quarta-feira, 31 de julho de 2013

" SE ... "



Se me esqueceres ...

Quero que saibas uma coisa,
das mil, que tinha p'ra te contar ...
de outras mil que não disse,
mas sabes adivinhar ...
Tu que vives por aí,
e esses são caminhos nossos,
jamais vais poder fugir,
ignorar ou fingir ...
Porque o mar, no areal,
repete a mesma canção,
e faz-te sentir no peito,
o pulsar do coração
quando me aninhava em ti,
repousava no teu cólo ...
E as gaivotas vão dizer,
pelos rochedos perdidos,
o calor do meu desejo,
o sussurro dos gemidos ...

As flores pelas arribas,
ou  as  espalhadas nos montes,
sempre vão contar segredos,
que ecoam nos horizontes,
e que são a nossa história ...
Juntos,  ainda os sonhámos ...
e era simples, afinal,
aquilo que desejámos ...

A serra sempre irá lembrar ...
quando o sol já partir,
e a fogueira sobre o mar
chama as aves a dormir,
quando a brisa aquietar,
quando a mimosa florir ...
quando os cheiros de doce e sal
se misturam pelas tardes,
e as sombras lá no pinhal
abrem alcovas no chão,
onde os desenhos dos corpos
para sempre, ficarão ...

Se me esqueceres ...
uma só coisa te peço :
Por tudo o que já vivi ...
diz-me amor, que não entendo,
por que razão não me esqueço
que eu também já te esqueci ??!!...

Anamar

terça-feira, 30 de julho de 2013

" CHEGA !... "



Há vinte e um anos, o meu pai partiu.
Era então uma quinta-feira com sol, como hoje.  Com calor, a mascarar o frio da morte.
Mas ela rondava por ali, e levou-o de mim, na primeira grande perda da minha vida.

Eu não suspeitava então, como a vida é feita de perdas.  Como nos vamos esfarrapando dia após dia, como nos vamos amputando, afecto depois de afecto.
Eu não sonhava de facto, como o nosso caminho se vai bordando de silêncios, de solidões, de ausências ...
E como ele se faz tão rápido, como corre indiferente, à medida que se agigantam o desencanto, o sofrimento ... e o vazio se instala.

Há quatro anos, partiu o Óscar.
O Óscar foi o meu gato durante dezasseis anos, e pode parecer ridículo, insano até, que aqui refira a sua perda, parecendo colocá-la ao nível da perda do meu pai.

Os amores não têm gradações, não têm tipologia, não são triados, nem escalados ...
São simplesmente AMORES !...

Com eles ensolaramos a vida, com eles acordamos vencedores por cada dia cansado, com eles percebemos que vale a pena, até o que de facto é insignificante e pequeno.
Com eles, somos capazes, apostamos, desafiamos, tornamo-nos invencíveis, tornamo-nos hercúleos ...
Com eles, ficamos crianças na pureza das emoções, crédulos na força das convicções, despidos do sombrio que nos habite, generosos e incontidos no esbanjamento do melhor dos nossos corações ...

Por isso, o Óscar também me levou um pouco ...
E eu empobreci, seguramente !

Mas continuava sem suspeitar de como a vida, certeira, cirúrgica, assertiva, me iria atingindo, na inevitabilidade dos tempos ...

E de mansinho, aqui e ali, sem me avisar, preparar, sem se condoer com o estrago, como um meliante salteador, ela foi invadindo, pela calada, a minha propriedade emocional e afectiva.
E sem piedade, saqueou, vai saqueando diariamente, vai carregando de mim tudo o que pode, vai-se apropriando do corpo, do coração, da mente, da alma, do sorriso, da alegria ... e vai-me confinando mais e mais, à exiguidade de mim mesma ...

O ser que sou hoje, está cansado, exausto, exaurido de vontade, vazio de esperança, nu de sonhos ... gasto ...
Hoje, sou uma anciã que se arrasta na escalada da montanha, sou um caminheiro que titubeia os passos da jornada, sou um viajante hesitante do percurso, sou um viajeiro sem convicção do destino !...

Hoje, eu não quero mais !
Hoje, eu já li e já fechei, todos os livros que tinha que ler, já virei todas as páginas que tinha que virar, já abandonei todas as personagens, de todos os filmes que povoaram a minha existência ...

Hoje, eu digo ... CHEGA !!!...

Anamar

segunda-feira, 29 de julho de 2013

" METADES "



Metade de mim é sonho,
Outra metade é sofrer ...
Eu sou feita de metades
com sabor a eternidades,
e não sei  o que é Viver ...

Tenho outra metade ainda,
( porque eu tenho as que eu quiser ... )
que entre desespero e dor,
entre a paixão e o amor,
não se decide, sequer !

Balançam entre a Vida e a Morte,
todas as minhas metades ...
E o tempo que chega, vai ...
sem que  eu  mesma diga um ai ,
leva consigo as saudades ...

Saudades da que já fui,
Saudades do que vivi,
Saudades de quem amei,
de todos a quem me dei,
Loucas saudades de ti  !...

E o Verão vai indo embora,
já vejo chegar a hora de tombar a escuridão ...
A noite não tem luar,
no meu corpo, a navegar,
correm rios de solidão !...

Vê se juntas as metades,
Vê se me constróis inteira ...
Vê se encontras  quem eu era,
antes que eu canse da espera,
e parta ...  queira ou não queira !!!


Anamar

domingo, 21 de julho de 2013

" E ASSIM SERÁ ..."



Dizia-se baixinho no café :  "Parece que ela se suicidou" ...
Baixinho, muito baixinho, como se houvesse um pudor estranho, quase um temor incompreensível, pelo acto voluntário, mas reprovável, socialmente.

Entrei e havia esse rumor.
O que é facto, é que a mesa habitual estava desocupada, parecendo que, a ser verdade, ninguém ousasse tomar para si, "propriedade alheia".

Estranho !
Por que é a sociedade tão lesta a julgar, a valorar, a decidir ?...

"Ela não tinha direito a dispor do que era seu ?  Ora essa !  Era o que faltava !" - pensava eu.

No entanto, nos outros dias, quando ela ocupava aquela mesa, olhando o vácuo, abafando os ruídos com música nos ouvidos, alheando-se do barulho ambiente ( uns dias, ensurdecedor, outros quase inexistente ), quando fingia enganar a solidão com um livro, cujas páginas nunca viravam ... ninguém sabia, se preocupava, ou sequer se interrogava, se aquela mulher estava em paz.
As pessoas sabiam lá !

Cada indivíduo é um mundo, e a sociedade actual é feita de mundos, cujas fronteiras se tocam, sem que exista no entanto, nenhum Tratado Schengen que permita a livre circulação de dores, mágoas, alegrias, dúvidas, solidões, de uns para outros ...
As células individuais abrem de manhã, por cada dia que começa, jorram pessoas, carregadas com a mochila dos destinos, muitas vezes insuportavelmente pesada ...
Se têm força, robustez, coragem para a carregarem ... nunca ninguém sabe, sequer suspeita !

Trocam-se sorrisos, palavras de circunstância, afloram-se as almas e os corações ...
Só se afloram ...
As pessoas não passam das franjas dos mesmos, não ultrapassam o limbo, a antecâmara, a "babugem" da correnteza ...

E todos somos irremediavelmente anónimos, irremediavelmente estranhos ( sempre estrangeiros em terra de ninguém ... ), irremediavelmente transparentes para sermos vistos ... irremediavelmente nada ... ou muito pouco !...

Neste café, onde a mesa "dela" continua vazia, lembro tantos rostos já, que sumiram, tantas deserções que deixaram lugares vagos, sombras, figuras já esbatidas, que seguiram "rumo" ...
E a realidade de todos os dias, perdura inalterável, insensível aos ritmos de vida ou de morte.
Depois dos Invernos vêm os Verões, voltam os Invernos ...  E as histórias escrevem-se, desenham-se, na cadência de uma página por dia, inapelável, enjoativamente iguais, sem demais colorido, sem demais luz, sem demais esperança ou sonho ...

E assim será ...
... a menos que achemos que já vimos o filme todo, que a sessão terminou, a história foi contada, e são horas de acender as luzes e arrumar a sala ...

E isso, foi provavelmente o que ela achou !...

Aí .... lá vai ficar mais uma mesa vazia, naquele café,  que  parece  adormecido  nos  tempos,  há  décadas  e  décadas ... há  vidas  e  vidas !...

Anamar

quarta-feira, 17 de julho de 2013

" A JANELA "



A minha mãe tem noventa e dois anos.  Já aqui o referi algumas vezes. 
Sempre teve imensa actividade, doméstica, é certo, mas essa era a sua vida.
Eu costumava dizer que ela só estava feliz, quando chegava ao fim, e recomeçava.
Era o pó, as lavagens, os areados, os passados ... enfim, inventava onde não havia, limpava o limpo, via o que não existia, subia, descia  a  cadeiras, escadotes, para locais inacessíveis, e realizava-se, argumentando que "na sua casinha se podia entrar a qualquer hora, porque tinha tudo limpinho " ... como  se  isso  constituísse  uma  espécie  de  provas  prestadas,  documentos  exibidos ...
E era verdade !!...

Doméstica que era, ocupava assim os seus dias, fazia disso os seus horizontes, que complementava, nos anos idos, com rendas, ou bordados, com as notícias desportivas do seu clube de coração ( que acompanhava de perto ), e com alguma que outra novela brasileira, de preferência novelas de época ( históricas, com cariz social ou antropológico ...  Lembro a Gabriela, de Jorge Amado, lembro o Casarão, o Pantanal, a Escrava Isaura, a Tieta do Agreste ... ).

Além disso, "vivia" de perto, demasiado perto, a minha vida, a vida e as preocupações das netas e os seus percursos ... depois também  já, dos bisnetos.

Mas, claro, pela minha mãe, os anos passaram.
Foram indo, e limitando naturalmente as suas capacidades, foram-lhe retirando as possibilidades de resposta, à vontade que ainda manifestava de manter o ritmo, foram-na confinando a uma realidade progressivamente mais encurtada, a horizontes progressivamente mais estreitos ...  foram-na encurralando em casa, porque a mobilidade, obviamente se deteriorou.

Mas a sua cabeça recusou abrandar o ritmo.
Recusou aceitar a imagem degradada e depauperada, com que o transcurso do tempo, implacavelmente a presenteou !

E o  seu discurso, é inapelavelmente o mesmo.
Um discurso desanimado, triste, infeliz, com sabor a injustiça ... perante uma vida que a deixou viver até aos 92 anos !!!...
Um discurso de desencanto, objectivo, duramente realista, na verdade.
Palavras de quem já está a ver a vida do "outro lado", sem cosméticas ou ilusões.
Palavras conclusivas de quem já percorreu muito caminho, de quem tem o saber da experiência acumulada, sem utopias ou espectativas.
Visão de quem já não espera nada, além do acordar diariamente, desejando que não haja percalços acrescidos  à sua vida,  ora tão descolorida ...
Cansaço de quem já não reivindica, de quem foi compelida à acomodação, de quem, uma solidão de alma, tomou conta ...

Os principais e vitais sentidos, estão reduzidos.
A minha mãe ouve muito mal, vê muito mal, mexe-se mal ...
Estes factos, "marginalizaram-na" naturalmente, em relação à realidade em que se insere :  afastam-na, e remetem-na para um mundo interior, de muito silêncio e sombra.
Limitam-na a um espaço físico absolutamente restrito, levando-a a um natural desligar do que a rodeia, a uma postura depressiva e desistente, muitas vezes.

Incomoda-me, dói-me, mas dá-me sobretudo uma raiva incomensurável, deparar-me com aquela fortaleza que ela me habituou a considerar, aquela gigante perante a Vida, que ela sempre foi, aquele pilar que não abanava, menos ainda desmoronava ...  assim, amarga, triste, cansada ...  contudo tão absolutamente clarividente, realista e consciente !...

A Vida é de facto isto, e não mais !
Não tenhamos dúvidas, que todos, mas todos, a calcorreamos, dando os mesmos passos, atingindo os mesmos patamares, galgando as mesmas subidas, e descendo as mesmas encostas ; 
tendo as mesmas ilusões e os mesmos desígnios, ao caminharmos para metas que julgamos determinantes para a nossa felicidade, acreditando que atingidos estes e aqueles desideratos, chegaremos a estádios de realização pessoal, bem-estar e satisfação totais, que nos preencherão completa e gratificantemente ...

E depois ... não é exactamente nada disso !

A verdade crua e dura, é, como a minha mãe diz, uma ilusão, em que a Vida, que "tudo nos dá e tudo nos leva", nos faz acreditar, impiedosamente, indiferente ao nosso acordar penoso e dolorido, face à realidade, dia após dia, ao ritmo a que a esperança, a força e o acreditar, nos abandonam, também !...

E eu sei que tudo é claramente assim.
E por cada vez que volto de perto dela, mais e mais me amarguro e angustio, como se ela  simplesmente me acordasse, pegasse na mão, e me fizesse assomar a uma qualquer janela, através da qual eu assistisse ao desfilar de um filme de terror, a preto e branco ...

...bem longe da produção cor-de-rosa de que julgamos frequentemente ser protagonistas !!!...

Anamar

terça-feira, 16 de julho de 2013

" MONDADEIRAS DO MAR "



Quando a maré desce,  os pescadores descem às rochas.
Indistintamente, homens e mulheres catam no que o mar deixou à vista, o sustento para o dia, o peixe que arpoam e vendem, e as algas que secam e vendem para a Índia.

É assim Zanzibar ... é assim, África ...

Debruçam-se sobre o mar rasteiro, como as mondadeiras no meu Alentejo se debruçam sobre os regos das sementeiras, na altura das mondas.

Também aqui por cima, o sol é abrasador.
Também aqui, as mulheres se embiocam nos panos típicos dos seus trajes, em explosão de cor .
Também aqui protegem o rosto, como lá, nos campos de solidão.
Aqui, também os areais estão sós, e o mar não é um mar, é um lago de águas sonolentas, de todos os turquesas, azuis, verdes e prateados ... que dorme, como a dolência desta gente, que vive acocorada nas soleiras das portas, sob as copas das árvores, na beira das estradas ... onde haja uma nesga de sombra ... a qualquer hora !...

Dir-se-ia que África não vive, "modorra" ensonada, não esperando nada ... simplesmente !...



Anamar

domingo, 14 de julho de 2013

" QUASE JÁ ... "



Importa-te, se eu não me importo ...

Importa-te se me habituei a gostar do cinzento ... eu,  que mergulhava até à exaustão, nas cores da Vida, e esgotava todos os matizes da caixa das aguarelas disponíveis ... nos meus dias !

Preocupa-te se já não choro,
porque o choro me deitava as mágoas pelas portas da alma ...

Aflige-te com a minha indiferença,
já que a conformação, nunca foi meu princípio de existência ...

E se não esbracejo, se não me debato ...
é porque aceitei ser náufraga, e desisti de encontrar um rochedo ou um tronco, de arrumo para o coração ...

Pergunta-te por que já não elevo os olhos para o sol ... por que não corro a espreitar as estrelas ou o luar ... por que não colho mais braçadas das flores nossas, nos campos além ?!

Sabes ?

Isso era no tempo em que as gaivotas voavam livres,
as penedias da serra  falavam comigo, e a copa das mimosas nos aninhava em segredo ...

Isso era no tempo, em que nos contávamos histórias, nos desvendávamos os corações, dividíamos sonhos e amarguras ...
enquanto partilhávamos desejos, esperanças e projectos, com  vulcões de sentimentos e emoções ...

Era no tempo em que nos falávamos ... em que tu percebias a minha linguagem, e eu percebia os teus sentires !...

...ou eu pensava que era assim ... simplesmente !

Hoje ...
Hoje, estou sentada semi-morta, na beira do caminho ...
Estou sem o norte, que as estrelas ensinam no firmamento ...
Estou sem a vontade que faz existir o Homem, por cada dia em que acorda ...
Estou sem a luz do sorriso, no âmago do meu ser ...
Estou sem a fé que faz valer a pena ...

e não me importo ...
HOJE, eu já quase não me importo !!!...

Anamar

sábado, 13 de julho de 2013

" INTERMEZZO"



Escrevi  muito pouco durante a minha estadia em Zanzibar.
Foram, aliás, umas férias, digamos, um pouco atípicas.
Dir-se-ia que entrei na modorra de África, e fui engolida por uma espécie de adormecimento do espírito.
Embebedei-me da beleza natural, atordoante, senti a displicência da despreocupação inerente a tudo o que me rodeava ... e fui deixando apenas, transcorrer o tempo.

Pela primeira vez  em circunstâncias idênticas, creio, senti-me dominada por alguma angústia.  As notícias político-sociais de Portugal caíam-me em cima, através do ciber-espaço, que sempre nos atropela, não nos poupa, e não nos deixa indiferentes em lugar nenhum do Mundo.
Como seria abençoado, piedoso, saudável mesmo, que nos deixassem esquecidos no outro lado do planeta, ignorando que a laranja tem duas metades !...
Mas cada vez menos, isso é possível !
E cada vez mais, as realidades que vivemos nos atropelam inapelavelmente, e conseguem desestabilizar o nosso "eu" interior.

Depois, confirmou-se o que eu estou farta de saber, e que toda a gente sabe : nós carregamos as "nossas coisas", que pesam arrobas, nós damos-lhes outros ares, nós damos-lhes banhos, que julgamos de felicidade imaginada ( ou sonhada ), e voltamos a trazê-las, mais pesadas, se possível ...
Arejadas, mas não limpas, lavadas mas não asseptizadas ... igualmente irresolúveis !!!...

E quando saímos da bênção que é, partilharmo-nos com a Natureza gratuita e livre, mergulharmos no "pote de vitaminas" que tudo aquilo é ... e regressamos às quatro paredes do nosso quarto, à colmeia  que  é  o  nosso  edifício,  à  "marabunta"  que  é  a  nossa  cidade ...

Quando o betão começa outra vez a elevar paredes, e a agigantar-se, fechando-nos os horizontes ...

Quando o sol começa a empalidecer, os cheiros a esmorecerem, as cores a acinzentarem ...

Quando o som do silêncio que nos sufoca nas horas de solidão, aumenta desmesuradamente os decibéis de volume ...

... percebemos que exaurimos o balão ansioso, das espectativas criadas, esvaziámos as reservas das ilusões cultivadas, gastámos até esgotar, a fé ( que na verdade o não chegou a ser ... sempre soubemos ) , e que tudo não passou de um "intermezzo" inventado, de uma frase largada entre parêntesis, de um daqueles sonhos efémeros, que acaba sempre, no melhor ponto da história !!!...

Anamar

sexta-feira, 12 de julho de 2013

" ÁFRICA"



Iniciei alguns, dos poucos apontamentos escritos durante a minha estadia no arquipélago de Zanzibar, com o texto que constitui o meu post anterior, que colhe e encerra a emoção dos meus primeiros momentos em África.

África ... um continente que não mais voltei a pisar, desde os meus vinte anos, e que por isso faz parte do meu imaginário de juventude.
Contudo, reencontrei a "velha" África, com o misticismo, a magia, o carisma, que não se descrevem. Apenas se sentem !

São  irrepetíveis  em qualquer outro lugar do mundo, todas as sensações, toda a emoção, todo o despertar de alma, que só ali se vivenciam ...
Não há outro local, onde os cheiros sejam aqueles, onde a terra que pisamos tenha o vermelho daquela, como o das flores das acácias, onde as cores tenham a intensidade que ali nos exibem, desde as da natureza selvagem e virgem, às dos panos, com que as mulheres se envolvem, da cabeça aos pés ...
Não há outro canto do planeta, onde a vida corra mansa, amodorrada na sombra dos coqueiros, dos embondeiros, dos baobás, das palmeiras, das acácias, das miríades de árvores, centenárias e generosas no aconchego ...

Lá, onde as areias são brancas e finas, como farinha nas nossas mãos, o mar tem todos os tons de turquesa, azul, esmeralda, verde, prateado,  que a mente humana nem concebe, e que nenhum pintor reproduz.
As águas são absolutamente transparentes e cristalinas.
Os fundos adivinham-se, e esses jardins submersos, encerram uma multiplicidade de cores, de formas e de vida, que nos extasiam !
Se a maré está baixa e os leva até lá longe, os pescadores, munidos de arpões, "catam", junto ao recife de coral, o sustento diário ...
Ou embarcam nos "dohws" ou nas "ngarawas", embarcações rudimentares e artesanais, com que, a poder da força dos braços, impulsionadas por um pau, ou com a tradicional vela triangular de Zanzibar, navegam à bolina.


As populações são paupérrimas, as condições de vida, coisa de verdadeira sobrevivência.
Vive-se da terra que tudo dá, vive-se do mar que tudo dá, vive-se com a alegria do sol quente, estampada nos rostos, sem ansiedades, ou inseguranças, com a postura de quem sabe, que a simplicidade e a sapiência da vida, se resume a vivê-la ... diariamente !...

A língua nacional é o dialecto "swahili", e a religião, vivida com o fundamentalismo que lhe conhecemos, é, obviamente, a muçulmana.
Ela condiciona a vida, os hábitos, os trajes.
A burka, a abaya, o khimar, o hijab, são permanentes na vivência feminina, desde a infância, e escondem rostos lindos de todas as idades

A cultura é polígâmica.
Cada homem tem relações maritais com várias mulheres, e de todas elas, tem todos os filhos que vierem.
A mulher é socialmente subalternizada.  O islamismo confina-a  a um lugar muito específico.
Ela é objecto de procriação, e garante da manutenção da  família.  Ela desempenha todos os trabalhos domésticos, familiares, e desce aos campos para os amanhar.
Também avança pelo mar adentro, na recolha de algas, para secar e vender, se as águas as oferecerem.

Zanzibar é a "ilha das especiarias".
O seu aroma picante e adocicado, impregna o ar, tempera os alimentos, magistralmente confeccionados,  conforta o espírito e desperta os sentidos.
Por ela os portugueses passaram e deixaram marca, na demanda da Índia, nos idos anos do século XVI.

E é numa praia deserta, olhando para o azul turquesa do oceano, que Zanzibar mostra todo o seu charme.
para nos apaixonarmos por esta ilha, cheia de mistérios, não é preciso mais do que isto !!!...


              "Karibu,  Zanzibar" !....  "Djambo !...



Anamar

quinta-feira, 11 de julho de 2013

" E VOLTEI ... "



Quando eu vejo o mar,
este mar lascivo e sedutor, que apenas se deita e espreguiça, lânguido, num convite sem pudores ...

Quando eu piso a areia, de mansidão, e bebo a brisa que passa ...

Quando oiço os pássaros no coqueiral,  e em todas as mil árvores e plantas que desabrocham, em explosão de verde ...

Quando o sol me beija e embala, sem pressas ...

Quando os cheiros de todas as especiarias do mundo, se misturam, picam o ar, e o adocicam ...

Nessa altura então, eu esqueço o Mundo, e sinto claramente, que aqui cheguei numa maré qualquer, há gerações e gerações ... e aqui fui largada, no meio das algas, das conchas e dos corais ...
e adormeço em paz ...

... quando eu vejo o mar !...

Anamar