sábado, 22 de agosto de 2015

" OCASO "





Aproveita este minuto
porque o depois, é depois ...
e o que passou, já não é ...
Logo, a flor vai  dar fruto
E o fruto morre no pé ...

Respira o ar do agora ...
Quando acordares, já é tarde
Mal nasce, o sol pousou...
Tudo passa e não demora
Quando vires, chegou a hora
O caminho já cansou !...

Prende bem juntinho a ti,
cada ilusão que tiveres,
cada sonho e cada crer ...
Colhe braçadas de esperança,
Ramos de cada lembrança ...
Tudo isso, foi viver !

E esgota todo o momento,
como sendo o derradeiro,
aquele que queres guardar ...
Um dia, ao virares a esquina,
a mulher, ontem menina,
não tem mais o que sonhar !...

Anamar

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

" PORQUE HOJE É DIA DE FESTA ... "




O Kiko comunicou-me que está num "parque temático"...  Que vai entrar agora, e depois logo me conta.

O Kiko faz hoje oito anos, e é o terceiro da "escadinha".
Talvez por ser o terceiro, é o mais descontraído, o mais desinibido, despachado e independente, dos três.
Não tem papas na língua, tem resposta para tudo e vive permanentemente "ligado à corrente" ...

Está de férias em Madrid com os pais e os irmãos, e pelos vistos, de visita a um "parque temático" ... ( rsrsrs )
Quando lhe perguntei se achava bem esta coisa de fazer anos e não estar ao pé de mim, riu-se com aquele riso complacente de quem dá o desconto a quem não sabe muito bem o que diz !...

É assim !...
Ainda nasceu "ontem", e pronto ... já está aí a fazer-se à estrada !

Tenho a sensação de que o Kiko tem uma estrelinha de " vencedor", a pairar-lhe no destino, face à postura que já lhe adivinho na vida.
É um pequeno-grande homenzinho, responsável, bem disposto, sempre em festa !
É o que se criou, sem que déssemos por isso.  É decidido e cumpridor na escola.
É adepto e aplicado nas práticas desportivas, no seu Sporting de coração, onde elegeu o judo, como modalidade no tapete, e eu acho que na vida também ...
Vai interiorizando os seus princípios subjacentes, no caminho do aperfeiçoamento pessoal, reforço do auto conhecimento e auto confiança.  Não no espírito competitivo agressivo, da sociedade actual, mas sim numa base de humildade, generosidade e acima de tudo, cooperação, tão fundamentais nestes tempos conturbados de hoje ...

Alguns destes aspectos, o Kiko já evidencia ter assimilado, felizmente !

Parabéns Kiko !
Que a vida te premeie, numa estrada que ainda só adivinhas, mas que terás que trilhar ... e que o seja, na senda da FELICIDADE !...

Anamar

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

" PORQUÊ ? "



Nunca me ofereceste um búzio ...
Vi isso agora, que vasculhei outra vez a gaveta das memórias ...

Por que será que eu colecciono memórias ?!  Devo estar a envelhecer !
Os velhos é que recuam no tempo, e vivem disso.  Os velhos é que obscurecem o presente que já não amam, e buscam aconchego no passado.
Nele, deambulam para a frente e para trás, e não o largam mais ...

Tenho conchas e seixos de todas as praias ... Tenho mesmo areia e corais.
Tenho até estrelas, que já haviam desistido de viver no mar ...
Mas não tenho um búzio !  Não, dado por ti !...

Já sei ... tiveste medo que ele me contasse segredos que querias invioláveis ... que me trouxesse notícias de outros oceanos ... me deixasse ouvir de novo, as confissões que me fizeste então, quando as falésias, os limos e as algas eram nossos, quando jogávamos à bola, no meio dos rochedos ...
Ou quando perdíamos simplesmente o olhar, no voo preguiçoso das gaivotas ...

Os búzios são indiscretos.  Contam sempre tudo.
Mesmo no pino do Verão, põem-nos a escutar o bater alteroso das ondas em dias de borrasca, quando o Inverno é agreste e impiedoso.
Basta chegá-los ao ouvido e escutar.  Saber escutar ... porque está lá tudo : os queixumes do mar que açoita a orla das praias distantes, o sopro do vento que embrulha a espuma e a joga em rendas entretecidas na rebentação ...
Está lá tudo !
E se escutarmos bem, os grasnidos das gaivotas, dos albatrozes, das andorinhas do mar e das fragatas ... também  lá  estão,  como  numa  fita  de  gravação.  Sempre,  de  noite  e  de  dia !...

Quem os tem, nunca está só.
Eles trazem as saudades de longe.  Lembranças dos mares do sul.
Lá, onde o calor é tórrido, lá onde os cheiros doces e os silêncios sábios nos tactuam a pele ... e o cruzeiro do sul governa o rebanho luminoso que pastoreia no escuro, bem escuro, do firmamento ...
Lá, onde o caminho é tão longo, quanto a liberdade do sonho ...

Mas tu nunca me ofereceste um búzio ... Vi agora.

Tenho as rosas e as madressilvas, tenho as pinhas e as flores sem nome ... tenho até as margaridas silvestres, já desfolhadas.
Tenho os caminhos e as sombras, e os muros, de pedras plantadas a esmo ...
Tenho os pores de sol e as amoras dos carreiros.  Os canaviais e todas as histórias infinitas que contavas ...
E a mata e o pinhal ... E o tempo todo do mundo, que eu achava que nunca se acabaria ...

Mas que tonta !
Não há nada que mais rápido se esgote, que este tempo já sem tempo ... porque o cansaço se abateu ...

Tenho tudo !
Tudo o que me povoava, naqueles dias soltos e leves.
Foi ontem.
E já passou uma eternidade !...

Pronto, vou ter que fechar outra vez a gaveta das memórias.
Vou ter que me conformar ... Não tem mais jeito !...
Aqui, de tão longe, afinal não posso mesmo ouvir o mar !...

Tu nunca me ofereceste um búzio !!!...

Anamar

domingo, 9 de agosto de 2015

" ATÉ BREVE ! "






O Alentejo tinha deitado para a sesta.

A quietude e o silêncio haviam descido à terra.  As sombras projectavam-se no chão, e era nelas que o  gado  que  pastoreava  se  acomodava,  na  fuga  ao  calor,  insuportável  àquela  hora ...
A boca de uma fornalha acesa !...

Os únicos verdes ainda viçosos que assomavam, eram das vinhas e dos campos de girassol.  Tudo o mais era um braseiro de castanhos, ocres e amarelos queimados.
O restolho e o feno ressequido, eram o que restava das searas já ceifadas.
Os ninhos das cegonhas, agora totalmente abandonados, continuavam encarrapitados nos postes de alta tensão e no alto das árvores esquálidas.
Surgiam-nos aqui e além, charneca fora, lembrando que ali houvera vida há tempo atrás.
Era então Primavera, e o Alentejo, verde e florido ...

Não há sons na paisagem.  A dormência abate-se.
O Alentejo respira paz ...
Não mexe uma folha, e apenas o som dos besouros e abelhões que parecem cirandar sem destino, atravessa a planície.  Até as cigarras deram uma trégua.
Também os pássaros recolheram.  Voltarão, quando a tarde descer e alguma brisa fresca abençoe a terra.

E do chão sobe aquela coisa que é berço, é colo, é útero e é eco ...
É um apelo sem voz ... é a terra que fala ... é o resfolegar do silêncio e da solidão ...
Não se explica ... só se sente !
É como um retorno aos braços da mãe ... É como o abraço do amante ausente.  É o ombro, é o afago, é a carícia no cabelo, quando a brisa mansa sopra do montado ...
É um convite ao embalo, como se uma canção de ninar nos desse arrego, nos convidasse a deitar a cabeça e a repousar ... simplesmente a repousar na eternidade, porque o Alentejo é eternidade ...

Volto lá, sempre que o peito sufocado precisa de ar.
Volto lá, sempre que a "fome" me aperta as entranhas, sempre que o coração mingua no peito e a alma fenece e me atormenta.
Volto  lá,  quando  preciso  reencontrar  as  raízes,  reavivar  as  memórias,  conferir  os  espaços ...
Quando preciso achar cada esquina imutável, no sítio exacto onde a deixei.
Quando preciso escutar o som das gerações, no lajedo das calçadas.
Quando preciso  rever as sombras que permanecem, ouvir a voz dolente e cantada de todos os que foram... Porque todos já foram ...

Quero encontrar a minha avó com o cabelo em carrapito, avental à cintura, com o negro perene da viuvez ... a chamar-me, ao portão ...
Quero encontrar o meu avô, comigo pela mão, a caminho do chafariz, na hora de dessedentar o Carocho ...
E a minha tia a migar as sopas da açorda, na mesa de pedra ... e o pratinho da romã para o lanche ...
Quero o queijinho seco e as azeitonas retalhadas, roubadas aos punhados, da "tarefa" da despensa, e comidas  às  escondidas, no  terreiro  do  quintal, por  onde  as  galinhas  ciscavam ...
Quero os pirolitos fresquinhos, da cesta mergulhada no poço, junto às avencas que cresciam espontâneas, nos rochedos do fundo ...
E quero que me façam de novo as tranças, me vistam o bibe, e me deixem jogar à "faia", riscada no largo de terra batida em frente à porta ... ou ao berlinde, na sombra das árvores de copa farta ...

E nunca chegam para saciar o que tenho aqui dentro, as horas que por lá fico ...
Nunca mitigo esta fome de reencontro.
Nunca preencho os espaços devolutos do afecto.
Nunca recupero os pedaços da minha identidade, para que possa reconstruir-me outra vez ... que não seja já, hora do regresso ...

E o Alentejo lá fica ... de novo, à minha espera.
De novo, aguardando que a voz da terra ecoe rumo ao horizonte, e me alcance ...
Aqui,  deste  lado  do  Tejo ... aqui,  nesta  terra  de  ninguém ... aqui,  onde  a  orfandade  dói  mais !!!...

Não é uma despedida.  Não é um fechar de porta.  Não é uma partida ...
É, e será sempre, um "até breve" !...

Anamar

terça-feira, 4 de agosto de 2015

" AQUELE LUGAR AO SUL ..."




De alguma forma, eu sou apátrida.

Nascida dos quatro costados na charneca alentejana, a vida encarregou-se de me saltitar de "déu em déu"...
Ainda não tinha dois anos e já deixava a aldeiazinha raiana, da qual obviamente não guardo nenhuma memória, e rumava a Évora.
Em Évora espiguei.
De Évora retenho as primeiras memórias doces de consciência a forjar-se, os primeiros creres, os primeiros sonhos, os primeiros amigos ... o primeiro amor ...
Amor de doze, treze anos ... Tão "sério" quanto o permitem  ser, toda a ingenuidade, toda a singeleza, toda a autenticidade dos sentimentos forjados no peito de uma menina metida a mulher !...

Em Évora comunguei  a História, a tradição, senti as raízes cravadas na planície, aprendi a liberdade de horizontes sem limites, entendi o som do silêncio das searas ondulantes, partilhei a melopeia  das cigarras no meio de tardes escaldantes ... ou segui o voo largo da cegonha, demandando o ninho ...

Em Évora,  miscigenei-me com os sentires de Florbela, embalei-me no som dormente dos cantares do monte ... suspendi a respiração, com a sonoridade do sino da aldeia distante, às avé-marias ... ou confundi-me  simplesmente, com os chocalhos do gado na sossega do fim de dia ...

Em Évora, ouvi o som dos passos no lajeado das travessas e alcárcovas solitárias, escutei o eco das palavras nos claustros silenciosos ... bebi a seiva, que trepa o corpo de quem nasceu no Alentejo !

Em Évora, senti a intangibilidade do carácter vertical de um povo !
Palpei o tamanho da solidão, no monte perdido no nada, o inconformismo das eras, e a força de um sangue que não verga !...

Mas  arrancaram-me da minha cidade, como quem arranca a flor da esteva nascida sem ser perguntada, na  planície sem fim ...
Extiparam-me  a liberdade de potro solto no montado ...
Cortaram as asas à garça que plana na terra recém-revolvida ...
Apagaram  a estrela do boeiro, no meu céu afogueado da canícula da tarde.  E todas a miríades estelares que ponteiam as madrugadas escuras, e que só lá, naqueles campos se desvendam ...

E trouxeram-me para a cidade grande.
E na cidade grande eu tornei-me órfã de coração.
Na cidade grande, eu entristeci de alma ...

O apelo da terra povoa as minhas noites despovoadas !  O chamamento do chão  corre-me quente nas veias !  A simbiose dos genes  leva-me inapelavelmente para o sul ... como um suão que soprasse, e ao qual eu não quisesse resistir !...
Lá, onde o branco é muito mais alvo, o ocre e o cobalto, emolduram as vidas ...
Lá, onde repousam todos os que eram eu, antes de mim ... e que hão levar além, a minha linguagem da carne ...
Lá, onde as memórias estão inscritas em cada pedra da calçada, em cada esquina, em cada sombra que se alonga ...

Irei ao Alentejo muito em breve.  Não sei como, mas sei porquê !

Como uma febre sazonal  que me toma, me invade e  me domina, a minha mente não pergunta, não questiona, não resiste  ...
Leva-me ... simplesmente me leva !!!!

Anamar