segunda-feira, 25 de agosto de 2014

" FECHADOS EM CASA, MAS EXPOSTOS AO MUNDO "








Este, o quarto artigo do jornal "Público", subordinado ao tema "As diferentes Gerações", que tenho vindo a publicitar aqui, neste meu espaço.

Espero que, tal como eu, o achem interessante.


   Anamar


Os que nasceram desde 1995 têm uma existência de paradoxos, são os mais protegidos e os mais vulneráveis, são aqueles por quem não se dá nada e de quem se espera tudo.

Este é o quarto de cinco textos sobre as diferentes gerações.











André Agante divertiu-se muito este Verão com os primos e amigos. Passaram horas na piscina, fizeram pizza, jogaram ao toca-e-foge, soltaram as galinhas e correram atrás delas. “Anteontem, eram dez a brincar”, diz ele. É grande a casa dos avós nos arredores de Aveiro. Quando a mãe era menina, também ali recebia primos e amigos. Nas férias, havia pelo menos três crianças a saltar de um lado para outro e ninguém colocou cancelas de segurança nos quatro lances de escadas. Quando André nasceu, cancelas nas escadas, protectores nas tomadas.
Nunca houve tanta preocupação com a segurança infantil. Há até pais que põem capacetes de esponja aos filhos antes de os soltarem dentro de casa. “Até que ponto este excesso não está a criar miúdos menos autónomos?”, pergunta a mãe de André, Catarina Ribeiro, co-fundadora da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Criança Abusada e Negligenciada. Quando André entrou no pré-escolar, aos três anos, queixavam-se os educadores que alguns nunca tinham subido escadas.
Ninguém conhece infância tão protegida como os que nasceram no final do século passado ou já neste – a chamada geração Z ou geração digital. E, no entanto, nunca houve tanta percepção de vulnerabilidade. Parafraseando um texto que o sociólogo Manuel Sarmento co-assina com Natália Fernandes e Catarina Tomás, essa é uma das muitas contradições de um país que pode orgulhar-se de ter uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil e um dos mais elevados níveis de segurança urbana do mundo e ainda leva puxões de orelhas pelo maltrato intrafamiliar e pelo abandono escolar.
É recente o reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos. A Convenção dos Direitos da Criança, adoptada pelas Nações Unidas em 1989, foi ratificada por Portugal em 1990. Em 2001, num apelo à participação da comunidade, o país começou a criar comissões de promoção e protecção de crianças e jovens. Um ano depois, ficava perplexo com uma reportagem do semanário Expresso sobre abusos sexuais de rapazes à guarda da Casa Pia de Lisboa. 
Foi notícia até à náusea o processo Casa Pia. Era, interpreta Manuel Sarmento, o país a confrontar-se com a infância como tragédia, com a criança como vítima de uma sociedade que a desrespeita, que não a protege. Nada daquilo encaixava no ideal de criatura bela, inocente e espontânea que se propagava – o imaginário do “bom selvagem” herdado de Jean-Jacques Rousseau. Chocado, parte do país precipitava-se para uma preocupação nalguns casos excessiva.
O jornalista Tiago Freitas sente a preocupação ao criar uma filha de quatro anos e um filho de seis com a mulher no Funchal. “Estão habituados a que 'exista' tudo. Se passa uma nova série animada na TV, se um filme é lançado no grande ecrã, pedem o jogo. Após uma googlada, fatalmente aparecem inúmeras possibilidades de jogar. O principal desafio é saber onde ter a rédea, que é mais curta por um lado (brincar fora de casa, estar fora do alcance visual dos pais, andar sozinho na rua, ir ao mar desacompanhado) e mais solta por outro (mais respondões, menos obedientes, vida dos pais muito dependente da agenda deles)”.
Nenhuma geração cresceu tanto entre portas. Com a rua elevada à categoria de território predatório, isto é, a espaço onde qualquer estranho pode pôr a criança em risco, muitos pais tratam de enquadrar todas as horas dos filhos. As consolas, os leitores de DVD, os MP3, os computadores, os tablets e os telemóveis são os seus grandes aliados. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), 98% dos menores de 15 anos já usava computador, 93% possuía telemóvel e 95% acedia à Internet em 2012. Mas através da Internet a criança enfrenta outros riscos.
André Agante conta nove anos. Tem regras claras para usar a Net: não pode fornecer dados pessoais, revelar as palavras-passe, conversar com desconhecidos. Pode usar o computador que está no escritório ou o IPhone ou o IPad dos pais. E anda a construir uma cidade de dragões, já constituiu uma equipa de futebol e criou uma página no Facebook em nome da sua tartaruga.
“É importante que as crianças corram riscos num ambiente protegido para se poderem desenvolver de forma autónoma”, sustenta Catarina Ribeiro, psicóloga, perita do Instituto Nacional de Medicina Legal. “Crianças superprotegidas ficam muito mais ansiosas perante a adversidade. A adversidade pode ser pôr os pés na areia, mexer num animal ou apanhar chuva na cara.”
A percentagem de crianças na população residente está a cair, de modo consistente, desde o início da década de 1980 – entre 1981 e 2011 o país “perdeu” 936 mil crianças, segundo o INE. A democratização e a europeização impulsionaram transformações profundas. Há mais crianças a nascer fora do casamento ou a crescer numa família monoparental, recomposta, multiétnica ou de orientação sexual diversa. Nunca houve tantos filhos únicos. De acordo com o INE, 45,6% das crianças vivem em famílias sem outras crianças.

A sociedade valoriza mais as crianças, mas as pessoas estão cada vez menos dispostas a tê-las. Será uma característica típica do que o sociólogo alemão Ulrich Beck chama modernidade reflexiva. Se as relações de “curto prazo” são o paradigma, uma criança é um investimento a “longo prazo”. E isso pode ser visto como um estorvo, mas também como a derradeira possibilidade de estabelecer um laço eterno, uma certa forma de recuperar o “encanto com o mundo”.
Nenhum dos primos com que André se diverte em casa dos avós é de primeiro grau. É o único filho e o único neto. Não é daquelas crianças tiranas que o psicólogo espanhol Javier Urra descreve como desobedientes, desafiadoras, ávidas de atenção, capazes de dar ordens aos pais. É uma criança meiga e generosa. Os pais incitam-no a receber amigos e a partilhar o que é seu e ele partilha até o dinheiro que recebe no Natal e no aniversário. Chegado o Verão, a mãe pergunta-lhe quanto destinará às crianças pobres e ele faz um donativo para uma colónia de férias.
Professora da Universidade Católica do Porto e especialista em mediação familiar, Catarina vê muita gente viver em função dos filhos. “É importante que as crianças percebam que os pais têm direito a momentos em que elas não sejam o centro das atenções. Uma criança para crescer bem tem de ser sujeita a frustrações. Não a podemos proteger de tudo. Parte-se um brinquedo, chorou, não é preciso comprar outro a correr. Isso é pulsão compensatória. Os pais sentem culpa por estarem pouco presentes.”
Apesar de os homens participarem cada vez mais, a educação ainda assoberba mais as mulheres. E elas suportam uma das mais longas jornadas de trabalho e um dos mais baixos níveis salariais da União Europeia. Só em 2009 foi consagrada a universalidade da educação pré-escolar a partir dos cinco anos e alargada a escolaridade obrigatória até aos 18. Os equipamentos de apoio à família, diagnostica Manuel Sarmento, continuam insuficientes e as prestações sociais baixas.
“A sociedade não está organizada para os pais de hoje, que têm de aceitar todas as propostas de trabalho que aparecem”, entende a actriz, encenadora e dramaturga Marta Freitas, mãe de um rapaz de 11, Simão, e de uma rapariga de 9, Lucas. “Trabalho muito. Trabalho muitas vezes 15 horas por dia. Tenho de fazer uma gestão de tempo eficaz. Se sei que os meus filhos vão estar em casa ao final do dia, paro para estar com eles, nem que mal eles fechem os olhinhos eu volte para o computador.”
Simão e Lucas vivem entre a casa da mãe e do padrasto e a casa do pai, da madrasta e da meia-irmã, situada uma rua acima. Não lhes faz confusão. “As casas ficam perto”, diz o rapaz, escorregando no sofá. “Acho que é giro, é um tempo para um, um tempo para o outro”, achega a rapariga. “Com o pai vamos mais a concertos, com a mãe vamos mais ao teatro”, prossegue ela.
Frequentam o ensino integrado no Conservatório de Música do Porto. Ela passou para o 4.º ano, estuda violoncelo, ele para o 7.º, estuda piano. “Já têm uma carga horária muito grande”, considera a mãe. Ela e o ex-marido recusam-se a correr com eles de actividade em actividade. “Eles andaram ao sábado no atletismo. Problema: de 15 em 15 dias há competições. Isto de frequentemente transformar fins-de-semana em actividades é uma coisa que está fora de questão.” 
Gostam de ter tempo para estar com os amigos, para estar com os pais ou os avós, para estar consigo próprios – a ler, a ver televisão, a jogar, a brincar ou a nada fazer. “Gosto de ser criança”, diz Lucas. “Um adulto não liga aos amigos a dizer ‘Oh, vamos brincar!’ Nós ligamos. Às vezes, os adultos dizem que têm saudades de ser crianças, porque têm muita coisa para fazer.”
Hoje, observa o sociólogo Machado Pais, “uma criança necessita de se desconcentrar para ter a impressão de que está adquirindo experiências: joga um videojogo enquanto come pipocas, fala com a avó pelo telemóvel enquanto vê televisão e acaricia o cachorro com o pé. Tarefas múltiplas encarnam uma ideia nascente da experiência: uma presença ubíqua, uma desatenção permanente.”
Fazem todos parte da sociedade de consumo. “Boa parte pratica excessos que vão da comida calórica aos meios electrónicos”, torna Machado Pais. “Os horários de dormida nem sempre são respeitados. Muitos têm televisão e computador no quarto, divertindo-se, até altas horas da noite, com videojogos, programas televisivos ou visitas a sites nem sempre apropriados à sua idade. O sedentarismo, por sua vez, tende a aumentar as taxas de obesidade entre as crianças.”
Não é tudo igual. Portugal é um dos países mais desiguais do mundo e isso é óbvio na infância. Os dados do INE mostram que em 2013, 2,2% das crianças com menos de 15 anos pertenciam a famílias incapazes de lhes assegurar pelo menos uma refeição diária de carne ou peixe; 4,3% não podiam trocar roupa usada por nova; 2,4% não tinham dois pares de sapatos de tamanho certo; 5,4% não tinham livros adequados à idade; 7,4% não dispunham de espaço apropriado para estudar; 12,1% não podiam participar em eventos escolares não gratuitos; 24 % não podiam participar numa actividade extracurricular.
Rúben Malhadinhas tem 12 anos e uma energia imensa que esgotou a pedir um IPad à mãe. A mãe, 15 anos mais velha, disse-lhe que era impossível. Ele pediu-lhe que lhe desse então uma Playsation3. Ela tornou a dizer-lhe que não. Ele faz os trabalhos nos computadores da escola e na Qualificar Para Incluir (QPI), uma associação empenhada em travar a reprodução de pobreza. Usa o computador de casa para jogar. O computador é lento. “Está cansado”. E ele tem pressa. “Quero divertir-me, aproveitar a vida.” E fá-lo, sobretudo nos jogos electrónicos, no futebol e no skate. 
Dependentes das condições de vida dos adultos, as crianças sempre foram mais atingidas pela pobreza do que qualquer outro grupo etário. E tudo piorou com a crise, que se agudizou desde 2008. Lucas e Simão nem vêem noticiários. “Na maior parte das vezes, é só desgraças!”, diz ela. André vê: “Nós andamos a poupar e, quando temos alguma coisa de que não precisamos, damos.”
Não fosse a QPI, Rúben ficaria em casa as férias inteiras. Adora participar nas actividades que ocupam mais de cem miúdos em cada mês de Julho. Durante o mês de Agosto, a associação continua a assegurar uma refeição por dia à sua família. Andreia, a mãe, está desempregada. Mesmo com ajuda alimentar, vê-se aflita para comprar os medicamentos de asma para a irmã de Rúben, de cinco anos.
O que será a geração Z no futuro? “Há quem defenda que as nossas sociedades vivem, no domínio cultural, um processo de mutação protagonizado pelos bárbaros que existem à volta e dentro de cada um de nós”, comenta Machado Pais. “O que caracteriza esses bárbaros é a sua fugacidade, a sua capacidade de navegação rápida, o seu deleite em surfar as realidades à superfície, como se não quisessem perder tempo em descobrir-lhes as profundidades. Demanda-se o caminho mais curto e mais rápido para o prazer. Buscam-se conexões, mas as relações que se desenvolvem são marcadas pela fragilidade.”
Neste domínio como noutros, o imaginário nacional balança entre a crise a esperança. Esse paradoxo, explica Manuel Sarmento, faz-se do confronto com a criança-vítima (como aconteceu há pouco com um bebé morto num banho de água a ferver) e com a criança-problema (a da indisciplina, da violência nas escolas, da anorexia, da obesidade), mas também com a criança-rei (que começa a usar as novas tecnologias antes de falar, que apreende a escrever português quase ao mesmo tempo que inglês, que é vista como super-especial). O susto dos adultos com a suposta incapacidade de esta geração adquirir uma cultura de esforço convive com a crença de que resgatará o país do seu papel subalterno, até porque deverá ser a mais preparada de sempre.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

QUICO, O MENINO "LIGHT" ...


O Quico, de seu nome Frederico, foi para mim, um menino "fora de horas".
Com isto quero dizer, que existindo já na vida da minha filha, um rapaz e uma rapariga, e tendo ela uma vida profissionalmente muito exigente, não conceptualizava eu, a vinda de um terceiro elemento, ainda por cima, face à situação sócio-económica que se atravessa.
Isto, como se os avós pudessem ter a ousadia de conjecturar o que quer que seja, sobre a vida dos filhos !

Dito e feito, faz hoje sete anos já, lá fui esperar o Quico pela hora de almoço, ao Hospital S. Francisco Xavier.
Estava um dia radioso de sol quente de Agosto.

Encerra ele, a escadinha de três putos, de que volta e meia aqui falo, o mais velho com treze anos acabados de fazer, sendo que ele é o benjamim da família.
Vindo no fim do "comboio", e como quase sempre acontece aos últimos filhos, o Frederico é o elemento mais desinibido, mais bem disposto e mais auto-suficiente dos três.
Nascido num núcleo bem assoberbado já a todos os níveis, com as responsabilidades, falta de disponibilidade, escassez de tempo e até paciência, com a correria louca e o cansaço do dia a dia, num esquema familiar com todas as exigências crescentes de uma vida difícil que os jovens pais hoje encaram,  cada criança que vem vindo, tem de arranjar armas pessoais de adaptação, de autonomia e de independência, já que a pieguice, a super-protecção, a sufocação, a ansiedade e até a inexperiência com que na generalidade os primeiros filhos são criados, deixa de fazer sentido.

E por isso, genericamente, a criança "mais sacrificada" em termos educacionais, é sempre a primeira, já que então os pais, marinheiros de primeira viagem, estão cheios de convicções pedagógicas, de cuidados e de preocupações doentias por exageradas, e com elas criam e educam o primeiro filho num espartilho convicto, projectando nele tudo o que teoricamente aprenderam e querem passar adiante, com veleidades de perfeição, de utopia, e de intransigência, exigindo dele a imagem do filho perfeito que inventaram, e revendo-se nele, como continuador dos seus próprios valores.

Eu fui assim ... acredito que muitos de nós ( não irei obviamente generalizar ), são assim ...

Depois, com a sucessiva chegada de outros elementos ao "ranchinho", abrandam-se as normas, relativizam-se as exigências, abre-se a tolerância, maleabilizam-se as relações inter-pessoais.
E essas  novas crianças são mais saudavelmente educadas, estou em crer, e serão seguramente mais felizes.
Sem sentirem sobre si, de forma tão decisiva e determinante, a responsabilidade injusta, penalizante e pesada  de terem que assumir um perfil de filho "ideal", são crianças mais soltas, mais livres, mais assertivas, menos angustiadas,  eu diria que mais personalizadas e seguras.  Enfim, mais capazes e artilhadas para a vida e para os desafios que as esperam.

Assim é o Quico, uma criança que até hoje nunca vi chorar, excepto se acidentalmente magoada numa brincadeira mais desastrada.
É um menino que acorda rindo, que é extrovertido, que cultiva e vive rodeado de amiguinhos, de fácil adaptação às diferentes situações e apostas com que a vida o desafia, um menino argumentativo, com uma linguagem clara e concisa, sem preocupações ou angústias ...
Em suma, um menino profundamente "light" !...
É o neto que primeiro acorre à porta para o abracinho, o que se pendura do pescoço, e que não tem papas na língua, a contar histórias e episódios "muito importantes" no seu quotidiano ...
Ah ... e é alegremente criativo também, com resposta e solução imediata em qualquer eventualidade.

Com pouco mais de seis anos talvez, aconteceu no colégio que, a pedido da professora,  teve que dirigir-se à sala onde leccionava um antigo professor do António.  Este, que o conhecia bem, face à sua desenvoltura, desinibição e ares despachados, disse-lhe :  "Ai Quico ... não te pareces nada com o teu irmão !..."
De imediato, e antes de sair, o Quico voltou-se para trás, e com ar sério e pragmático  respondeu escorreita e convictamente ao professor :  " É natural ... não somos filhos do mesmo pai !!!..." (rsrsrs)

Este é o Quico, o meu menino "light" que hoje completa os seus sete anos de vida !...

Que a sua feliz filosofia de vivê-la,  o acompanhe sempre, e possa tornar o seu futuro tão ensolarado e claro, como aquele 20 de Agosto que o viu chegar a este mundo !!!...

Anamar

terça-feira, 19 de agosto de 2014

" OS QUE APRENDERAM A TRANSFORMAR A NECESSIDADE EM VIRTUDE "




O terceiro artigo de o "Público" sobre as diferentes gerações, conforme prometi.

Anamar


João Queirós conhece bem o “discurso da ‘aventura’ e do ‘cosmopolitismo’ associado à emigração dita qualificada”. Sabe que lá fora há mais oportunidades para um doutorado em Sociologia. Já lhe passou pela cabeça ir, mas nunca tentou. “Não é resistência – não tenho qualquer sentimento patriótico nem preconizo qualquer ideal estóico. Prefiro ficar. E procuro assegurar que fico.”
Entre 2001 e 2011, Portugal perdeu quase meio milhão de jovens. Efeito da redução da natalidade e da emigração, que tantos angaria na chamada geração Y, também conhecida por geração millenium, geração internet, geração ioiô, a dos nascidos entre 1980 e 1994 – ou 99, conforme os estudiosos.
Para muitos, o espaço natural não se esgota no rectângulo ibérico. Não existiam ou eram demasiado pequenos quando Portugal assinou o tratado de adesão à então Comunidade Económica Europeia, a 12 de Junho de 1985. E quantos terão memória da assinatura do Acordo Relativo à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns, sim, Schengen, a 25 de Junho de 1991?
Cresceram num dos melhores momentos económicos da história de Portugal. Na Expo 98, João Queirós tinha 16 anos, olhava em volta e pensava que “as pessoas eram felizes”. Ébrio de fundos comunitários, o país gastava à grande. De repente, numa noite chuvosa, despertou da euforia do crédito e da retórica do bom aluno europeu. Era 4 de Março de 2001. A correnteza barrenta do Douro matou 59 pessoas e deixou a nu a debilidade dos alicerces da prosperidade nacional.
João lembra-se tão bem da ponte de Entre-os-Rios cair, de António Guterres renunciar, do novo primeiro-ministro, Durão Barroso, usar a expressão "Portugal de tanga". Para ele, a existência tem um antes e um depois da queda da ponte. “A partir daí sucedem-se crises cada vez de maior magnitude, achamos cada vez menos que nos vamos safar, vamos perdendo esperança, ganhando cinismo, ficando mais individualistas.” A sequência parece-lhe definidora: “Toda a minha vida adulta é de crise.”
O conceito de geração tem fortes limitações. Pessoas da mesma idade têm percepções diferentes consoante são do género masculino ou feminino, heterossexuais ou homossexuais, da cidade ou do campo, ricos ou pobres, pouco ou muito escolarizados, de esquerda ou de direita. E a juventude nunca foi tão diversa. Os sociólogos nunca tiveram tanta dificuldade em agregar modos de vida. Mantém-se o mainstream, mas multiplicaram-se as combinações possíveis.
Que terá então João Queirós, prestes a defender doutoramento na Universidade do Porto, em comum com Tiago Pinto, residente num dos bairros que ele estuda, com o 6ª ano de escolaridade, e a estacionar carros num restaurante de luxo?
Quando a ponte caiu, o sociólogo José Machado Pais já falava em “encruzilhadas labirínticas”, “trajectórias ioiô”, jovens presos a transitoriedades feitas de estágios, cursos, subempregos, aprendizagens, desempregos, retornos à escola. Especialista em juventude, foi vendo isso agravar-se, sobretudo a partir de 2011, ano em que em Portugal aterraram os representantes da troika – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
A precariedade entranhou-se. Não é só a taxa de desemprego entre menores de 30 anos que ultrapassa os 26%, quase o dobro da global. É o salário que está 23% abaixo do praticado entre trabalhadores por contra de outrem. Presos às transitoriedades, os jovens e os jovens adultos ficam em casa dos pais cada vez até mais tarde, casam-se cada vez mais tarde, têm filhos cada vez mais tarde.
João conta 32 anos e é professor convidado na Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto. Trabalha há 12 anos na sua área sem nunca ter tido um vínculo sólido. Começou como assistente de investigação. Desde então, passou recibos verdes, recebeu bolsas, assinou contratos a termo. Tinha 28 anos quando deixou a casa da mãe e foi morar com a namorada numa casa arrendada. Planeia o que quer investigar ou onde quer morar, mas não vai muito mais longe. “Não sei o que vou fazer profissionalmente para lá de Janeiro de 2015. Posso arriscar até Junho, depois não sei.”  
Tiago tem 19 anos e começou a trabalhar há quatro. Já esteve muitas vezes parado. Já foi ajudante de electricista, empregado de café, telefonista, carregador, trolha, rufia. Agora é vigilante. “Estou a fazer o Verão, depois logo se vê, não desconto nem nada.” Vive com a namorada em casa da família dela e dentro de dias há-de celebrar o primeiro ano de vida da primeira filha de ambos.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

" DOIS EM UM ..."



Há 41 anos experimentei pela primeira vez o privilégio da maternidade.  Há 13 anos, essa menina que então nasceu, teve também a mesma experiência.  O que significa que a Cláudia e o António Maria aniversariam hoje, 13 de Agosto.

Ela abriu o olho ao mundo pelas três horas de uma segunda feira cheia de sol ...  Ele, pela noite, não lembro qual o dia da semana.
Olhei para ela pela primeira vez nos meus braços, entrava o sol pela janela do quarto.
Era uma menina branquinha, loura ... frágil ... de porcelana ...
Era uma menina que irradiava a luz dessa tarde ensolarada.
E logo ali lhe chamei Cláudia, porque até hoje, ao soletrar o seu nome, ele me transmite sempre uma qualquer inexplicável sensação de luz e claridade ... de sol, que perdura.
Vá-se lá saber porquê !...

Dois leõezinhos de signo.  De coração clubístico também.  A isso, ele já estava predestinado.
Na tarde desse então 13 de Agosto, ainda na barriga da mãe, deve ter esboçado um sorriso malandro, ao "ver" que à sua chegada, tinha de plantão no berço, um leãozinho de peluche e um "mini-cachecol"do seu Sporting, comprados pela tia e madrinha, a Catarina, e colocados estrategicamente à sua cabeceira.
Não havia como fugir, portanto ...

E não fugiu.
O António é um fervoroso adepto do seu clube, e um judoca aplicado, tendo já praticado por lá, outras modalidades.
Transitou para o 8ºano e é um aluno de sucesso.  A Física e a Química já lhe caíram no currículo, e obviamente, mais por descargo de consciência, em vésperas de provas, lá vem o António para uma sabatina da matéria, que domina sem nenhum esforço.
As "ciências" estão-lhe no destino, seguramente, e sem erro.
É  um menino calmo, ou pelo menos tanto quanto o pode ser o mais velho de uma "equipa" de três, "em escadinha" ... 10 e 7 anos.
A viver uma pré-adolescência, com todas as dificuldades que a bendita "idade do armário" encerra, vai pisando dia após dia, um futuro que torço lhe seja feliz.

Desde muito tenra idade "vive" em trânsito entre Portugal e Genève, onde reside o pai.
Entregue às tripulações, começou cedo a "frequentar" o cockpit dos aviões e a maravilhar-se com os seus comandos.  Como seria de esperar, acalenta o sonho e a vontade de ser piloto um dia mais tarde.
É o ídolo da irmã, a menina que lhe vem a seguir, e a única rapariga.  E é o compincha de brincadeiras do Quico, o benjamim da família, outro leão, a aniversariar daqui a uma semana.

Arredada que estou dessas "lides", como protagonista que já fui enquanto mãe, agora nos bastidores, na linha mais atrás, tenho o distanciamento necessário e a isenção para observar o percurso do António, calmamente e sem as ansiedades que a posição de pais sempre acarreta.
E claro, tenho uma bonomia diferente da que tive com a mãe, uma tolerância e uma contemporização ... talvez mesmo uma compreensão mais alargada, para com as suas ainda infantilidades, desacertos e traquinices.  Porque obviamente os tem.

É então que me vejo a sorrir com enlevo e ternura, quando olho as primeiras fotografias ainda "naïves" mas já malandrecas das amiguinhas e colegas, quando percebo as primeiras turbulências emocionais que já o rondam, quando ausculto aquela típica vergonha que faz corar reveladoramente o seu rosto de criança ainda, se a irmã, por pirraça, diz que o António já tem uma namorada ...

É então que percebo como o tempo passou, como o tempo está a passar rápido ... como atrás de tempo, tempo vem.
E que agora é a sua vez, é o seu tempo ...  Eles que estão aí, a iniciar o trilho, a escalar as primeiras encostas íngremes, a ultrapassar os primeiros obstáculos que lhes cabe vencerem, e que nós, os da sua rectaguarda, apesar de muito os amarmos e protegermos, não podemos e não devemos suprimir-lhes.

É a vida !
A vida é esta calha rolante, que vai,  e que vai, e que vai ...
Os  protagonistas  vão  sendo  outros,  porque  os  lugares  vazios  sempre  serão  ocupados  pelos  que vêm  atrás ...



Anamar

terça-feira, 12 de agosto de 2014

" CANSAÇO "



Sabes, eu ainda me importo !
Mas não me perguntes por que me importo,
se eu não quero importar-me ...
O que importa que estejas por aí,
eu esteja por aqui,
se já me esqueci das pontes e das estradas ?!
O que importa que cheguem as horas,
aquelas horas tão conhecidas,
se eu já não tenho relógio que as conte
nem coração que as adivinhe ?!...
Eu quero lá saber do que foi,
se foi isso mesmo ... só FOI ...
uma andorinha fora da Primavera,
um sol serôdio num dia de Outono,
uma esperança que morreu, antes de crescer no pé !...
Estou vazia ...
Esqueci os caminhos sonhados
daquela casa que só eu inventei
Com veredas de sebes,
roseiras bravas e madressilvas cheirosas ...
com cucos e gaivotas no céu ...
porque a canção do mar se ouve perto...
Mas o frio da estação que aí vem, já se anuncia
e ficará até ao fim ...
Porque é o frio do Inverno que sobe
pelos troncos envoltos em musgos,
e que amarinha os rochedos,
perdidos na bruma da serra ...
e vai tolhendo os ossos e a mente ...
e só pára no coração ... quando ele também pára junto ...
Sabes, eu ainda me importo !...
Não me perguntes por que me importo ...
É tão triste que eu me importe,
se não devo já importar-me !!!

Anamar

FLASH DO DIA - " ESPECTÁCULO !..."



O ser humano é verdadeiramente espantoso !

Desci à hora habitual para o local habitual, meio dia, "as usual".
À minha porta também como quase sempre, um grupo de ciganas tenta vender, local que é de circulação intensa  entre autocarros, comboios, supermercados e Centro de Saúde.

As abordagens a cada mulher que passa, são padronizadas e repetidas, em esperança de venda : "venha ver, dona !..."
O cidadão, sem dinheiro e com pressa, agradece, abana a cabeça que não, e segue.  Ou nem sequer agradece.  Ou nem sequer abana a cabeça.  Ignora.

Quase ao mesmo tempo em que eu cheguei à rua, passava um casal ainda jovem.  Ela, uma mulher de vinte e poucos anos, obesa.  Exageradamente obesa.
Daqueles casos que cada vez mais  parecem ver-se em Portugal  e  talvez no mundo.  De facto, a obesidade, mesmo  entre  crianças  e  jovens, tende a  assumir  uma  incidência  tal, que  a  OMS já  refere como preocupante.
Populações economicamente carenciadas, utilizam em última análise, uma dieta desequilibrada, porém mais ao alcance do seu bolso. O "fast food" também é recurso frequente, e dietistas e artifícios estéticos obviamente não são compatíveis.
Tinha esta mulher, como companheiro, um homem africano  também jovem, como ela.

Claro que a mulher chamava a atenção dos olhares.  Também das ciganas, que a seguiram ao pormenor.

De imediato, a meia voz, escutei um comentário entre elas.  Elas que  fazem parte de uma etnia sistematicamente marginalizada ( ! ) :  "Ele já pode dizer que tem uma branca ... e ela, que tem um homem !!!..."

Espectáculo !!!...  Palavras para quê ?!...

Anamar

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

" CRIADOS PARA AQUILO QUE NÃO PODEM OU NÃO QUEREM SER "

Publico aqui, na sequência do post anterior, o segundo artigo  versando o tema  uma visão sobre as "diferentes gerações", na História recente, em Portugal .
                                                                                                  Anamar

Qualquer classificação geracional uniformiza o diverso, mas ajuda a perceber o que é comum.
Os que nasceram entre 1965 e 1981 viveram "uma promessa de estabilidade" e agora lidam com a incerteza, sob forte pressão para terem filhos e serem perfeitos nesse papel.
Este é o segundo de cinco textos publicados ao domingo, sobre as diferentes gerações.



Silvana Mota Ribeiro conta 40 anos e namora há dez.  Se usar um vestido largo, uma suspeita propaga-se no seu local de trabalho - a Universidade do Minho.  Da última vez, perguntou-lhe uma sorridente funcionária : " A senhora professora está de esperanças ?"  Ela arregalou muito os olhos, como lhe acontece sempre que fica horrorizada com qualquer coisa : " Tenho esperança de não estar !"




Portugal atingiu a mais baixa taxa de natalidade da União Europeia.  É forte a pressão para ter filhos, mas aquela a que os americanos chamaram Geração X - a dos que nasceram de 1965 a 1981, ou mesmo a 82, 83, 84, conforme os estudiosos - nunca se rendeu por completo à parentalidade.  Desde que os primeiros atingiram a maioridade, Portugal deixou de fazer renovação geracional.

O país da infância de Silvana era outro.  As crianças ficavam entregues a si próprias sem que aí se visse negligência paterna.  Brincavam na rua com cordas, bolas, bicicletas e carrinhos de rolamentos.
No fim do dia e no fim da semana, assistiam aos mesmos desenhos animados - a Heidi, o Marco, o Conan, o Tom Sawyer, o Calimero, o D'Artacão e os três Moscãoteiros.  Só havia RTP.

Experimentaram o vídeo clipe.  Imitaram estrelas Pop.  Não era fácil chegar às alternativas.  Quem podia encomendava discos e gravava cassetes aos amigos.  A espera era muita.  A dificuldade de acesso só ajudava a intensificar a relação com a música.  Havia tempo para a idolatração.  À boleia do alargamento da escolarização e das classes médias, desenvolviam-se diversas culturas juvenis.


Portugal não é de inventar rótulos geracionais, prefere reproduzir os internacionais, mas tem as suas originalidades.  E, há 20 anos, sem querer, o jornalista Vicente Jorge Silva cunhou esta geração.  Depois de ver fotografias de estudantes do secundário a mostrar o rabo e o pénis num protesto, era Manuela Ferreira Leite ministra da Educação, assinou no PÚBLICO o editorial "geração rasca".  Naquelas imagens via um sintoma de "vazio de valores", de apetência alarve pela "vulgaridade".

A cena que indignou Vicente Jorge Silva era um remake.  Um ano antes, no Centro Cultural de Belém, quatro rapazes tinham mostrado o rabo, com a frase "não pago" pintada, ao inventor das propinas, o ministro Couto dos Santos.  Havia um ambiente geral de insatisfação, recorda um desses rapazes, Luís Branco, agora com 40 anos, a editar o Esquerda.Net, site do Bloco de Esquerda.  "Era o desgaste do Cavaquismo."

Os estudantes tinham tomado a rua.  Primeiro, contra a Prova Geral de Acesso ao ensino superior, um exame de língua portuguesa e de cultura geral, encarada como uma forma de favorecer as classes altas.  A seguir contra as propinas, em defesa do ensino "tendencialmente gratuito".  Depois contra as provas globais.  E não faltava eco.  Entre 1989 e 1993, apareceram a TSF, o PÚBLICO, a SIC e a TVI.
Apregoava-se que não seria pela indústria, pela agricultura ou pela pesca que Portugal se tornaria competitivo.  Havia uma crença inabalável na educação como factor de ascensão social.  Entre 1984 e 1994 o número de inscritos nas universidades e politécnicos passara de 95 mil para quase 270 mil.  A menos que se tivesse dinheiro, a entrada no ensino superior exigia esforço.  As vagas não davam para todos.

Luís Branco perdera o pai aos sete anos.  Filho de uma funcionária dos correios, estudava Comunicação Social na Nova de Lisboa.  As suas lutas pouco interessavam a Abel Humberto, filho de um técnico de farmácia e de uma doméstica, que aos 17 anos começara a despejar cinzeiros, a apanhar toalhas e a lavar cabeças e na altura dos protestos estudantis já ganhava "bom dinheiro" a cortar e a pentear cabelos.
Eram colossais os fundos comunitários destinados a modernizar a economia.  Entre 1986 e 2001, o PIB cresceu a uma taxa média anual de 3,9% e essa abundância relativa enchia restaurantes e cabeleireiros.  "Havia o hábito de ir arranjar o cabelo para o fim-de-semana", recorda Abel, agora com 43 anos.
Emigrava-se menos.  E a vaga de imigração ajudava a insuflar a auto-estima nacional.

"Somos a geração da esperança na bandeira azul com estrelinhas amarelas", resume Silvana Mota Ribeiro.  A televisão passava muitos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.  " E se URSS e EUA se passam ? Estamos aqui no meio !"  Havia muros reais e muralhas imaginárias a separar países desavindos.  A CEE não era só um símbolo de consumo, também de paz, de solidariedade, de igualdade.  Muitos lembrar-se-ão da queda do muro de Berlim em 1989 e da abertura de fronteiras em 1995.  Quem podia, metia-se num comboio e ia ver.  O InterRail, embora caro, era a opção "baixo custo".  E voltava bem a tempo de arranjar emprego.



"Geração interrompida" 

O sociólogo João Teixeira Lopes, a celebrar 45 anos dentro de dias, usa a expressão "geração interrompida" : "Viveu uma promessa de estabilidade.  Conseguiu ter pequenas margens de conforto. Foi apanhada pela crise numa idade em que, num instante, se pode tornar obsoleta, descartável."
O tempo é de sobrecarga fiscal, cortes salariais, elevada taxa de desemprego, recuo na protecção social.  "As dificuldades económicas trouxeram ao de cima dificuldades relacionais", prossegue Teixeira Lopes.  E, mesmo assim, pela primeira vez desde o 25 de Abril de 1974, o número de divórcios baixou.  Muitos têm filhos e "ficam em pânico quando chega o envelope do gás ou da electricidade".
Não cresceram mentalizados para o sacrifício como os pais, amiúde focados na sobrevivência.  Nem estão preparados para enfrentar a precariedade, como a geração seguinte, que nada mais conhece.  "É uma luta do caraças", suspira a técnica psicossocial  Inácia Cruz, de 37 anos.  "Primeiro, já temos alguma idade.  Depois, mistura-se o que imaginamos com o que conseguimos ".

Trabalhou com crianças e jovens de bairros periféricos, mães adolescentes, doentes mentais, sem-abrigo e, um dia, percebeu-se desempregada, extenuada, descomprometida com a sua vida pessoal.  Recompôs-se.
Faz oficinas criativas, dinamiza jogos teatrais, é contadora de histórias, mas ainda não consegue viver só do seu trabalho, acha que ainda não encontrou forma de o promover, como fazem os amigos mais novos.
E dá por si a viver num quarto arrendado e a socorrer-se da mãe.
Inácia acredita que "é possível viver dos sonhos", mas todos os dias sente o quanto isso custa.  Gostava de perceber para onde tudo isto a leva.  Por vezes, pergunta-se : "Onde estarei daqui a cinco anos ?  Gostava de ter um espaço para trabalhar na educação pela arte, um companheiro tranquilo no compromisso, filhos.
É muito difícil ..."  Sem estabilidade, tudo se adia, tudo, até o amor.  Tem "não relações" ou "relações não convencionais".

A forma de encarar o amor diversificou-se.  Discursos tradicionais e progressistas misturam-se, sobrepõem-se, até dentro da mesma pessoa.  Enquanto socióloga dos estilos de vida, Silvana Mota Ribeiro procura tendências e uma parece-lhe evidente : "Esta geração tem muito mais escolha do que a anterior".  Quantas pessoas agora têm uma relação estável com alguém que mora noutro país ?", exemplifica.
"As pessoas encontram-se voando.  A relação à distância já não é um absurdo, uma coisa da emigração, do tempo em que os homens iam e as mulheres ficavam."
Os pais de Silvana ainda a imaginaram a chegar virgem ao casamento - era isso que se esperava das raparigas -, mas ela, como muitas mulheres da idade dela, não pensa em casamento e nunca se sentiu "uma atrevida" por meter conversa com um rapaz que lhe despertasse interesse numa festa.  "A minha geração desenvolveu o que era ainda um discurso em potência em meados dos anos 80.  Tomou em mão o dar o primeiro passo, o primeiro beijo."



"Não és uma mulher completa !"

Vulgarizou-se o divórcio, a união de facto, a família recomposta, legalizou-se o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.  E apesar disso tudo, o "modelo ideal" resiste : um homem e uma mulher entendidos como diferentes e complementares .  E, mal se casam, começa a pergunta : "Então, quando têm um filho ?"
A pressão não é igual para homens e para mulheres e isso, defende Silvana  Mota Ribeiro, não tem só a ver com relógio biológico.  Se o homem disser que um bebé é uma maçada, que prejudica a carreira, tolera-se.  Se for a mulher, nem pensar.  A mulher  continua a ser vista como cuidadora.  "Não és uma mulher completa !", dir-lhe-ão.  "E depois ? Quem vai cuidar de ti quando fores velha ?"

Uma mulher tem de apresentar uma razão externa - é infértil, não tem companheiro, o emprego fica em risco.  Não chega dizer : "Não quero".  Silvana diz.  E ao fim de tantos anos a mãe dela ainda lhe pergunta : "Mas isso é para sempre ?  Não pensas em ter um dia ?"  E ela responde-lhe : " Se calhar não.  Estou bem assim.  Por que hei-de mudar, se estou bem assim ?"  E a mãe começa a falar nas alegrias da maternidade.  "Ai, o que estás a perder !  Sabes lá o que é ser mãe. É uma coisa superior a tudo.  Vais arrepender-te.  Olha que o tempo passa.  Já tens 40 anos !"

Fala na sua opção com cuidado, sobretudo com amigas que sabe pressionadas para serem "mães perfeitas". Sabe que o seu discurso tende a ser mal percebido.  E não quer que a vejam como carreirista, egoísta, sem amor para dar.  " Quando tens um filho, nunca mais és independente", diz.  "Isto é uma coisa muito grande para perder. Tens uma criança e és responsável por ela para sempre.  Nunca mais tens a tua vida só para ti. Não podes partir.  Não te podes fazer ao mundo."

A Geração X não desistiu de ter filhos.  Tem cada vez menos e cada vez mais tarde.  Segundo o último Inquérito à Fecundidade, a maior parte gostaria de ter duas crianças, mas acaba por ter uma.  Foi-se alargando a escolarização, atrasando a entrada no mercado laboral, precarizando a relação com o trabalho e às costas da mulher continuou o grosso do trabalho doméstico.  Já não é como na geração anterior, mas na maior parte das vezes ainda são elas que cozinham, limpam, tratam da roupa.  Poucos homens gozam a licença de parentalidade para lá do obrigatório.
O lugar dos fraldários é nas casas de banho das mulheres.  Isso nunca foi um problema com que Abel se deparasse.  Deixava isso aos cuidados da mãe do filho, agora com cinco anos, que só vê de 15 em 15 dias.

Luís Branco, de certo modo um dos ícones da "geração rasca", tem uma filha de nove meses e uma enteada de nove anos e não tem conta às fraldas que mudou.  Compete-lhe dar banho à menina e adormecê-la todas as noites.  Ele trata do jantar e da louça e a companheira trata da roupa.  A mulher-a-dias trata do resto.

Nem só por vontade masculina a paridade assume contornos de história de excepção.  Como mostram os estudos da socióloga Margarida Mesquita, com maior frequência os homens trabalham por turnos, trabalham mais horas, têm dois trabalhos.  O "novo pai" também sente culpa por ter pouco tempo para os filhos e, por vezes, só não participa mais porque a mulher não deixa.
"Se um ( filho ) ficar doente, só confio em mim ", ri-se a dramaturga e actriz Marta Freitas.  Tem duas crianças de 11 e 9 anos.  "Acho que os pais estão num desequilíbrio muito grande em relação à  forma como são pais.   Têm de trabalhar muito e querem muito estar presentes e acabam por interferir demais."  Faz parte da associação de pais.  Vê como alguns afrontam professores porque  querem mais trabalhos de casa, menos trabalhos de casa, zero trabalhos de casa.

"Acho que a minha geração levou uma chicotada", resume aquela profissional do teatro, que antes estudou psicologia clínica.  "Vive uma mudança muito grande.  As perturbações de ansiedade - os ansiolíticos, os antidepressivos - têm muito a ver com isso.  Estávamos habituados a perceber a vida de uma forma muito linear.  Não havia esta azáfama.  Parece que está tudo em causa.  As pessoas têm medo.  Parece que virou tudo ao contrário.  O que aprendeste como filha já não podes transmitir aos teus filhos porque esse mundo já não existe."
Sem a retaguarda  familiar que existia noutros tempos, pressionada para trabalhar cada vez mais horas por cada vez menos dinheiro, muitos arrastam os filhos de actividade em actividade.  Nesta ânsia de querer preparar os filhos para tudo, e já com os pais a precisar de apoio, parte da Geração X vai-se esquecendo de si própria.

Notícia corrigida às 15h12 : quatro rapazes mostraram o rabo ao ministro Couto dos Santos, não na Universidade Nova, como inicialmente estava escrito, mas no Centro Cultural de Belém.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

" VINTE ANOS PARA GOZAR A VIDA DE REFORMADO "

Aproveitando a preocupação cultural deste meu espaço, faço questão de aqui deixar este texto, que parece vir a ser o primeiro de cinco, a serem publicados nos media, sobre a temática abordada, domingo após domingo.

Considerei-o particularmente bem escrito, denotando uma visão sobre o tema, real, objectiva e muito clara. De alguma forma nele me revi, e ele subscrevo.

Teria pena que ele se perdesse na "poluição" informativa, em que tantas vezes se transforma  a comunicação social, ou  na amálgama de assuntos, disseminada pelas bancas, efémera e rapidamente relegada ao esquecimento.

Como tal, aqui o deixo, neste espaço familiar, desejando que o apreciem devidamente.

Anamar




GERAÇÃO 45-64

Vinte anos para gozar a vida de reformado


Qualquer classificação geracional uniformiza o diverso, mas ajuda a perceber o que é comum. Os que nasceram entre 1945 e 1964 testemunharam ou protagonizaram as grandes mudanças sociais da história recente do país e agora estão a reinventar o que é ser velho. Este é o primeiro de cinco textos publicados ao domingo sobre as diferentes gerações.

Manuela Matos Monteiro pensou muito nisto antes de se reformar, aos 59. Aos 65 anos, uma mulher tem 20 pela frente. “É outra vida!” A geração anterior não se podia dar ao luxo de esperar tanto. As pessoas deixavam de trabalhar e iam “gozar a vida” antes que ela se apagasse. O que é “gozar a vida”? Deixar-se estar na cama até tarde, viajar, passear sem pressa, oferecer côdeas de pão aos patos, contar histórias aos netos, ficar horas a ler, em suma, fazer o que uma vida inteira de afazeres foi adiando? Quanto tempo dura o prazer de ter tempo? Eis um dilema novo que se coloca a uma geração habituada a desbravar caminho.
Os norte-americanos chamaram “baby boomers” aos que nasceram entre 1945 e 1964. Depois de 16 anos de depressão e guerra, houve um súbito aumento de natalidade nalguns países europeus, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. Esse fenómeno, associado ao crescimento económico e à esperança no futuro, ficou conhecido como “baby boom” - explosão de bebés. O rótulo difundiu-se pelo mundo fora.
Não é que tenha havido pico de nascimentos em Portugal. É que o rótulo é antes de mais cultural, explica António Fonseca, da Universidade Católica. E, à sua maneira, o país até viveu uma explosão demográfica. Houve um invulgar crescimento populacional em 1974 e em 1975 - pelo regresso de gente que estava no Ultramar e em países europeus afectados pelo choque petrolífero, como a França e a Alemanha.
Quando Manuela era jovem, Portugal era jovem. Em 1970, havia 33 pessoas maiores de 65 anos por cada 100 com menos de 14. Agora que envelheceu, Portugal está envelhecido. No ano passado, a proporção era de 133 para 100. Mas o que tem ela, filha de um industrial, licenciada em Filosofia, em comum com Zulmira Oliveira, filha de um operário, que fez a 4ª classe e aos 12 anos já era empregada de balcão?
Apesar de singulares, as vidas inscrevem-se em regularidades feitas de marcas culturais, como tantas vezes explica o sociólogo José Machado Pais. Manuela e Zulmira testemunharam ou protagonizaram as grandes mudanças sociais da história recente.
Nasceram numa imperial ditadura. Mobilizado para o Ultramar, o homem por quem Zulmira se apaixonou foi prisioneiro de guerra, retornou com uma tristeza infinita. Já o homem por quem Manuela se apaixonou preparava-se para fugir com ela para França antes que o mandassem para a guerra. Da noite para o dia, a luta pela liberdade deixou de ser um acto clandestino, passou a ser uma festa.

O país abria-se. E a ideia de “juventude sã”, livre de prazeres “fáceis e degradantes”, típica dos regimes totalitários da Europa do século XX,  ia dando lugar a uma juventude com vontade de experimentar, de viver o que antes não se podia, sequer se desejava, porque a falta de liberdade não afectava só o que se fazia, também o que se queria.
Luís Fernandes tem 53 anos e ainda se lembra do dia em que a sua professora de canto coral apareceu com um disco dos Pink Floyd debaixo do braço. “O rock ensinou-me revolução à sua maneira”, comenta. Não era só a sonoridade. Era tudo em volta dela, incluindo as festas que passaram dos bombeiros para as garagens. “O slow dançava-se apertado e à meia-luz. Era o corpo da mulher que estava lá. Percebíamos que podíamos ser livres até nas nossas relações. O ‘peace and love’ e o ‘sex, drugs and rock & roll’ são ícones dos anos 60 que a Portugal chegaram só depois do 25 de Abril.”
O agora professor da Universidade do Porto, especialista em comportamento desviante, cresceu numa família “pequeno-burguesa”. Ninguém falava de política lá em casa. A política, no tempo da ditadura, era coisa de poucos. Nos dias da revolução, estava no Liceu de Gaia e foi lá, nas reuniões dos delegados de turma, que aprendeu o que era democracia. As pessoas levantavam-se, discursavam, gritavam e cada braço valia um voto. Ao chegar à Universidade do Porto, em 1980, haveria de usar roupas coloridas e cabelos compridos, de ser um freak, cultura pós-hippie de jovens urbanos e esquerdistas, que ouviam rock progressivo e psicadélico. 
Nichos de modernidade despontavam, em particular, em Lisboa e no Porto, onde os filhos da insípida classe média tinham tempo para discutir. Fora das maiores cidades, o país era outro. Era devagar que Portugal rural se abria, à boleia da televisão e dos que tinham saído para as cidades ou para o estrangeiro. António Fonseca que o diga. Cresceu em Oliveira de Azeméis, município rural em vias de industrialização, e aprendeu a revolução no Movimento de Acção Católica. Fazia daquilo uma militância como outros da sua idade faziam nas juventudes partidárias – caso de Pedro Passos Coelho (PSD) e de António José Seguro (PS).
Lembrar-se-ão ainda muitos de ver, pela televisão, Mário Soares, então primeiro-ministro, a assinar a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia. E de acreditar que vinha aí um futuro glorioso. A promessa era clara: não estavam fadados à “triste vidinha” da geração anterior, poderiam ter uma vida mais ou menos parecida com a dos povos europeus de que Portugal se queria aproximar. 
O poder de compra era em 1970 metade do da média europeia. Entre 1973 e 2011 foi-se aproximando, de forma progressiva. Alguns começaram a usufruir de prazeres como jantar fora, ir ao cinema ou passar uma semana de férias no estrangeiro. Confirmava-se a promessa de dias melhores, apesar da desigualdade gritante persistir.
O Portugal de 1970 não era só rural e miserável. Era semianalfabeto, empoeirado nos costumes, tacanho nas ideias. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, 27,7% da população era analfabeta; só 0,9% tinha curso superior. Volvidos 40 anos, quando os primeiros "baby boomers” chegaram à idade da reforma, Portugal tinha 5,2% de população analfabeta, 14,8% com curso superior.
“Sobretudo quem era de origem remediada deu um salto muito grande”, nota António Fonseca, que conta 50 anos e tem duas filhas, de 17 e 19. Quando tinha a idade delas, os tempos da vida estavam muito bem definidos. O comum era ir à escola, estudar; sair da escola, começar a trabalhar. A pessoa começava a trabalhar e era adulta. Na dúvida, a tropa fazia de um rapaz um homem. Poucos chegavam às universidades e esses tinham a certeza de que iriam encontrar um emprego à medida. 

A vida era mais linear. Mostra-o até a trajectória de Luís Fernandes. Arranjou aos 24 anos o emprego que ainda agora tem e aos 28 comprou casa e casou-se. Nem precisou de um fiador para obter o crédito à habitação. Divorciou-se. Viveu em união de facto. Tornou a casar-se. E este registo íntimo também é marca de uma geração.
Os estudos da socióloga Anália Torres elencam razões para a multiplicação do divórcio: vulgarizou-se a pílula contraceptiva; aumentaram as liberdades individuais; as mulheres entraram em massa no mercado de trabalho; perdeu peso o sector primário; as famílias encolheram; as relações amorosas tornaram-se mais exigentes.
Os nascidos entre 1945 e 64 passaram grande parte da vida a ensaiar novas formas de estar. E agora, que têm entre 50 e 69 anos, ensaiam novas formas de envelhecer. Alguns quiseram reformaram-se ou estão a reformar-se antes do tempo. Cansaram-se de trabalhar – sobretudo as mulheres, que tiveram de conciliar a vida profissional com a vida familiar, quase sempre com companheiros incapazes de partilhar tarefas domésticas. O marido de Zulmira nem um ovo sabia estrelar. 
A sensação de libertação não dura sempre, avisa António Fonseca. Para a sua tese de doutoramento sobre o envelhecimento, inquiriu 502 reformados e percebeu que a satisfação com a vida cai a partir do quinto ano – “a partir do nono é dramático”. Isso tem diversas explicações e uma delas é a falta de objectivos para os quais canalizar energia. “O gozar a vida é um fogacho. Alguns ficam deprimidos. Arrastam-se pelas superfícies comerciais. Fazem o circuito das doenças. Qualquer sinal os leva ao médico.”
Há quem opte por trabalhar para lá da idade da reforma – uns por razões financeiras, outros para manter uma identidade assente no trabalho. E nem todos os que pedem reforma antecipada querem apenas fugir ao presente. Alguns definem um novo projecto de vida, tratam de reinventar-se.
Manuela e o marido, João Lafuente, trabalham ainda mais agora do que quando ela era professora no ensino secundário e ele se ocupava da informática num banco. “Sempre achei que uma reforma precoce era uma armadilha, sempre achei que tinha de ter um projecto”, diz ela. “A pessoa está habituada a cumprir um horário. Queixa-se disso uma vida inteira, mas sente desconforto quando encontra o tempo aberto. Tenho de ter horários para os meus dias renderem e fazerem sentido.”
Partilham o gosto pela fotografia nas galerias Espaço Mira e Mira Fórum, que abriram no ano passado. Atraem com elas muita gente a Campanhã, freguesia relegada do Porto. “ É uma vida completamente diferente da anterior”, exclama ela. Adorou ser professora. Não se zangou com o ensino. Queria fazer outra coisa. E sente que exerce o seu sentido de cidadania ao “marcar Campanhã de forma positiva”.
Tudo se torna mais difícil quando a reforma antecipada é imposta pelo desemprego e não há margem para recomeçar. A pessoa pode sentir-se um “resíduo humano”, na expressão provocatória do sociólogo polaco Zygmunt Bauman.
No final do mês de Agosto, Zulmira há-de pedir reforma antecipada. No centro de emprego já lhe explicaram que é “o melhor”. Completa 63 anos em Dezembro. Desde os 59 que não consegue regressar ao mercado de trabalho.  Dizem-lhe que naquela idade já não apetece aos empregadores.
Trabalhou 20 anos numa loja. Despediu-se para abrir o seu próprio negócio. Abriu-o em 1986 e fechou-o em 1999. Tudo ia bem até ao marido descobrir um cancro de pulmão. Durante um ano, viveu para cuidar dele. Quando morreu, ficou demasiado desorientada. Nunca pensou que fechar a loja fosse o fim. “Eu sempre adorei o comércio. Pensava que ia morrer no comércio.”
Tinha 49 anos. Fez arranjos de costura para sobreviver. Ainda trabalhou, primeiro, a tempo parcial como repositora numa cadeia de supermercados, depois a tempo inteiro como recepcionista numa empresa de design. Não sabia falar inglês. “Só podia atender chamadas em português.”
Dedicou-se aos netos. Tem dois – um de 13 e outro de sete. Ama-os, mas não deixa que a anulem. “Não posso estar limitada. Os meninos se não puderem vir não vêm. Têm outra avó. Gosto de ir tomar café ou de ir jantar com as minhas amigas. Tenho ido à Baixa com ideia de tomar café e às vezes nem tomo, mas sabe-me bem ir. Vou dar a minha voltinha e faço de conta que fiz uma viagem muito grande. “
A ideia de que o desempregado ou o reformado está disponível leva algumas famílias a tomarem de assalto o seu tempo. E esta geração, ao contrário da anterior, já tende a não achar que isso é um desígnio. Se começar a ser muito solicitada, pode queixar-se de falta de vida própria.
Antes, um velho era um velho. Percebia-se pelo vestuário, pela postura corporal. Até parecia mal usar calças de ganga. “Isso era ser uma velha gaiteira, alguém que não sabia envelhecer”, diz Manuela. “Neste momento, todos os velhos são gaiteiros!” Vingou o culto pela juventude. O mercado publicitário já percebeu. Há cada vez mais anúncios com grisalhos muito enxutos. E a questão que se impõe, repete Manuela, é esta: “A pessoa tem 64 anos, está saudável, tem energia, tem competências, tem uma perspectiva de vida de vinte anos. O que faz com isto?”
Haverá muito para repensar para lá dos programas de voluntariado mais adequados a esta nova realidade, que já não tem só terceira idade, também tem quarta e quinta. António Fonseca defende um modelo de passagem gradual à reforma. “Numas empresas isso não seria possível. Noutras seria e essa possibilidade devia ser dada ao trabalhador. Com reforma gradual ia preparando o passo seguinte.”
O impacto nas contas públicas é cada vez maior. Os pensionistas da Segurança Social já somavam 2.981.635 em 2012; os reformados, aposentados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações outros 603.267. Todos juntos representam 40,1% da população residente com 15 e mais anos. Muitas vezes são eles que apoiam filhos com vidas profissionais periclitantes - tantas vezes espantados por perceberem que, afinal, não haveria sempre crescimento. A sua geração vive melhor do que a anterior, não é líquido que a seguinte possa dizer o mesmo. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

" E MAIS O QUE EU INVENTAR ... "



A gente faz os lugares ...
Sem  dúvida,  cada  vez  mais  me  é  óbvio que não adianta estar-se  no paraíso, se  o  paraíso  não  está  em nós ...

Por isso, pode estar-se na maior solidão e abandono, rodeado de gente, pode estar-se infeliz  frente a um cenário deslumbrante, ou no mais cobiçado canto do mundo, no espírito de qualquer mortal ...
E ao contrário, conseguiremos descortinar o sol e sentir o seu calor aconchegante a envolver-nos, conseguiremos sentir-nos plenos ainda que sós, preenchidos de emoções e de paz, mesmo em condições precárias,  mesmo com poucos requisitos cumpridos, ainda que teoricamente talvez isso não fosse expectável .

Picasso dizia " Há quem transforme o sol  numa insignificante bola amarela, e há quem transforme uma bola amarela no próprio sol !... "

E isto é absolutamente verdade, todos o sabemos e sentimos.
A felicidade não está nas coisas, nos lugares, nos momentos ou nas pessoas que os preenchem.  A felicidade está, ou não está, dentro de nós, num coração desarmado, limpo, disposto  e  aberto a deixar-se tomar, invadir, preencher ...
O recheio sempre tem que ser interior ... é o da alma e do coração !  O conteúdo é o da disponibilidade do espírito, para transformar as pequenas coisas insignificantes, em grandes acontecimentos gratificantes.

A fotografia mais genuína de um lugar, não é a que cuidadosamente captamos com a máquina.
Essa é uma mera imagem impressa numa película, numa memória.
Essa está despida, nua, vazia ...  Essa, é "curta", incompleta e é irreal.
A verdadeira fotografia não existe, nem vale a pena tentar fazê-la, porque ela é um misto de vectores indescritíveis, incomensuráveis e intransmissíveis.
Ela transportaria todos os valores de cor, luz, brilho, som e imagem, que a objectiva captou e a tecnologia processou, duma forma aparentemente perfeita e sofisticada.  Mas também e sobretudo, ela teria que transportar toda a amálgama de componentes respeitantes à subjectividade, à sensibilidade, à emoção ...
Ela teria que conter o som ( não o que ficou registado na câmara, mas aquele que apenas os nossos ouvidos "ouviram" ... ), o calor ( aquele que nos embriagou e nos impregnou a alma ... ou o friozinho que nos percorreu, porque isto, ou porque aquilo ... ), o silêncio que talvez então nos cortava a respiração ... o tique-taque desordenado das batidas do nosso coração ... ou a mansidão das lágrimas que desceram em emoções incontidas e teimosas ... nesse momento ...
E teria que conter os cheiros que não se descrevem ... nunca se descrevem ... Os sentidos, todos os sentidos também ...
E os sentidos são isso mesmo ;  "sentem-se", não se racionalizam, nem têm alfabeto com que se digam ...

... E  obviamente  "essa"  fotografia,  "essa"  imagem  única  e  exclusiva, é  pessoal, é  impartilhável, é indescritível ...
Viveu-se e é nossa, só nossa ...  É riqueza pessoal.  Morrerá connosco, ou com a morte das nossas memórias !!!

O mesmo com os lugares ...
Posso vivê-los, ou posso só inventá-los.
E vivendo-os, ainda assim, sempre os viverei dependendo daquilo que me preencha e eu transporte dentro de mim, nesses instantes, da minha capacidade de ainda me emocionar, me surpreender, da minha disponibilidade de coração, da grandeza da minha alma ... do espaço que dentro de mim, eu ainda tenha p'ra sonhar ...

Em suma, da força de que eu disponha  para transformar o tal  borrão amarelo, num imenso sol na minha vida !!!...


Anamar

quinta-feira, 31 de julho de 2014

" TANTO TEMPO JÁ !... "




Pensava eu com os meus botões, olhando o insípido cinzento do dia, num Verão nem carne nem peixe :  faz hoje vinte e dois anos que a vida me deu uma rasteira daquelas !
Faz hoje vinte e dois anos que o meu pai me deixou ... E com ele, partiu aquela ingenuidade e bonomia com que acreditamos as coisas certas da vida .
Como se a vida tivesse "coisas certas" !...

Foi o primeiro grande revés, assim uma espécie de experiência em proveta, para ensaios futuros.
A gente balança, a gente degusta o sabor azedo do abandono, a gente experiencia mesmo a doer, uma orfandade estranha, como o menino sozinho que no deserto  olha as areias monotonamente iguais, a perder de vista, sem caminhos ou nortes ... e não sabe para onde há-de ir ...
E zanzamos por ali, sem atinar muito bem se apanhamos os cacos, se reconstruímos o puzzle, se somos capazes de seguir adiante, apesar daquela injustiça contra-natura  e mortal.

Depois, recomeçamos.
E recomeçamos com novos códigos, novas formas de sobrevivência, novos acreditares, novos empenhos ...
Porque o ser humano tem inata em si, a capacidade regeneradora.

Recomeçamos ano após ano, mês após mês, dia após dia, por cada nascer e cada por de sol.
Por cada alegria ou cada tristeza, por cada insucesso ou cada vitória, por cada riso ou por cada lágrima !
Esgravatamos cada pedra coberta de musgo, e com dedos sangrando, progredimos na encosta ... quando quase já não acreditamos !

Renascemos com cada filho que se aninha no nosso colo, com cada neto que nos conta a sua história, com mãe velha, sequiosa de mimos ...
Reerguemo-nos com cada amor que pinta de arco-íris o nosso céu ... ainda que o arco-íris seja passageiro, e sirva só de trampolim às estrelas ... e nós o saibamos ...
Amarinhamos até ao pico da montanha, sempre que precisamos ver o céu azul, quando as forças ficam falhas ... uma e outra vez ... E não sossobramos ...
Olhamos as flores, e deixamos que os colibris bebam as nossas lágrimas teimosas, que às vezes ficam cegas frente ao universo, complacente e generoso ... E ajoelhamos, que é o primeiro degrau  para  a humildade do percurso ...

E recomeçamos, com as bengalas dos que nos amam, depondo armas de mágoa, deixando raivas e ódios pelos atalhos e veredas.
Aprendemos a perdoar, porque queremos e somos capazes ... E um coração sem dores impressas, pesa-nos menos na jornada !
Perdoamos, mas não esquecemos ...
As páginas do livro foram escritas, e sempre as folheamos, quando nos faz falta ...

E recomeçamos, quando parece que já não há muito para recomeçar.
Mas sempre há !   Porque todos os dias têm alvoradas,  e todas as manhãs acordam de uma noite.
E se hoje choramos, amanhã iremos seguramente gargalhar ... porque a roda é isto... voltar ao princípio, todas as vezes que se fechou o ciclo !

Há vinte e dois anos que fiquei mais pobre ... Ilusoriamente mais pobre, apenas !
O meu pai partiu, só porque tinha que partir ... Era a hora, urgia cumprir o decidido.

Deixou-me  uma nuvem de afecto, à qual só eu tenho acesso. Da qual só eu conheço a chave de entrada.
E ganhei um querubim de olhos verdes, gestos doces e asas protectoras, que me toca ao acordar, que me embala ao adormecer, e que conversa comigo à surrelfa, quando ninguém está por perto, na nossa linguagem  única, nos nossos diálogos de silêncio, e eu o "alugo", com  as  minhas  dúvidas, as  minhas ansiedades,  as  minhas  inquietações  e  os  meus  medos ...

É com ele que renasço, quando ofego de cansada ...
É com ele que recomeço, quando penso que já não vale a pena !...

Anamar

quarta-feira, 30 de julho de 2014

" TRANÇAS E LAÇOS "


E depois ela chegou do alto dos seus quarenta anos, e disse :  " Mas tu não tens a noção ?  Perdeste o senso do ridículo, logo tu que sempre receaste isso ... Não vês que tens quase setenta anos ?! "...

Ela, a outra, emudeceu, sucumbiu ao "murro", e ficou fora de combate ...

Afinal, tudo se resumia a ter feito uma trança discreta no cabelo em jeito de bandolete, por sugestão da cabeleireira que teimou em mudar-lhe o visual ... deixá-la mais jovem ...
Mais jovem e bem ...  que visse no espelho, que constatasse como era verdade ... " Olha que bem, p'ra não ser sempre a mesma coisa !..."
Contemporizara, até achara que era verdade. Um ar mais agaiatado, sem o ser, espreitava-lhe das montras e dos vidros das portas, no regresso a casa.

Nunca se atrevia muito à vontade,  a fugir do clássico com que enchia a vida.
Contudo,  sentia-se contente com alguns rasgos temerários, com que às vezes a desafiava .  Como se fosse uma pirraça ou uma partida que lhe pregava, em resposta a tantas outras com que ela a mimoseava.
Parece que um qualquer "lápis azul" no subconsciente, se habituara a mandar e a desmandar, e admirava a independência e a estaleca dos excêntricos.
Achava  que  sem  dúvida era necessária uma "robustez" psíquica,  para passar sorrindo, p'lo meio da multidão ... p'ra desafiar a "carneirada", impor o seu estilo independente.
Exagerava, claro. Mas desta feita, sentia-se furiosa.
"Quase setenta anos" ?  Ela, que não havia muito iniciara a década, não parecia sequer tê-los, e pactuara com  a designação de "sexalescente", quando a brincar camuflava o desgosto do estatuto ?!...

Mazinha ela ... a outra.
Incisiva, cirúrgica, sabendo bem demais onde dava a trancada,  conhecendo à légua a ferida onde escarafunchara ...

E ostentava  a "autoridade" própria de quem sabe do que fala. Ostentava o ar sabedor dos que falam de cátedra.  O jeito provocatório de mestre-escola, que se vê compelido a chamar à palmatória, o aluno "pintas" que deu uma de insubordinado.
Onde é que já se viu, achar que já pode ... que "ainda" pode ???!!!...

Ostentara uma rapidez no gatilho, na avaliação sumária, sem direito a defesa  por parte de quem se "passara", quem perdera o norte, a razoabilidade e o senso de conveniência ...

"Ai, ai ..." - parecia dizer ..."Olha-me esta agora, armada em menina !  Se não ponho cobro nisto, qualquer dia aparece-me de tótós, laços e saia de roda ...   Senil ... a minha mãe só pode estar a ficar senil !..."

Acabou-me com a festa !...
Aquela maldadezinha de fim de dia, pôs-me o rabinho entre as pernas, e fez-me sentir qual rafeiro vira-lata, envergonhado, que não entende por que não pode mijar no pára-choques do carro.
Fez-me sentir uma prevaricadora  entontecida, sem enxergar que a  idade confere acrescidas  obrigações sociais  e  pessoais,  parece ... ao  invés  de  conferir  estatuto,  posto  e  autonomia  (pensava eu, asnaticamente ...).
Idade impede já  (ao contrário do que às vezes eu também achava ), que se possam atrevidamente  enfrentar  descontraídamente as "red lines", que se saltem de ânimo leve, as barreiras ... impede que se tenham veleidades serôdias, tonterias inconsequentes ...
A menos que fiquemos indiferentes a que nos achem "gá-gás" ... é claro !...
E disso, ela, a outra, queria obviamente poupar-me ...

Acho que estava sol, mas apagou-se-me um pouco, no horizonte.
E senti, como se deve sentir a andorinha a que tivessem cortado asas ...
Senti, como se deve sentir a criança que se acha a mais linda da festa, até perceber que talvez não seja bem assim ...

Esvaziei-me.  Como o balão que teve a pretensão de voar, e dez segundos depois, está no chão ...

Acho que ela nunca irá atinar até onde foi...
Talvez...Talvez daqui a vinte e tal anos ela consiga perceber, se ainda puder lembrar ...
Mas sempre vai achar que exorbitei ... tenho a certeza !

Por que é que a gente põe filhos no mundo,  filhos que não conhecemos e que não nos conhecem ???!!!...

Anamar

domingo, 27 de julho de 2014

" NADA A FAZER !!!... "




Não sei se todos serão assim, ou se pelo menos as mulheres serão assim.

Cheguei a uma fase da vida em que se me impõem à frente dos olhos, as limitações inerentes ao avanço dos anos.
Ao longo dos tempos,  sempre fui uma "descontraídona",  uma atrevida e uma desafiadora em relação ao seu percurso.
Achava-me invencível, achava que nada me poderia tirar a robustez. , a agilidade, a invencibilidade... e até a dose saudável de loucura, que achava ser-me devida !...
Como por feitio sempre desafiei os dias e os anos, sempre os provoquei, e sempre fui bem mais saudável comparativamente a muitas colegas e amigas da minha faixa etária, sempre vivi descontraída, sempre ousei isto e aquilo em contra-ciclo com as posturas convencionais, sempre desvalorizei  talvez  demasiado inconscientemente, o espectro dos males possíveis ...

Contudo  o  tempo passa, e de repente há um dia em que às vezes, por nada em especial, parece que acordamos para a realidade, e consciencializamos que talvez,  na verdade,  tenhamos vindo  a  perder capacidades,  desenvoltura,  sagacidade ... E  não  achamos  graça !...
Deixámos de ser escorreitos física e mentalmente, deixámos de ter aquele entusiasmo, de ter aquela disponibilidade de espírito que nos permitia arriscar, achar graça a tantas coisas, avançar p'ra tantas outras, ainda com o desejo de aventura, e com a adrenalina de outros tempos.
Ficámos comodistas, arreigados a uma vida demasiado morna, a disposição para o risco ainda que calculado desapareceu, os medos instalam-se, a noção de fragilidade e vulnerabilidade agiganta-se, a convicção de limitação também, o fantasma do perigo, do susto da incapacidade se instalar, fica premente, e premeia-nos com ansiedades e pânicos, injustificáveis muitas vezes !...

Dou por mim a ter cuidados redobrados, na rua, com as quedas ( parece-me sentença certa, uma fractura de perna, se cair ... Não faço por menos ... )
Dou por mim a verificar desgostosamente, como fica difícil amarinhar a um banco, p'ra acertar o relógio de parede, e a ter medo de subir...Até porque as pernas viraram chumbo ... com os diabos !...
Dou por mim a constatar como a cabeça parece perra, e a linguagem pouco oleada, no falar e no escrever ... eu, que sempre fui desembaraçada para o efeito ... E afianço que começo a ter sinais de Alzheimer incipiente ...
Dou por mim, a ver com desgosto, que objectivamente não vejo ... ou seja, se calhar tenho que me habituar a viver num "aquário" de água turva, porque contornos bem nítidos, olhar acutilante, preciso e límpido ... talvez nunca mais !...
Que ouvir ... bom, se olhar o mexer dos lábios do meu interlocutor, é mais fácil ... Senão ... os sons misturam-se todos, e ao meu tímpano poucos chegam definidos ...
Dou por mim, dei pela primeira vez este ano, na viagem que sozinha fiz recentemente para o estrangeiro, como habitualmente, a apavorar-me na eventualidade de lá poder adoecer, na inventada hipótese de um acidente, de um ferimento ( eu, que sempre achei com alguma inconsciência, é verdade, que não haveria de acontecer logo a mim, e que o isolamento e a distância não eram problema ... Afinal o mundo é logo ali, tudo ao virar da esquina !...
Dou por mim, em última análise, a evitar fazer exames médicos de rotina, porque ... receio o resultado, e mais o que "eles" dêem em inventar !... (rsrsrs)

Bolas !  Isto é velhice ?  É degenerescência mental ?  É estupidez mesmo ???...

Acho que é apenas mais um capítulo da velha guerra sem tréguas, travada entre mim e o avanço dos anos e da vida.
É a inaceitação da inevitabilidade da progressão inelutável do tempo ...
É a  raiva  de estimação contra o ciclo da existência, que me parece sem sentido, sem lógica, sem explicação e sem razão ...
É a  sensação azeda de ser a tal peça de xadrês movida sem regras ( e sem que ninguém mas tenha ensinado, algum dia ) ...
De ser o tal actor largado no palco onde uma peça se desenrola, e a quem ninguém teve sequer a gentileza de  explicar  qual  o  enredo ... menos  ainda  se  queria  participar  da  mesma ...
De ser a marioneta mexida a cordéis, aleatoriamente, ao sabor dos dedos caprichosos de quem tenta dar-lhe vida ...
É a velha sensação, de que alguém prepotentemente  goza, ou perdida ou indiferentemente, com os peõezitos por aqui largados ( nada muito importante, afinal ... ), mera carne para canhão lançada em cenário de guerra ... E que cada um  invente, que se safe o melhor que possa ... que se "amanhe" dentro do contexto ... que descortine como sobreviver !...

E depois há os que sabem fazê-lo, e os que não, os pragmáticos e os que não, os que estrebucham e os que não, os que se importam, e os que se indiferentizam e seguem ... amodorradamente ... anestesiadamente ... apaticamente, sem grandes ondas, turbulências ou convulsões ... navegando à bolina ... acomodados que são !...
E os que não !!!...

É demasiado rocambolesco e de mau gosto tudo isto.
É um "nonsense" sem tamanho, um filme de humor negro de mau gosto, um sketche dos Monty Python em fim de carreira, que não consegue sequer, arrancar-me  já,  uma  só  derradeira gargalhada !!!...

Anamar