terça-feira, 30 de janeiro de 2018

" E A MAIS NÃO SEREMOS OBRIGADOS ..."


Nesta tarde mansa e ensolarada, com um sol tímido a espreitar-nos, neste Janeiro frescote, resolvi meditar um pouco, aproveitando o silêncio e a serenidade que baixaram por aqui.

Desde sempre que a minha maneira de ser, introspectiva, exigente, perfeccionista e por isso severa, me coloca sem dó nem piedade, nas linhas da frente das batalhas com que a existência não me tem poupado.
Não sou uma pessoa optimista por natureza, sempre vejo o copo mais vazio que cheio, sempre desvalorizo além da conta aquilo que meritoriamente talvez me fosse devido.
E porque sou honesta comigo mesma, antes de o ser com os outros ... e porque me exijo sem apelo, o alcance de uma fasquia que talvez nem me fosse exigível ... guerreio, brigo, colido  ... e quase sempre saio injustamente perdedora nas análises que faço sobre mim própria.
Sempre me acho mais responsável por isto ou aquilo, que o razoável ... sempre me acho mais culpada por isto ou aquilo que o racionalmente aponta ... sempre me penalizo por não ter feito isto ou aquilo que se calhar nem me seria devido.

Contudo, desde os anos em que semanalmente dispunha de apoio psicoterapêutico, que fui orientada no sentido de reciclar estas posturas, no sentido de ser mais imparcial, isenta e justa com a pessoa que eu sou ... em suma, de ME repensar..
Filha única que fui, de pais centrados exclusiva e doentiamente em mim, sempre me foi exigido o máximo, e não o aceitável  Sempre fui confrontada com o ideal e não com a realidade possível ao meu alcance.  Sempre fui cotejada desfavoravelmente com os que me rodeavam ...
Tudo isso, frequentemente me deixava um profundo gosto amargo de insatisfação, uma infelicidade, uma insegurança  e uma culpa desgostosa.

Mas enfim ... a vida prosseguiu.
Os anos trazem maturidade, distanciamento, aprendizagem ... calo, "endurance" face às intempéries.
Tudo isso tem custos, contudo.  A modelagem de uma personalidade não é pacífica, o olhar sobre a vida e as pessoas, é quase sempre de defesa e de difícil exposição.
A carapaça grudada não despega fácil. O sentido de "vigília" e guarda, não facilita.
Ganha-se dureza, resistência à saída da zona de conforto que nos aninha e pacifica, inércia perante reinícios, alterações de fundo, novos figurinos.

Assim, porque a  frescura  da  idade  já  foi, e  porque a  saúde  e  o cansaço  também  começam  a  dar sinais, neste momento o meu trabalho pessoal, prende-se numa luta comigo mesma sobre a relativização dos acontecimentos que me povoam a vida, prende-se numa reaprendizagem de vida mais saudável, menos penalizante e destruidora, prende-se numa busca de mais paz, a paz que advém de sabermos que talvez tenhamos dado o nosso melhor, ou pelo menos tudo o que sabíamos e de que podíamos dispor para superar cada dificuldade.
Dessa forma, por cada noite, ela será seguramente  de sono tranquilo e não de vigília, porque certamente a consciência, de nada poderá acusar-nos ...

... já que a mais não seremos obrigados !...

Anamar

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

" UM DIA DE CHUVA ... "






O dia amanheceu finalmente em "modo" inverno, depois de ontem nos ter sorrido primaveril, diáfano, de céu transparente e azul, sem que sequer um fiapo de algodão o pintalgasse ...
Hoje o firmamento carregou-se de nuvens dantescas, ameaçadoras e choronas, que ainda não pararam de verter água cá para baixo.  Felizmente.  Obviamente de forma feliz, para nos amenizar a preocupante e ameaçadora seca severa que se estendeu temporalmente além da conta, de uma forma contra-natura para a época.
O frio também fez jus à estação que atravessamos.  E eu diria que até sabe bem ...

No meu posto habitual, que é como quem diz, o meu "miradouro privado", frente ao tal casario inexpressivo  que se estende aos limites do horizonte ( permitindo que os meus devaneios nunca sufoquem por aqui ) ... olho as nuvens no alto, que se deslocam ao sabor da aragem,  vejo  algumas gaivotas  intrépidas  que  ousam  planar  desfrutando  a  intempérie ... ( ou não fossem elas pássaros de falésias, de mar encapelado e de salpicos de espuma endiabrada nos areais ), assomo por instantes breves, tentando ver se o meu Farrusco se atreve, no terraço lá de baixo ... constato uma outra vez  que o meu plátano atrevido  se desnuda mais e mais, despudoradamente ao sabor do vento que o sacode e lhe eleva as folhas mortas ao nível do meu sétimo andar, e penso ...

Penso como na verdade a vida é interessante, curiosa, desafiadora, estimulante !...

Reli  ao longo desta tarde, alguns posts  meus, com tempo de escritos.  Remontam a alguns anos atrás.
Revisitei-me assim, à distância que o tempo permite.
Re-olhei-me com a isenção e o desapaixonamento possíveis, de alguém que se analisa cirurgicamente. A que eu era, a que eu fui,  como o fui, por que o fui.  De fora para dentro, sem complacência ou pieguice.
Reflecti, maturei pensamentos, auscultei posturas.  Esgravatei emoções,  mexi em sonhos que me povoaram, percebi dores e sofrimentos ... pacificamente ... e não me penalizei por isso.
Convivi com a vida real.  Com as escolhas reais.  Assentei e firmei os pés bem no chão, por forma a catapultar-me ao futuro, com esperança e confiança.
Porque o futuro é afinal o desconhecido que nos espera, a partir do presente que vivermos.  Há  por isso que valorizar cada momento, enfrentar corajosamente cada atribulação, deixarmo-nos surpreender  com os desafios, acreditar que a vida é como as marés ... depois da maré baixa, sempre uma preia-mar chegará ao destino e que, tal como este tempo atmosférico de sol radioso seguido de um abençoado dia de borrasca ...

   " um  dia  de  chuva  é  tão  belo  como  um dia de sol ;  ambos existem ... cada um como é ! "

Anamar

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

" E A RODA RODOU DE NOVO ... "





Época estranha esta !
Mesmo os mais resistentes, sempre se deixam envolver e "mexer", por um clima global de sentimentos, emoções, reflexões, balanços contraditórios.

Todos sabemos racionalmente que o 31 de Dezembro é igual ao 1 de Janeiro.
Todos sabemos que a escorrência do tempo prossegue segundo a segundo, com a inevitabilidade do que nunca é reversível.   Mas de repente, porque o Homem criou fronteiras, balizas, bitolas, achamos que pulámos de uma qualquer margem para outra, promissora  margem de valer a pena, miraculosamente diferente e seguramente melhor !
Olhamos para o Novo Ano como auspicioso, como um paraíso que nos pisca o olho, a nós que ainda estamos num ano já rançoso, já gasto, que já deu o que tinha a dar ...
E agora  sim, os milagres da mudança, da reconstrução, do aperfeiçoamento e consequentemente da felicidade ... aquela que nos foi escorregando das mãos nos 365 dias transactos ... aquela que nos espreitava e fugia  num esconde-esconde sádico de jogo de promessa ... vão propiciar-nos finalmente a almejada existência que sempre acreditámos merecer ...
E melhor ... numa espécie de passe de mágica, na proporção das Boas Festas que fomos pulverizando profusamente, com o coração cheio de bonomia e generosidade, por amigos, conhecidos e até desconhecidos ...

Só que esse "balão" insuflado de ingenuidade esperançosa, de boa vontade a rodos, de solidariedade magnânima, irá inevitavelmente esvaziando com o transcurso das horas, dos dias, dos meses ... até que outra passagem recarregue as expectativas, os sonhos, a fé e as vontades.
Até que outro rio de esperança se reabra à nossa frente !
Até que volte a ser Dezembro de novo, e a "roda" complete a caminhada !...

Agora ... bem, agora que o Ano está fresquinho de recém-chegado, criança de nascido, vemos, revemos, rebobinamos as nossas histórias.  As histórias das vidas,  porque todas as vidas sempre são enredos mais ou menos felizes de histórias ... as nossas !
Só nós as conhecemos no recôndito do privado.  Só nós lhes conhecemos os cheiros, as cores, os risos e as lágrimas.  Só nós lhes podemos dar nomes e reconhecer as personagens.  Ninguém mais !
E temos que as abordar sem severidade, acredito.  Temos que as encarar com tolerância, carinho e aceitação. Porque foram seguramente as que conseguimos escrever, como conseguimos escrever, com a convicção de que cumpríamos o designado.

E depois, sim ... pacificados com a nossa alma e de boas relações com o nosso coração, podemos então calmamente, fazer  uma "arrumação de casa", uma "faxina" de decisões, um "cardápio" de sonhos ...
Mas sobretudo, é desejável que esse processo de intenções seja permanentemente dinâmico, actualizável, corrigível, questionável, aperfeiçoável, fazível ... ao alcance das nossas forças, das nossas incompletudes, de acordo com as nossas vontades, longe das utopias e angústias da perfeição, envolto no acreditar que passa por nós e apenas por nós, a capacidade da renovação e portanto da melhoria !

Só dessa forma  fará  sentido o balanço que nos propomos  com perseverança, ano após ano, no esgotar dos doze meses que nos são concedidos !

Anamar