quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

" A VIRADA "




A esta hora, o ano já virou na Nova Zelândia e na Austrália.
Vem vindo por aí fora, de fuso horário em fuso horário, a virar páginas do calendário, a acrescentar mais um risquinho na contagem das vidas ...

As pessoas afobam-se, aceleram nesta recta final, parecendo querer agarrar não sei o quê ... antes que acabe e não cheguem a horas ...  Parecendo querer AINDA fazer, o que não fizeram ao longo do ano que agora termina.
Espalham-se votos pelo ar, saudações e desejos aos conhecidos, mas também aos desconhecidos, numa bonomia especial e própria da época.
O ser humano está mais tocado nas emoções, nos sentimentos, e o melhor de si, está logo ali ao pé da boca !
Há uma espécie de redenção interior, uma espécie de beatitude nos corações, e uma expectativa qualquer que não se controla, mas que se percebe ...

Por que acreditamos nós, que num qualquer passe de mágica, o tempo, de repente, fica complacente, fica um bom amigo e nos vai dar uma "mãozinha" daqui para a frente ?!
Por que achamos nós, que nesta repentina necessidade de balanço, de correcção, de planificação ... nesta ânsia de melhoria e de mudança, tudo se vai agora resolver de vez ... porque vem um Ano Novo ?!
Por que sentimos uma necessidade urgente de faxina, de arrumação  na mente e nas vidas ... em carácter irrevogável ?!
Por que queremos atabalhoadamente definir metas, estabelecer objectivos, que agora sim, temos a certeza, vamos cumprir ?!...

Porque a esperança, mesmo para os menos convictos, nunca abandona o Homem nesta sua caminhada !
É ela, que  lado a lado com o sonho, o empurra adiante, lhe ilumina a estrada, lhe acende a existência !...

E o Homem vira criança outra vez, com a virada do ano !
Afinal, ganhou um brinquedo especial ... Ganhou de uma vez só, mais 365 oportunidades novas !...

Hoje, é  inevitável que se recue e se reveja o "filme" da senda já percorrida.
É inevitável que alguma nostalgia desça ...
Que o que já foi e quem já foi, nos assomem  de novo à porta ...
É natural que  as lágrimas corram ... de saudade, de tristeza ... até mesmo de cansaço.  É natural !

Mas é muito importante que se reúna a paz possível, a tranquilidade necessária, para avaliarmos e valorizarmos com maturidade e compreensão, tudo o que já nos foi dado viver, todas as oportunidades boas e más que nos caíram nas mãos, todas as adversidades mas também toda a felicidade, mesmo curta,  que também experienciámos .
Que tenhamos benevolência para connosco mesmos, pela forma às vezes errada como encaminhámos os nossos momentos, como gerimos as nossas opções ...
Que tenhamos tolerância e isenção no nosso próprio julgamento ...
Que percebamos sem excessiva punição e sem arrependimento, a incapacidade ou a falta de força que manifestámos muitas vezes, incapazes de fazer escolhas mais assertivas ... de ir mais além ...
Que não nos julguemos por aquilo que não fomos capazes de fazer, mas nos regozijemos por aquilo que fizemos ...
Que não nos apontemos nem amarguremos  por tudo o que encarámos como "fraqueza", falta de coragem, imperfeição ...
Porque certamente em cada momento, teremos feito aquilo e apenas aquilo de que fomos capazes, aquilo que acreditámos como certo, aquilo que respeitou as nossas convicções e as nossas tentativas de acerto ...
Percebamo-nos simplesmente como humanos ... incompletos, imperfeitos, frágeis !...

E sobretudo sintamo-nos agradecidos à Vida, por todos os ensinamentos, todos os fogachos de felicidade que tivemos o privilégio de viver ...
Agradecidos por termos passado por ela, experimentando nos nossos corações, sentimentos ímpares, como o amor, a amizade, a paixão, a ternura, a alegria, a dádiva ...
Agradecidos por todos os que, cruzando os nossos caminhos, nos acrescentaram pedaços na nossa construção, enquanto seres humanos ...

E NUNCA chorarmos pelo que passou ... mas sorrirmos SEMPRE por ter acontecido !!! ....

FELIZ  2016 !

Anamar

domingo, 27 de dezembro de 2015

" O MEU SONHO DE GAIVOTA "





Olhei-a.
Ela parecia apenas dormir por entre a aragem.  As asas  esticadas, o corpo esguio magistralmente delineado, projectava-lhe a cabeça adiante.  Os olhos miudinhos e sagazes, auscultavam um possível caminho.
Haveria caminho para uma gaivota sobre a cidade ?...

Voltei a olhá-la e ela dançava por entre as chaminés, por cima dos telhados, absorta, distante ... mas sobranceira.
Indiferente ... eu diria, indiferente !
Tenho a certeza que no descolorido do casario, aquela gaivota vislumbrava azul.  Porque sem azul, uma gaivota está amputada no coração !

Lá de cima, no seu voo rasante e ronceiro, seguramente ela cheirava a maresia, adivinhava as falésias, escutava o vaivém da maré, e via o azul ... o azul infinito do marzão sem fundo e sem limite.
Via o azul de um céu de cristal, que só o é, lá, onde o oceano feito amante presente, beija e beija e beija, a terra que lhe estende os braços ...
Havia de sentir a areia fofa, onde o mar rendilha as franjas, havia de perceber a brisa salgada que embrulha as rochas, as algas e todos os seres viventes.
E teria saudades ...

Era uma gaivota solitária, uma gaivota que carregava silêncio.
Uma espécie de andorinha fora da Primavera.
Uma espécie de sopro que não abandonou os lábios.
Uma espécie de sorriso traído pelas lágrimas ...
Era uma gaivota sem liberdade nas asas, sem alegria na alma.  Porque ela tinha alma, que eu sei !

Vagueava, como se vagueia sem norte ou rumo.  Baloiçava, como cambaleia quem já não tem destino ou sorte.  Ia sempre adiante, entre curvas e volteios, entre paredes e cinzento ... como quem busca sem buscar nada.  Como quem tenta esperançar-se, desesperançado.

Segui-a, enquanto a vista deu, enquanto a distância deixou ... enquanto os muros, os becos e os telhados o permitiram.
Queria ter ido com ela ...
Porque também eu sou um fruto fora de época, uma flor dependurada de caule ressequido.
Também eu tenho saudades de lá.
Das águas de infinito onde o sol se deita, onde a lua se espreguiça com lascívia de prata, num leito de veludo ponteado a estrelas.
Queria ter a determinação e a indiferença do seu voo ziguezagueante por cima das copas inventadas, aqui, nesta terra de tristeza !...

O meu olhar perdeu-se na distância impiedosa.
E eu fiquei mais melancólica, no cinzento desta tarde de Inverno indefinido, como sonho não acabado de sonhar, como beijo não acabado de saborear, como amor não consumado no viver !...

Anamar

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

" HOJE ... MAS "




Hoje

Queria escrever-te duas linhas
Queria dar-te emoções que foram minhas
e torná-las nossas, como antigamente ...

Mas

As emoções secaram no meu peito,
As palavras esqueceram qual o jeito
do passado voltar a ser presente ...

Hoje

Queria dar-te as minhas mãos pelo caminho
Envolver-te num abraço de carinho
Colher p'ra ti, outra vez, aquela flor ...

Voltar a ser o teu porto de abrigo
Dar-te um colo, um ninho, um ombro amigo,
Sussurrar-te ao ouvido, o meu amor ...

Hoje

Queria lembrar-te tantas histórias que conheço,
os sonhos como rendas que entreteço,
quais canções de embalo e de ninar ...

Mas

Ficaste naquela curva da estrada
Perdeste o norte da caminhada,
e esqueceste qual o rumo p'ra voltar ...

Hoje

Somos donos dos silêncios que detemos
Somos escravos das palavras que dizemos,
quais pássaros fugidios ... alvoroçadas ...
Como folha arrastada  pelo vento
carrego  comigo este lamento
e com ele, trespasso a madrugada !

Anamar