tijoleiras muitas vezes têm ... a brilhar! Eu andava com um trapinho ao seu lado, e volta e meia dizia-me : tens que lavar melhor ! Ainda não está bem !...
Coitadinha, lembro-me muito dela !..."

"E de manhã muito cedo, varríamos a rua, em frente à porta, com uma daquelas vassouras de buínho. Ela até tinha uma pequenina, para mim!"...

Quando o mês de Maio começava, acordava-me muito cedo, no primeiro dia, e obrigava-me a comer uma amêndoa ... dizia que era para que o Maio não me entrasse, senão ficaria molengona e preguiçosa, todo o ano"... "Não sei bem porquê ... mas era assim !..."

E eu ficaria aqui o resto da tarde, sem que mesmo assim, vos conseguisse dar uma ideia aproximada do que foi aquele mais monólogo, que diálogo.

Nos seus quase noventa e um anos, e a viver só, a minha mãe necessita  conversar,  contar,  reviver pedaços, retalhos dos seus tempos idos, da sua vida passada, que lembra com rigor e pormenor.

Eu, apesar de conhecer de cor e salteado as histórias repetidas vezes sem conta, limito-me a ouvir embevecida, pela enésima vez, quase imóvel para não perturbar a magia desses relatos ... E ausculto a sua alegria por poder contá-los, como se ao contá-los, lá regressasse... como se os lembrando, voltasse lá atrás!...

Anamar

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

" A TERCEIRA A CONTAR DE CIMA ..."



Já aqui falei algumas vezes, directa ou indirectamente, da minha família, daquelas personagens que a meu lado vão trilhando, até à eternidade, os caminhos do meu percurso.

São "bengalas", são pilares de apoio, são colo que embala, são lenços que me enxugam o rosto, são cobertores em dias mais "frios".
São conforto e são também dedos em riste ou "espelhos", quando me analisam de uma forma isenta, ou me confrontam com as minhas insuficiências e imperfeições.
Tudo isso é carinho, tudo isso é amor ... não tenho qualquer sombra de dúvida !

É pequena a minha família neste momento. Duas filhas, uma mãe já na recta final, infelizmente ... três pequeninos a iniciar a caminhada ...

Não somos de nos "estorvar" uns aos outros. Não somos excessivamente presentes ou impositivos. De facto, não somos daquelas famílias sempre "grudadas", sempre em permanência. Respeitamos muito os "mundos" uns dos outros.
Faço muita "mea culpa", porque tendo a cair um pouco no exagero, ou seja, de uma forma algo egoísta, confino-me muito ao meu espaço, ao meu dia a dia, às coisas que gosto de fazer e com as quais passo o meu tempo, e não me disponibilizo como podia e devia, eu sei!
Vivo e mantenho muito os meus "esquemas", comodista que sou, delineio e custo a alterar as minhas rotinas, intransijo pouco a mudanças de ritmos ...
Interiormente luto contra mim própria, mas sinto em mim pouco "espaço de manobra", uma resistência até, para alterar o "stato quo" ... "quem torto nasce ..." (rsrsrs)


Contudo amo-os profundamente a todos ...
Ser-me-ia muito difícil continuar a marcha sem estes esteios a nortear-me o percurso!


Tenho duas filhas, dizia ; duas filhas absolutamente diferentes, opostas nas formas de ser, nas personalidades, nas posturas.


Nunca abordei nada sobre elas, aqui neste meu espaço, como se isso fosse um assunto demasiado íntimo, demasiado intocável, demasiado pessoal, quase "sacralizado", para o expor em público.
Pareço ter algum "pudor" afectivo, a falar dele!...


Contudo, olhando para trás e lembrando as suas infâncias e adolescências, algumas surpresas a vida me reservou.


A minha filha mais velha (é sobre ela que falarei hoje), sempre foi extremamente responsável, demasiadamente responsável perante a vida pessoal, académica, social.
Extremamente formal, é ainda hoje, absolutamente intransigente e pouco permeável a facilitismos, utopias ou situações dúbias ou pouco claras.
É atenta, rigorosa, exigente, reivindicativa.
Seguiu a área do Direito, e obviamente a deformação profissional inerente, "apurou-lhe" ainda mais estas características personalísticas.
É uma pessoa fechada, aparentemente fria ... apenas aparentemente, porque é de uma sensibilidade especial, que preserva e procura encapotar, como se a sua exteriorização a fragilizasse e a tornasse vulnerável à vida.


Tem três crianças, em "escadinha" de três anos. Três adoráveis "pestinhas" de dez, sete e quatro anos.


Com os filhos, usa do mesmo rigor de princípios e valores, a mesma exigência, sem cedências exageradas.
Uma educação que eu (que também assim fui ... mas não é para lembrar ... rsrsrs), como avó que assume o protagonismo de "estragar" os netos (como cabe a qualquer "mãe com açúcar" - a melhor definição de avó, que já alguma vez li ), sempre "recrimino", e para a qual sempre chamo a atenção, embora a respeite inteiramente, como é óbvio.

É no entanto uma "mãezona", coisa que jamais eu "adivinharia" no seu perfil, quando adolescente.
É com ternura, espanto e alguma surpresa, que constato que a partir do momento em que fiquei só, esta minha filha assumiu o lugar que talvez devesse ter-me cabido a mim, de "matriarca", pólo centralizador e aglutinador dos valores familiares.
Costumo dizer que neste momento, naquela cabeça e naquele coração, além dos três filhos, cabem "por adopção", outros três ... a irmã, a avó e eu própria.

Chama a si as preocupações e os interesses de cada um de nós, desdobra-se nas tentativas de resolver, satisfazer, "inventar" o que possa "florir" ainda, e sobretudo, os caminhos da avó, que a ajudou a criar nos primeiros anos de vida, e por quem tem um carinho muito especial ...

Tem um instinto protector do "clã"... sendo que o mesmo abrange todo o núcleo de afectos que lhe dizem respeito.
Lembra uma "leoa" no instinto maternal ...
Ela é interveniente, ela exige, ela não descura ou facilita, ela é rigorosa por demais ... mas ela também se desdobra na resposta ás necessidades das crianças (escolares, sociais, familiares, lúdicas), à custa do seu próprio descanso e da sua própria vida pessoal, no sentido de  orientar seres globalmente programados numa formação integral, como cidadãos  responsáveis, capazes,  pessoas  (homens e mulheres de amanhã) ... inteiros e genuínos!!!...

E pronto ... creio ter feito um "retrato" isento e justo, da "terceira a contar de cima"...

Fico agora em dívida com "a senhora que se segue" ... rsrsrs

Prometo, por um destes dias, vir também a esta tribuna fazer uma reflexão, igualmente distanciada, para que resulte tão próxima da realidade quanto possível (sem a comprometer "deformando-a", com o olhar tendencioso de mãe ...)

Anamar

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

"TUDO ISTO EXISTE ... "

A minha reflexão de hoje é bem objectiva, contrariamente à escrita anterior, como se sabe.

Pensei e repensei sobre o assunto que aqui trago, cujo teor infelizmente não é virgem nos meus escritos.
Em tempos idos, publiquei outro post abordando o mesmo tema, sinal que ele se repete ... sinal dos tempos, talvez !...
Decidi-me hoje escrever, porque considerei que se a questão em si me não sai da cabeça, depois de a ter tentado relegar para o meu "lixo" mental, é porque se calhar, ela é importante, pelo menos para mim.

Uma vez mais deparei-me, no cabeleireiro, lugar absolutamente "apropriado" para este tipo de coisas, com um artigo de uma das revistas cor de rosa, das nossas bancas.
Lá é o local onde sempre mas enfiam nas mãos, e lá é o único sítio onde lhes passo os olhos ... ainda assim, muito na diagonal.

Desta feita, como digo, saltou-me e "provocou-me", um artigo sobre uma das participantes de um dito programa televisivo, a que nunca assisti, e que dá pelo nome de "Casa dos Segredos".

O título chamativo era : "Ela já vale uma fortuna - Cachet pode chegar aos 800 euros por presença" - acompanhado de uma foto de capa, da concorrente em causa.

Trata-se de uma auxiliar de acção médica, algarvia, oriunda de família extremamente precária do ponto de vista económico, em que a projecção à "ribalta", se deve exactamente à sua visibilidade no referido programa.
Até aí, nada a objectar ... Respeito o livre arbítrio, concordando ou não.

O que realmente me "mexeu", foi a análise feita ao perfil da menina.
Era dito : "Ela é ingénua, atiradiça, divertida, INCULTA (!!!) e muito popular"  (sic) ...

E continuava, no seguinte teor ... As "pérolas" de Cátia :

- " Gostava  de visitar a Península Ibérica"                                                                                    
- " África fica a norte de Portugal"                                                                                         
- " A capital da Itália é Veneza"                                                                                     
- "O maior mamífero à superfície da Terra é o dinossauro"
- " Se calhar no globo só aparecem as capitais.
    Se calhar o Dubai está lá dentro"                                                                                        
                                                                                     
 (referi apenas alguns exemplos, dado que o meu intuito não é obviamente explorar esta vertente)

Nesse ponto da leitura já eu espumava, já os olhos me "pulavam" nas órbitas, de arregalados, já eu quase não me continha com uma vontade louca de largar uns quantos impropérios, soltar uns quantos palavrões ...

Tristeza de sociedade, tristeza de país, se calhar tristeza de Mundo ... miséria humana no seu melhor, exibida e explorada, como se o ser humano fosse macaco de circo!...

Isto tudo num país em meio de uma crise brava ... talvez também, por causa da crise brava .
A situação social de precariedade a acentuar-se, de falta de perspectiva ou horizontes, de falta de trabalho, acarretando desistência, desmotivação, cansaço acrescido... leva a que : por um lado, a necessidade de ascensão social  a qualquer preço (acenada por este tipo de programas, de facilitismo, de "abundância" imediata e sem mérito ou esforço), surja como luz ao fundo do túnel ...
por outro, e na vertente oposta, leva a que se consuma, se devore, se utilize miseravelmente o irrelevante, o menos bom do ser humano (exposto como "carne p'ra canhão"), a "fofoca", a exposição das vidas pouco ou nada transparentes dos pseudo-vips e dos que o querem ser ... como sendo assuntos "extraordinariamente" invejáveis e importantes, para o comum dos cidadãos ... uma forma de alienação através de vidas desinteressantes e cinzentas.

Penso que este estado de coisas é revelador do "analfabetismo" formal, da "iletracia", do "obscurantismo" de um povo pouco habituado a pensar, a questionar, a ter sentido crítico, a analisar, a "escolher"...
um povo em que, um filho utiliza a denúncia pública do próprio pai (como protagonista de crimes hediondos), também num programa televisivo, para se catapultar a candidato ao mesmo !!!...

Refiro ainda, porque me choca brutalmente, o papel de insensibilidade, irresponsabilidade e exploração, de alguma comunicação social, que "vende" a qualquer preço, indiferente exactamente à incapacidade, à ignorância, à vaidade, à leviandade e à credulidade ... em suma, à estupidez do ser humano.

Penso que deveriam existir órgãos seriamente reguladores deste tipo de artigos, por intencionalmente falaciosos, oportunistas, imorais!...

Enfim ... "tudo isto existe, tudo isto é triste ... se calhar, tudo isto é FADO!!!...

Anamar

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

" O DELÍRIO QUE ME ASSALTA - NATAL 2011 "

               EDUARDO GALEANO - 3 de SETEMBRO de 1940

Eduardo Hughes Galeano (Montevidéu, 3 de Setembro de 1940) é um jornalista e escritor uruguaio.

É autor de mais de quarenta livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem géneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História.

Galeano nasceu a 3 de Setembro de 1940 em Montevidéu, numa família católica de classe média, de ascendência europeia.

Iniciou a sua carreira jornalística no início da década de 60 como editor do Marcha, influente jornal semanal que tinha como colaboradores Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Foi também editor do diário Época e editor-chefe do jornal universitário, por dois anos.
Em 1971 escreveu a sua obra-prima "As Veias Abertas da América Latina".

Em 1973, com o golpe militar do Uruguai, Galeano é preso e mais tarde forçado a exilar-se na Argentina, onde lançou Crisis, uma revista sobre cultura.

Em 1976, com o sangrento golpe militar liderado pelo general Jorge Videla, vê o seu nome colocado na lista dos esquadrões de morte e, temendo pela vida, exila-se em Espanha.

Em 1985, com a redemocratização do seu país, Galeano retornou a Montevidéu, onde vive até hoje.


O direito ao delírio ... o direito à utopia ...

Ainda há esperança para quem sonha !...

A minha gaivota voltou, regressou neste Outono beirando o Inverno, que está por dias.
Regressou de asas soltas, planando na aragem da tarde.
Veio dizer-me que apenas se afastou por uns tempos.  Afinal, as gaivotas também têm direito a férias, porque liberdade e sonho, eu acho que as gaivotas têm demais !...

Eu, bem, eu por aqui estou, com pouco sol lá fora e cá "dentro".
Uma das minhas "velas" acesas, penso que se consumiu. O pavio já não se ilumina por mais que tente, por mais que eu insista ... vá-se lá saber porquê !

Tenho estado a "remoer" sobre os presentes de Natal, aqueles que o figurino determina, com crise ou sem ela ... e já decidi ...
...a vocês vou oferecer uma prenda linda, recheada dos meus delírios, das minhas utopias ... do meu Presente ... atada, claro, com um laço de sonho, que pode ser azul como o céu de Bali ... ou verde, se preferirem, da cor da relva acabada de regar ...
Ou da esperança ... que também é verde !

Lá dentro, bem acondicionadas vão aquelas coisas em que acreditei a vida toda, quando eu ainda era criança num corpo de mulher-madura.
Vão os projectos que delineei, ponto por ponto, naquilo que eu achava que era Vida.
Vão as metas e os horizontes que fugiam sempre que deles me aproximava, a brincarem de esconde-esconde comigo, pensando que os apanhava ...

E também vão os rostos ... tantos rostos que coleccionei para a minha caixinha de brinquedos.
Estão lá todos ... uns mais em baixo, outros mais em cima, para que abrindo a caixa, logo os veja ... Como se eu os não visse sempre que durmo, e precisasse para isso de a abrir !!!...

As esperanças também seguem ... e não só no laço ! Porque eu sou uma inveterada sonhadora, daquelas compulsivas, que sonham de noite, mas sonham muito mais de dia (olhando as nuvens que desenham carneirinhos no céu, para nos enganarem, a pensarmos que são novelinhos de algodão, e que se lá pusermos o pé, são fofinhos, como o tapete de lã de casa da avó ...)

E a fé ... aquela coisa que se chama "acreditar", mesmo quando não há em quê ...

Na minha encomenda também vão olhares ... olhares doces de meninos que brincaram comigo e que eu julgava que eram da minha roda ...

E mãos, aquelas mãos que eu jurava que sabiam abraçar, estreitar, aquecer, segurar ... nortear ...

Ombros ... ombros também !...  Porque os ombros sempre serviam para deitar a cabeça em dias de cansaço, quando até a minha gaivota me abandonava.

Ah ... é verdade ... (como ia esquecendo !!) ... corações, pois ...
Sem corações, como teria vida o meu presente??!!  E eu quero oferecer-vos um presente vivo, com sangue a pulsar nas veias, com "calor" a dar-lhe cor ... para que seja meu ...

Depois, terá que ser uma prenda repleta de sorrisos, porque lágrimas temos demais por aqui, e sorrisos são sempre permitidos no mundo do delírio e da utopia, sempre se enquadram no mundo dos loucos ...

Mágoas e dores, não mando. Há demais !  Vulgarizam os presentes.  São iguais por todo o lado e em todo o lado, e o meu tem que ser diferente !

Cansaço também não. Estamos todos cheios, não é??!!  Não vou massacrar-vos com isso, ainda que fosse gratuito !

Desejos? ... Ui ... isso daria pano para mangas!...
Gostava, mas não posso!!  Semeei-os há pouco, nos vasos da minha mansarda ... e olhem, ainda nem sequer começaram a dar flor, quanto mais, frutos !!...
Terá que ficar para o ano, prometo !...

Sonhos também envio, em quantidade doseada.
É que, quando eles se quebram é o diabo ... amachucam tudo, e são especialistas em cavar sulcos no rosto (pelas lágrimas que deslizam), e cicatrizes no coração, coisas que nos fazem um mal danado !...
Se se perdem...."aqui d'el rei quem nos acode"... Cria-se um desassossego de tal ordem, que de imediato nos desce um nevoeiro cerrado pela alma adentro... normalmente sem cura !...

Finalmente coloquei num cantinho bem discreto, AMOR, muito amor, porque tenho para dar e vender ...
Só que tem que seguir discretamente, por ser um bem tão cobiçado, tão desejado, tão raro ... Corria o risco de me violarem o embrulho antes de vos chegar às mãos!...

Bom ... espero que esteja a contento, a minha fraca lembrança deste Natal ...

Podia recheá-la ainda de carinho, de muito afecto, de azevinho acabado de colher na Regaleira, de saudade das águias altaneiras de Marvão ... ou simplesmente da pessoa que fui e não sou mais ...
Podia embriagá-la com a ginginha de Óbidos ou com o branco gélido da Estrela, os frios agrestes do Gerês, ou os calores da Jamaica ...
Podia entremeá-la com danças de roda dos dias felizes ... como a torta doce de amoras, da infância, no Alentejo distante !...

Em vez do laço ser azul ou verde, também podia ser vermelho, da paixão pelo passado, pelo presente e também pelo futuro, que não descortino mas amo ...

Lembrei-me de a mandar em correio azul ... mas optei por usar como estafeta a minha gaivota, que continua a perambular junto à minha janela, a tentar redimir-se pela ausência ... e a tentar fazer as pazes comigo ...
Acho que assim chegará segura, e chegará mais depressa, porque vai nas asas da Liberdade e da Fantasia ... e essas, não pagam portagens, não têm engarrafamentos, nem fronteiras a tolhê-las ... são como o sol que garantidamente temos no Verão, e como a chuva que garantidamente nos visita nos Invernos ...

Anamar

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

"O VIRAR DA PÁGINA ..."


Tempo estranho ... dias de sol envergonhado ...

Bali na curva da estrada ...
Aquele sol, aquele azul, aquele "amor" à solta na Ilha dos Deuses, já foi ...

Ontem "queixava-me" ou desabafava, do que já sentia num Dezembro que estranhamente não tem o frio que habitualmente nos põe a ponta do nariz vermelha, nos põe os dedos gelados dentro das luvas, nos solta aquele "fuminho" cada vez que expiramos, qual chaminé de lareira a crepitar .

Hoje, reequaciono outro dia que sempre me atormenta da mesma forma ... o 31 de Dezembro.

Durante a minha infância e adolescência, em casa dos meus pais portanto, a noite da passagem de ano terminava por norma, pelas dez da noite, ou seja, antes da "passagem".
Como que querendo fugir de lembranças, recordações, "peso de alma", motivado pela incerteza doentia de um virar de página, a minha mãe preferia dormir cedo.

A passagem de ano e não o "réveillon" ( já explico ), era o momento em que, como costumo dizer, "a corte dos mortos" todos, desfilava e descia a povoar a mente dos vivos, na minha casa.

Sempre ouvi contar que o meu avô, combatente na guerra de 14-18, exactamente na noite de 31 não sei seguramente de que ano, creio que 1916, em pleno teatro de guerra, sofreu um bombardeamento com gases, da tropa alemã.
Os colegas de caserna morreram todos com o rebentamento dos engenhos explosivos; ele, por sorte do destinado, conseguiu fugir, embora gaseado, o que lhe acarretou sequelas enquanto viveu.
Apesar de não ser católico, terá recebido a extrema-unção, pois beirou a morte, sendo o seu regresso à pátria tido como um milagre!

Engraçado que em vez de se festejar, de se agradecer, de se glorificar esse golpe de sorte, ou de acaso, ou de destino ... não ... sempre se cultuou o lado dramático  dos acontecimentos, numa espécie de elegia procurada, e sempre, ano após ano, se revivenciava a angústia da morte demasiado cerca, demasiado presente.

Esse espírito pesado, doentio, escuro ... passou de geração.
Herdei-o sem que me perguntassem nada ... e o 31 de Dezembro para mim, sempre foi isso e nada mais.
Um momento traumático de apreensão pelo que viria, um momento de saudade punjente dos que já haviam partido, um momento de balanço de vida, um momento em que inevitavelmente a minha mãe soltava lugubremente a frase lapidar : "Este ano ainda cá estamos todos ... quem estará cá para o ano ??!!"

E ficava no ar aquela coisa assim, desconfortável, cinzenta, carregada ...

Forjada nesse espírito, ainda hoje "passagem de ano" não me é sinónimo de "réveillon", tal como tristeza não é sinónimo de alegria, recolhimento não é sinónimo de festa, fatalismo não é sinónimo de descontracção.
Mas invejo, acreditem, a loucura saudável que passa pelos que recebem, por todo o Mundo, o novo ano com esperança, os que festejam exactamente o estarem vivos para o receber, a força com que se prometem, muitas vezes vãmente, a mudança, a determinação de uma busca de felicidade.
Invejo os que fazem votos de intenção de melhoria ... até a inconsciência sã e permitida , de uma vontade imensa e utópica, de abraçar o Mundo, e estreitar todos igualitariamente ...todos, sem distinção ... todos, num amor sem tamanho ou condição.........pelo menos NESSA noite!!!...

O virar da página de um livro é o instante mágico que nos deixa suspensos entre o que já lemos e conhecemos, e o que vamos ler e não sabemos exactamente o que é.
A história contada até aí, é realidade nossa ... a continuação da história prende-se na neblina do desconhecido.
Um nó aperta-nos a garganta quando as doze badaladas se iniciam. As passas comem-se à pressa, para que a  formulação de tanto sonho, tanto desejo, tantas vontades, consiga caber naquelas doze badaladas!
Saudamos todos os presentes e lembramos os ausentes, esbanjamos votos de felicidade imensurável,  damo-nos em ternura e afecto pelo menos naqueles instantes ... magnânimamente abrimos os corações à medida que o champanhe desce nos brindes elevados.
A lareira crepita, as passas, os pinhões, o bolo-rei ainda, a música ambiente em surdina ... fazem-nos companhia nas mantas de lã e almofadas, largadas a esmo pelo chão...
Velas acesas, espalhadas e misturadas com os incensos que queimam, iluminam o espaço e a alma....incendeiam os corações ...
Amanhã será um novo dia, será o primeiro de muitos em que nos desejamos renovados, em que acreditamos com muita força que tudo será melhor, em que acreditamos  ser capazes de erguer alto as nossas bandeiras ... em que a fé e a esperança nos invadem ...em que nos recomeçamos!...

Esta é a mística do 31 de Dezembro ... esta a passagem de ano que eu já vivi ... ou terei sonhado??!!...

                              
Anamar