quinta-feira, 1 de maio de 2014

" NO TEMPO DAS CEREJAS ! "



1º de Maio !...

Quando penso no 1º de Maio, sempre me ocorre o primeiro 1º de Maio ... o de 74 !
O primordial, o virginal, como o é tudo aquilo em que muito acreditamos e nos enleva !

Era o tempo das cerejas, era um tempo leve, de céu azul, e muito sol.
Estava um dia quente, sim, a anunciar tempos de bonança, que talvez não viessem nunca  a honrar a suspeição, ou tão somente o desejo.

Lembro de ter uma casa nova, onde implementava os preparativos da estreia ... Lembro de ter uma única filha  ( oito meses de menina, com caracóis loiros e rosto de porcelana ), sentada na alcatifa rosa-carne da divisão totalmente vazia ainda, contígua à cozinha, onde eu arrumava, arrumava, arrumava ...
Lembro de que não havia brinquedos que a aliciassem a entreter-se, para que eu pudesse aproveitar a tarde a que me propusera ... E  lembro que nas ruas havia um sonho que voava de galho em galho ...

Lembro que sentia estar a perder qualquer coisa  sumamente importante, como o são as coisas únicas, na vida.  E também, que invejava não engrossar a marcha, vinda de todos os cantos, marcha de todas as raças, de todas as gentes, que se fizera rio único, de caudal gorgolejante e impetuoso.
Rio que inundava as praças, as alamedas e os largos. Rio que não permitia represa !
Um  poema  de  frases soando a liberdade ... vírgula a vírgula ... parágrafo a parágrafo ... escrito por todos nós !

E lembro os cartazes, as bandeiras, os hinos, as cores e as siglas ... as canções-arma, os risos cúmplices partilhados, divididos pelos rostos exaltantes ...  E os abraços dados aos desconhecidos ... a mistura dos suores de todos, os que naquele tempo, eram mais que irmãos ...
Os slogans, as palavras-norte e as palavras-ordem. E os braços no ar, quando o punho fechado, apenas significava vitória ...
Porque, no tempo das cerejas, ter a mesma esperança, rejubilar sem diques ou contenções, com a mesma alegria dos ideais únicos ... era  fraternizarmo-nos, como nunca voltou a repetir-se em tempo algum !...

Que importava ser mais ou menos vermelho ??!!
Que importava ter foice e martelo, ou rosa, ou estrela ... se ainda escorríamos para a mesma foz ??!!!

Os cravos não regateavam peitos ...
Uma força hercúlea pintava de certezas as ruas, os corações, e as almas.   Engalanava-se de vontade, de quixotismo, de sinceridade e de pureza.
Era  Abril, adentro o Maio que começara !... Era a festa que não cessara ... uma semana corrida !

Pela primeira vez,  num coro único de corações, todos, mas todos mesmo, tínhamos a ingenuidade de marinheiros de primeira viagem,  a alegria de putos soltos e livres,  a gargalhada que não comprometia nem assustava, em uníssono com a gargalhada  do  "camarada-irmão",  desconhecido ... ali,  ao  nosso  lado, com  a  mão  no  leme,  que  nem  nós !!!...
Tínhamos o êxtase e o deslumbramento, de ver uma história sonhada, que parecia finalmente saltar da ficção à vida !
Tínhamos a convicção, que passo a passo, atingiríamos a almejada meta !
Tínhamos a determinação dos que sabem o que querem ... ou a inconsciência de que bastava Querer, com aquela força ... para Ter !
Fossem lá dizer-nos que não era assim !!!...

Foi um dia de sol, de céu azul ... um dia quente, que respirava Liberdade !!!...

Foi o tempo das cerejas !

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Cerejas ?