sexta-feira, 5 de agosto de 2016

" E TANTO SOL LÁ FORA ... "



Chegada de fresco há poucos dias, fui "recepcionada" p'la mais inusitada cabotinice da actualidade, neste mundo que alucinou de vez ...
Mais um "fenómeno" social que a minha mente não abarca : a "caça"  de Pokémons !

E o mundo em desvario, numa correria louca e desenfreada, em torno de mais uma aplicação virtual, lançada numa realidade de vida , cada vez mais virtual também, menos verdadeira e essencial, de facto.
Manobras de diversão, intencionalidade garantida, gente por detrás a ganhá-lo, como sempre ...
Enfim, talvez nada de novo, e a turba humana envolvida até ao tutano, numa palermada universal !

Uma brincadeira, um jogo ... garantem-me.  Totalmente inofensivo e ingénuo ... não creio.

Dou por mim a pensar :  " Enquanto isso, os problemas reais que nos afectam objectivamente, a confinarem-se a uma área difusa de disponibilidade mental ...
As dificuldades gritantes que enfrentamos no dia a dia, anestesiadas, desvalorizadas, alienadas ...
O pessoal, se possível, ainda mais obcecado com os dispositivos electrónicos, desviado intencionalmente de tempos úteis de saudável diversão, de lazeres construtivos, arredado de boas leituras, de convívio gratificante ...
Os nossos jovens, uma outra vez, canalizados para interesses absurdos, para entretenimentos idiotas, em desvalorização de tantas alternativas válidas e adequadas à sua idade e necessária formação ! "

Enquanto isso, tanto sol e tanto mar a serem olhados, uma natureza abençoada à nossa volta, e um céu tão azul por cima das nossas cabeças, que teimam em deixar-se aprisionar nos monitores, nos tablets, nos plasmas dos telemóveis ...

E é tudo tão sem nexo e estranho, que, enquanto isso, no entanto, dou por mim a questionar-me se não estarei eu, simplesmente a ficar velha e desajustada de mais ?!
Se não estarei a incorporar  um "velho do Restelo" demasiado inflexível, intolerante  e excessivo ?!
Se esta minha relutância na aceitação destas facécias que considero idiotas, não será sinónimo de uma qualquer fossilização pessoal ?!
Se esta minha resistência, incompreensão e não adaptação a estas "ondas" aparentemente leves e lúdicas da vida, não advirão de, de facto, a encarar quase sempre de uma forma bem séria, definitiva e determinante em demasia ?!
Ou será simplesmente que as minhas "aguarelas" estão a descolorir na pintura da existência, e eu começo a enxergar a realidade que me cabe, redutoramente  a preto e branco ?!
Enquanto isso, começo a sentir-me "outsider" e marginal no meio de valores que não entendo, pautando-me por cartilhas se calhar "demodées", desajustada de um mundo e uma realidade que já não percebo, não entendo e onde me começo a mexer mal ...

Enquanto isso tudo, começo a ficar preocupada  !!! ... ( rsrsrs )

Anamar

sábado, 16 de julho de 2016

" E VOU POR AÍ ..."




Chega uma altura em que parece que não há remédio ...
E acho mesmo que se não fosse de outro modo, seguramente me nasceriam asas nas costas, e ainda assim, eu partiria !

Tenho uma alma por demais inquieta, tenho um espírito desassossegado, e as grades de gaiola não são para mim !
Coisa de genes, já o referi vezes sem conta.
O meu pai começou a morrer aos poucos, quando deixou de se poder perder por esses caminhos errantes, na sua profissão de viajante.
Ele era muito mais que um caixeiro-viajante.  Ele era um pardal saltitante por essas ramagens sem dono, livre e solto como a sua alma !

Eu herdei essa coisa de saltimbanco do destino. De insatisfeita de Vida !
E quando o sufoco se me apodera do coração, me tolda a mente e me perturba o sono ... eu sei que chegou a hora.  E sei também que há uma improbabilidade absoluta de continuar por aqui ...

E vou ali, e já venho !

Cerro as janelas, desligo o computador, despeço-me do sol e do céu que por aqui ficam, beijo angustiada o Jonas e o Chico que comigo dividem as vidas todo o ano ... penitencio-me por ter de o fazer, e peço-lhes que me aguardem ... Voltarei da rua num belo dia, e tenho a certeza que me saberão, mal o elevador pouse no patamar !..

E carrego comigo os sonhos sonhados, os desejos formulados, a imperiosa necessidade de ir por aí .
Carrego o sorriso rasgado da  menina a quem deram um presente.  Carrego o sabor de uma liberdade que me acaricia o coração.  Carrego a leveza da aventura adivinhada.
Parto de alma lavada e espírito desarmado.  Aberta a tudo o que os meus olhos possam enxergar, os meus ouvidos escutar ... mais do que respirando, sorvendo todos os cheiros, embriagando-me com todas as cores, extasiando-me com a luz, os sons e os sabores que a Natureza me possa oferecer !

Quero jogar o meu corpo nas águas cálidas e mansas.
Quero mergulhar na sombra da mata.
Quero perder-me nos pores-de-sol em fogo.
Quero silenciar-me no luar prateado de uma lua cheia que é sempre imensa, como imenso é o firmamento negro, pintalgado de todas as estrelas do universo.
Quero escutar o vai-vem das ondas que não chegam a sê-lo, e são apenas uma babugem rendilhada de véu de noiva, na areia branca.
Quero ouvir os pássaros no dealbar de cada dia e devassar-me com o adocicado gratuito de todas as flores e todos os frutos ...
E quero olhar o riso das crianças.  Afinal elas são todas iguais e todas diferentes, em todos os lugares do mundo !

Deixo a minha realidade quotidiana, por cá.
Deixo as minhas rotinas.  Os lugares que por serem de sempre, me sufocam.
Deixo os meus, de coração.  Com uma ansiedade enorme, é certo ... mas que terei que dissipar.
E vou  recarregar as energias, que nesta altura da minha vida, por todas as razões, estão exauridas.
Vou consertar o coração, porque também ele, o carece há muito.
Vou costurar a alma, esfarrapada que está, há tempo de mais.

E votarei. Breve voltarei !
Afinal, o  tempo não passa ... escoa como a areia por entre os dedos. Voa, como a brisa da tarde, que nunca se deixa prender ... foge, como o rasto da ave que perpassa rumo ao arvoredo !...

Deixo o meu beijo para todos.
Por cá, fiquem em paz, com tudo de bom nas vossas vidas !  E ... ATÉ  BREVE !...

Anamar

quarta-feira, 13 de julho de 2016

" HINO "





Caminhar ...

Caminhar sem rumo ou definição, caminhar só porque sim, perseguindo as asas da borboleta que caminha, voando ... é uma ânsia ancestral, que me coexiste, ou talvez me preexista, desde o útero materno.
O meu pai foi um caminheiro de destino. Por obrigação, por profissão, porque tinha que ser assim !
Eu, caminho no coração e na mente desde quando o dia me começa  a raiar, até que durma num firmamento adocicado de cores amortecidas.
E porque o betão me sufoca, os cogumelos dos Homens me violentam, as grades que eles lhes colocam me aprisionam, os trovões que ribombam  pelas ruas e pelas estradas me ensurdecem ... eu não sou feliz !

A maior volta que dou, é ao redor de mim própria.
A  maior viagem que faço, é nas rotundas da minha vida.
A maior aventura que vivo, é quando corro pressurosa, atrás dos sonhos.
O maior caminho que percorro é o que faço cavalgando a crista da onda que vai e que vem, e que sempre virá e irá pelos destinos perdidos da minha imaginação ...
O maior desafio que enfrento é a busca permanente da esperança, para alimento do meu ser ...

Os meus pés são de caminhante que recusa horizontes, mas a minha alma é a de pássaro que não conhece gaiola.
O meu coração salta de ramagem em ramagem, em qualquer pedacinho de terra que abrigue uma sombra.  E voa, alto e longe, livre e solto, como o condor dos penhascos.
E a sede que me sufoca, mendiga a paz de água das fontes ...

E vou andando, triste e definhante .  Mas sei que não pertenço a este chão !

E chega um momento em que devo partir.
Chega um instante em que sufoco, se continuar por aqui.

É quando o silêncio me é razão de vida.  É quando o sol ao despedir-se lá longe, me sussurra segredos de outros céus, outros ocasos, outras brisas que percorrem outras matas, de outras paragens ...
É quando o nariz me reclama cheiro a terra molhada.  Maresia de mares sem fim.
Quando luas cheias de firmamentos escuros, pontilhados de luzes tremeluzentes, se tornam imprescindíveis ...
É quando a melopeia dolente de mares infinitos, me ecoa trazida no cântico dos búzios e das sereias, pelas madrugadas ...
É quando os sons únicos,  são os da Terra, que acariciam e não regateiam ...
É quando me procuro, na ânsia de me encontrar ... É quando tropeço mas recuso cair, e soergo-me num desafio incessante de me superar ...

E lanço-me do ninho, como andorinha nascida, que intenta o primeiro voar.
Lanço-me no espaço, como a borboleta que desembaraça as asas ao deixar a crisálida.
Ergo-me, como o cervo titubeante largado da placenta, nas terras de África ... Porque acredita.
Faço-me à estrada ... pé ante pé ... apalpando o terreno, na dúvida do desconhecido.

Faço-me gente, e caminho. Esqueço o cansaço e as agruras. Seco as lágrimas e a dor.  Mato a fome com o sabor da paz ... E parto !

Porque não importa o caminho ... importa sim, caminhar !...

Anamar

segunda-feira, 11 de julho de 2016

" O SONHO COMANDA A VIDA "




O país deitou de verde e vermelho ... amanheceu de verde e vermelho ... aliás, eu nem sei se houve noite !

Esqueceram-se as dores, esqueceram-se as mágoas, os anseios, as dúvidas e as incertezas ...
O país abriu um parêntesis, e suspendeu-se por um tempo.
Este, o sortilégio do futebol !...
Ou melhor ... este o sortilégio da concretização de um sonho sonhado, que parecia inalcançável, e afinal, o não foi !
E era um sonho tão imenso, tão acarinhado nos nossos corações, que teve a dimensão do seu tamanho ... ou seja ... infinito !

As pessoas mobilizaram-se em redor da nossa esperança.  As pessoas uniram-se em torno do que merecíamos.  As pessoas reacreditaram, como se reacredita em causas nobres ... aquelas que o coração alberga ...
Parecia legítimo que um pequeno rectângulo aqui esquecido nesta Europa de Deus,  uma pequena terra engenhosamente tratada como enteada dos privilegiados ... um pequeno país, ardilosamente segregado pelos donos de tudo ... parecia justo, dizia, que erguesse a cabeça, se mostrasse ao mundo, com a cara e a coragem de quem lhe deu a História!
E Portugal, com a humildade que nos talhou, com a força e a determinação de quem nos forjou e com a coragem e a fé do sangue que indistintamente nos corre nas veias, acreditou, perseverou, alcançou !
Lutou, agigantou-se e valorizou-se, sem baixar a cabeça e sem se acobardar, frente ao favoritismo dos que são favoritos, só porque o são, mesmo que o mérito lhes possa não corresponder.

E mostrando uma vez mais que querer é poder e que um sonho que se sonha junto, vai muito além da força do simples crer, fomos adiante e cumprimos uma vez mais, o destino !
E a História voltou a fazer-se com a mesma tenacidade, arrostando marés adversas, ventos de temporal, e tocaias plantadas no caminho...

E hoje, as ruas, as praças, os viadutos, as pontes, tudo quanto era uma nesguinha de chão, um pedacinho de terra, o topo de uma estátua ... ao sol ou à sombra, sentados, ou em pé, horas perdidas desde a madrugada ... havia um português presente de corpo e alma, agradecido àquela gente que deu o suor, o esforço, e o sangue por uma causa que cresceu, que avassalou, que unificou, que varreu e que se tornou a onda gigante e incontrolável de nos sabermos felizes !

A onda que fez de cada um de nós, amigo do desconhecido ao nosso lado...
Que nos fez rir do nada, que nos tornou crianças irreverentes nos saltos e nos gritos, que nos uniu nos cânticos, nos slogans, no Hino ...
A mesma onda que foi uníssono no Brasil, em Timor, em Cabo Verde, em Angola ... em todos os países onde as nossas raízes nunca deixaram de dar flores e frutos ... nas bocas de todos os emigrantes que ponteiam o mundo de pedacinhos de Portugal ...
A onda que nos envolveu na bandeira da nossa vontade ...
A onda que nos prendeu uns aos outros com os cachecóis do nosso contentamento, que nos pintou e iluminou com as mesmas cores ... o verde, o vermelho e o amarelo dos nossos castelos, uma vez mais inexpugnáveis!...

E este pequeno país periférico, este sul de uma Europa chauvinista e xenófoba, este nosso torrão natal ... "lá bas", para uma França que teve que nos engolir ... mostrou de novo a sua raça, acordou de novo os seus brios, fez da dor uma força sem tamanho ... e encheu-nos  os corações, com uma alegria sem medida !
E Portugal fez-se presente na Europa, fez-se Gente no mundo, fez-se desígnio do destino !

Não vou acrescentar mais nada a tanto quanto tem sido dito, contado, falado, dissecado .  Todos vivemos tudo, bem de perto.  Todos sabemos exactamente de tudo.  Todos sofremos, rimos, chorámos, barafustámos, apoiámos os nossos putos !

Eu, fico com uma dívida de gratidão acrescida, a esta vitória :  a minha mãe que caminha para os 96 anos, viveu um dos dias mais felizes da sua vida.
E ela que com grandes períodos conturbados de demência, atravessa agora um privilegiado tempo de alguma acalmia mental, diz-me que já pode morrer em paz ... e não importa que daqui a quatro anos já não possa assistir ao novo Campeonato, já que este lhe deixou o coração pleno de felicidade !...

Anamar

segunda-feira, 4 de julho de 2016

" QUANDO ELES PARTEM ... "





Fica estranho quando as nossas relações começam a partir.
Ficamos com a certeza dura de que somos mesmo "muito mortais", vulneráveis, bem frágeis afinal.

Em crianças "desconhecemos" a morte, e sempre tentam suprimir-nos ao seu confronto.
Alguma que outra referência a ela, investe-a de um poder fantasmagórico assustador, que logo afastamos no instante seguinte.  É uma entidade perturbadora, felizmente pouco consistente nos nossos espíritos infantis, que contudo nos aterroriza.
Mesmo a mera conjectura de uma futura orfandade inevitável, deixa-nos à beira de uma desprotecção que raia o pavor.  O vislumbrar dessa hipotética situação  amedronta-nos, e por defesa sempre a tentamos alienar da nossa mente.
Quando nos assalta as noites, vira um pesadelo sem tamanho que nos desperta em lágrimas e soluços.

A adolescência, depois a juventude, começam a mostrar-nos uma realidade mais crua, ou melhor, começam simplesmente a familiarizar-nos com a Vida.
Começamos a tomar pulso ao efémero da mesma, à sua precariedade, à sua insegurança, à lotaria ou roleta russa que ela representa.
Percebemos que para morrer basta estar vivo, que a rota vai encurtando por cada dia que vivemos, que as hipóteses se vão delapidando, e que talvez não seja exactamente essa coisa sonhada  de muito destino adiante, de muito sonho a sonhar-se, de muita estrada ... quase infinita estrada, a fazer-se ...
Contudo, à semelhança daquelas férias de Verão da nossa juventude, que não acabavam nunca, ainda assim, parecemos convictos de que ... meu Deus ... tanta Vida dispomos à nossa frente !...

É uma fase da nossa existência que nos confina a um estado de graça que quase nos imortaliza.
É uma fase em que tudo podemos, em tudo acreditamos, até mesmo na fé de que nenhuma injustiça existencial nos atingirá !
É a fase da luta por tudo o que de merecedor a Vida nos reservará, seguramente.
É a fase da construção  promissora, em que a obra nasce e cresce, empolgadamente, como tudo o que se inicia  e floresce ...
É a fase da Primavera da Vida !...
A morte é um acidente desconfortável nos nossos percursos.  Para quê deixar que nos atormente ou se faça presente nas nossas realidades ?!...

O tempo segue inexorável, e dobramos então uma esquina em que consciencializamos claramente estarmos a percorrer e a saborear a última fatia de um percurso ainda de qualidade.
Um percurso saboreado com a maturidade de percalços transpostos, de sobressaltos vencidos, de turbulência ultrapassada.  Uma adultícia usufruída, que seguramente nos será devida ...
Pelo menos assim deveria / deverá ser.
Não conjecturamos desvios atrevidos da Vida.  Não "aceitamos" partidas ou pirraças dos anos.
Queremos, e achamo-nos no direito de vivê-los sem demais atropelos. Com a paz e a serenidade de uma recta plácida, suave ... a ser percorrida com um sorriso ainda iluminado no rosto !

À medida que o transcurso temporal se faz ... e porque nunca ele nos dá uma "colher de chá" ... sabemo-nos na "calha" da existência.
Afinal, "começamos a morrer no momento em que nascemos" ... ( Marcus Manilium )
Vemos partir os nossos ascendentes ... e inevitavelmente  nos sabemos ocupando o lugar seguinte da fila.

Começamos a perder conhecidos, vizinhos, gente de todos os dias ...
Começamos a deixar escoar pelos dedos, familiares, colegas ... Começamos a ver partir os primeiros amigos ... os companheiros de viagem ...

E aí, o soco no estômago deixa-nos meio estranhos.  A bordoada na cabeça deixa-nos meio atordoados.  O golpe no coração deixa-nos exangues, sufocados e amputados na alma ...
Sentimo-nos desconfortáveis.  Percebemos uma nova realidade e uma nova "arrumação" no nosso tabuleiro de vida.  Faltam peças, há lugares vazios que exigem uma nova ordem, uma nova habituação à existência !...

E não há nada a fazer !

Eles partem, simplesmente ... Resta-nos lembrar quem foram, o que nos foram, sentir o rasto da memória que nos deixaram ... Perceber simplesmente a inevitabilidade ... a orfandade dos afectos, a fragilidade do ser-se !
É um pouco contra-natura.  É um pouco arbitrário.  É um pouco violento.  É violentamente injusto, sempre achamos !
Mas é assim !...
Que raios ! Afinal, para os que ficam, urge continuar !...

E a ampulheta, mansamente continua a esvaziar.

A velhice instala-se em definitivo. E arrasta-se mais ou menos no tempo, de acordo com o destino de cada um.
E aí, grotescamente estabelece-se uma nova relação com a morte.  Desenha-se uma nova filosofia que respeita simplesmente ao sentido primário da sobrevivência do ser humano.
Há por  assim dizer, um sentido meramente egocêntrico face à existência. A biologia gera, por protecção, acredito, uma insensibilidade que parece desumana, face ao seu semelhante. Gera alguma desumanidade aos nossos olhos, parecendo desapiedar-se dos que tiveram a má sorte de tomar a dianteira ...
"Eles vão indo ... mas EU ainda cá estou" !...
Sobrevivência pura, tenho a certeza ! Alienação abençoada da realidade !  Coisa de fim de vida !

E pronto !
Esta, a reflexão que me ocorreu hoje, com toda a pertinácia que me confere o choque que senti  pela manhã, ao saber-me mais órfã, mais pobre, mais só neste mundo de Deus ... onde mais uma colega de toda uma vida de trabalho se adiantou e resolveu partir, silenciosamente, sem protestos talvez, na aceitação simples da determinação do seu destino !

Anamar

segunda-feira, 20 de junho de 2016

" TWO LIVES "



Está um laranja tão suave ao fundo, no firmamento !...
O sol já se deitou faz tempo.  Sempre o acompanho no seu percurso, até que mergulha nuns arbustos esparsos, lá longe !
É uma hora de recolhimento, mística, silente.
Invariavelmente, sempre sou acudida pelo mesmo pensamento : Quantos dos que o vêem dormir hoje, já não têm o privilégio de o ver abrir a pestana, espreguiçar e reiniciar uma outra jornada, amanhã ?!
Sabendo que sempre, desde os tempos imemoriais que a prosápia humana julga conhecer, sem falta, sem omissão, sem desvio ... ele cumpre o mesmo ritual ... o seu ritual de vida ! Todos os dias !

E como o ser humano é, de facto, ínfimo, nesta grandiosidade de magnificência indescritível !

Nas nossas curtas existências, quase sempre desvalorizamos, esquecemos, distraímo-nos do seu desígnio.
Como se o que deixámos hoje, seguramente, repegássemos intocado, amanhã ...
Num desperdício atoleimado e inconsciente, quase atrevido e provocatório, desafiamos e enfrentamos as leis da Natureza.
Como se nada mudasse e a permanência fosse um garantido princípio de vida ...

Ilusório ...  Nada em cada instante é imutável.  E tudo o que desperdiçámos ou delapidámos, na nossa triste inconsciência, jamais será recuperado, vivido, guardado .

Esta é uma angústia existencial que me atormenta, pois tenho perfeita consciência de ser das piores e mais relapsas alunas da Vida.
Penitencio-me, reflicto, analiso ... oh meu Deus, como analiso !
Chego mesmo a dar-me  ultimatuns ... desenvolvo processos de intenção, sérios e sinceros ... mas ...
Sei exactamente que este laranja do firmamento adormecido, que me deixou há pouco, foi único, irrepetível, particular ... singular .  Poderá haver muitos mais, mas já serão "outros" e não este !
E essa que eu serei então, também será outra, e não esta que hoje o olhou do alto desta janela !
E as emoções, os sentires, as esperanças, as dúvidas, as angústias ... ou tão só os pensamentos particulares e simples que me invadiram ... distintos também !
Este momento, este minuto, este lapso de tempo, terá sido único e exclusivo na minha vida, e fugazmente se terá desvanecido, sem volta !...

E teria sido tão importante que o tivesse esgotado, sorvido, me tivesse entupido com ele, em êxtase total, sem pressas, afobações ... apenas vivendo-o, saboreando-o como algo raro, justo na hora !
Teria sido tão importante que me tivesse empanturrado, impregnando-me da dádiva que é, simplesmente estar viva !...

Mas não !
Dou por mim quase sempre a viver a destempo.  Dou por mim a adiar a vivência plena das coisas para melhores dias, para melhores ocasiões, para alturas mais propícias ... para depois.
Numa espécie de corrida insana atrás do momento que virá, depreciando o que tenho.

Guardo memórias para ver depois, olhar depois, deliciar-me depois.
Guardo fotos, porque um dia terei tempo para um deleite sem pressas.
Arquivo testemunhos antigos, porque chegará a vez de os usufruir com toda a disponibilidade emocional ... Um dia, seguramente !
Repousam no fundo das arcas, recordações escolares das minhas filhas, porque um dia ... sim, um dia então, sentar-me-ei junto delas para rever tudo outra vez ... tenho a certeza !
Os brinquedos aos quilos, ocupam e empoeiram na arrecadação, porque sempre esperaram melhores dias, dias adequados, para serem brincados ...
E não foram !...  As crianças já cresceram de mais, para os acarinharem e lhes darem vida de novo ...

E o tempo segue implacavelmente.
E um dia, quando eu conseguir olhar, enxergando ... quando eu conseguir reunir o discernimento e a força para me acordar ... finalmente ... já não terei tempo para a  emenda do rascunho que foi a minha vida.
Já não terei tempo útil para a passar a limpo ...
Já não conseguirei fazer-me sair do marasmo, do cansaço, da fraude, da insatisfação a que votei a minha existência ... Simplesmente porque a ampulheta esvaziou, e dramaticamente já não terei história p'ra contar !...
Já não terei oportunidade da tal segunda chance ... apesar de sempre a ter pressentido, e de sempre saber que na verdade, a chance de cada um, é apenas a única chance de cada um !...



Anamar

sábado, 18 de junho de 2016

" LIBERDADE OU SOLIDÃO ? "

O Homem é um animal gregário.  É bicho de alcateia, de clã ...
É  "contra-natura" a sua existência como ser isolado, sobretudo se esse isolamento lhe cai no colo, à revelia de opções suas.

Todos nós, sós ou em companhia de uma ou mais pessoas, necessitamos dos nossos tempos pessoais.
São tempos fundamentais e imprescindíveis, de encontro e partilha connosco mesmos.  Eles são propícios à introspecção, à análise, à reflexão, à meditação ... à correcção.
São tempos equilibrantes ... devem ser tempos de crescimento e melhoria.
Esses tempos são nossos por direito, e assim vivenciados  nunca serão um fardo, ou sequer sentidos como solidão.

Podem simplesmente ser momentos, em que temos total liberdade de subverter, de desafiar limites, de luxar as nossas pequenas prevaricações ( tão simples quanto metermos a chave à porta a nosso belo prazer, sem sentir a obrigatoriedade de justificar, explicar ...  porque lá dentro, o silêncio desse momento, nos aquece a alma, nos aconchega ... nos convida ... nos fazia falta )
Ou o luxo de tomarmos o tal café no nosso sofá ... de passarmos a "nossa" música quantas vezes quisermos, à altura que quisermos ... de lermos o nosso jornal, sabendo que não teremos interrupções ... de comermos quando tivermos fome, de dormirmos, se o quisermos ... de andarmos nus, descalços, desgrenhados ... se for essa, de momento, a nossa vontade.

Isto é liberdade usufruída, saboreada, desejada, e nunca solidão !

A questão não é tão simplista assim.  Tudo na vida tem gradações. Como sabemos, nem tudo é completamente preto, nem tudo é completamente branco.
Também, com a análise destas questões.

Qualquer situação imposta, continuada ... recorrente, forçosamente violenta o ser humano.
Ninguém aprecia reiteradamente os mesmos sabores, as mesmas rotinas ... os mesmos hábitos.
E a questão coloca-se quando ela se arrasta temporalmente.
A experienciação de novas realidades, particularmente no caso de ligações afectivas que se dissolveram não importa porquê, deixando os intervenientes nas mesmas, face a outros figurinos, comunicam uma falsa sensação de liberdade, pelo menos nos tempos iniciais.
Se a situação finda  tiver então sido penosa, frustrante e traumatizante, somos invadidos por um deslumbramento, por uma descompressão, pela vontade louca de reinício.  Por uma Primavera de vida !
Um reinício que se nos apresenta como salvação pessoal, como desiderato de vida nova, como total libertação, como um direito nosso, afinal .
E vive-se assim, quase num êxtase conseguido, tempos que obviamente dependem também de outros vectores pessoais.
As componentes  personalísticas, familiares, sócio-culturais, profissionais e outras, têm determinação absoluta no encarar da realidade e no que ela nos passa a representar : liberdade ou solidão?

Solidão, no duro, sem outra admissível classificação, é aquela que se impõe quando somos forçados a viver, o que tempos antes se nos afigurara como libertação, êxtase ... uma conquista dourada.
Porque, voltando ao início do meu texto, o Homem precisa partilhar e partilhar-se.
Precisa cumpliciar, dividir, usufruir-se enquanto ser emocional além de racional.
O Homem aprecia a dialéctica, depende dela, cresce com ela, aperfeiçoa-se na dúvida, na troca de formas de sentir e pensar.
O Homem gosta de sonhar junto, mas também de sofrer com apoio.

Se isso lhe for negado, a solidão instala-se, tenho a certeza.
Quando o silêncio não desejado permanece, quando a ausência de ombro, de colo, de ouvidos e boca se instalam ... quando as paredes da casa crescem ... quando as noites se tornam mais escuras e fantasmagóricas ... quando as lágrimas não têm quem as seque, além de nós mesmos ... quando passamos a falar-nos alto, para nos acompanharmos ... quando a angústia instalada amarinha e dói ... podem estar certos ... ISSO, é solidão, sem jeito !

O Homem  então, dependendo uma vez mais da sua própria forma de ser, da sua capacidade resiliente, da sua criatividade, da sua formação interior, enfim, de toda a sua componência  ... busca sucedâneos, porque afinal, precisa continuar a viver.
E cada um de  "per si"  contorna, por razões de sobrevivência, o melhor que sabe e consegue, a sua nova realidade, para que a suporte.

Em suma : as opiniões e perspectivas de cada um face a qualquer questão, são obviamente subjectivas, e valem o que valem.
Esta, a minha forma de análise  perante esta dualidade ou dicotomia que avassala as vidas humanas, mais do que concebemos, nos tempos actuais.

Não sou portanto defensora de opiniões extremas e estratificadas.  Falo de experiência pessoal, de análise mais prática que teórica, de convicções que tenho para mim.
E como tal, defendo e defenderei sempre, penso, soluções intermédias.
Não perfilho a amputação da minha liberdade, como ser individual, e sempre que a deseje.
Não perco de norte, que quase sempre  a  maior solidão se experiencia frequentemente no meio de "multidões", que nada nos dizem ... mas também me rebelo e amarguro com a solidão imposta pela Vida !

Anamar

quinta-feira, 16 de junho de 2016

" O PESO DA SOLIDÃO "





Passei ontem e ele estava sentado num dos bancos da praceta.  Bancos procurados pelos velhos, pelos sozinhos, pelos que sem outros horizontes, se circunscrevem aos que a praceta lhes determina.

Passei hoje e ele continuava lá. Parecia que simplesmente ali permanecia desde a véspera, desde a antevéspera e desde todos os dias que o avistei, ainda que de longe.
A sua postura era desalentada, a barba crescera, o definhamento físico progredira, o rosto encovara ... os olhos emaciaram.  Uma figura esquálida e alheada.
Uma imagem tão angustiante para mim, que me retirara a coragem da aproximação.

O Luís ( vou chamar-lhe assim ), é meu conhecido há já largos anos. Ambos picávamos o ponto em bica de pequeno almoço tardio, no extinto Escudeiro ... café de uma vida.
Também ele sorvido pela voragem do tempo e da sorte.
Aquelas conversas de tertúlia de ocasião... Nada de importante ... tudo de importante, afinal, como são os assuntos de pessoas solitárias.

O  Luís já ao tempo era viúvo. Uma história de amor comovente, no seu passado.
Uma história de entrega, de partilha, de afecto incondicional.
A mulher, ainda jovem  partira, alguns, poucos anos atrás, vítima de uma doença prolongada, numa agonia que se estendeu aos limites do suportável.  O Luís cuidou e foi guardião daquela vida, enquanto ela não se extinguiu.
Ficou então absolutamente só.
E só continuou, sempre acompanhado da recordação inesquecível da companheira.

Há oito anos, na bica do pequeno almoço tardio ... ainda no Escudeiro ... o Luís, disse, assim do nada, que estava a viver uma história que conhecia demasiado bem.
Também ele contraíra a doença sem esperança ...

Desde então, tem-se debatido tenazmente com o algoz que o enfrenta diariamente.  Com lampejos de esperança  em períodos mais benevolentes, com um desânimo impiedoso em fases de regressão.
E tem sido heróica a luta, que sem desistências trava dia após dia.
O Luís continua absolutamente só,  mais só ainda, porque a ausência de forças, de coragem e mesmo de recursos económicos, o limitam aos bancos da praceta.
Por outro lado, o único neto que tem, que o ama e que devotamente ele ama acima de tudo nesta vida, vive afastado, e o estado de saúde do Luís, impossibilita sequer uma aproximação.
Esse miúdo, hoje com quinze anos sempre foi o único esteio na vida do avô.  Seu orgulho, pelo denodo nos estudos, pela personalidade forte e sã, pelo amor que lhe dedicou, era companheiro de passeios, de aventuras, de histórias, de ensinamentos, numa felicidade de tempos idos !

Hoje, quebrei a inibição que me tem adormentado, e abeirei-me do Luís.
Partilhámos o banco por algum tempo.  O suficiente para ver o seu rosto iluminar-se, para ver um sorriso ténue transfigurá-lo ... o suficiente para ver uma tíbia alegria invadi-lo ... juraria !...

Falou-me de solidão, e falou-me de como ela lhe dói, mesmo fisicamente.  De como ela o sufoca mais do que a falta de ar que o assalta, e o deixa mais e mais prostrado ...
Contou-me que lê alto, que fala alto, para se ouvir ... ouvir alguém ...
Contou-me que dialoga com o vazio da sua casa ... quando o desespero não tem tamanho e amarinha ...
Confidenciou-me que gostaria de acabar sem dar trabalho a ninguém ...
Falou-me de coisas que conheço, e de infinitas outras, que felizmente não conheço ...

Por quanto tempo mais, o Luís descerá à praceta ?
Por quanto tempo mais, as forças lhe manterão ainda o último fogacho de esperança ?
Por quanto tempo mais, conseguirá ganhar ainda, a sua luta desigual, por cada dia que passa?

Vida !...
As suas personagens ... as suas histórias ... cenas das existências de cada um,  em que  até a cidade grande, impessoal e distante, lhes é hostil !...

Anamar

terça-feira, 14 de junho de 2016

" MENTIRA "




Porque eu nasci mulher, foi p'ra sofrer
os males desta vida ... E descontente,
como uma eterna adolescente
por cada dia, acredito renascer ...
Renascer em vidas inventadas,
mentiras minhas, histórias sufocadas,
destino que criei e que me aninha ...
São sonhos que acordo nas manhãs,
são futuros imaginados, esperanças vãs,
que partem, como parte a andorinha ...
E esta coisa que dói dentro do meu ser,
de pensar que vivo sem viver,
de ser eu e ser outra, ao mesmo tempo...
é flor que estiola no meu peito,
madrugada que repousa no meu leito,
é mágoa, é cansaço e é tormento !...

Anamar

domingo, 29 de maio de 2016

" AUTO RETRATO "




Sou pássaro que à tardinha, na ramada,
repousa por instantes da canseira
de tão longa viagem fatigada ...
De estrada tão sem norte, caminheira ...
Sou búzio que o mar joga na areia
Sou alga que ele arrasta, sem piedade
Um barco a balouçar na maré cheia
Rocha já esquecida e sem idade ...
Sou poeira arrastada p'la fúria do vento
Astro perdido, de galáxia errante
Sou poalha estelar, pelo firmamento
Sonho sonhado que ficou distante ...
Sou suspiro que do peito se soltou
Palavra largada na curva do tempo
Sou chama de vela que já se apagou,
Fogueira já extinta ... Já só um lamento ...
Sou alguém sem rumo, que crê e que espera
outro alguém, que no mundo nunca encontrou ...
Um ser que na vida cansa e desespera
por um amor irreal, que apenas sonhou !...

Assim eu sou, porque assim eu me fiz ...
Mulher, em menina que nunca cresceu
Alguém que viveu e não foi feliz
Nascente já morta, de um rio que correu !

Anamar

domingo, 22 de maio de 2016

" PORQUÊ ? "





As papoilas pincelam de vermelho os campos do meu Alentejo.
Alguém dizia que este ano, as há, em profusão.  É toda uma mancha a perder de vista, daquele "sangue" escorrido na planície.
Enternece-me olhá-las.  Recuo, revejo, sempre me emociono ...
As macelas pintalgam-nas, como num quadro de Van Gogh.  E tudo quanto é flor deita a cabeça de fora ...  É Maio e Maio não decepciona nunca !

Neste momento a minha vida vitamina-se quase só com os pequenos presentes,  que a Natureza, generosa, me oferece.
Bebo sol, bebo a luz estonteante de um céu claro, oiço os pássaros, vejo as marés incessantes no seu vaivém, escuto a música celestial de tudo o que é belo e nos cerca.  Sinto o vento passar-me no rosto, desalinhar-me o cabelo ... E só isso, já é uma bênção !
Deslumbro-me com o borboto que virou flor, com o tronco nu que se revestiu de farta cabeleira. Deslumbro-me com o cheiro das matas, da maresia, do pinhal ... do bosque ...
Tudo isso é um milagre oferecido !...

E não preciso de muito mais.
Aliás ... quase recuso a realidade circundante.  A minha realidade actual, cinzenta, desinteressante, dura, mórbida.  Uma realidade que marina entre a dormência e a morte.  Um cheiro fétido a água parada ...
Cada vez mais a indisponibilidade que nos rodeia, inibe o extravasar da nossa torrente interior.
Cada vez mais, reprime a exposição dos sentires, das dores, das dúvidas, das angústias ... dos medos !
Como se, expondo-as, nos sentíssemos de repente, nus, frágeis, vulneráveis ... pequenos ! E não é suposto.  Não é cómodo ... desejável !
O ser humano refugia-se então.
Recolhe às trincheiras da alma, encolhe-a, silencia o coração ... adormece a mente, como defesa.
Fecha  hermeticamente, tudo para o que não há espaço neste mundo ... quase sempre !
E sofre sozinho.  Padece anonimamente.  Morre paulatinamente ... em pequenas doses !

Olho para trás e tenho-me saudades.
É nestas circunstâncias, que pensamos em tanta coisa que não foi e poderia ter sido.  
Porque a não sabíamos ... quase sempre.  Também, porque se a soubéssemos, talvez a não acreditássemos ...

Por que não nos disseram que era p'ra dançar ao som daquela valsa de Strauss ?
Por que não nos disseram que era p'ra rir, rir muito ... gargalhar até cansar, quando o céu carregou e a chuva quente açoitou os corpos, naquela praia lá longe ?...  Onde os cheiros são doces, onde o cruzeiro do sul se levanta, e onde a estrela polar se não passeia, no firmamento enigmaticamente escuro ?!
Por que não nos disseram que era para guardar religiosamente e com cuidado, o frio da neve do Inverno próximo, antes que o Verão chegasse e o apagasse, na vida ?
Por  que  não  nos  ensinaram  a  viver  o  exacto  momento,  único ... que  era  aquele  e  não  outro ?
Por que nos deixaram deixar tudo pela metade, achando que haveria todo o tempo, inesgotável, para agarrar a outra metade ?
Quando afinal, o tempo  foi fumaça que se perdeu e diluíu mais além !...
Quando  o  que  era  muito ... era  tudo,  se  desfez  como  bola  de  sabão, de  criança  divertida !...

E assim vamos indo !
Assim vamos deixando esvaziar a ampulheta do destino.
Assim vamos pegando nasceres com pores de sol, deixando escoar pelo meio dos dedos, a areia da vida ... como se ela nunca fosse acabar.
Como se fosse indiferente, vivê-la agora ... amanhã ou depois ... como se ela fosse eterna e sempre nos esperasse a cada esquina !
Como se ela não esgotasse as braçadas de flores frescas, que p'ra nós colheu !...
Como se nós não esgotássemos, por cada dia, a capacidade de as agarrar, de lhes sentir o perfume ... de nos maravilharmos com a sua deslumbrante  beleza !...

Efémero ... tudo demasiado efémero !
Tudo tão veloz que nem voo de colibri, que quase sentimos, sem ver !...
Tão vertiginoso quanto o bater de asas da borboleta, que nunca conseguimos alcançar!...
Tão louco quanto o vento  que dobra a esquina, sem permissão ...

É Maio ... e Maio nunca decepciona !
Só a Natureza resiste.  Só ela se repete, se renova, se recria ... se reinventa, imemorialmente nos tempos !

Anamar

sábado, 21 de maio de 2016

" SILÊNCIO "




Um destes dias vou falar-te de mim
Vou contar-te dos meus silêncios profundos
e dos mundos
que não entendo e não sei ...
Vou falar-te dos sonhos
que já não me dormem  no peito
não repousam no meu leito ...
nem mesmo sei se os sonhei !
Vou lembrar-te a minha história
fechada no coração ...
Quando o tempo era de esperança
e a solidão não pesava
ainda, em mim ...
Quando o sol me abraçava
e quando as flores alindavam
as floreiras do jardim ...
Será que lembras ainda, quando o mar, em pensamento,
brincava com as gaivotas,
corria livre no vento ?...
E com ele, de mãos dadas
e coração ao pescoço,
dançámos nas alvoradas
p'las madrugadas de Agosto ?!
Eu só queria que lembrasses ...
Era como se abraçasses
aquela que eu era então ...
como eu te guardo em segredo,
e te amanheço bem cedo,
na concha da minha mão ...
Por isso,
basta-me só que ainda lembres
e já me fazes feliz ...
É tão grande a solidão
que me lembra a imensidão
do que o silêncio não diz ...

Anamar

segunda-feira, 16 de maio de 2016

" ILUSÃO "


Como estará agora o teu rosto ?
As linhas, as marcas, os sinais, vão-se perdendo no tempo.
Já as não sei !  Apenas guardo algum que outro pormenor ... que se tornou pormenor, no vórtice dos dias.
Os teus olhos ?
Sim, os teus olhos, eu sei exactamente que continuam verdes como maré de mar sem fundo.
E também sei que ao sorrirem, riem como olhos de menino  "levado", tenho a certeza ...
As tuas mãos ... ?
Vejo-as pousadas como pássaro no repouso da ramada.  Seguras.  Fortes.  Decididas.
Mas sei-as doces, irreverentes, curiosas ... quentes.
Mãos de embalo, de protecção, de norte ... de caminho ... Mãos sábias !...
O teu corpo ... ?
Esse está todo em mim.  Não tem erro !
Ficou-me tactuado, fielmente desenhado em decalque sob a minha pele.  Dentro do meu. Para sempre !  E um dia, juro, ainda vai comigo !
A tua voz ...?
Quando fecho os olhos consigo escutá-la, trazida pelo murmúrio do vento, que é meu amigo.
Sussurrante às vezes.  Imperativa, outras.  Sempre envolvente, na rouquidão com que, escutando-a, estremecia ...

Como estarás tu ... todo ?
Hoje, trucidado pela tempestade dos tempos que nunca se apieda do nosso desejo de imutabilidade ?
Quando a mudança é afinal a única garantia de tudo em que mergulhamos ...

Será que eu ainda conheço os teus caminhos ?  Será que ainda reconheceria o endereço do teu ser ?
Não, penso que já só existes na minha mente e no meu coração.
Aí existes sempre, todos os dias.
Fora deles, partiste há muito, levado pelas tempestades de Inverno que recolhem os limos dos rochedos, por cada recuo das marés.
Levado pelo sol vermelho que se põe p'ra lá dos continentes, p'ra lá dos oceanos, naqueles lugares que por instantes foram nossos.  Que sempre o serão !
Porque eles conhecem os nossos segredos, gravaram as palavras ditas, os risos soltos ... o amor que se fez  ...
Eles sabem-nos ... como ninguém !...

Visitas-me pelas madrugadas, quando os sonhos sabem que preciso.
Poisas-me na almofada, esgueiras o teu corpo junto ao meu, embalas-me o sono ...
Chegas a sorrir, com os olhos iluminando o caminho.  Com o abraço aberto.  Com o beijo pronto. Com o calor oferecido ...
Por instantes recuo no tempo e na vida, não querendo perder-te outra vez ...
Breve ilusão !

Partes ... sempre partes com o dealbar da madrugada.  Sempre te vais quando a última estrela se apaga no firmamento.  Quando a lua cheia deita para dormir outra vez, e quando eu acordo para a realidade que me sobrou ...
Sem espaço para ti !

Anamar

sábado, 14 de maio de 2016

" VIDA "




Viver é desassossego que não cansa
Estrada de rumo errante, atordoada,
e por ela andar, feito criança
sem ter mãos, sem ter colo ... sem ter nada !
É olhar as nuvens ...
Com elas partir quando o vento sopra e as leva ... indiferente
Velejar pelo céu e deixar-se ir
nos braços do sol ... rumando ao poente
É por cada manhã fazer uma festa,
como se uma esperança florisse no chão
Com a lua cheia, cantar em seresta
alegria nova de nova canção ...
É morrer e renascer por cada dia,
é levantar, ganhar asas e seguir
É chorar ... mas no meio da ventania,
do choro fazer versos, p'ra sorrir
É não valer a pena, já valendo
É perseguir o mar que não desiste
É ser o falcão no rochedo,
que sendo um condenado no degredo,
frente à tormenta é um barco que resiste !...

E por isso, viver é um cansaço ...
É uma história com princípio, sem ter fim ...

Mas se não viver,
como saber a força que detenho
e conhecer um pouco mais de mim ?!

Anamar

sexta-feira, 13 de maio de 2016

" A CHUVA "




A chuva que chega e que bate a vidraça
leva p'ra longe a desgraça do meu coração
É chuva-doçura que vem e que passa,
que tem dó da dor desta solidão
A chuva conhece por dentro, aquela que eu sou ...
sabe o que não digo, finge não saber ..
Companheira-irmã da sorte que tenho,
conhece em segredo, este meu sofrer ...
Dos sonhos sonhados, não diz a ninguém
Bate na janela pela madrugada
A chuva que chega que vai e que vem,
poisa de mansinho na minha almofada !
Conversa comigo ... fala-me do mar
conta como é, nele navegar ...
Fala-me da ânsia, sonho de partir,
seguir mais além ... voar, deixar-me ir
com ela que chega, que vai e que vem
e que sempre me traz, notícias de alguém ...
A chuva que chega e que parte, meus sonhos embala
Segredos trocamos, ao molhar-me o rosto
A chuva que chega em silêncio,  cala ...
mas sente e entende este meu desgosto !
Desgosto e cansaço desta vida vivida,
pedaços de vida não vivida, sequer ...
A chuva que chega, que vem e que parte
sabe como eu,  o que é ser mulher !...

Anamar

segunda-feira, 9 de maio de 2016

" QUANDO OS ANJOS DORMEM "





Anoiteci-me por aqui.
Anoiteci com o cinzento fechado da tarde, com a chuva copiosa que tomba, numa Primavera indiferente.
Uma que outra gaivota plana neste céu amorfo de emoções, com nuvens obstinadas a cerrarem o horizonte.
Demanda guarida, local de poiso.  Afinal, a noite assoma.
Há um silêncio perturbador, dentro e fora.
Lá fora, as famílias recolheram.  Hora de jantar, fim de dia ... fim de semana.
Tempo prometido.  Partilhas de "estórias" das histórias de cada um.
Aqui dentro, quatro paredes imensas, altas, frias, despidas ... como jaulas ou prisões.
Os gatos dormem há horas.
A música silenciou de tanto tocar.  Também ela melancólica, dormente ... igual à tarde.
As teclas do piano embalavam, numa dolência estranha, como se quisessem adormecer-me a mente .

Mais outro dia no fim !
Arde-me a garganta do que não falo.  Queimam-me os miolos do que não  pronuncio.
Peso.  O ar é pesado, sufocante.
A solidão estrangula ... sobretudo o peito.  Dentro dele, o coração.
Apetece-me gritar.  Apetece-me chamar.
Não corro o risco de ser ouvida.
Às vezes penso que esta casa é uma tumba.  É quando corro a chave na porta, quando cerro as cortinas,  porque lá fora ficou igual ... a noite desceu.
E todas as almas se preparam para o silêncio e para a paz.

É quando as sombras se agigantam, é quando o ruído do nada amarinha pelas paredes, trepa por mim e me enleia, como as raízes ancestrais enredam as ruínas.
É uma hora de desesperança.  É uma hora de desalento e de cansaço.
É quando os anjos dormem que ficamos mais sós ainda.
E acredito que a esta hora, quando o dia beija a noite de mansinho e as lamparinas do céu se acendem, eles esquecem os mortais por aqui perdidos ...

É tão só mais um crepúsculo da vida ...

Anamar

sábado, 7 de maio de 2016

" RESISTÊNCIA "





De que me serve ser guerreira do destino ?
De que me serve ser lutadora no vento ?
Para quê ser a águia lá da serra
que supõe que domina toda a Terra
e só vive a conquista de um momento ?!...
Porquê persistir nestes caminhos
e olhar a longa estrada, indiferente ?
E teimosa, enxergar apenas espinhos
quando tudo à minha volta é virente ?!

Não pode o cansaço derrubar
o ser titubeante que hoje sou !...
Porque sempre o rio procura o mar,
a ave não desiste de voar,
e depois do Inverno, o Verão se faz presente !...

Por isso é tempo de acordar e perceber
que por aqui só passamos uma vez
e que a vida que detemos, vale a pena ...
É tempo de olhar e saber ler
os sinais que a vida dá, e aprender
que esse, deverá ser o meu lema !
Tenho mais é que prender forte, o destino
Tenho mais é que enfrentar o vento norte ...
Porque se eu quiser e acreditar,
voarei bem mais alto e bem mais forte !
E resistir à tempestade, dia a dia,
deverá ser uma luta e uma vitória ...
Encarar a dor sem desistir,
esquecer as mágoas e sorrir ...
deve ser o rumo e ser a história ...

E das pequenas coisas, fazer grandes ...
De um botão, colher uma flor em cada esquina ...
Levantar, erguer do chão mesmo a doer
Tornar  destino doce, a minha sina
terá que ser o norte em cada dia,
terá que ser futuro a alcançar ...
É tempo de acordar e perceber
que a vida nos foi dada p´ra viver
e que é tempo de a viver e de a sonhar !...

Anamar

sexta-feira, 29 de abril de 2016

" ESCRITA "




Esta coisa de escrever doce e doída,
é parir um filho pelo peito
é dor da alma, desmedida
é sofrer sem remédio e sem ter jeito ...
É ter as dores de um parto que se faz
é dar vazão à alma, incontida
é morrer um pouco e não ter paz
é ser um ser errante, sem guarida ...
É ser um rio que não conhece margem
é ser vento que açoita sem piedade
é deixar-me arrastar pela voragem
é escorrência sem destino nem idade ...
E esta coisa que se impõe doce e sentida
indiferente à minha sina e à minha dor,
é parte de mim, por mim parida,
é no meio das pedras, uma flor !

Anamar

" A MESA DO CAFÉ "



Essa mesa do café
daquele café de então,
tem muito de mim guardado,
do que trago amordaçado
no silêncio e coração ...
É também escritório de sonhos
onde co'as letras converso ...
é local de passagem
de amigos desta viagem,
quando o "tempo" é adverso ...
Aquele lugar é meu
de direito e por paixão ...
Nessa mesa do café
daquele café de então
onde os versos e a prosa
voejam livres no vento ...
lá me busco e lá me encontro
lá me rasgo e me aquieto
lá me falo e me lamento ...
E a palavra escorre livre,
nem respeita mote ou rima,
desce da alma ao papel,
ao sentir, sempre é fiel,
com coração de menina !...
Não é mais palavra de ida
nem é palavra de volta,
já não é palavra dita,
é palavra só sentida ...
é palavra que se solta !...
Essa mesa do café
tem em si segredos meus ...
Nela, eu rascunho a vida,
escrevo o "guião" da partida,
como quem diz  um adeus !...

Anamar

segunda-feira, 25 de abril de 2016

" HOJE ... ABRIL "


               

                                         42  ANOS  DEPOIS ...

                                                197     42     016

Abril é poesia
coisa de um dia, de um só coração
Abril foi aquele ...
Abril-geração !
Que falta me faz lembrar esse Abril
p'ra levantar e partir
rumo ao futuro e sonhar ...
Já não te entendem, Abril
Vives na nossa memória
estás a perder-te na História
cansado de caminhar ...
E hoje, o Abril que amanhece
é um Abril que anoitece
na madrugada de então ...
Abril foi poesia ...
foi mesmo coisa de um dia ...
teve a cor de uma nação !

Anamar