quinta-feira, 29 de novembro de 2012

" NÃO SERÁ JUSTO ! "


A Rita está a desistir.

Os animais são assim, e nisso também, dão uma lição ao ser humano.
Desistem devagarinho, em silêncio, sem perturbar, sem reclamar, como se fossem saindo em bicos de pés, ou de pantufas ... para não incomodar, pedindo mesmo desculpa com o olhar, por nos estarem a dar mais um desgosto, por não poderem ficar mais, como tinham prometido, por não serem nossos companheiros por toda a nossa vida ...

E fecham a porta sem ruído ou estrondo, para que não nos assustemos ...

Os animais têm a dignidade e a postura que o ser humano não tem.
Não reclamam, não fazem chantagens emocionais ... não "jogam" !  Os animais não sabem "jogar" ...

E eu estou a vê-la ir ... e não sei o que posso fazer, para lhe explicar que vai ser muito difícil dormir sem ela metida na minha roupa, a aquecer-me nas noites frias de Inverno, quando eu lhe pedia que me aquecesse ...
Que vai ser muito difícil não ter a quem dizer, nos dias tristes : "Rita ... isto hoje está mau, já viste " ?...
Que vai  ficar muito vazia esta casa, sem a sentir, mesmo silenciosa, a dormir no sofá, sobre o saco da água quente, ou quando pedia para a acompanhar ao prato da comida, ou a beber água no fio da torneira, ou ainda que a aninhasse no cólo, no robe quentinho de Inverno ...

A Rita quase não come.  A pele cobre-lhe os ossos, pouco mais .

Adoptei o Jonas, um "bonequinho" de três meses, para o retirar da amargura do infortúnio da rua.
O Jonas ... que é uma réplica do Óscar, quando entrou na minha casa, no mesmo mês, há dezoito anos atrás.
A Larissa, que adora a Rita, diz que nada acontece por acaso.
Por que será que há mais de três anos, quando o Óscar partiu, eu disse que não adoptaria mais nenhum animal, agora o recebi ?!

O Jonas entrou, tem três meses ... a Rita tem treze anos.
O Jonas virou o mundo da Rita, ao contrário.  De um dia para o outro, todos os seus hábitos se subverteram.
A presença daquele "boneco a pilhas", que só quer brincar a toda a hora, acabou-lhe com o sossego, a necessidade do sossego que os seus treze anos lhe impõem.
Ele é um bébé traquina e reguila, que não pára um só minuto, que não pára de fazer disparates dia e noite, que não pára de a provocar com uma sapatada, uma tentativa de lhe apanhar a cauda, um salto mortal por cima dela.
Um bébé que quer comer quando ela come, e do prato dela ( apesar de estarem dois pratos lado a lado ), que se empoleira, sem chegar, para beber água, exactamente quando ela também bebe, que faz com que eu tenha parte da casa fechada, impedindo-lhe o acesso para evitar demais disparates.
Com isso, a Rita, que pela manhã de dias de sol como hoje, adorava apanhá-lo, deitada  na carpete da sala principal, está impedida de o fazer ...

Estou a roubar o sol à Rita ... Estou a confiná-la à penumbra do outro quarto ... já ... antes de tempo ... e não é justo !
Sinto-me culpada, porque ainda que involuntariamente, acabei abrindo talvez antes da hora, as portas para a Rita sair da minha casa, da minha vida, da minha história ...
Não é justo !!!...

A Rita é parte de mim.
Foi o animal mais doce que se partilhou comigo ...
Atravessou os meus dias longos e escuros ... ouviu-me, só por me olhar.
Aqueceu-me o coração, tantas e tantas vezes, só porque me aquecia o corpo, nas noites frias e sós, de tantos Invernos da minha vida ...
Foi companheira do Óscar, até ele a deixar.  Ficou só, e desencadeou um problema de saúde crónico, do foro psicossomático.

Quem   diz   que   os  animais   não   têm   lutos  absolutamente  sofridos ??!!...

Problema crónico, como digo, que se arrastará com ela, controlado apenas com uma alimentação especial, enquanto viver.  Contudo, jamais o irá curar.
Sendo psicossomático, tende a agudizar-se em situações de alterações dessa natureza, o que aconteceu com a entrada do Jonas, e que eu não pude prever.
Ficando sujeita a stress, e a modificações dos ritmos da vida instalados, voltou a fazer um novo pico da doença, só que desta feita, mais grave.
O Jonas entrou, fará um mês, e a Rita definha desde então.
Entristeceu, quase não come, e permanece como os nossos velhos, sobre o saco de água quente, no sofá, indiferente, apática, desligada.
Não tem medo do Jonas, porque dormem enroscados um no outro ;  "sopra-lhe", em desespero de causa ...
Apenas, ele perturba-a, incomoda-a, desespera-a.
A necessidade de brincar permanente, de um gato bébé, alucina e confunde a Rita, deixa-a estupefacta.
Ela não entende que um gato que se preze, se coloque "colado" ao televisor, e faça caçadas aos passarinhos que voam na imagem ...
Ela não percebe, por que raio ele a desafia, de pé nas patas traseiras, e a "caça", em cada esquina do corredor ... Por que raio, ele "adora" o rabo dela, e a persegue de noite e de dia ...
De facto, é um stress constante, mesmo para mim, que o entendo, e  acho graça à sua inconsciência infantil !!

Tenho tentado tudo em termos médicos, alimentares, no  redobrar do carinho e das atenções.
Continua a dormir comigo, grande parte da noite. Bem coladinha a mim, como se o meu corpo a protegesse, do que talvez não tenha protecção possível ...
Como sempre, para o animal, o dono é o seu Deus, omnipotente ... e não é verdade, nunca é verdade !!!...

A Rita está a desistir ...
... e eu sinto-me a pessoa mais injusta, mais impotente e mais ignóbil do Mundo ...

Sem querer, sequer sonhar, estou a ser uma fraude para o amor, a dedicação e a confiança que a Rita ( seguramente sem sequer me desaprovar, porque isso os animais nunca fazem ), ainda e sempre, irá depositar em mim !!!...



Anamar

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

" COMO SERIA BOM SER ÁGUIA !... "




Eu sou mesmo uma pessoa enviesada, torta e mal acabada ...
Por que será que sempre acho que efectivamente vou morrer assim, e não há volta a dar, a esta minha forma desgraçada de ser ?
Por que será que não aposto, ou dou  "chances", a que portas ou janelas se abram nesta minha alma, que cada vez se encarcera mais e mais, numa concha inapelavelmente agarrada a rochedo do areal da Vida ??!!
A maré tapa-a, destapa-a ... ela nunca vai, ela permanece estratificada, presa, retida ali, e ali fossilizará, tornar-se-á também ela própria, rochedo duro e agreste, dia após dia ...

Dali vê o céu, umas vezes azul ... no Inverno, cinza, mais ou menos escurecido ;   vê as nuvens que pairam lá por cima, ou que giram em turbilhão de vento desgovernado ... e sonha ... sempre sonha !
Vê o sol que muitas vezes é quente, mas mais, muito mais são os meses, em que ele nem sequer sobe acima das falésias, e em que o frio invade o seu mundo .
Vê as aves que poisam perto, em comunhão de felicidade, só algumas vezes.  Quase sempre planam lá bem alto, donde se vê tudo, e onde se experimenta a liberdade absoluta.

O mar vai e vem, umas vezes manso, de "boa catadura" ... acaricia-a ;  outras vezes, quase sempre, altaneiro, duro, insensível açoita as rochas sem dó nem piedade, sem nunca pensar se lhes deixa feridas abertas.
Talvez  não deixe, porque eles não sangram, mas desgasta-as cirurgicamente dia após dia, consome-as noite após noite, e vai deixando a sua marca de morte, nos séculos ...

E a  concha que me dá guarida vai permanecendo, apesar das oscilações e das turbulências ;  sente o apelo dos céus, ouve o chamamento das gaivotas em bandos soltos, livres e irreverentes pelo céu fora, pensa como seria bom romper as amarras e partir, partir na ondulação, ou ganhar asas e subir para o alto, para outros  rochedos, outros penhascos, donde pudesse ver o Mundo,  estender os olhos e soltar o coração ...

Mas fica ... sempre fica, porque lá no fundo, nunca acredita que poderia partir, porque lá no fundo tem uma desistência  instalada,  sabe que jamais ganhará asas para voar, pés para andar, e que de seu, só tem mesmo o sonho, porque esse se soltou há muito, cortou amarras, e anda liberto por aí ..
Esse é irrequieto, é imenso, jamais se acomoda ou confina ao espaço exíguo que a vida lhe destinou.
Esse, deixa a concha onde não cabe, nunca coube, e parte nas marés, ou sobe aos céus, no inconformismo das asas da gaivota, que vive na aragem.
Esse, é o único que acredita, sempre acredita ... porque é sonho, e o sonho nunca pára, nunca morre, não se deixa prender ...
Esse, é o que vê o sol mesmo nos dias de nuvens carregadas, é o que sempre espera a chegada de uma maré promissora qualquer, é o que sabe que sempre vai aonde quiser, sem limites ou horizontes, esse, é o que se sabe potro desencabrestado, solto na pradaria, poeira de estrada dançada  no vento ...
Esse, é o que habita o coração inconformado e corajoso de Fernão Capelo ...

De facto, apenas ainda não desisti da minha capacidade de sonhar.
A insatisfação, a ânsia de mudança, a deliberada vontade de virar a mesa, a provocação latente do  desafio, a energia súbita que sinto para bater o pé à vida, a necessidade de me extremar, o fugaz acreditar na mudança do meu eu, não passam de meros momentos de compensação, em que a águia que há em mim ( como diz o espectacular vídeo que aqui coloco ), abre as asas, e voa dos píncaros aonde consegue por vezes subir.
São contudo voos curtos, inseguros, incipientes, muito precários, suicidas quase sempre, como os voos que Fernão Capelo Gaivota exercitou na ânsia, perseverança e na sua fé, de alcançar o que parecia inalcançável, de atingir a real dimensão da  "LIBERDADE" ... a que reside no pensamento, no coração e na alma ... porque são esses os lugares, que nada, nem ninguém tolhe.

E o tempo passa, e eu não passo com ele, para realizações objectivas, para o reencontro comigo mesma.
Fico no desejo, na vontade, no sonho que sai da concha e sobrevoa o oceano à sua frente ...
No sonho, que leva a águia a encarar o sol e a saber que o mundo é dela , e lá, tem o seu lugar ...

Só que eu não subo nos céus  mais e mais alto, nem saio do terreiro onde as galinhas ciscam, embora olhe o firmamento com um olhar triste e comprido !...

Eu, fico sempre por aqui mesmo, e cada vez acredito mais, que ficarei até ao fim, porque eu sou uma pessoa enviesada, torta e mal acabada ... Eu sou uma perdedora da Vida !!!...



Anamar

sábado, 24 de novembro de 2012

" COM, OU SEM TEMPO ... "



Costumo dizer que não me arrependo de nada que fiz na Vida.
Costumo dizer que se regressasse lá atrás, repetiria senão tudo, quase tudo de novo ...

Reconheço que algumas coisas sofreram erros de "timing", outras, erros de "casting", inerências ao que é a própria Vida, em que estamos em simultâneo a vivê-la e a reflecti-la, sem distanciamento para maturar com a devida análise cuidada, os episódios de que ao mesmo tempo, somos actores e espectadores .
Esse, o problema !

Todos sabemos que para fazermos a avaliação do que quer que seja, essa avaliação carece de distância, cabeça fria, e afastamento da envolvência emocional.
Ora se na vida pensamos e agimos ao minuto, obviamente que são cometidos erros infinitos.
Sem podermos debruçar-nos sobre os acontecimentos de uma forma desapaixonada, não conseguimos decidir muitas vezes acertadamente, não conseguimos muitas vezes discernir o melhor e o pior, não conseguimos sequer tocar as trombetas de "reunir tropas", no sentido até de nos defendermos da melhor forma possível.
Por isso é que a Vida é muito uma tômbola, ou uma mesa de jogo, de fichas vermelhas, brancas ou pretas, que umas vezes "fazem jogo", outras provocam desastres de consequências imprevisíveis ...

Digo que não me arrependo de nada do que fiz, porque, como já aqui o referi muitas vezes, tendo embora um cômputo se calhar mais sofrido que feliz, a minha vida pauta-se efectivamente por côr.
Se quisesse retratá-la numa tela, ela receberia pinceladas de tinta, jogadas a esmo, como num quadro abstracto e maluco, que iriam dos tons fortes, bem marcantes, aos tons soft e serenos, dos pastéis, nas fases de águas mansas.

"Uma vida muito rica " ... dizia-me alguém num destes dias ... "Por que não escreves as tuas memórias " ??...

Sorri ...

Primeiro ... coisa de memórias cheira-me a partida.  Cheira-me a preocupação de "marcação de território", não sei se me faço entender. 
Não no sentido em que os animais definem territórios, sobretudo em época de acasalamentos, em que há obviamente conflito de interesses.
Marcação de território, no sentido de deixarmos a nossa marca existencial, o sinal de que passámos por aqui, a nossa "dedada" na própria Vida !

Segundo ... coisa de memórias implica que alguém, teoricamente acessaria a essas memórias, já que elas não seriam logicamente escritas, para guardar propriamente numa gaveta !
E eu sei lá se importaria a esse alguém, se importaria aos distantes e mesmo aos mais chegados, depararem-se com uma figura que teve estas ou aquelas experiências, que os não acrescem nem os diminuem ?!
Sei lá se lhes importaria, saberem que uma qualquer "eminência parda", teve uma vida de montanha russa enquanto por cá andou, foi meio louca, alucinada, "outsider" ?!...
Se conflituou ou "agitou" o definido como pessoal / social / familiarmente correcto ?!
Ou, se ao contrário, foi "enquadrada", viveu dentro do espectável, do figurino, nunca constituíu incómodo, ou pedrada nos charcos de todos os que a rodearam, porque obedeceu aos parâmetros dos registos da "normalidade" instituída ?!

Por isso eu já determinei, que até as memórias materiais que existem da minha vida, os "tais" conteúdos das "tais" arquinhas reais, de que também muito já aqui falei, me acompanhem um dia, quando for .
Porque são "marcas" sentidas apenas por mim, só fazem / fizeram sentido apenas a mim, só têm significância, história, calor, cheiro, lágrimas ou sorrisos, no meu coração e em mais nenhum outro, porque nenhum outro ( porque as não vivenciou ), conseguiria jamais alcançar a sua dimensão !

E depois, a Vida não dá tempo ... tempo para nada !
Aliás, levamos a vida a adiar coisas ... para quando tivermos tempo ... é espantoso !!!...

Guardei em malas, na arrecadação, quilos e quilos de cadernos com rabiscos, com desenhos, com a incipiência da aprendizagem das primeiras letras das minhas filhas ... porque seguramente, um dia, quando tivesse tempo, me iria sentar junto delas, e repassar uma a uma, cada folha, cada teste, cada caderno, e relembrar "aquelas" histórias ...

Guardei em malas, na arrecadação, brinquedos e brinquedos, bonecas e peluches, legos e jogos, das minhas filhas ... porque um dia, quando tivesse tempo, os meus netos brincariam com eles de novo ...
Os meus netos vão caminhando, um deles já é pré-adolescente ... e nada saíu das malas ... porque NUNCA há tempo ... não dá para o trabalho, buscar o empoeirado dos anos ...

Guardei em prateleiras e armários, em minha casa, todo o material de uma vida profissional.
As fichas de trabalho , a preparação escrita das matérias, os testes elaborados, os livros, os dossiers, os slides, os acetatos ... a mala que diariamente me acompanhava ... para um dia, quando tivesse tempo, os ordenasse, arquivasse o importante, ou eliminasse o que não tivesse já valor relevante.
Tudo continua nos mesmos espaços, tal e qual ;  tudo continua em desordem, em conflito, o conflito de então ... E tempo ... eu tenho de sobra !...

Guardei  numa caixa, as cartas trocadas durante o tempo que namorei com o meu ex-marido ( porque na altura se escrevia ... AINDA ! ), as cartas e os aerogramas trocados  com os meus pais, quando, após casar, vivi dois anos em Luanda ... porque um dia, desataria aqueles laços de fita, e voltaria a lê-los ... quando tivesse tempo !...
A caixa continua fechada !...

Ilusão pura !!!

Tudo perde oportunidade, tudo fica efectivamente lá atrás, queiramos ou não ...
A nossa Vida perde oportunidade !...

Então para quê, nos rodearmos destes registos?   Então por que queremos inconscientemente,  imprimir a tal pégada, a tal impressão digital no Tempo ?

Porque o Homem sempre tem a sobranceria e a falta de humildade, de achar que valeu alguma coisa, e de achar que tem que deixar em perenidade, a sua marca, como se se apavorasse com o esquecimento, como se se assustasse com a constatação da sua tão pequena e efémera importância, da dimensão de grão de areia que ocupa, na realidade ...
O Homem não convive em paz, com a constatação de não ter sido nada nem ninguém, no Universo, de não ter de facto nenhuma importância no Mundo, nenhuma relevância no percurso do Tempo ... e isso mete-nos medo, isso retira-nos alguma razão,  força  ou  capacidade,  para  continuarmos  sempre  em  frente  nesta  caminhada ...

Portanto, com ou sem tempo, preferindo "não pensar no tempo que ainda tenho para viver, mas antes viver o tempo que ainda tenho para pensar" ( J.G.D. - escritor ),  irei continuar a vivê-lo cada vez mais criteriosa e exigentemente, cada vez mais enriquecidamente, cada vez mais gratificantemente ... e sobretudo, não deixarei de viver, tudo aquilo  de que pudesse vir a arrepender-me de não ter vivido !!!...

Anamar

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O REGRESSO À INFÂNCIA - " A GOTA DE ÁGUA "- Uma história para a Vitória ler ao Quico



Naquela manhã de Agosto, a Miquelina acabava de poisar na pocinha, que a maré preguiçosa deixara na areia.
O bando viera banhar-se e fazer a "toilette", no espelho que a água fizera na praia, ainda deserta.
Como todas as gaivotas, a Miquelina gostava de ter as penas bem limpas, penteadas e perfeitamente alinhadas.  Por isso, sempre desciam ao areal da maré baixa, a horas em que ninguém as importunava, porque a praia estava vazia.
Nem meninos traquinas, nem cães desatinados, e os pescadores da noite, seus amigos, também já estavam de partida, porque esta findara, e o sol já espreitava por detrás das falésias.
Sentia-se uma nortada fresca, nada que perturbasse, afinal !
Miquelina, depois de revisionar uma a uma as suas penas, com o bico treinado, enfunou-as e sacudiu-se, vaidosa, espreguiçando-se.

Foi aí que aquela gota de água se soltou, e às cambalhotas, meio entontecida e atordoada, sem perceber bem o que lhe estava a acontecer, veio parar ao charco que Miquelina tinha aos pés, ou melhor, às patas ...
Caíu atarantada, mas rapidamente se recompôs .  Olhou à volta, e viu que junto a si, tinha muitas, muitas outras gotas como ela, que o mar, ao recuar, ali deixara.

" E agora " ??? - pensou.

Ainda minutos antes estava aninhadinha debaixo da asa da Miquelina, e agora engrossava na areia, o caudal de muitas irmãs iguais a si.
De um lado tinha o sol que começava a aquecer com força, e do outro, o mar barulhento, que ela só via, quando a Miquelina  abria bem as asas, e planava na aragem lá no alto, bem por cima dele.


E afinal, quem era ela ??
Como poderia distinguir-se daquelas gotas todas iguais a si, que formavam o espelho em que as gaivotas sapateavam ??
Resolveu que deveria ter um nome.
"Mariluz" pareceu-lhe bem.  No fim das contas, ela era a mais pequena porção do mar imenso que gargalhava bem disposto ao seu lado, e luz era aquilo que mesmo pequena e insignificante, espalhava ao seu redor.
Por isso é que aquele charquinho, chegava a encandear quem dele se aproximasse.

Mariluz resolveu então tomar um banho de sol.  Não era o que os turistas todos faziam ??
Foi-se  deixando acariciar pelo calorzinho que lhe chegava ao coração  ( sim,  porque uma gota de água é tão pequenina, que quase é só coração ... ), e adormeceu ...
Acordou estremunhada, porque voltou a não perceber o que lhe estava a acontecer outra vez.
De facto, Mariluz sentia-se a subir, bem mais alto do que quando era transportada na asa da Miquelina.
Tão alto, tão alto, que pouco conseguia ver cá para baixo.
Mas não se sentia nada mal, porque baloiçava aconchegadinha, só que agora numa cama de algodão bem branquinha.
E deslizava ao sabor da aragem ...  Mais p'ra cá, mais p'ra lá ... e cá em baixo, bem pequenina, estava a praia onde adormecera.

Mariluz agora fazia parte de uma nuvem.
E uma nuvem, é uma coisa tão levezinha, tão levezinha, que o vento carrega p'ra onde quer ...
E por isso, Mariluz foi esbarrar no alto daquela penedia da serra ...
Não podia seguir em frente de forma nenhuma, a não ser que subisse no céu, e assim passasse por cima daquela montanha assustadora ...

Mas, " uffa ! ...  que frio " !!!
Quanto mais a nuvem subia, mais gelava ... sem cobertor que lhe valesse.
Foi, quando tiritava de frio e quase não conseguia mexer-se, que se sentiu a descer mansamente, de novo em direcção à terra, donde viera, só que descia bem embrulhada numa capinha, como uma pele de arminho, branquinha e fofa.
E foi descendo, descendo, até que poisou como uma borboleta, docemente, exactamente num ramo de azevinho, que já se enfeitava com as bagas vermelhas, para o Natal que se aproximava.
Mesmo ao seu lado estava poisado um pardalito enrufado, que inclinou a cabecinha, surpreendido, quando Mariluz poisou.

" Olá " - disse ela.
" Podes, por favor, dizer-me onde é que eu estou ?  É que eu sou a Mariluz, que vivia na asa da Miquelina, e estava numa praia linda a apanhar banhos de sol, quando de repente subi a uma nuvem.  E de lá, acabei caindo ... só que venho com outra roupa !...  Não estou a perceber nada " !!!...

O pardal olhou-a de novo, sorriu ( como os pardais sabem sorrir ), e disse-lhe :
" Agora estás numa mata de cedros, azevinhos, plátanos, pinheiros, abetos, tuías, e muitas outras plantas lindas.
Estão todas um pouco a dormir, porque é Inverno e está muito frio ;  e também há poucas flores, porque estas só vão acordar, quando o sol regressar, e for Primavera outra vez .
Tu ... tu não tens frio, porque és um floquinho de neve, e já te habituaste a ter esse casaco " !!!

Mariluz olhou à sua volta, e verificou que realmente  tudo estava vestido da sua cor, como numa festa em que todos tivessem combinado o traje a usar.

Rufino, o seu novo amigo, todos os dias passou a visitá-la, no galhinho onde ela se dependurara.
Contava-lhe do sol, dos passarinhos, dos esquilos, dos coelhos e das flores.
Falava-lhe da tal Primavera, e do Verão, em que o bosque ficava cheio de cores, de alegria dos trinados dos pássaros, que chegavam das terras do calor.
Falava-lhe dos bichinhos que ali moravam, e que começavam a sair das suas tocas, e das borboletas que sabiam dançar bailados, como ninguém ...

E  Mariluz vivia feliz, com todas essas histórias, junto às bagas vermelhas, com que o azevinho vaidoso, se adornava.

E a Primavera acabou chegando.
Os dias começaram a ficar mais quentes, e o floquinho de neve começou a perceber que de novo, algo estranho se passava .
De repente, o ramito de azevinho onde vivera, já não era seguro, e ela sentia-se a deslizar pelo limbo das folhas, como num escorrega de menino ... até que ...
" Plim " !!! - despiu o casaco branquinho, e caíu no chão,  gota de água outra vez !

A  mata  realmente  tomava  outras  cores,  outros  cheiros,  outros  sons ...
A " festa do branco " terminara, e ela pasmava com os verdes, os amarelos e os lilazes, os vermelhos e os rosas, que formavam tufos à sua volta.
Não teve nem tempo para se despedir do Rufino, porque logo começou a caminhar, empurrada cada vez mais depressa, por entre as pedras, por entre os musgos e os líquenes.
A ela, juntavam-se de todos os lados, muitas outras gotas iguais a si, e rapidamente formaram um ribeirinho, primeiro fininho, depois mais forte e largo, que não parava nunca de correr ...

E Mariluz começou uma enorme viagem, nem ela sabia para onde ...

Sempre cantando por entre margens mais ou menos apertadas, à sombra de árvores frondosas, em campos planos ou aos solavancos, lá seguiam, como se tivessem um destino a cumprir ...

Passou por lavadeiras, que riam e conversavam enquanto lavavam a roupa, passou por meninos, que com os pezinhos na água, brincavam com barquinhos de papel, como se estivessem numa corrida ...
viu animais que nunca vira, a dessedentarem-se ...
viu os agricultores felizes, a levarem pedacinhos do riacho, para que as suas terras dessem flores e frutos ...
olhou as andorinhas, que pela tardinha, rasavam as águas para se refrescarem ...
passou pelas quintas, onde os rebanhos de ovelhas, os cavalos ou as vacas, pastavam com um jeito bem preguiçoso, e de quando em vez chegavam às margens do ribeiro ( que agora, de tão largo, se chamava " rio " ), e matavam a sede ...

Por cima de si, Mariluz tinha um céu muito azul, e um sol muito quentinho.
Seguia feliz, agora num caudal tão grande, que atravessou cidades com prédios muito altos, passou por debaixo de pontes, viu barcos enormes, que pareciam casas em cima da água, e que tornavam insignificantes os barquinhos de papel dos meninos, com que se cruzara lá atrás ...
Aqui e ali havia pessoas a tomarem banho e a refrescarem-se ;  havia casais de namorados, que simplesmente olhavam o correr das águas, e sonhavam ;  havia pescadores, que lançavam a linha e esperavam adormentados que o peixe picasse ...  e espanto dos espantos ... havia, planando nos céus, de novo, gaivotas preguiçosas, embalando-se na aragem !...

Quem sabe, Mariluz encontrava a Miquelina ?!...

E o tempo foi passando, os dias foram correndo, como corria também o destino daquela gota de água.

Até que, numa bela manhã, despertou com a voz forte e troante, de rebentação nos rochedos.
O seu caminho não era mais de calma e tranquilidade ;  sentia alguma turbulência no sobe e desce, no avanço e recuo, para que era empurrada.
Verdadeiramente, Mariluz não tinha mais um caminho ...
Fazia parte do que não tinha princípio ou fim, do que tanto era azul, como verde ... ou prateado ou turquesa ...ou escuro, se irritado.
Era "casa" de seres de cores inacreditáveis, de algas e corais, de conchas e búzios, de anémonas e até de sereias, como um imenso e mágico jardim, totalmente florido.
Tanto era doce, silencioso e se deitava languidamente na areia, como se desfazia em rendas brancas, quando zangado açoitava os rochedos ...

Mariluz percebeu que voltara ao MAR, donde saíra um dia, exactamente debaixo da asa da Miquelina !
E percebeu também, que iria começar tudo de novo ...
Talvez igual ... ou com novas histórias para contar !!!...


Anamar

terça-feira, 20 de novembro de 2012

" DON ' T FORGET IT " !...



Amigos ... hoje não acabei o post que tenho entre mãos.

Inspiração escassa, dia "xoxo", com o tempo cinzento, chuvoso e frio, a lembrar que não tarda, é Natal.

Mas como o meu espaço por aqui, é multifacetado, abrangente, ecléctico, informativo, divulgador ...and so on ... e como recebi de um amigo, este "miminho" que achei uma delícia, em que para lá do aspecto pedagógico, me fez rir pela criatividade ...
... resolvi partilhá-lo convosco.

O figurante principal do vídeo, tem ainda o mérito de me lembrar uns bonequinhos que me ofereceram também ( na paródia ) , uns falos, com olhinhos, pézinhos e o mesmo ar comprometido deste, e que já andaram nas "santas" patinhas do meu  JONAS,  que  acha  que  tudo  é  dele,  nesta  casa  ... e  que, claro,  tive  que  pôr  a  salvo,  rapidamente !

Espero que se divirtam...e espero que não esqueçam de o usar, em altura própria...senão ... acabam  marginalizados, como o nosso "herói" da história  !!!...

Anamar

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

" E ... SE ??? "

Comprei uma revista de Astrologia.
Daquelas que as bancas nos enfiam à frente dos olhos, particularmente nesta altura do ano, em que, pelo mesmo estar a finalizar, se vive um ponto de viragem, que nos leva sempre a raciocinar, em termos de balanço e em termos de futurologia.
É uma época em que sempre há uma certa ansiedade e expectativa em relação ao ano que se iniciará, o que desencadeia alguma fragilidade e insegurança, nas pessoas.

Mania que o ser humano tem, de antecipar  o conhecimento do que há-de vir, ou de querer adivinhar o que o esperará, baseado em qualquer coisa ... fé, astros, cartas, numerologia, grafologia ... eu sei lá !

Mesmo sendo totalmente céptica, em relação a qualquer uma destas vertentes ( porque o sou ), sempre cedo a uma curiosidade mórbida, irracional e inexplicável.
Exactamente a mesma que me impele a ler, se me passam pelas mãos, as previsões astrológicas diárias, o chamado "signo do dia ".
Leio e dois minutos depois já não sei o que li  ;  os aspectos analisados são sempre as mesmos ... a saúde, o amor e a profissão, e também sempre ficamos na mesma, porque os lugares comuns usados no texto, são invariavelmente "chapa 3"  ...
Nada se vincula a nada, nada se compromete com nada, as informações são o mais generalista e abrangente possíveis,  para  que  no  "caldeirão " caiba  tudo,  e  não   insucessos  verdadeiramente  gritantes,  nas previsões.

Então, se eu funciono assim, na base da racionalidade, e sabendo claramente ainda por cima, da existência  de excessivo charlatanismo nestas matérias, excessivo oportunismo e  aproveitamento das  fragilidades, das inseguranças e da ignorância das pessoas, por que raio vou eu ler, ou pior, gastar dinheiro, para acessar a algo que não me representa credibilidade, confiança, verdade ou segurança na informação veiculada, e que esqueço, guardo, e  não consulto sequer mais, ao longo dos tempos ??!!
É uma verdadeira incoerência de postura, e de convicções.  Não faz de facto, nenhum sentido !

O Homem sempre quer contudo, romper a impenetrabilidade e  o secretismo do seu futuro, do desconhecido e do inatingível, achando que se o conhecesse atempadamente, o reverteria.
Ainda que o conseguisse fazer, será que isso viria a acarretar-lhe a tão almejada felicidade??...

O que me adiantaria saber que terei pela frente, n anos para viver?
Será que esse aconhecimento me conduziria a alterar alguma coisa na minha vida?
Alguma modificação qualitativamente válida ?...
Ou, ao contrário, e mais provável ... me angustiaria, derrubaria e até aniquilaria ?
Será que esse conhecimento, que me permitiria mudar alguma coisa, me levaria mesmo a fazê-lo, ou sequer a conseguir fazê-lo ?


É comum perguntar-se às vezes ... "se fosse o último dia da sua vida, o que faria " ?
Bom, as respostas consequentes, são do mais absurdo e inesperável possível !
Desde quem pretenda viver esse último período, em alucinação total, a quem, por desespero, queira mesmo encurtá-lo drasticamente, por não poder suportar a ideia do "day after" ... existe de tudo !

Eu acredito, que o destino é mesmo algo que nos tactua "geneticamente" à nascença.
Eu acredito, que lhe está subjacente um qualquer determinismo que nos escapa, mas que existe, encapotado de uma aleatoriedade que brinca connosco de Carnaval, e nos ludibria constantemente.
Efectivamente, o "nada acontece por acaso", faz-me cada vez mais sentido.
Tudo me tem uma razão para ter ocorrido, tudo me vem imbuído de uma intencionalidade não adivinhável, e tudo me vem com o objectivo de que os dividendos que daí advenham, me possam preparar, ensinar, ou me façam reflectir.

Saber ( ? ) que no ano que vem, vou sofrer desgostos, decepções, perdas, ou passar por grandes alegrias, ter  grandes chances pessoais, viver grandes amores ... ( só porque a Lua entrou em conjunção com Saturno,  e  Vénus se alia a Neptuno em Peixes,  em trigono ao meu signo ) ... ainda que se concretizasse, o que faria de mim,  hoje ?
O que alteraria em mim, hoje ?
Arregaçaria eu as mangas, para o que quer que fosse, no sentido de inverter caminhos, mesmo que acreditasse que conseguiria atingir esse desiderato??!!...
Procuraria eu o médico X ou Y, só porque me é vaticinada uma afecção, aqui ou ali ??!!...
Rejeitaria este ou aquele trilho afectivo ou emocional, enjeitaria este ou aquele amor, ou começaria a sonhar desde já ... só porque no próximo Agosto ou Setembro, estão criadas as condições astrais, para que eu esbarre no meu príncipe encantado ??!!...
Marcaria de imediato uma viagem à roda do Mundo ( como adoraria fazer ), contando com o prémio chorudo, com que o euromilhões me presentearia em Abril, por ser um mês em que o meu mapa astral privilegia a entrada de dinheiro ??!!...

Óbvio que não !!!...

E como tal, esta "santa ignorância",  este "carpe diem " em que nos vamos arrastando, este desconhecimento do que não foi atribuído ao Homem conhecer ou manipular, é a "receita"  certa, pare se ir vivendo, decidindo, escolhendo, agindo, sem demais sobressaltos, com a "paz" do ignorante, que está imune a grandes preocupações filosóficas, ou dúvidas existenciais !!!

E esta curiosidade "inquinada", e a sensação de que poderíamos dominar o "nosso mundo", não passa felizmente disso ... um desejo mórbido e inconsistente, que APENAS nos leva, a incoerentemente, gastar dinheiro em revistas de adivinhação gratuita, de promessas fáceis, de "certezas duvidosas", com que momentaneamente sorrimos simplesmente, pois, ainda que tudo fosse diferente, seríamos péssimos a gerir os nossos próprios destinos, tenho a certeza !!!...

Anamar

domingo, 18 de novembro de 2012

" O CAMINHO DAS PEDRAS "



Vim fazer o caminho das pedras ...

Não aquele caminho, que Tomé gostaria que Jesus lhe tivesse indicado, quando, de acordo com a parábola bíblica, os apóstolos caminhavam com Ele, por sobre as águas do rio Jordão, sem se afundarem ... apenas porque acreditavam no Mestre.
Dessa parábola se criou, no anedotário português, a história de que Tomé, prestes a afogar-se, gritava para que Jesus o socorresse.
Este,  para  testar  o  poder  da  fé do seu  discípulo,  sempre  respondia :  "Tomé ... tem  fé !..."
Mas Tomé submergia mais e mais, e mais e mais se desesperava .  Constatando a aflição de Tomé, um dos outros apóstolos, ironicamente olhou Jesus e disse-lhe : " Cristo ... Diz lá ao "gajo", por onde é o caminho das pedras " !!!....

Bom ... este foi um preâmbulo humorístico, para este meu post.

Mas de facto, EU, vim fazer o caminho das pedras ...
Neste momento estou frente a um mar que brame cavernosamente, numa maré que está a galgar.
O sol, por entre as nuvens esparsas, transforma-o num espelho de prata ...
O vento não respeita, nem a vegetação rasteira da penedia, nem o canavial sobranceiro à falésia ...
Duas ou três gaivotas no céu, planam nesta aragem já desabrida ... espuma da rebentação, voeja, feito floquinhos de algodão, ou farrapinhos de neve que tombassem lá do alto ...  e ninguém ... absolutamente ninguém, num areal, onde apenas os rochedos, as tais pedras que vim "catar", se semeiam, como um xaile envolvente e protector, uma barreira natural aos agentes atmosféricos.

Não encontrei mais a minha praia do Verão, a minha praia, de afinal há apenas dois meses atrás.
Ela já não existe !
Nunca frequentei um local, onde fosse confrontada mais claramente, com a mutabilidade das coisas, com a impermanência da realidade, e daquilo que julgamos deter perenemente .
Aqui, todo o rosto desta costa, dança ao sabor da força das marés.
Descobrem-se rochas, escondem-se outras, o mar escava, o mar deposita, a areia que leva e traz ...

Tudo é transitório,  tudo é precário, tudo nos reduz à pequenez que temos, face à infinitude esmagadora do que nos rodeia.
A linha do horizonte, curva, lembra-me apenas, que para lá deste, haverá outro, e outro e outro ... e a onda que vem, exactamente esta que acabou de rebentar na areia, nunca mais a encontraria, se a pudesse seguir no seu recuo, porque ela é, e deixa de ser no mesmo instante ... ela formou-se e esgotou-se em si mesma, como os instantes da nossa existência ...

Estes, existem e morrem no mesmo instante, porque são isso mesmo ... simplesmente instantes ;
embora saibamos que há alguns que duram vidas, ou mesmo eternidades ... e embora saibamos também, que esses são irrepetíveis e raros ... guardados religiosamente em sacrários invioláveis :  a nossa alma e o nosso coração !!!

Aqui, no caminho das pedras, sobre a falésia, frente a este mar absurdo de belo, desafiador, dominador, imperativo ...
com o vento a despentear os meus cabelos de solidão ...
com o sol a acariciar o frio gélido que me tolhe o sentir ...
com as gaivotas que me lembram, se eu tivesse esquecido, o que é de facto liberdade ...
com o sabor do salgado da maresia, a impregnar-me o corpo ...
e com o silêncio que por aqui impera, a calar-me um grito de raiva e impotência que me sufoca a garganta ...

aqui ... eu gostaria de ter deixado de existir !!!...

Anamar

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

" SE HOUVER TEMPO ... "



Se um dia o vento voltar e te trouxer,
iremos festejar o improvável ...
Dobrarás  aquela  curva da estrada,
 e nos olhos vais trazer todas as lágrimas choradas em silêncio, e nas mãos, as flores que apanhaste nos caminhos ...
Nos tantos caminhos que percorreste sem mim ..

Vais trazer a maresia, e o som do mar troante, lá de longe ...
E se for Inverno quando o vento voltar,
um  céu  de  gaivotas  virá  contigo ... porque  a  minha,  partiu  há  muito ...
Vais trazer os seixos do areal, e todos os búzios e as algas que adormeceram na praia, entretanto ...
porque acreditas que eu estarei aqui, para os receber ...

E trarás tantas coisas p'ra contar,
de veredas com princípios, mas nunca com fins,
de matas cerradas, sem clareiras, sem mimosas e sem flores ...
de dias escuros de sol emigrado,
( porque o sol há muito terá partido, indiferente ao tiritar das nossas memórias cansadas ... )
... que não vão chegar  as  madrugadas  de  lua  cheia ( em que é dia, até que o dia adormeça a noite ... ou até que a noite desperte o dia preguiçoso ) ... para eu te escutar o coração !!!...

Se um dia voltares com o vento,
quem sabe voaremos com ele ?!
Porque aí, não haverá mais dor nem desesperança,
haverá paz e quietude ...
E vamos percorrer de novo, os trilhos eternos,
como eternos são os amores que não se explicam,
porque são amores apenas de sentir, e não, de viver ...
Amores que passam através de nós,
para lá de nós ...
Amores que nos sobrevivem ... porque talvez na verdade, não vivamos já !!

Mas se o vento voltar, e tu não vieres,
resta-me sonhar o sonho que sobrou ...
se dele, eu ainda tiver memória ...
Um sonho já só desenhado nos horizontes longínquos, dos pôres-do-sol que cansei de olhar, sem ver, sobre os mares distantes de então ...
Porque os olhos se embaciaram, do cansaço desalentado de te saber perdido para sempre,
no tempo todo que passou ...
E de me saber, também eu, já sem tempo ...

Se por acaso, nesse dia ...
... ainda  houver  TEMPO  para  NÓS !!!...

Anamar

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

" SÓ PARA NÃO DIZERES QUE NÃO FALO DE FLORES ... "



" O amor é um som que reclama um eco "...  ( Júlio Dinis )

Só para não dizeres que não falo de flores, lembro-te as boninas que florescem nos Invernos,
quando o sol partiu, e as mãos já não se tocam ...
Quando o calor tomou outros rumos, e há demasiados espaços vazios nas almas ...
E as camas ficaram desfeitas, e têm formas e cheiros,
mas não têm alma já, a recordarem-lhes as memórias !
Essas, partiram dentro do peito, e levaram também os corações ...

Só para não dizeres que não falo de flores, lembro-te as mãos geladas nos bolsos,
na neblina estendida até ao castelo,
Quando as bagas vermelhas dos azevinhos, floresciam outra vez na Regaleira, porque era Natal de novo ...
E havia um ano que virava as páginas, como sempre ...
Só que a solidão e a nostalgia, se escondiam no calor da lareira acesa,
e o fogo teimava em subir nos corpos, como as chamas galgavam o espaço
e pintavam de vermelho a sala, acesa de velas ...
E havia uma coisa que era e não era, mas que eu acreditava,
muda e silenciosa,
e que se chamava cumplicidade ...

Só para não dizeres que não falo de flores, lembro-te o frio cortante, dos Dezembros a sério,
que embranqueciam os ramos dos castanheiros bravos, já despidos novamente ...
Lembro-te o quente do vinho que descia nas gargantas,
para galgar o corpo, e queimar docemente as entranhas,
apagando o conhecimento do saber,
porque a inconsciência da loucura nos tomava ...
e era doce,
como o mel quente com que me desenhavas
feita uma aguarela de Renoir !...

Só para não dizeres que não falo de flores,
diz-me tu, por que me deixaste aqui, sem olhos para afundar os meus,
sem mãos para entrelaçar as minhas,
sem corpo para me guiar, cega, em caminhos de Infinito ??!!...
Restando-me apenas o gelo das gotas da chuva,
aquela chuva que tão bem sabia embalar-me e adormecer-me,
e que agora esqueceu ... me entorpece, me rasga e me dilacera,
porque cai sobre mim, como punhais de esquecimento ??!!...

Só para não dizeres que não falo de flores, contei-te todos estes segredos,
para perceberes, como as flores amarelas sem nome, das ravinas agrestes, se misturaram com os azevinhos,
casam bem com as boninas, e os ouriços dos castanheiros daquele caminho,
coabitam em mim, com as bagas das tamareiras maduras,
e com todas as flores silvestres e bravas,
a esmo, sem rumo ou norte ... como eu !...

Apenas porque todas foram amores, que eram sons que reclamavam eco ... mas de que, afinal, só sobrou silêncio total !!!...

 Anamar

terça-feira, 13 de novembro de 2012

" DECLARAÇÃO DE VOTO "



Ontem aniversariei.
Fiz exactamente a idade que faria, se não soubesse a idade que tenho !

Esta frase sábia,  é de Confúcio ... Verdadeiramente notável !...

Também, só aceitei fazer anos, meses e dias da minha vida, se fosse assim ... Caso contrário, nada feito !...
Sempre fujo a sete pés daqui.  Vou para locais, onde o dia seja "outro" dia, e em que não possa lembrar-me como vai  longa a estrada, e como não vou ter tempo ...
E nestes pensamentos confusos, acabo por perder tempo do tempo que quereria ganhar !

A grande "máxima" da época ( precisamente sinal da época ), é que devemos fazer o nosso "carpe diem ".
Eu custo, de facto, a aprender essa coisa, embora ache que é exactamente por aí, que cada vez  mais, o ser humano terá que ir, para não ficar mais louco ainda !
Contudo, encontro alguma / muita desesperança nessa expressão, ou se calhar, um realismo frio e demasiado agressivo, de que me defendo, recusando inconscientemente a ideia, ou não conseguindo levá-la à prática, pelo menos.

Esta coisa de aniversário, de festejar ( na verdade o quê ? ) ... angustia-me por demais !

O termos nascido ( quantas vezes para uma vida de não ter valido muito a pena ) ... O estarmos vivos, como dizem ( quantas vezes com vontade de o não estar ) ... O sermos  uns "sortudos", por entre os nossos pares ainda sermos privilegiados em muitas vertentes ?!

Bom, talvez aí, devamos reconhecer, deva reconhecer, que sou muito mais afortunada que milhões, de milhões, de milhões de seres sofredores, Mundo fora ;
Seres desgraçados, experimentando toda a sorte de dores e dificuldades ( e que ainda assim, com vontade ou não, continuam estando por aqui ) ...
Seres que diariamente testam o limite da resistência humana, diariamente desconhecem se o seu horizonte é ainda longinquo, ou termina logo ali, ao virar da esquina ...
Seres desesperançados, por toda a sorte de infortúnios reais e objectivos, e que cultivam o estóicismo de seguir em frente ...

Nesta perspectiva, claro que sou  uma  privilegiada "dondoca", parva e cheia de "frescurinhas" inapropriadas ... e  faço "mea culpa",  já  o disse  largamente ...  Claro que sim !
Mas apenas pela sorte que tenho de ser poupada, e não, de estar viva !...

Juro-vos,  e  não  é  mera "treta", que  mais  e  mais  me  interrogo da  lógica  da "experiência" a  que  sou submetida ...  A experiência marada, da existência humana, desta passagem que tem um princípio, tem um fim,  e ( por mais longa que seja ),  não  tem  resposta  para  o "entretanto" ... nem  para  o "porquê"!!!

Porquê eu ??
Hoje, aqui, nesta época, nesta geração, neste exacto momento dos Tempos, neste local do Planeta, neste Planeta ...
Começando,  sem  saber  porquê  ...  estando,   por  imposição,   por  determinismo,  aleatoriamente ...  sem   nada   me   ser  perguntado ...    
Estando, ainda  por  cima,  enquanto  mo  for  permitido,  enquanto  o  quiserem  ( novamente sem me ser perguntado nada ) ...
E  eu  "esgaravatando",  aprendendo   a "respirar" ( só  para  não  sufocar ), vendo e aprendendo coisas ( certamente  dispensáveis ),  criando  sonhos  e  sonhando-os  ( de  tonta  que  sou ),   amando   e  sofrendo (  loucamente,  a  pensar  que  é  a sério ... ),  acreditando  ( porque tenho recaídas idiotas e recorrentes ) ... para perceber, que obviamente essas ilusões, são os artefactos com que esta cena teatral se decora ...

E eu entrando e saindo de cena, passeando-me pelo palco, ouvindo vaias e recebendo ovações, não sei de quem, nem porquê ...
E eu, sendo só mais uma, das figuras protagonistas de uma história que me impingiram e ninguém me contou antes, ou sequer me perguntaram se a aceitava !...

E um dia, no clímax do enredo, quando se calhar, eu até me estava a divertir com a coisa ,  no meio de gargalhadas estrondosas ... o pano cai, simplesmente ... sem direito a  "reprise", sem  direito a "bis", ou mesmo sem direito a voltar ao palco, para que com o pano de novo aberto, agradecesse uma e outra vez mais !...
Seguramente ... porque não há nada a agradecer, simplesmente !...
Nem a quem agradecer !...
Eu servi de entretenimento, de peão de jogo de xadrês, que Alguém jogou até se enjoar ... até se fartar ... até se nausear !!!

Por isso é que,  desculpem  lá, declaro  aqui e agora,  que ano após ano, só farei os que eu quiser, terei a idade que me apetecer,  subverterei o sistema, "avacalharei" o estipulado,  já que não sou mais,  que  figurinha de  "playstation",  em  mão  de  criança  divertida !!!...

Anamar

domingo, 11 de novembro de 2012

" ZIZI NO PAÍS DOS SONHOS "


A mãe incumbira-a de, logo cedinho, apanhar medronhos na floresta junto à casa, na hora em que eles ainda estão orvalhados, e a cor, é por isso mais intensa ...

Zizi pegou no cestinho, colocou a touca sobre os cabelos soltos, e embrulhou-se o melhor que pôde na capa de lã, porque os medronhos se apanham no Inverno, e estava um frio de rachar !
Transpôs o umbral da porta, e no galho do azevinho junto à janela do seu quarto, como sempre, lá estava o passarinho azul, que ela tão bem conhecia.

O danadinho sempre a acordava cedo, e não queria saber do frio que fazia lá fora.
Mas hoje, Zizi tinha que apanhar as bagas vermelhas, para a tarte do lanche que a mãe queria confeccionar ... por isso, apenas lhe lançou um sorriso ensonado e tomou o atalho, no meio das ervas ainda brancas da geada da noite, que começava a derreter, ao sol fraco que espreitava.
Já andavam borboletas por ali.
Nem se percebia porquê ;  as poucas flores coloridas que existiam, sempre eram tímidas na exuberância, porque afinal era Dezembro, e as borboletas também têm frio ...  "E nem uma capinha usam !", pensava Zizi com os seus botões.

" D. Formiga Rabiga " já andava a cirandar ...  Não havia tempo a perder ... bem diferente da cigarra, que já àquela hora, enchia o peito a cantar, sem nenhum pudor da preguiça que a invadia. 
Os cogumelos tinham obviamente os seus "chapéus de chuva" abertos ...  Eles é que eram espertos ...  e o primeiro ouriço-cacheiro  espreitou-a,  na  volta do caminho.

Tratava-se da Pimpinela, uma mãe, de ninhada bem escondida, mas que sempre se deixava ver, a Zizi.
Parou para lhe perguntar pelos bébés em crescimento, e convidou-a a esticar as pernas, acompanhando-a aos medronhos.
Sempre poderiam conversar com mais calma.           
Zizi nunca entendeu, por que Pimpinela tinha um casaco tão agreste a cobri-la.  Que coisa !!!...
Antes, o sobretudo fofinho de Salomão, o coelho branco que perdia horas a brincar com ela .
Pelo menos podia fazer-lhe festas,  e  dar-lhe  beijinhos,  enquanto  lhe  contava  os  seus  segredos ...


"Miau miau" ... eis o Bigodes, um gatalhão malhado que vivia pelas moitas, mas que sempre era atraído ao cheiro dos petiscos da cozinha da quinta, e só não violava a porta, porque a D. Cremilde não era de modas, e  tinha atrás dela, uma vassoura apta a funcionar em qualquer emergência ...


Mas Zizi dividia com o Bigodes, uns miminhos trazidos à surrelfa do cozinhado, sem que a mãe sequer sonhasse ... e por isso eram grandes amigos.
Juntou-se também, nessa manhã, à Pimpinela, ao Salomão e à menina, na rota dos medronheiros ...

Uns passos adiante, empoleirado no ramo mais alto do pinheiro bravo, já de olhos fechados, no princípio do seu sono, estava D. Ramon, o mestre mocho, que sempre medeava as questões dos habitantes da floresta.
 Abriu e fechou um olho à passagem da comitiva, e quedou-se de novo no seu repouso.
Afinal a noite terminara há pouco, e o sol já aí estava, para o encandear...


Plim !...
Zizi levou a mão à touca, já que a cabeça estava por baixo, quando uma castanha caída do ouriço, a apanhou em cheio ...
Zacarias  não  pôde  deixar  de  se  rir ( no  tronco  em  que  se  empoleirava ), com o susto da menina.
Zacarias começava a primeira refeição do dia.
Um esquilo que se preza, tem que alimentar-se, e encher a despensa  diariamente ... não pode dormir em serviço !...

Mas medronhos ??... Também não se lhe dava apanhar alguns. Seria afinal fruta fresca no seu "frigo-bar"...
E pulando p'ra frente e p'ra trás, resolveu acompanhar a turma da colheita.

Zizi estava cada vez mais feliz ...
Mas ... estava faltando alguém, e ela não percebia porquê ...
Que era feito do Sebastião, o ratinho dos bosques, que estranhamente se dava bem com a Pimpinela, com o Salomão, com o Bigodes, com o D. Ramon  (imagine-se ! ), e com o Zacarias ??!!
Teria adormecido até mais tarde nessa manhã??   Estaria a ficar preguiçoso ??
Só que Sebastião, na noite anterior, tinha comparecido à festa na clareira do bosque, como sempre preparada pelo melro, pelo pintarroxo, pelo rouxinol e pelo pintassilgo, que  a ofereciam antes de partirem, já que o frio lhes tolhia as cordas vocais, e era impossível viver sem cantar!
E para a festa eram  convidados  todos os animais da floresta, e só terminava, quando o cuco entrava em cena, para cantar os doze "cu-cus" da meia noite, hora a que a lua já ia bem alta, e se cansava de dar luz àquela  "gente" .
Como a dos pirilampos não era suficiente, a escuridão instalava-se, e cada um deveria recolher a casa ...

Então Zizi lembrou dos medronhos, do sol que também já ia alto no céu, da mãe que a esperava  para fazer a tarte, do tempo que passara entretanto ... e com todas as borboletas dos campos a rodopiarem ao seu redor, pediu aos amiguinhos que a ajudassem ... e começou a apanhá-los ...
E repentinamente, o despertador tocou feito um  realejo, e a menina dos cabelos soltos, touca na cabeça, capinha para o frio e cestinho no braço ...  a menina dos medronhos, que tinha um passarinho azul, um ouriço-cacheiro, um coelho branquinho, um gato malhado, um mocho sábio, um esquilo traquina, um rato ... e muitas, muitas borboletas fora de época, como amigos ...  percebeu que crescera, que o cabelo não era mais solto, que não vivia há muito, no meio daquele bosque da sua infância ...
Percebeu que a D. Cremilde já não fazia tartes de medronhos para o lanche, simplesmente porque não havia mais D. Cremilde ...
Zizi percebeu tudo, até mesmo que a Zizi que fora, também já não existia ...

... Por isso entristeceu ... e chorou !!!...

Anamar

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

" LÁ, ONDE ELE ESTIVER ... "



Mãe,  eu  não  quero  crescer ... se  crescer  também  é  isto !...

Eu  não quero  deixar  pelo  caminho,  quem  me  fez  feliz ...
Eu  não  posso abandonar quem  em  mim  confiou, apenas porque  não  pude  fazer  nada  melhor !

Hoje  eu  estou  morta  por  dentro,  mãe ...
Hoje  eu  estou  vazia, e  vazia  está  esta  casa, como vazia  sinto  a  minha vida.
Amputada ... amputada  de  um  pedaço de  mim, de uma  razão de eu viver, de eu sentir, de  eu  me preocupar, de eu  me angustiar ... de  eu  me  rir  e  me  sentir  acarinhada,  protegida ...

Se se  cresce  com  a  dor, então  eu  não  quero  crescer !...

O  Nico  foi  embora.
O  Nico  viveu  as  minhas dores e alegrias, há  mais de uma década,  na  minha vida.
Lambeu-me  muitas lágrimas em dias mais cinzentos, chorou baixinho comigo, deitado sobre os meus pés, vezes sem  conta ... esperou-me  longas  horas  tantas  vezes, e  ficou  feliz,  só  porque  me  ouvia  pisar o patamar de casa ...  quando ainda ouvia!
Hoje, o Nico já  não me sentia  meter a chave  na  ranhura, e também  me via  já difusamente, porque os seus olhos  se  opacizaram  há  muito!
Mas  sabia  que  eu  chegava,  e  estava  ali ... porque ainda  tinha  um  coração ... doente e fraco,  mas tinha !

E então havia uma razão para eu chegar a casa.
Com chuva, com vento ou com sol, o Nico, ainda  há pouco saltava, quando  me  via  pegar  na  trela.
Lembro  o  seu  pequeno  rabinho a abanar, o "coto" de alguns  centímetros  apenas, que  a  maldade humana  lhe deixou, há  muitos anos atrás, quando vagueava  pelas  ruas da nossa cidade, quando vivia da caridade dos que amam animais, e deles se compadecem ...

Lembro o seu corpo,  uma  chaga  total, da sarna que o minava ...
Lembro  as  suas orelhas, com  as  pontas decepadas, novamente  pela  maldade do Homem ...

Lembro os dias em que então me esperava à porta de casa, porque me sabia doída, só de o ver, e esperava humildemente as migalhas que lhe levava ...
Lembro quando lhe dei guarida, ainda só na arrecadação, porque o meu pai não poderia sonhar, que existia um cão à minha guarda ...

Lembro o Nico de pelagem docemente castanha, que embranqueceu quase completamente, como nós também embranquecemos, porque a Vida não nos poupa ...
E lembro tantas doenças, tantos achaques, a sua saúde precária a deteriorar-se mais e mais ... e  eu  a  acreditar  que  o  Nico  seria  eterno ...
E eu a recusar simplesmente a ideia, do que seria aquela minha casa sem ele !  Ele não me faria isso !...

E hoje, mãe, eu que o tirei da rua, eu que o tirei do infortúnio, eu que de tudo fiz, podendo ou não, para o salvar  do  que  eu  sabia  exactamente   não  haver  salvação ... hoje   mãe,  levei-o  ao  cólo  ( porque ele não  conseguiu  sequer  ir  pelo  seu  pé ),  para  a  morte ...
Senti que o traía, mãe ...   Sempre se sente isso, não é ?
Pedi-lhe perdão, abracei-o, envolvi-o, como uma mãe faz a um filho indefeso e confiante, cegamente confiante, como o são todos os animais em relação aos seus donos, as pessoas que mais amaram na vida, e que eles sim, nunca traíram ...
Beijei-o enquanto o "veneno letal" lhe subia nas veias ;  dei-lhe o meu último calor, enquanto aos ouvidos endurecidos, lhe contava baixinho, como o amara, e como estava a morrer com ele, também aos poucos, naquela marquesa fria de hospital ...

E tive de o deixar ir, mãe ...  Como foi isso possível ??!!

Dignidade e amor ...  Toda a gente me fala disso ... mas o Nico era meu, era do pouco desta vida, que era realmente meu ... e o buraco que ficou, é no meu coração que reside !

Tive de abrir as mãos, e deixar o meu companheiro seguir o seu percurso  ...
Mesmo sabendo que talvez fosse o melhor, para aquele ser em sofrimento atroz, foi um pedaço de mim que partiu, sem retorno !...

Disseste-me que ele me entenderia, que ele estava a sentir exactamente o que eu, impotentemente senti, naqueles minutos que nunca mais tinham fim ...
Lá, onde ele estiver agora ... ( porque aqui, eu sei exactamente onde ele está, e nunca deixará de estar ), pensas que terá podido perdoar-me ??!!

Mãe, eu não quero crescer ... se crescer é também isto !!!...
  

Anamar

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

" YES ... WE CAN " !...



Obama foi reeleito para um segundo mandato de quatro anos.
Claramente, embora não confortavelmente, o que significa que há um  distanciamento considerável, no que concerne a concensos.
Entendo-o contudo, como positivo, porque de alguma forma, isso sempre funciona como contrapoder regulador e equilibrante, em qualquer  Estado de Direito.

Não sou pró-América ... não sou objectivamente  pró-nada, porque de política tenho apenas a inerência de ser humana, e qualquer homem é um político em todos os momentos da sua vida, pessoal, social, na vida do Mundo que habita.
Eu sou apenas pró-valores, pró-justiça, pró-equidade, pró-paz ... e os "prós" todos, que a cumprirem-se, trariam a tão almejada felicidade, a este planeta tão massacrado.

Obviamente que tudo isto são frases feitas, porque não têm idade ... demagógicas, e talvez apenas só, distantes e utopicamente significativas.
Mas há uma, que estando associada à primeira campanha de Obama,  o  marcou,  a  terá  marcado  indelevelmente  ...  Foi   afinal   o  seu  rosto  : " Yes ... We can "!

Ora bem, não bastou a América querer, nem crer ... todos sabemos.
A crise caíu rotunda sobre o país, e alastrou  como rastilho de incêndio incontrolável.
Na hecatombe, todos fomos arrastados, todos estamos arrastados, afundados, praticamente moribundos !

Mas Obama, creio, continuou a ser um sinal de esperança.
O Prémio Nobel da Paz ( 2009 ), distingue um homem que se afirmou e impôs - apesar de todo o insucesso  no alcance de metas por si traçadas, na campanha eleitoral anterior - sobretudo por posturas.
Sempre em qualquer situação da vida, sempre em qualquer realidade de  maior ou  menor responsabilidade ( no seu caso, quer como cidadão, quer como estadista ), as pessoas credíveis sempre o são, pelos seus posicionamentos no terreno, porque é lá, na hora da verdade, que se ganham as batalhas.
Foi sempre lá, trazendo o poder ao povo, simplesmente, numa aproximação e simbiose imensas, que ele se tornou menos Presidente, e muito mais "povo" mesmo ...

Os princípios defendem-se por palavras ... é louvável que o sejam ;  mas não é nos gabinetes, nas assembleias, nas bancadas parlamentares, nos partidos políticos, que se ganham !
Ganham-se nas ruas, ganham-se por acções, e não por meras palavras e vãs promessas.  Ganham-se mostrando transparentemente, que se não se fez melhor, pelo menos  se tentou honestamente, se lutou com objectividade e dignidade,  por isso ...
As causas ganham-se objectivamente, na dureza e no realismo do dia a dia !

Tenho para mim, que a honestidade, a frontalidade, a simplicidade, a inteligência, conferiram a Obama, uma particular sensibilidade para se solidarizar humildemente, em permanência, face aos revezes da realidade existente.

A humildade, é efectivamente a palavra-chave, penso, da sua personalidade, enquanto homem, cidadão, político, na família ou na presidência, como disse, e que sem nenhuma dificuldade, transmite para "fora".
O cidadão comum ,que se sente injustiçado, maltratado, marginalizado ... todos nós afinal, que diariamente sentimos o peso da insegurança, que são as nossas vidas neste momento ... todos nós, que esbracejamos para ainda conseguirmos manter estoicamente a cabeça fora de água ... todos nós, que não vislumbramos já nenhuma luz em parte alguma, sentimos que por detrás desse homem, existe alguma coisa que não tem preço, e que se esquece com demasiada frequência na vida ... VERDADE !

Uma criança "sente" por detrás das palavras que lhe dizem, a consistência ou não, da verdade que os pais lhe transmitem ...
Um adolescente, um jovem, "sentem" claramente, nos bancos das escolas, das Faculdades, a verdade ou não, do professor que têm à frente, sem nenhuma dificuldade ...
O adulto "sente" claramente, se lhe impingem "gato por lebre", sem grande esforço ...
Quase todos temos a percepção se alguém é um "bluff", um pantomineiro ou um aldrabão, por mais bem encenado que o seja ...
Todos conseguiríamos dizer, baseados muitas vezes tão só no "feeling" que nos passam as figuras com quem nos cruzamos, se esse indivíduo é credível, é confiável, é honesto ... sem grande margem de erro.
Porque, pode enganar-se alguém uma vida ... alguns, algum tempo, mas é impossível enganar todos, o tempo todo !...

O ser humano, por melhor actor que seja, acaba deixando cair máscaras, acaba desmistificando a imagem de "bom menino", que se esforçou por passar com muita convicção, acaba demarcando-se, mesmo inconscientemente, da colagem feita durante mais ou menos tempo, a um "boneco" socialmente correcto ... deixa escorregar por si abaixo, os véus, desvendando muitas vezes uma nudez pobre, triste e vazia, enganadora ... intencionalmente desonesta e ludibriadora !...

"Yes ... we can "... é uma frase de esperança, uma frase de convicção, uma frase de determinação ...

Assim Barack Obama consiga ter o apoio, o ascendente, o carisma suficiente, e a força popular, para pôr de novo em pé, um país - que feliz ou infelizmente é  "motor de arranque"  do Mundo - que nele confiou uma vez mais ...
Oxalá  consiga  restituir a confiança, a liberdade e a  fé,  para  que  possamos,  não  só  acreditar  de  novo, como  de  novo   voltar  a  SONHAR !!!...

Anamar

terça-feira, 6 de novembro de 2012

" O JONAS "



Ontem, 4 de Novembro, o JONAS entrou, no que virá a ser, espero, o seu lar de adopção para sempre ...

O JONAS é mais uma história de vida ( curta ainda ), de resistência e de luta pela sobrevivência.
Mais um animal abandonado à sua sorte, jogado na rua, terá apenas três meses de idade ( estimados, obviamente ).
Tem um ar doce e meigo, tem os medos de quem sabe o que é a luta para se manter vivo, perante as adversidades, sabe o que é o abandono ... e a acrescer a essa desdita, já sabe também, até onde pode ir a maldade humana, infligida a vinte centímetros de gato, digamos ...

Apareceu em Oeiras, perto da casa de alguém que o soube olhar, alguém que, felizmente, sabe o que é amar um animal, e que desenvolveu ( não podendo acolhê-lo), todos os esforços possíveis e impossíveis para lhe procurar um futuro.

Por  ele  ( a quem a maldade do Homem, já retirava a água e a comida, que o Bruno diariamente lhe deixava ), cresceu, em boa hora, uma onda de solidariedade humana, através do Facebook, uma rede social, a que de facto, terei que fazer justiça, e render homenagem, e que tem um poder de mobilização, que eu própria subestimara.
Que estas redes sirvam para algo positivo, algumas vezes pelo menos, e já serão redimidas !...

O JONAS chegou-me portanto via Internet, por onde chega muita coisa, para o bem e para o mal.
Chegou-me com o apelo do seu protector, e com as fotos que aqui deixo.

Ora bem ... há mais de três anos, tive que "adormecer" o Óscar, também ele meu companheiro de "fatias"  de vida ;  ele, que  igualmente  entrou em minha casa  ( da desdita do abandono ), no Novembro de 1994.
Sobre o  "Sr. Óscar", gato inteiro com um perfil muito particular, já aqui falei sobejamente, neste meu espaço, e na minha memória e coração, ocupa lugar de honra até hoje.
Era um "Bosque Norueguês", branco e beje, e quando me chegou, também era um espécime de quinze centímetros, num cestinho com laço de fita e tudo ...
Olhinhos azuis do leite, traquina e reguila, imparável como são todos os gatos bébés.
Na família que então ainda existia, adoptou-me como dona, por que o gato sempre escolhe o dono, e não o contrário.

Desta feita, eu que equacionara fechar a porta a animais, quando a geração "Rita" terminasse, olhei as fotos ... li o apelo ... mas sobretudo, não deixei de olhar as fotos ...
E juro-vos, que para lá da cor da pelagem ser a mesma da do Óscar, os olhinhos, que me encaravam do computador, desde o primeiro instante, eram iguais aos que ele trazia quando então veio para o meu cólo ...
O mesmo olhar penitente, suplicante, mas doce, irrequieto, reguila também, altivo também ... Olhar de felino, naquela "coisa" em miniatura ...

E a sensação, de que se calhar nada acontece por acaso nas vidas, começou a ocupar-me a mente.
Eu desviava os olhos do monitor, eu passava adiante, mas vinha atrás vezes sucessivas !

Hoje, o JONAS entrou na minha vida, pela porta da minha casa ...
Qual de nós dois partirá primeiro ?... É especulação ... é futurologia pura !

Esta noite já tentou dormir aos meus pés, e "sopra" da forma mais convincente e provocadora que pode, na disputa  do  espaço  que  considera  já  seu,  de  direito - com  a  Rita -  residente  há 13 ou 14 anos !
Não mia ainda ... "Chia", como fazem os bébés de três meses.
Defende-se com as unhas e com a força de que dispõe ...  Já me mostrou o poder dos dentes mínimos que tem na boca, ao ministrar-lhe a medicação pelas cinco da manhã !

Enfim ... baptizei-o de JONAS !

JONAS  é o profeta referido nos livros bíblicos,  cuja  história é  narrada  na fábula "Jonas e a baleia".
Jonas supunha que enganaria Deus, desobedecendo e falseando as ordens dadas pelo Senhor.
Mas Este, castigou-o, e Jonas foi engolido por uma baleia, dentro da qual teve três dias de consciencialização do erro, arrependimento e contrição.
Deus deu-lhe uma segunda oportunidade.
Passados os três dias, Jonas, o "resistente", foi cuspido das entranhas do "grande peixe" ... e sobreviveu, agora já redimido ...

O meu JONAS não prevaricou, penso ... É simplesmente um gatinho que o destino quis abandonar à má sorte ...
Mas o mesmo destino, fez também dele um "resistente", e concedeu-lhe uma outra chance na vida !

JONAS hoje tem um lar, tem o conforto, tem o amor e a dedicação de quem, sem saber, estava à sua espera, desde sempre ... Eu !...
Não tinha por que ser penalizado afinal !!!...

Assim acontecesse, com todos os JONAS deste Mundo !!!...

Anamar

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

" O MANUEL E A MARIA "


Ando numa maré de divulgar por aqui, textos merecedores de serem lidos, dada a sua mensagem, a sua qualidade, aquilo que eles próprios transmitem e com que nos fazem pensar, reflectir, interrogar.

É o caso do que constitui o meu post de hoje, cujo autor é um filólogo açoreano, Luís Fagundes Duarte, da minha geração, que fala de coisas muito reais, que conheço, conheceremos todos os que viveram esses tempos.

Tempos de dificuldades, de não abastança, nem facilidades.
Mas tempo, por isso mesmo, de valorização das coisas, de calibragem das pessoas, e de formatação dessas mesmas pessoas, para destinos válidos ;
porque -  por difíceis -  por eles se lutava, e a eles se aprendia a dar a justa importância.

Era o tempo em que se estruturavam perfis sólidos, mentes dignas, sérias, com preocupações válidas, de formações consistentes, de enriquecimento enquanto homens, com responsabilidades pessoais, sociais, familiares, interventoras por tudo isso, no futuro da Humanidade.

Emocionou-me a simplicidade e a ternura da escrita, o rigor do exposto, a riqueza do conteúdo...

E porque sei, que era felizmente assim, com alguma frequência, aqui o deixo à vossa consideração.
Certamente o saberão apreciar devidamente !...

 


" Não sei se os meus Pais, se fossem vivos, se sentiriam orgulhosos ou não com o meu percurso de vida. Mas a verdade é que, sempre que faço alguma coisa de jeito e obtenho com ela algum êxito, penso neles e em como gostaria que eles estivessem presentes; e quando faço asneira e as coisas dão para o torto, imagino as caras de tristeza e desengano deles, e apetece-me pedir-lhes perdão. Porque, ao contrário de mim, eles fizeram tudo o que podiam.

Eu sou da geração que nasceu na idade da pedra e chegou à fase adulta na idade da informática. Aprendi a ler e a escrever como as crianças da antiga Roma: num pequeno quadro de ardósia, onde se escrevia com um estilete de pedra. Hoje, escrevo esta crónica ao computador, e mesmo quando faço um texto científico não preciso de me levantar da cadeira para ter acesso a toda a informação de que necessito. O meu primeiro ano de escola foi numa casa velha, sem instalações sanitárias nem água para lavar as mãos, e hoje as nossas escolas são verdadeiros primores de conforto e higiene. Havia crianças que levavam para comer na escola uma fatia de pão-de-milho barrada com gordura de porco, e hoje os seus netos têm refeições quentes e dieteticamente equilibradas.

A II Guerra Mundial acabara há poucos anos quando eu nasci, e as memórias que os meus Pais me transmitiam em criança eram de racionamentos, de trabalho duro, de falta de dinheiro e de bens de consumo. Comprava-se o peixe à porta de casa, que se podia pagar com ovos ou com feijão; comprava-se manteiga às metades ou aos quartos de uma barra (nos tempos em que a manteiga Milhafre ainda tinha o seu pássaro identitário e era vendida em pequenas barras embrulhadas em papel vegetal); o café era de cevada; o açúcar era comprado a retalho ao quilo ou mesmo ao meio-quilo; matava-se um porco por ano, e a carne e a gordura tinham que dar para o ano inteiro; ia-se à cidade de camionete, quando o rei fazia anos, para ir ao médico, levantar uma saca de encomendas com roupas velhas mandadas da América, pagar a contribuição, comprar uma roupa ou uns sapatos para o dia da Festa, e pouco mais.

Porém, em casa dos meus Pais, havia livros: o meu Pai mais de história e geografia, a minha Mãe mais de ficção. Enquanto eu e os meus irmãos fazíamos os trabalhos da escola, o meu Pai escrevia música à luz de petróleo, e a minha Mãe fazia bordados de matiz – e ajudava-nos nas contas, nos ditados e nas leituras. Antes de adormecer, a minha Mãe contava histórias que ouvira da Avó Nazaré, e cantava peças do Romanceiro Antigo que mais tarde identifiquei no Romanceiro de Almeida Garrett. Quando se zangava, o meu Pai falava alto e gesticulava muito, e depois dava-nos beijos e abraços de uma ternura sem fim; a minha Mãe, mais comedida, ajeitava-nos a roupa e os cabelos, e com os seus olhos da cor do céu e do mar dizia-nos coisas que as palavras não alcançavam. Um e outro fizeram mil vezes mais do que podiam para que os filhos andassem calçados (quando a regra, nas freguesias, era os rapazes andarem descalços), vestissem roupas confortáveis, tivessem brinquedos pelo Natal, fossem bons alunos na escola – e continuassem a estudar depois de feita a quarta classe da escola primária. E quando as pessoas censuravam os meus Pais por quererem dar estudo aos filhos, dizendo que tínhamos bom corpo para trabalhar (isto pelos 10-11 anos…) e que eles ainda teriam que começar a vender terra ou a fazer dívida, o meu Pai comprava um alqueire, ou um meio alqueire, ou mesmo uma quarta de terra – para provar que mesmo com os filhos a estudar era possível sobreviver. E à noite, depois da ceia, quando ficávamos a conversar à luz do petróleo, dizia-nos com os seus olhos doces: “A melhor herança que vos podemos deixar é o estudo!”.

O meu Pai chama-se Manuel, a minha Mãe chamava-se Maria.


Luiz Fagundes Duarte

(No diDOMINGO, de Angra do Heroísmo)



NOTA INFORMATIVA : 

Luiz Fagundes Duarte (Serreta, 6 de outubro de 1954) é Licenciado em Filologia Românica (1981) e Mestre em Linguística Portuguesa Histórica (1986), pela Universidade de Lisboa, e Doutor em Linguística Portuguesa (1990) pela Universidade Nova de Lisboa, de que é Professor.
Como filólogo, a sua produção científica originou a publicação de ensaios, edições críticas e artigos científicos em revistas de especialidade, que têm como objecto questões de teoria e prática da filologia e assuntos relacionados com a edição crítica das obras de importantes escritores portugueses de várias épocas, designadamente Antero de Quental, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e Vitorino Nemésio. Foi membro da Direcção da Associação Portuguesa de Escritores, e fez crítica literária em jornais e revistas nacionais, como o JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias, e a revista Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian. Escreve regularmente nos jornais Diário Insular, de Angra do Heroísmo, e Açoriano Oriental, de Ponta Delgada.
Da sua actividade política destaca-se o exercício do cargo de Director Regional da Cultura no Governo Regional dos Açores (1996-1999), e de Deputado à Assembleia da República, eleito pelos Açores nas listas do Partido Socialista (1999-2002; 2002-2005; 2005-2009), integrando as Comissões de Educação e Ciência, de que é coordenador pelo Partido Socialista, de Negócios Estrangeiros, de Defesa Nacional, e o Grupo de Trabalho das Actividades Culturais da Assembleia da República, de que é presidente. É ainda membro do Conselho Nacional de Educação, da Comissão Científica do Plano Nacional de Leitura, e da Comissão de Ciência e Tecnologia da Assembleia Parlamentar da NATO.

Anamar