quarta-feira, 31 de outubro de 2012

" AS PALAVRAS "




As letras formam palavras ... estas, frases ...  e estas, pensamentos.

As palavras deveriam ser um meio de comunicação entre os seres humanos.  Sendo qualitativamente mais rica que a  linguagem  dos irracionais, e porque serve teoricamente seres superiores, deveriam as palavras, aproximar, e não afastar ... deveriam provocar entendimentos, e não rupturas, deveriam gerar consensos ou não, mas sempre dialéctica sã e objectiva.

Com elas, os povos AINDA tentam entender-se, os políticos esgrimem nas plataformas, nas reuniões, nos fóruns, nas cimeiras, nas bancadas ... para decidir destinos.
Com elas, também teoricamente, as pessoas deveriam aproximar-se desarmadamente, pese embora que elas também são, muitas e muitas vezes tiros certeiros, armas de arremesso  outras tantas ... mísseis destrutivos e aniquilantes, vezes demais !...

É estranhíssimo, que sendo o Homem um animal provido de inteligência ( consta ... ), as não saiba usar, e em vez de com elas exprimir pensamentos positivos, formas de aproximação que lhe seriam gratificantes, destrói-se, "mata-se", esquarteja-se ...

Com elas, as pessoas em vez de se acarinharem, degladiam-se, e acabam estranhando-se, parecendo falarem dialectos distintos, nem sequer conseguindo descodificar mais, o que elas querem mesmo dizer ;   dão aos seres humanos, a remota sensação de pertencerem a planetas diferentes, e inentendíveis !

Por vezes são demasiado codificadas, tão codificadas que não se descortina a mensagem que transportam ..
Nem mesmo  se descortina quem está na verdade, por detrás delas.
E quantas vezes nos surpreendemos, e não acreditamos, que quem as proferiu, seja aquele ou aquela, que julgávamos conhecer, pelo direito e pelo avesso!

Outras vezes, parecem ser incompletas, porque em vez de colocarem as pessoas, a proferirem-nas olhando-se nos olhos, colocam as pessoas de costas umas para as outras, definitivamente !...
E fica aquela coisa incómoda  de, de repente, não percebermos bem com quem falamos, quem somos ... aquele incómodo mau-estar,  de haver um corte na ponte, que elas deveriam garantir, entre os dialogantes.
E não se percebe mais nada !!!...
Parecemos largados em Marte, a querer estabelecer ligações, traduzir sentimentos, mostrar intenções, com seres que nos são afinal totalmente estranhos. (se Marte os tivesse !...)
E as pessoas ficam irremediavelmente a falar sozinhas ... e falar sozinho, não é bom, nunca foi bom !...

Falar sozinho, é o oposto do amor, é o inverso de Vida !
Eu não sei falar sozinha !...
Fica assim um deserto de sentimentos, de emoções ... e sem sentimentos e emoções, o ser humano morreu, estiolou  simplesmente ... e nem deu por isso !

Parece que às vezes, tudo passaria por se criar outro alfabeto de letras, para se criarem mais palavras, mais frases e mais pensamentos ...
Parece que isto que temos por aqui, não chega, porque já não permite mais comunicação !

E dizemos : "Mas como ??!!   Como é que aconteceu ??!!   Ainda ontem a gente falava com estas palavras ... elas chegavam ... elas eram mais que suficientes??!!
Porque há palavras que o olhar completa, quando elas não bastam ... e as mãos também, e o calor do corpo também ... ainda mais !...

Os olhos, terminam miraculosamente muitas frases ... Mais, os olhos têm o poder mágico de conseguir dizer frases, sem serem ditas, sequer ... 
E há quem as leia perfeitamente ... sem esforço ...
Mas isso, é para quem partilha segredos e cumplicidades ...

E também se lê nas "entre-linhas" ... linhas de palavras ditas ou escritas, que têm mais recheio não explícito, e que constitui código, para os que se entendem ...

"Meias palavras", não é lá muito bom, porque isso dá "pano p'ra mangas" ...
Sempre cada um acrescenta o outro meio, como lhe dá "na bolha" ... E ou se acerta, ou se erra, e pode estragar-se tudo o que era !!!...

Serão incompletas as palavras, ou simplesmente curtas??...

Acho que são demasiado "curtas", as palavras ... porque ficam quase sempre, a anos-luz do que tinham a responsabilidade de transportar ... e não o fazem !...
Fica muito por dizer, por perceber, por transmitir ...
Ficam sempre aquém da nossa vontade, do nosso desejo, do nosso anseio ... e murcham nos lábios, entopem nas gargantas, secam nos corações ... definham na alma.

É então, quando as lágrimas impotentes rompem os diques, e de enxurrada, levam tudo adiante ...

São por isso,  MUITO  INJUSTAS  as palavras !!!...


Anamar

domingo, 28 de outubro de 2012

" QUEM FOR A MIRANDA ... "



Agora, quem vai a Miranda, não vai só ver os "pauliteiros" ...

Este meu espaço, já o referi sobejamente, para lá de ser profundamente "meu" ( talvez o espelho em que precisaria olhar-me, e não olho ), é também espaço de veiculação de tudo o que acho importante divulgar, seja em que campo for, tudo o que acho relevante e merecedor de atenção, de qualquer cidadão que a ele aceda.

Comecei o meu post, pegando no refrão da velhinha canção popular, que todos por certo  lembrarão, para introduzir a notícia que aqui posto, e que é digna de uma análise justa, pelos mais variados aspectos que a ela concernem.

Realmente, hoje, quem for a Miranda, não irá só ver os "pauliteiros", talvez vá ver com os seus próprios olhos, a Isabel e a Tânia, mais duas jovens que engrossam a estatística do desemprego neste país.
São simplesmente mais duas enfermeiras, que tiveram uma iniciativa filantrópica, meritória e enternecedora .

Na ausência de trabalho, e com o ganha-pão negado, pela crise que atravessamos, decidiram pôr as suas vidas, o seu  "know-how", o seu esforço, o seu tempo, ao serviço da comunidade.
Mas não de uma comunidade qualquer ;
buscaram o desconforto, arriscaram expor-se à natural hostilidade advinda da desconfiança, sobretudo da população idosa ( como seria de esperar ), de uma aldeia do nosso Portugal interior, do nosso Portugal que fica  por  detrás das serras,  para  trás  da civilização , para  além  do  conforto ... o  nosso  Portugal marginalizado  e  desprotegido ...
Aquele que fica também, para lá da memória dos dirigentes, e do conhecimento das entidades responsáveis, neste país !...

Tenho particular respeito e admiração pelo trabalho voluntário, indistintamente.
Sempre  tenho  perante  ele, ternura  e  humildade,  por  considerá-lo  um  dos expoentes  máximos da capacidade  do Homem se dar, se transcender, de usar a generosidade do seu coração em prol dos desfavorecidos ... de usar a partilha do seu "eu" ( quase sempre, mais ou menos egocêntrica e comodista ) em favor do semelhante ... de buscar e pôr ao serviço dos outros, o melhor de si próprio ...
Não se trata, obviamente, de uma "caridadezinha", mas de um verdadeiro altruísmo !

É quando deparo com exemplos destes, que acredito que talvez a Humanidade ainda não esteja completamente perdida, que o ser humano ainda tenha em si ( apesar de tudo e de todos ), uma capacidade de reabilitação, e uma força de renascimento, e de reconversão reais !!!...

E sinto-me gratificada, por perceber que é nas gerações jovens desta terra, e se calhar, do Mundo, que começa a germinar uma sementinha de consciencialização, de sensibilização e entendimento, face às revoluções necessárias acontecerem nas mentalidades, nas posturas, nas convicções, para que o Mundo, qual  "Fénix",  possa  renascer das cinzas a que chegou !...

Sem dúvida, o exemplo de Isabel e Tânia, será algo que nos fará pensar, e mexerá talvez em muitas consciências indiferentes e acomodadas, em muitos espíritos adormecidos !!!...

Anamar



Miranda do Douro

Há duas enfermeiras que trabalham a troco de casa, comida e roupa lavada


Isabel Moreira e Tânia Dias vão a casa dos habitantes. Brevemente, outros profissionais poderão juntar-se ao projecto Isabel Moreira e Tânia Dias vão a casa dos habitantes. Brevemente, outros profissionais poderão juntar-se ao projecto (Foto: Nelson Garrido)
"Oito meses de portas fechadas e sem emprego levaram duas recém-licenciadas a fazerem-se à estrada, subirem país acima e aterrarem, de armas e alguma bagagem, em Atenor, a aldeia do concelho de Miranda do Douro, conhecida pelo seu esforço de preservação dos burros, os de carga.

Isabel Moreira e Tânia Dias decidiram montar, durante três meses, um projecto de voluntariado em que oferecem à comunidade os seus serviços, como a medição de tensão arterial, diabetes, acompanhamento a consultas, apoio na medicação ou na execução de pensos, por exemplo. Findo o prazo, esperam um contrato.

Os sonhos de trabalhar num hospital ou centro de saúde, foram-se desvanecendo à medida que os dias em casa se iam transformando em desespero. Isabel Moreira, de 39 anos, natural da Mêda, na Guarda, trocou uma carreira como gerente hoteleira pelo sonho de tratar dos outros. Um dia, desafiou a colega de curso Tânia Dias, de 22 anos, de Seia, também no distrito da Guarda, e com o mesmo sonho, a embrenharem-se no Planalto Mirandês e darem a conhecer o Laços, um projecto de apoio à comunidade em regime de voluntariado, para já, com a esperança de lançar a semente que no Verão lhes possa trazer o ordenado.

Até lá, contam com o apoio da Junta de Freguesia de Atenor, cujo executivo há muito dava voltas à cabeça para uma solução que, pelo menos, amenizasse o crescente envelhecimento da população e a desertificação do território. Depois de uma conversa casual, no início do ano, com Moisés Pêra Esteves, o presidente, o projecto foi pensado e, desde 17 de Março, trouxe outra alegria aos quase 200 habitantes desta freguesia.

Três meses à experiência

“Propusemo-nos a ficar três meses à experiência, de forma a darmo-nos a conhecer e ao nosso trabalho", conta Isabel Moreira, acrescentando que o apoio da junta de freguesia passa por alojamento, carro para as deslocações e acompanhamento dos idosos às consultas e um pequeno subsídio para alimentação e outras pequenas despesas.

A somar a esse apoio, somam-se as ofertas das pessoas da terra, que, como bons transmontanos, não têm pejo em partilhar o que a terra lhes dá. “Desde alfaces, cenouras, couves, batatas, azeite, as pessoas dão-nos de tudo o que produzem. No início até estranhámos mas ficam ofendidas se não aceitamos”, explica a enfermeira que durante 22 anos trabalhou na hotelaria.

Para evitar surpresas e suspeições, o presidente da junta acompanhou as duas profissionais e, durante três dias, apresentou-as a todos os habitantes da freguesia, um a um. “No início, houve algumas pessoas que disseram que não estavam interessadas nos nossos serviços e então não íamos a casa delas. Mas, depois, mudaram de ideias, quando viram o que fazíamos, e até pediam aos vizinhos para nos dizer para passarmos por lá também”, contam as enfermeiras, com um sorriso.

Passados praticamente dois meses, a iniciativa está a “superar as expectativas”, dizem. Também a junta de freguesia está satisfeita com a dinâmica e melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes. Por isso, Moisés Esteves revela que estão a ser “criadas as condições para o projecto continuar”. Por um lado, as várias associações da terra estão a ser convidadas a contribuir. Por outro, vai ser criada uma outra associação, com o objectivo de agregar os excedentes da produção agrícola da freguesia, sobretudo azeite, para os vender e investir os lucros no pagamento dos salários das duas enfermeiras, que já estão a tratar de parcerias com outros profissionais de saúde, como dentistas, psicólogos, terapeutas da fala ou terapeutas ocupacionais. Tudo valências que existiam nos centros de saúde da região e foram sendo retirados nos últimos tempos, em nome da contenção de custos.

"Sobretudo o mimo"

Mais do que os cuidados de saúde, são os cuidados emocionais que têm feito as delícias dos mais velhos de Atenor. “Sobretudo o mimo”, confessa, com um sorriso, Isabel Moreira. Mais do que saúde, as enfermeiras trazem companhia às pessoas. “Contam-nos tudo. As queixas dos filhos, as coisas que acontecem por aqui... Tudo!”, garante Isabel Moreira, mãe de quatro filhos, que ainda fica com o coração apertado de cada vez que se lembra do dia em que explicou à filha mais nova, de 12 anos, que vinha para Atenor.“Ai mãe, para aquele sítio tão longe?", perguntou-lhe. "Pois, filha, tem de ser.”

As duas enfermeiras revezam-se de modo a assegurar os cuidados à população 24 horas por dia e de maneira a poderem ir a casa. A distância entre Atenor e a Guarda não se estreita sequer com a ajuda da Internet ou do telemóvel, os montes cortam o sinal.

Noventa por cento dos utentes do projecto Laços tem idade acima dos 65 anos, “a média de idades supera os 70 anos”, dizem as enfermeiras. “Eu dizia mal da minha zona, na Mêda, mas aqui é muito pior”, confessa Isabel, entre duas visitas. Para trás, ficou Fernando Marcos, cujos 66 anos vêm dar um vislumbre da estatística. Um olhar mais certeiro do que o seu, que já se perdeu por um glaucoma, apesar das 12 operações. Mediu a tensão, um pouco mais alta do que o costume, os diabetes, tomou a medicação e lá foi contando a sua história. Sentado no escano da cozinha, garante que as duas enfermeiras “não fazem mais porque não podem”. “Até foi uma boa ideia. Andamos mais acompanhados, mais vigiados e ajudam a passar o tempo”, explica, sob o olhar atento de Isabel, a esposa, que lá vai sussurrando que o serviço “dá muito jeito por causa da medicação”.

Além disso, as duas enfermeiras também os acompanham ao médico, de carro, e ajudam na tradução da linguagem técnica usada no consultório e que, muitas vezes, é imperceptível. “Não tínhamos ninguém que se preocupasse connosco. Para levarmos uma injecção tínhamos de ir a Sendim”, a uns dez quilómetros, aponta Marcos.

Quando os instrumentos de medição da tensão regressam à maleta de trabalho, o homem tem alguma dificuldade em despedir-se. “Não quer que fale mais?”, pergunta, ainda com esperança de mais uns dedos de conversa.

Um pouco mais à frente, do outro lado da rua empedrada da aldeia de Teixeira, mora Gregório, que na véspera sofrera uma queda. “Ir ao médico? Nem pensar. Fui uma vez à urgência e quase me matavam”, recorda, sob o olhar reprovador da mulher, Natividade da Purificação, que aproveita para desfiar um rol de queixas. “Sabe, eu também ando em consultas desde 1999. E tenho de pôr o oxigénio. Mas eu é só para ir passando, porque tenho uma crónica [bronquite] muito grande”, explica.

Mudado o penso e dada a medicação, é hora de partir rumo a outra “cliente”. “Espere lá, então hoje não me medem a tensão?”, atira ainda a tempo o Gregório, que tem direito a mais uns minutos de atenção. No final, ainda pergunta “quanto é”. “Nada? E não querem uma pinga?”, insiste. Não que já se faz tarde e à espera está já a senhora Felicidade. “É só para lhe medirmos a tensão e fazemos um bocadinho de companhia”, murmura Isabel Moreira, já no caminho. Entretanto, Tânia foi medir a tensão a outro vizinho, o senhor Altino, que está com pressa para ir para o campo.

Ao todo, são cerca de 50 as pessoas que já esperam, ansiosas, à porta de casa a chegada das duas enfermeiras. Os laços já estão criados."

" PÁRA E PENSA ! " - CARTA ABERTA A CRISTIANO RONALDO



 
 Ronaldo

És um garoto ainda ;  tens idade para ser meu filho, aliás, tenho filhas bem mais velhas que tu.
Perdoa portanto, tratar-te tão informalmente !

Tenho acompanhado de longe, o teu percurso de vida, pessoal e profissional.
Afinal, quem não acompanha??!!
Queiramos ou não, os "media" bombardeiam-nos com o CR7, com o que queremos, e o que não queremos saber sobre ele.

A tua vida profissional encher-te-á de orgulho, a ti e aos teus, é legítimo ... orgulho ao nosso pobre e pequenino país, porque, por ti, se dá a conhecer ao Mundo.
Levas felicidade a muitos rostos que a têm escassa ... apenas porque discutem os teus lances, na mesa da taberna ou do café, vibram com os teus golos, triunfam contigo nas tuas vitórias, e magoam-se contigo nos teus insucessos ( porque, humano, também os tens ).

Ouvem-se e lêem-se entrevistas tuas, declarações tuas .
A tua "tristeza" no Real,  virou  notícia mundial ,  as tuas alegrias,  são  divididas, calhando um pedacinho a cada um dos que torcem por ti... muitas vezes, apenas porque são portugueses ... e alguma alegria nos é devida, afinal !...

Já viajei muito pelo estrangeiro, do oriente, às Américas, e quando me perguntavam a nacionalidade, de imediato um sorriso gaiato pairava nos rostos, um brilho matreiro saltava aos olhos, e em qualquer língua ou dialecto, sempre era dito ... "Cristiano Ronaldo ... the best !!"

A tua vida pessoal é, foi e será sempre devassada, mas talvez excessivamente devassada, e talvez tu o permitas.  Porquê ?   Não sei !   Afinal, não careces de protagonismo,  já o tens de sobra !
Um destes dias, ouvi alguém que privou contigo de perto, e te conhecerá bem ( Felipe Scollari ), dizer-te um miúdo humilde, atento, esforçado, exigente, lutador ...

Tu vieste de baixo, Ronaldo ;  a tua ascendência é de gente que conhece o valor da dificuldade, do sacrifício, do esforço, da luta, da mágoa ... se calhar da ausência de esperança muitas vezes.
Lembro-te, nos relvados, a elevares o pensamento ao teu pai  ( que não ficou para assistir ao que és hoje ), sempre que marcavas um golo, e o estádio "vinha abaixo".
Lembro-te, quando pertencias às escolas do Sporting, que te descobriu.
Afinal, é o meu clube de simpatia ( porque na verdade, não tenho realmente nenhum clube ) ...
É o clube onde os meus três netos, praticam as modalidades desportivas, com que completam as suas vidas ainda de crianças, sonhadoras também já, com medalhas e pódiuns !!!

Cristiano, tu és filho deste país, embora sejas um "puto" do Mundo !

Hoje, deparei-me, numa destas revistas que se nos enfiam pelos olhos dentro, nas bancas, com a manchete : "Bomba exclusiva !  Ronaldo pagou 800 mil euros por um modelo de luxo da MCLAREN  ( No Mundo há apenas 5 ) ! "

Fiquei uma vez mais estupefacta, a pensar :

Saberás tu, que no teu país, há 820 mil pessoas no desemprego ?  Há mais de 3000 sem-abrigo, a viver pelas calçadas do nosso chão ?

Que são devolvidas aos Bancos, 25 casas por dia, sendo que mais de 2000 o foram, em apenas três meses, por incumprimento bancário, das famílias ?

Saberás tu que há 400 mil idosos a viverem sozinhos, e que Portugal é o sexto país da Europa, onde as pessoas com 65 anos, têm menos anos saudáveis de vida, pela frente ?

Ter-te-ão dito que em 2011, a dívida pública desta tua terra, foi dez pontos percentuais acima da que existia em 1892, quando o país foi obrigado a declarar bancarrota ??

Saberás, que por dia estão a fechar 13 empresas, lançando mais pais de família na rua ?
Saberás que em 2011 também, os suicídios motivados pelo desespero, fruto da crise, vitimaram 1100 portugueses, sem qualquer luz ao fundo do túnel??

Interrogo-me se saberás, que mais de 100 mil cidadãos emigraram, a uma média de 180 jovens por dia, na faixa etária dos 25 aos 34 anos, empobrecendo também em valores, e mão de obra qualificada, o teu país??

Ou se estarás informado, que 69% dos estudantes universitários tenciona emigrar logo que termine a vida académica ... para sobreviver ??

Disseram-te que há gente que cancela consultas médicas, e "raciona" a medicação prescrita ( e que deveria consequentemente tomar ), porque simplesmente não tem dinheiro para a adquirir ??!!

E com certeza, não ignoras que à semelhança de Portugal, onde todas as medidas restritivas estão a tirar-nos não só o pão, mas também a esperança, toda a Europa está igualmente a rastejar, com um esforço inaudito, para ainda se manter à tona !!

Diz-me Cristiano, tu, que nasceste com um dom, que foi brincares com uma bola, como um malabarista no circo ... tu, que de uma cartola sacas um "coelho", num segundo ... basta apanhares a bola  de jeito ... e a baliza à tua espera ... tu, que já tens um filho, que te terá forçosamente acrescentado maturidade ( a gente cresce, amadurece e envelhece com eles, verás ! ) ... Diz-me Ronaldo, já reflectiste um pouquinho só, sobre tudo isto ??!!...

Não pretendo armar-me em moralista ... aliás, quem sou eu para dar lições de moral a alguém ?...
Não pretendo sequer usar demagogia barata ... ( e eu sei que os teus bens, ninguém tos deu, resultaram naturalmente do teu esforço, óbvio ) ... mas ... mas ... mas ...

Fala-me de justiça, Cristiano ... fala-me de provocação, fala-me de ostentação sem limite, fala-me de excentricidade,  deslumbramento, de falta de sobriedade ... fala-me de alguma falta de "saber estar", ou até de infantilidade ...

Estas palavras, talvez duras de ouvir, não te dão nenhum toque aí dentro do peito ??
Não te transportam por curtos instantes que sejam, ao miúdo anónimo, que dava uns pontapés na bola, na sua escola, aos três anos de idade, lá na longínqua Madeira ??...
Um puto, que certamente jamais sonharia ter pela frente, o " conto de fadas" com que entretanto a Vida o presenteou ??!!

Pois é Cristiano Ronaldo, estás a perceber certamente onde quero chegar !...

Sou mãe, sou avó, sou professora, convivo com muitas gerações que estudam, com mais ou menos sacrifícios ( exagerados sacrifícios mesmo, acredita ) !...

Desejo-te as maiores felicidades na tua carreira e na tua vida pessoal ... desejo-te afinal tudo de bom, mas pára de quando em vez, nesse deslumbramento em que vives, e que,  podes acreditar,  é, e  será sempre, EFÉMERO somente !...


Muitas cartas têm um "Postscript" ....
Pois bem, em "Postscript" desta tua carta, envio-te cópia de uma notícia, de que certamente, tão longe e alheado das realidades objectivas desta tua terra, na tua redoma dourada, não terás tido conhecimento. Reflecte sobre ela, quando, no meio das tuas imensas e diversas ocupações, tiveres um tempinho :

 Em Portugal, também há notícia de casos igualmente trágicos de desespero. Em setembro passado, Pedro e Cristina, dois irmãos de 53 e 57 anos, lançaram-se para a frente de um comboio da linha de Cascais, na estação de Paço de Arcos. Segundo a notícia então publicada no Correio da Manhã, no bolso de Pedro estava uma carta a explicar a razão do duplo suicídio. Depois de trabalhar numa empresa de publicidade, Pedro estava desempregado e vivia em Lisboa com a irmã, igualmente desempregada, e a mãe, até esta falecer aos 88 anos. O senhorio despejou-os e ficaram a viver na rua por alguns meses, até à noite em que puseram um ponto final na sua história. "Estava escrito que se sentiam abandonados e viviam em pobreza extrema devido à crise económica", disse uma fonte policial citada pelo Correio da Manhã.

 Anamar

sábado, 27 de outubro de 2012

" ESCREVER OU NÃO ... EIS A QUESTÃO ! "



" Cada um faz o que quer, mas o escritor que eu quero ser tem deveres.  Qualquer idiota escreve bem.  Nós precisamos é de textos lúcidos "
                                     Rui Zink ( Ipsilon - Jornal  " O Público" )

Rui Zink largava esta afirmação que supracito, ontem, numa entrevista para o Jornal "O Público".

"Puxa",  pensei ... "Textos  lúcidos"  são  tudo  menos  os  que  eu  escrevo ;  bem escritos ... dizem que sim .... logo, estão reunidas as condições, nitidamente, para que eu esteja incluída no grupo dos idiotas.
Dos idiotas e nem sequer dos "ideotas", que serão aqueles "gajos" que ainda vão tendo algumas "ideias", de quando em quando !
Eu, nem isso !
A verdade é que me foge sempre o pé para o chinelo, na escrita, que é como quem diz, foge-me a caneta para banalidades e evidências, que todos já viram quinhentas mil vezes antes de mim !!...
Que pobreza, de facto !...

Mas uma coisa há, que é absolutamente genuína em mim, afianço-vos :  a tradução em palavras fiéis e sentidas, de tudo o que me vai aqui dentro do "invólucro", desde os pés à cabeça, e mais ainda, nas duas "gavetas" principais : a mente e o coração ...

Juro que nisso, não estou aqui para enganar ninguém, simplesmente porque aquilo que cada um pensa e sente, é das poucas propriedades privadas, do ser humano ... senão a única !

Deveria ser um bem inalienável ...  Não paga IMI, nem água, nem luz, nem esgotos, nem gás, nem prestação bancária, nem sequer condomínio .
É uma propriedade tão nossa, que somos livres de lhe subir muros, ou de os derrubar, sem precisar de autorização camarária !
Somos livres de franquear os portões a quem queremos que entre, ou de os aferrolhar a sete chaves, por via dos intrusos, dos abusadores  e até dos ladrões.
Porque também há ladrões de almas e de corações !!   Ui ... isso é o que por aí há mais, garanto !

É privada ...  Ou então, de "mãos largas", dividimo-la com estranhos, que, porque entram, deixam de o ser, e ficam "nossos", dentro da nossa propriedade, ganhando direitos ao nosso clã .

Uma vez instalados nela, porque é nossa pertença, nunca mais conseguimos mudar para outra, ou dificilmente o fazemos.
E as mudanças dão uma trabalheira, um desgaste e um cansaço, que nos derrubam frequentemente, e até pode acontecer que a nova propriedade, nem sequer substitua com vantagem, a anterior ...
Pode beneficiar de melhores vistas, localização privilegiada ( talvez nos deixe ver o mar, sonhar, acreditar, ver pássaros em bandos esvoaçantes por sobre as nossas cabeças, e borboletas que, batendo as asinhas, nos refrescam o coração ), mas o interior mesmo, o recheio, o conteúdo, o real valor do novo "imóvel", pode ser simplesmente  ilusório ... e  aí,  fizemos  seguramente  um  mau  negócio !!!

E depois os juros a pagar, são sempre elevadíssimos, e a perder de vista.
É um raio de uma dívida, cada vez mais penosa e sofrida ... Porque, diabos, adquirir um imóvel aos vinte anos, não é o mesmo que adquiri-lo aos sessenta !!

Há um outro problema a considerar, que é a desonestidade dos empreiteiros, que sempre tentam vender-nos "gato por lebre", e quando achamos que somos detentores de uma propriedade porreira, ela está a meter água por todo o lado.
Bons acabamentos, de encher o olho, mais uns quantos atractivos cativantes ... mas depois é que são elas ... aquilo lá, é material de sucata !
Roubaram no betão e no cimento, puseram areia demais na argamassa, e as paredes esboroam antes de tempo !...

Não nos isola das intempéries da Vida ...
Antes, deixa passar tudo para o interior, e à conta disso, arranja-nos doenças vitalícias .

Aquece-nos por dentro, protege-nos, e parece que nos aninha entre as paredes, como braços, cólo e ombros ( não precisaríamos de muito mais ) ...  Mas, porra ... é gelada nos Invernos da Vida, tão gelada que quase nos mata ...
E fomos ludibriados, obviamente !

E ainda assim, é sempre uma dor lancinante, abandonar um "cantinho" que foi nosso, ainda que tivesse sido uma lástima !
Apesar de tudo, escolhêramo-lo com todo o amor, acreditando que ali seríamos felizes, porque nele depositámos a esperança ( toda, a que catámos nas "gavetas" do coração e da alma " ), e o sonho, que é algo que está a rarear nos tempos que correm, e que é um prejuízo danado, quando nos foge !

Depois, também mal nos instalámos, havíamos alindado o espaço.
Foi o tempo de plantar as roseiras, as trepadeiras, os narcisos e os agapantos, que dariam flor lá mais para a Primavera, quando as andorinhas começassem a visitar-nos.
Foi o tempo de ler, nas tardes de paz, sob as treliças das glicínias e das madressilvas.
Foi o tempo de nos deslumbrarmos, com cada botão de hibisco que abria por um dia, mas que sempre abria, sorrindo para nós !...

E cada vez é mais e mais difícil,  recomeçar sequer a pensar, que inevitavelmente teremos que encerrar as portas e as janelas, fechar as portadas, apagar as luzes e bater a porta, porque não há mais remédio !

Cada vez dói  mais, sabermos que não regaremos mais o nosso jardim, não leremos mais à sombra dos jacarandás, não nos extasiaremos mais, com a cascata de cor das buganvílias ...

Cada vez é mais penoso, sequer  acreditar, que até poderíamos começar de novo, na busca de um outro "chão", onde voltássemos a dispor as sardinheiras, as roseiras, os narcisos e os agapantos ... porque  agora,  somos  nós  que  já  perdemos  as  forças  para  replantar ...
Seguramente as silveiras, os carrasquinhos, o galracho e o mato bravio, tomariam conta de tudo à nossa volta ...

E depois, também já escasseia o tempo para esperar que as Primaveras tragam as andorinhas e os cucos, e que os hibiscos,  reabram para nós  outra vez, as suas flores de um só dia !!!...


Anamar

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

" AH POIS É ..."






Para que não seja tudo a preto e branco neste meu canto, porque para cinzento, neste momento, chega o tempo lá fora e a Vida, deixo-vos esta delícia, porque quero, que de quando em vez, fiquem bem dispostos com o que aqui coloco.

Para todos um abraço de fim de semana ... e já agora ...  VEJAM   LÁ  SE  DESCOBREM  O  ZÉ  !!!!...

Anamar

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

" ORAR ... "




Troveja lá fora, e a chuva bate torrencialmente na minha vidraça.
O silêncio e a escuridão, prevejo que sejam totais.   Só prevejo, porque não me dirigi à janela.

Acordei de supetão, de um sonho absolutamente vívido.
Não era sonho, era pesadelo !  E acordei por cansaço, porque chorava compulsivamente nesse mundo, onde estava a viver.
Acordei como detesto acordar.  Com aquela sensação de susto, de medo, de perda indefinida, não sei sequer onde, porque os sonhos retiram-nos muitos pormenores identificadores, ou inventam-nos cenários que nunca víramos antes.

Há sonhos que parecem premonitórios.  Eu tenho muito disso, e apavora-me sonhá-los .
E este meu sonho, eram lágrimas.  Lágrimas que despencavam, como aquela cascata em Samaná, do alto de um rochedo, num caudal bipartido, como se brotassem exactamente de dois olhos, por um rosto abaixo ...

As lágrimas lavam a alma, deveriam lavar o coração ;
às vezes aliviam-nos por instantes, a pressão sentida no peito.  Outras vezes, fazem-se manhosas, e não saem, quando deviam sair, e deixam-nos à beira de uma sufocação total, de uma angústia trepadora.

Veio-me agora à ideia, uma frase que era proferida numa oração que aprendi na catequese, imaginem há quantos anos !  Não sei se ainda está na "validade" ou não ...
Verifiquei num exercício mental rápido, aqui mesmo, na mesa do café, que quer a Avé Maria, quer o Pai Nosso, já vêm a custo, lá das profundezas ...

Parece-me só poder pertencer à Salvé Rainha, que já não articulo de todo, embora a frase me tivesse "saltado do baú" :   " A Vós suspiramos, gemendo e chorando, neste vale de lágrimas "...

Será que eu sabia o que isto significava, quando a recitava, como recitava a lenga-lenga da tabuada ?

Será que as criancinhas o sabem, se ainda o rezam ??

Hoje, eu sei que bate certo.

Sei bem que esta coisa onde fomos lançados, e onde acordamos e dormimos, dormimos e acordamos, é efectivamente um "vale de lágrimas" !

Não preciso de o proferir, para o pressentir.

As lágrimas que cada pessoa chora ao longo da sua vida, juraria serem suficientes, para a afogar.

As minhas, tenho absoluta certeza ...  As que escorrem, e todas as outras que ficam retidas na garganta porque não conseguem romper, dariam para encher aquele lago, onde nos banhámos, em Samaná ...

Rezar ...

A minha mãe não falha noite que o não faça.   Não aquela coisa de terço, mas as suas "oraçõezinhas", como costuma dizer, quando me olha com ar censuratório de quem encara uma hereje,uma sacrílega, totalmente perdida ...

"Vocês não acreditam ... mas eu tenho cá a minha devoção " !...

Ora bem, eu acho que rezo, sim.

Acho que oro, à minha moda.  Obviamente não desfiando rosários ou ladaínhas, mas pensando, elevando o pensamento a nada nem a ninguém em particular ( porque não acredito em entidades divinatórias ), mas quando, de mim para mim, reflicto, reavalio, medito, faço contrição.

A meditação é, para mim, uma forma de oração.

Incoerentemente, parece, procuro com alguma frequência, igrejas, fora do "horário de expediente" ;  quando o silêncio e a solidão imperam, quando os ecos dos passos se ouvem no empedrado, quando a luz difusa se coa pelos vitrais e rosáceas, ou apenas por simples frestas, para o interior, gerando aquele intimismo de "encontro" ... quando o mundo cá fora não tem capacidade perturbadora !




Sempre privilegio a dignidade, a imponência, a solenidade e a genuinidade das antigas igrejas, aquelas que não são feitas na "contrafação" que pariu as igrejas ditas modernas, de formas ousadas mas incaracterísticas, sem carisma, frias ...

Uma casa com Santos ou Cruzes estilizados, e pouco credíveis, por ali espalhados.

Uma casa de linhas direitas, sem história, sem os altares de talha dourada, em renda de tecedeira sábia, sem órgãos trabalhados em obra de arte, as cadeiras do Cabido, as cancelinhas em madeira pesada ( a cheirar à árvore que a deu ), a reservarem os espaços mais sagrados, do pisar dos laicos ...

Sem os púlpitos, onde o padre subia e pregava, por forma a respeitosamente ser ouvido "de baixo" (repare-se no significado disto ... ), por todos os fiéis.

Aquelas igrejas com Custódias e Cálices em ouro genuíno, igrejas com velas de cera a sério, e não as eléctricas, movidas a moedinhas, claro ...

Igrejas com Pia Baptismal, de pedra esculpida por mão de artista., à entrada, numa pequena capela retirada, quase sempre do lado esquerdo ...

Igrejas com Turíbulos, a espalharem incenso também a sério, Caldeirinha para aspersão da água benta, e campainha a tilintar na Comunhão ...

Igrejas de bancos corridos, de cedro ou mogno, com algumas almofadas em veludo, marcando lugares praticamente cativos, dos "habitués" diários, de missa, novenas ... Mês de Maria ...

Igrejas de lajes no chão, por vezes autênticas lápides, cobrindo campas mortuárias de outros séculos ... em suma, igrejas com " I " maiúsculo ... afinal, as igrejas da minha infância !!!...

Nessas, os indiferentes, os agnósticos e até os ateus, se deixam mobilizar e sensibilizar por algo de sobrenatural, espiritual que por ali paira, e respiram mesmo, até ao âmago, o ar bafiento, mas de uma religiosidade que "voeja" nos claustros ...

Entro, sento-me sempre no último banco ( não sei porquê ), e também sempre do lado esquerdo ( ainda sei menos porquê ), e apenas olho perdidamente, perto e longe de tudo aquilo, e penso, com um pensamento que parece um pardal aos saltos p'ra frente e p'ra trás, desfilando com ele, muitos, muitos "filmes" ... enquanto uma paz ( que eu imagino igual à do repouso final ) me invade ...

Não procuro nenhuma entidade em particular, como disse ;  não invoco  ninguém ;  às vezes "converso" com o  meu  pai,  que  andará  algures  por  aí ( a  quem  sempre  peço  protecção,  ajuda,  apoio,  forças ) ... com quem me zango às vezes, que interrogo tantas outras ...

Mas isso também faço em casa, ou em qualquer lugar ( aliás, é para a sua imagem, que vai o meu olhar ao deitar, numa espécie de "até amanhã" ) ...

Mas seguramente, o que me leva a intencionalmente procurar uma igreja ( com uma sensação de necessidade urgente, e até alguma ansiedade ), é tão simplesmente procurar-ME nela, encontrar-ME a mim mesma lá ... se é que em algum lugar, algum dia, conseguirei achar-me !!!...



Anamar

NOTA Fotos tiradas por um amigo, e patentes ao público,  numa exposição  na cidade de Évora, no âmbito da divulgação e conservação do património religioso local . Obrigada      

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

" RELEMBRANDO "



Esbarrei-me com a data, ao olhar a agenda, para relembrar a data de pagamento de mais uma das benditas contas mensais, e verifiquei que estávamos a 24 de Outubro.
Ando meio perdida no tempo, coisa de quem não tem muitas obrigações, com hora ou dia.

Casei-me no dia de hoje, faz 42 anos.
"Espantoso, pensei ...estaria quase a fazer "bodas de ouro" ... porque as de prata ainda cumpri.
O dia estava mais ou menos como o de hoje, também.  Um sol meio envergonhado, meio encoberto.
Não choveu, penso ... aliás, tenho a certeza !  Afinal ..."casamento molhado, casamento abençoado " ...

Era uma menina então.
Quando me olho nas fotos do dia, a mini-saia, a coroa de flores no cabelo apanhado, mas sobretudo aquela figurinha de noiva, que mais lembra a de uma menina na Primeira Comunhão, não me magoo ... enterneço-me.

Não tenho por que escrever nada disto aqui, mas apeteceu-me.
Afinal esta data, é uma espécie da que vivencio no último dia de cada ano.
Nessa  altura , tenho  tendência  a  "repassar"  na  cabeça,  o  ano  cessante ;  hoje fui empurrada a "repassar" uma vida !,,,

Reitero ... era uma menina !
Em pleno início de faculdade, os horizontes de uma filha única, de pais já "velhos", mas sobretudo excessivamente focalizados em mim ( vivendo dos meus insucessos e êxitos, projectando em mim, tudo - eles e a vida deles ),  levaram-me a viver uma realidade sempre "acolchoada", sempre excessivamente protegida, sempre em "incubadora".

Verdade !  Eu acho que nunca abandonei verdadeiramente aquela "incubadora", ou aquela redoma.
Afinal,  eu  era  a  "princezinha",  naqueles  três,  que  era  a  nossa  família !
Nunca deitei a cabeça de fora, qual Bela Adormecida na torre do castelo ...
Sabia lá como era isto por aqui !  Sabia lá a dureza e o desencanto que nos esperam a cada esquina !...
Lembrava o pássaro que temos na gaiola, e que se o soltarmos, ele morrerá, pela razão tão simples de que não sabe sequer procurar o sustento, porque não foi preparado para o identificar e encontrar.

Tanto quanto consigo lembrar ( já lá vão tantos anos ! ), era uma adolescente sonhadora, ingénua, crente, inexperiente,  confiante, para quem seguramente a Vida seria mãe, e não madrasta ;  que acreditava que os sonhos sonhados, sempre se realizam, desde que lutemos para os alcançar.
Pobre  de  mim,  que  não  fazia  ideia  da  força  da  correnteza,  de  facto !...

Lera os livros da literatura naïve, tipicamente femininos, literatura cor-de-rosa,  ou de preparação para uma mulher, esposa e mãe, de acordo com os parâmetros sociais, morais e familiares, a típica "fada do lar"...

Ouvia  Adamo,  Hallyday,  Silvie Vartan,  Françoise Hardi,  Joe Dassin, Tom Jones, The Shadows,  Bee Gees,  Roberto Carlos ... Bécaud,  Aznavour ... e sonhava ...

Na  minha  casa, lia-se a "Crónica Feminina", a "Flama", os "Lavores Femininos", "O Cruzeiro", o "Sétimo Céu",  e  eu  lia  Caprichos  sobre  Caprichos ...




Treinavam-se com as mães, as "prendas domésticas", garantias de um casamento consolidado ( para que estávamos fadadas ), e para que soubéssemos, como se passava a ferro, como pelo menos se estrelava um ovo !
Lembro a trabalheira que a minha mãe teve, para que eu aprendesse a vincar calças de homem ... sendo que até hoje, o não sei fazer !!!
Aprendiam-se as regras de vivência, e de agrado ao marido.
Sim, porque era certo que teríamos um marido e filhos, como o "figurino" previa.
E ainda assim, eu já teria uma profissão ( porque estudava ), o que me proporcionaria certamente mais autonomia que a que a minha mãe alcançara, confinada ao reduto caseiro, e a todas as suas exigências apenas, de uma forma exemplar ... irrepreensível !
Afinal, a sua profissão era tão somente "doméstica" !...  Tão somente ??!!....

Não era propriamente uma jovem informada ( não havia o hábito de se comprar jornal sequer ) ; a televisão surgiu, quando eu teria talvez, sei lá, uns dez anos, e ainda assim, ia-se ver um pouco à noite, de quando em quando, a casa de uma vizinha de rua, que mais abonada, tinha uma.
Em minha casa, nesses primórdios, isso era considerado um luxo, portanto, um bem "não essencial".

A vida era feita entre a casa, sempre muito só e silenciosa ( porque o meu pai estava fora a maior parte do tempo, a trabalho, e a minha mãe nos afazeres domésticos sempre intermináveis , ou não fosse ela alentejana de gema ), e a escola.
Por isso lia, sobretudo livros que a minha madrinha de baptismo, extremamente católica ( "beata" direi mesmo ), me comprava.
Leitura castradora, redutora, tendenciosa, limitadora da obtenção de uma autonomia intelectual, e consequentemente, crítica , consciente, lutadora, perseguidora de objectivos, talvez "dissidentes" ( o que não seria conveniente, óbvio).
Tinha uma amiga ( que se tornara "irmã", confidente, cúmplice ... tudo, afinal  ), com quem partilhava as dúvidas, preocupações, anseios, alegrias e mágoas, sonhos ... naquela conivência adolescente, sempre totalmente incondicional.  E tinha depois, colegas, meras colegas de vida académica.
Pouco ou nada saía.  Os fins de semana eram iguais às semanas ;  estudava, ouvia música no rádio, e claro ... inevitavelmente escrevia ... inevitavelmente comecei a escrever, desde sempre.
A escrever coisas nunca mostradas a ninguém, como é óbvio.

Ao cinema quase nunca ia.
Com a minha madrinha, vi a "Música no Coração" ( ícone de uma geração, a minha ! ).  Vi filmes com o Joselito ... "E tudo o vento levou" ... "O conde de Monte Cristo" ..... Mais tarde, bem mais tarde, o " Dr, Jivago "  ( quatro vezes vi a película, e quatro vezes chorei com ela !! )
Ouvia-se  "La novia" ... ( "blanca e radiante  lá vai la novia" ... muitos lembrarão ), "Os amores de estudante" ... "Quand vient la fin de 'été " ... "Tous les garçons ".... e imaginava-se que aqueles melodramas cor-de-rosa, também poderiam ser vividos por nós, não se sonhando que o que se viveria na verdade, eram dramas ... claro que nunca cor-de-rosa !!!

E não muito mais ...   Foi assim !...

Casei no dia de hoje, há 42 anos atrás, com a cabeça cheia das tais ilusões, dos tais sonhos, devaneios, acreditares, ânsia de libertação de algo que claramente me sufocava, mas que se calhar, à época, não conseguia verdadeiramennte consciencializar.
Casei com uma vontade louca, de me independentizar de todas as peias e amarras que me haviam tolhido, com uma vontade louca de "crescer", de abrir a janela e respirar um ar de que eu fosse dona,  e  pudesse  aceitar ou  rejeitar,  pela  minha  cabeça  e  pelo  meu  coração ...
Casei, acreditando em utopias, em céus azuis, em vida mansa, em sol, muito sol a inundá-la ...
Casei com a ingenuidade, a fé e a inocência, da criança que afinal eu era ...

Tinha 19 anos !!!...


Anamar

terça-feira, 23 de outubro de 2012

" LIMITES .... "

 

Num destes dias, um conceituado político afirmava : "Atingiu-se o limite da razoabilidade ;  não é possível mais ! "  ( a propósito das sucessivas e inclementes exigências a que o Governo, mais e mais, submete o povo português )

Na Física, diz-se que os materiais têm coeficientes de elasticidade, de alongamento, de dilatação ... limites inultrapassáveis.

O açúcar, tem os "pontos" ( de pérola, de cabelo, de estrada ... ) .  Se ultrapassados ... desanda tudo !

O ser humano tem o limite de resiliência, a sua capacidade ( que se deseja grande ), para suportar as dores da Vida, as contrariedades, as adversidades diárias.
Quem melhor estiver artilhado com ela, terá uma sabedoria facilitadora da existência, e da subsistência.

Há rupturas de ligações afectivas que surgem aparentemente do nada.   Apenas, porque foi ultrapassado seguramente algum limite, muitas vezes não percepcionável ...

Deixa de se ver alguém, no justo momento em que dobrou uma esquina ...
A página do livro fica indisponível aos nossos olhos, quando a viramos ...
O copo de água entorna-se, com uma simples gota a mais ...

Enfim ... limites, limites, limites !...

De repente, nas nossas vidas percebemos que atingimos um, e que dali em diante, nada poderá continuar como estava. É obrigatório mudar alguma coisa !
Terá de operar-se uma qualquer revolução em nós, como afinal as revoluções na História dos povos,  quando também foi atingido algum pico inultrapassável.

O "pico", o "ponto", o "coeficiente", são limites, são balizas, que, atingidas, já independem da vontade humana, até mesmo dos desígnios do seu coração.
São efectivamente pontos potenciais de ruptura, contra os quais, pouco ou nada se pode já fazer...

O Homem, por acomodação, por opção, por capacidade de resistência, ou falta dela, por interesse, por estupidez ou por inteligência, por amor ou até por ódio, por tédio ou por indiferença, sempre tende a deixar arrastar muitas vezes, o que vai apodrecendo no caule, como fruta bichada.
Até ao dia ...

Ainda na Física ( e todos sabemos, ou temos consciência mais ou menos clara disso ), se ensina, que vencer a inércia, ou seja, ultrapassar o limite do repouso ou do movimento, exige dispêndio acrescido de energia.
Por isso, o ser humano se "defende", tendendo a manter o seu "estado", caótico ou não, o quanto pode, para protelar o pagamento da "factura".

Mas de repente  ( como o copo cheio de água que ainda não transbordara ), há um clique, que precipita tudo, à revelia de tudo também, e pronto, atingiu-se uma situação irreversível.
Não há volta a dar !...
Houve uma "saturação" do sistema, momento em que a quantidade de açúcar dissolvido, passou a precipitar, por incapacidade, de naquelas mesmas condições, se continuar a dissolver.

Atingido esse limite, o "stato quo" alterou-se completamente ;  na "pintura" harmoniosamente elaborada, caíu um borrão final de tinta, que a inutilizou ...
A pintura inutilizou-se, e o pintor terá ficado marcado com isso, também sem remédio.
Afinal, provavelmente, investira emocional e afectivamente naquele quadro, esforçara-se o mais que pôde e soube, sonhou-o dias e noites seguidos, foi feliz fazendo-o, em cada traço, em cada cor, em cada matiz que acrescentava.
Aquela obra de arte, era ele levado à tela, era uma realização sua, era vida sua, era sangue seu ...
Fora uma aposta em que acreditara e que falira, um insucesso com que era obrigado a conviver ...
Repentinamente, atingiu-se uma situação limite inesperada, não calculada, uma linha proibida ultrapassada, que desencadeou em consequência, inevitavelmente, a ruptura do instituído, sem volta atrás !!!

Há quem pense, não se deixar atormentar com limites.
Há quem tenha a veleidade de pensar, que sempre os ultrapassa incólume, como quem dança nos intervalos da chuva !
Há quem suponha ser invulnerável a barreiras, a muros, a proibições de sentido ... porque terá capacidade de prosseguir ...

Engano seu !  Engano meu !...

Como qualquer mortal  ( desafiando embora tudo o que já está na cota máxima, achando que ainda o domino e controlo ), também eu sinto os efeitos do sopro da ventania, também eu me vergo ao sabor da tempestade, como os canaviais das falésias,  também eu sou arremessada contra os rochedos, na época das marés vivas, sem que possa fazer nada !

E claramente me pressinto,  folha de romance acabada de virar, me sei a dobrar a estrada, perdendo para trás o trilho percorrido, me transbordo em enchente ou enxurrada de comportas rasgadas, por  um só pingo de chuva a mais, que tocou o meu coração !!!...


Anamar