sábado, 3 de outubro de 2015

" E É ASSIM ... "






De dia para dia, me sinto mais e mais uma estranha dento do invólucro que carrego.
De dia para dia, as minhas emoções, os meus sentires, tudo aquilo que me perturba ou me balança, tudo o que me aflige ou me gratifica, retorna adentro de mim, mergulha nos meus silêncios ...
Os diálogos são muito mais comigo mesma, as interrogações são muito mais dirigidas apenas à minha mente e ao meu coração, as dúvidas e as ansiedades, sentidas muito mais só na paz da minha interioridade.

Pareço um bivalve que cerra lentamente a concha, mantendo apenas uma fresta precária aberta ao exterior, numa espécie de fuga ou recusa aos confrontos com a realidade de que disponho.
Não sei se é doença, do corpo ou da alma, não sei se é cansaço, insatisfação, desânimo ... ou se me sinto simplesmente perdida por aqui.  Uma estrangeira no seu próprio "chão" !...
A cidade sufoca-me, a casa espartilha-me, o meu mundo fica-me progressivamente curto e desinteressante !

Talvez tenha a ver apenas com o Outono que vivo, por dentro e por fora.
Talvez tenha a ver apenas com o apelo da Natureza, ao ensimesmamento, à pausa, ao abrandamento ... ou não !...
Talvez seja apenas uma inabilidade de vida, um desajuste com a realidade, uma perda da expectativa de horizontes, uma insatisfação utópica face à existência, uma premência idiota e absurda de encontrar rumos outros, caminhos outros ... outras realidades ...
Talvez seja apenas ausência de fé ...
Não sei.
Sinto um apelo fundo e profundo a fechar portas e janelas, apagar as luzes, parar a faxina, cortar os circuitos ... desligar a vida ...

Daniel Sampaio refere no seu livro "Tudo o que temos cá dentro", que os suicidas não são os cobardes que simplesmente fogem às dificuldades.
Não são os desinseridos ou desajustados que não conseguem encaixar-se satisfatoriamente no figurino.
Não são os egoístas, que só pensando em si próprios, são indiferentes  ao tsunami emocional, familiar e social que desencadeiam e deixam depois de si.
Não são os desertores que oportunistamente abandonam o campo de batalha ...

São sim, aqueles que mais amam a vida e mais a quereriam viver !
E tanto a amam e tanto a anseiam, que não conseguem vivê-la com o sofrimento que ela lhes representa.
Não conseguem aceitá-la, com a incompletude que ela lhes oferece.
Não suportam mais, a dor objectiva ( porque de dor real se trata ), que ela lhes inflige dia após dia.
Não convivem mais, com a precariedade da satisfação que ela lhes propicia.

E por isso, há um dia em que "basta" parece ser a única chave de tudo.  Em que "chega", parece ser o alívio ansiado.  Em que "não" parece ser a alternativa salvadora de que dispõem ... a  libertação  do calvário  que  experimentam ... a  "luz"  nas  trevas  que  atravessam ...

E é exactamente assim !   Eu sei que é exactamente assim !...

Por isso, os entendo claramente !
Por isso , não os julgo !
Por isso, os respeito tanto !
Por isso até os admiro, e quase ... quase, lhes invejo a coragem e a determinação !

Pelo menos, eles não sucumbiram atolados no pântano, eles tiveram força para definir um caminho !!!

Anamar

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