Quando penso no 1º de Maio, sempre me ocorre o primeiro 1º de Maio ... o de 74 !
O primordial, o virginal, como o é tudo aquilo em que muito acreditamos e nos enleva !
Era o tempo das cerejas, era um tempo leve, de céu azul, e muito sol.
Estava um dia quente, sim, a anunciar tempos de bonança, que talvez não viessem nunca a honrar a suspeição, ou tão somente o desejo.
Lembro de ter uma casa nova, onde implementava os preparativos da estreia ... Lembro de ter uma única filha ( oito meses de menina, com caracóis loiros e rosto de porcelana ), sentada na alcatifa rosa-carne da divisão totalmente vazia ainda, contígua à cozinha, onde eu arrumava, arrumava, arrumava ...
Lembro de que não havia brinquedos que a aliciassem a entreter-se, para que eu pudesse aproveitar a tarde a que me propusera ... E lembro que nas ruas havia um sonho que voava de galho em galho ...
Lembro que sentia estar a perder qualquer coisa sumamente importante, como o são as coisas únicas, na vida. E também, que invejava não engrossar a marcha, vinda de todos os cantos, marcha de todas as raças, de todas as gentes, que se fizera rio único, de caudal gorgolejante e impetuoso.
Rio que inundava as praças, as alamedas e os largos. Rio que não permitia represa !
Um poema de frases soando a liberdade ... vírgula a vírgula ... parágrafo a parágrafo ... escrito por todos nós !
E lembro os cartazes, as bandeiras, os hinos, as cores e as siglas ... as canções-arma, os risos cúmplices partilhados, divididos pelos rostos exaltantes ... E os abraços dados aos desconhecidos ... a mistura dos suores de todos, os que naquele tempo, eram mais que irmãos ...
Os slogans, as palavras-norte e as palavras-ordem. E os braços no ar, quando o punho fechado, apenas significava vitória ...
Porque, no tempo das cerejas, ter a mesma esperança, rejubilar sem diques ou contenções, com a mesma alegria dos ideais únicos ... era fraternizarmo-nos, como nunca voltou a repetir-se em tempo algum !...
Que importava ser mais ou menos vermelho ??!!
Que importava ter foice e martelo, ou rosa, ou estrela ... se ainda escorríamos para a mesma foz ??!!!
Os cravos não regateavam peitos ...
Uma força hercúlea pintava de certezas as ruas, os corações, e as almas. Engalanava-se de vontade, de quixotismo, de sinceridade e de pureza.
Era Abril, adentro o Maio que começara !... Era a festa que não cessara ... uma semana corrida !
Pela primeira vez, num coro único de corações, todos, mas todos mesmo, tínhamos a ingenuidade de marinheiros de primeira viagem, a alegria de putos soltos e livres, a gargalhada que não comprometia nem assustava, em uníssono com a gargalhada do "camarada-irmão", desconhecido ... ali, ao nosso lado, com a mão no leme, que nem nós !!!...
Tínhamos o êxtase e o deslumbramento, de ver uma história sonhada, que parecia finalmente saltar da ficção à vida !
Tínhamos a convicção, que passo a passo, atingiríamos a almejada meta !
Tínhamos a determinação dos que sabem o que querem ... ou a inconsciência de que bastava Querer, com aquela força ... para Ter !
Fossem lá dizer-nos que não era assim !!!...
Foi um dia de sol, de céu azul ... um dia quente, que respirava Liberdade !!!...
Foi o tempo das cerejas !
Anamar
1 comentário:
Cerejas ?
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