quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

" E É ASSIM ... "




Mais um ano a findar.
Tempo de balanços sobre a vida, "impostos" pelo clima emocional que sempre nos rodeia nesta altura.
É estranha esta época !
Sem que demos por isso, mesmo os mais resistentes, que tentam distanciar-se de todo este circo de emoções em que mergulhamos, acabam capitulando e querendo ou não ... ( que droga !... ), sossobram e deixam que o contexto existencial os fragilize.

Assim sou eu.
E se o Natal é passado mais ou menos rodeado de luzes, barulho e confusão, rodeado de afectos e euforia da criançada ( já pouco criançada ... ) ... se o Natal me atordoa ou até anestesia, a passagem de um ano a outro, a viragem da página, o encerramento de mais um ciclo temporal é um mix incontrolável de estados de alma !
Assim que a descompressão do Natal se inicia e que entramos em contagem regressiva para as últimas badaladas, uma irracional angústia, talvez incoerente e incompreensível, uma melancolia doída começa a sufocar-me as entranhas, oprime-me o peito e aflora-me lágrimas a olhos desobedientes.
Procuro monitorizar as emoções, procuro racionalizar os pensamentos e arrefecer o coração ...
Quase sempre em vão.
Fico uma imprestável  florzinha de estufa, um galho de árvore indefeso abandonado na intempérie, uma concha rolada na maré ... sem remédio ou guarida ... numa solidão de doer, num abandono de comiseração ...
E um peso que não suporto, uma carga que me verga, uma escuridão de cerração compungida, toma-me conta, tolhe-me, derruba-me ... como dia que se abate, sem pôr de sol que o detenha ...

Inevitavelmente, tudo o que foi me visita.  Inevitavelmente, tudo o que é me angustia.  Inevitavelmente, tudo o que será me assusta.
Um céu turbulento de nuvens encasteladas, ameaçando borrasca, espreita-me.  Os raios de um sol tímido de Inverno, esperneiam no meio dos cinzas enegrecidos. O ar gélido açoita-me o rosto e desconforta-me o coração.
Queria fugir e não tenho para onde ... E não tenho como ...
Queria seguir para o sul, nas asas dos gansos selvagens, que têm rumo e destino.
Queria buscar a terra quente e um ninho manso.
Queria partir lá para onde se ouve a música do Universo, e os tempos são de esperança e de fé ...

Ou, pelo menos, queria dormir.
Dormir com a serenidade dos justos.  Dormir com a paz dos que não esperam amanhãs.  Dormir com a resignação do que me é destinado. Sem ambição ou sonho.  Com a certeza do nada, ansiando o tudo ... talvez  ...
E queria aturdir-me com o ruído insuportável do silêncio que me cerca.
Queria esquecer, esquecendo-me ... se o pudesse !
Queria partir na profundidade do sonho que não acorda ...
E seguir na estrada do tempo, colhendo braçadas das flores simples do caminho ... com auroras boreais no horizonte ... acreditando ser feliz !
Queria pintar os céus com todas as estrelas que vivem dentro de mim ... e brincar com as luas e as orvalhadas destas madrugadas de gelo ...

Queria tudo isto ...
Só não queria pensar na efemeridade da existência humana. No soluço sufocado que intermedeia o nascer e o morrer.  Na incapacidade tantas vezes sentida, frente a maré alterosa que derruba e destroça.  No vazio que nos fica nas mãos, quando a areia se nos escoa por entre os dedos ...

Só não queria pensar que a ampulheta esvaziou uma outra vez ...

Anamar

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

" O NATAL DO NOSSO DESCONTENTAMENTO "




E então é Natal ...

Mais outro Dezembro, mais outro Natal, outro ano em passadas aceleradas para o fim.  E nós, com ele ...
O calendário anuncia, determina, impõe tréguas, paz, conciliação no coração dos Homens, indiferentes.

Um pouco por todo o Mundo a azáfama instala-se no ritmo de sempre.  As luzes há muito se acenderam nas ruas, as vitrinas das lojas vestiram-se com o que de melhor havia no seu interior, num apelo mudo aos passantes.
Compra-se, encomenda-se, marca-se ...
Tem que estar tudo estranhamente a postos,  no que mais parece uma maratona social que deverá ser irrepreensível nos pormenores.  Há uma urgência instalada e sentida.

Por aqui as pessoas dão-se as Boas Festas, indistintamente, numa transcendência magnânima que vem do coração.  Exortam-se os maiores e mais profundos sentimentos de alma, numa generosidade sem contenção ou limite.
Afinal, reina um espírito universal de solidariedade e irmandade.
Pelo menos uma vez no ano, as mãos entrelaçam-se, os corações estreitam-se ... parecemos comungar um insuspeito sentimento de fraternidade ...

É o "reencontro da diáspora", diz Marcelo Rebelo de Sousa, referindo o encontro das famílias que a sorte madrasta teimou em separar e espalhou pelo planeta.
É a busca do convívio daqueles que por aqui vão estando, por vezes pouco presentes ainda assim.
E é a recordação de outros encontros, entre aqueles que não voltarão a encontrar-se, nesta diáspora que é também a vida de cada um ...
E depois há os que não têm mais quem encontrar ... a não ser os que na mesma nau e na mesma odisseia, partilham os temporais de todos os dias .

Enquanto isso, sabemos das bombas.  Sabemos de Aleppo e das suas crianças órfãs e sem sonhos ...
Sabemos dos refugiados nos campos da desesperança ...
Sabemos dos atentados e sabemos dos que morrem, sem bem saber porquê ... Apenas pela desdita de estarem no sítio errado na hora errada ...
Sabemos os amordaçados na voz e na vontade, onde a palavra liberdade é mítica ...
E sabemos África e Ásia naquela manta de retalhos de miséria e infortúnio.  De doença, de provação e de dor ...
E sabemos das cidades agrilhoadas mesmo no coração da "civilização", pelo medo dos fantasmas  da ameaçadora violência sempre iminente, demasiado iminente ...
E sabemos da lotaria que é a vida de quem conta tostões nas contas magras, em meses demasiado compridos ...
E sabemos do frio e do silêncio, em lares de costas voltadas, quando as pessoas já só se desconhecem ...
E de velhos ... centenas de velhos ... largados  na solidão desesperante de hospitais e instituições, e onde a demência é uma aliada e uma misericórdia ...
E sabemos de todos os sozinhos, silenciosos e escuros na alma, com horizontes de sol posto ... numa orfandade de afectos e calor ...

Sabemos tudo isso e ainda assim acreditamos neste Natal !...
Afinal, simplesmente, o Natal do nosso triste descontentamento !!!...

Anamar

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

" E ALEPPO AQUI TÃO PERTO !... "




E Aleppo aqui tão perto !...

Porque afinal o Mundo é pequeno, demasiado pequeno ... bem o sabemos.  E o troar das bombas nos rebentamentos, em noites intermináveis e tenebrosas, chega-nos aqui.  Bate-nos ao coração.  Toca-nos o espírito e desassossega-o, e intranquiliza-o com as danças medonhas dos monstros e da morte esvoaçante.
A escuridão pesada e inimaginável  por nós, os presenteados do destino, assombra os que não dormem, não comem e não vivem,  lá ... talvez à espera do derradeiro momento ... quiçá o do alívio, em cada estrondo que atordoa.

As ruínas do que foi um local de se viver, as portas e as janelas esventradas no que ainda resiste em pé, são fantasmas terríficos de dedos acusadores  ao Mundo do século XXI, que parece adormecido, demasiado indiferente e distante.
Entretanto, como soldadinhos fantoches em guerras de fazer de conta, os civis, homens, mulheres mas sobretudo crianças, indefesos, vivem o horror da incerteza, do medo, do pânico paralisante de bicho acoado em ratoeira armada por loucos em desvario.
E tombam ... tombam a cada hora, a cada minuto, sem saberem por que tombam ...  Sem saberem por que vale tão pouco a sua condição humana !...

Bana relata, na sua inocência de menina de sete anos, o que vê, o que ouve ... ao que assiste, com o pavor de quem não sabe se no momento seguinte ainda o poderá fazer ...
E suplica que rezem, que todos unam preces  para que o Inferno páre, para que o pesadelo termine... para que as bombas parem de cair, arrastando consigo tudo e todos.
O pai foi ferido, perdeu o seu melhor amigo e muitas outras crianças como ela ... só que mais desafortunadas.  Velhos, homens, mulheres com crianças ao cólo, perambulam sem destino por entre escombros que escondem a desgraça.  Não há mais refúgios, não há mais esconderijos !  Só a sorte de cada um ditará o seu destino.
Em desespero, tenta chamar-se a atenção hipócrita do ocidente, das instituições e dos países preponderantes, para o genocídio que acontece a cada dia.
Fazem-se vídeos nas redes sociais. Usam-se os recursos das novas tecnologias para denunciar, sensibilizar e pedir socorro, em despedidas pungentes, de pessoas conscientes de que essas serão as suas derradeiras palavras ao Mundo.

Aleppo é uma cidade fantasma.  Aleppo é um pesadelo tornado realidade, onde a vida é aleatória, onde o sonho não cabe mais, onde a busca da sobrevivência é o único horizonte para os que resistem.

Enquanto isso, o Mundo faz compras de Natal !
Atropela-se, num afã alucinado de consumir, consumir, consumir ... na promoção de um evento cada vez mais desumanizado, esvaziado, alienado.
As cidades iluminam-se profusamente.  As mesas irão rechear-se.  Os risos, a alegria e a abundância  não deixam espaço para outras preocupações ou pensamentos mais altruístas e fraternos.
As consciências repousarão sem demasiados sobressaltos ... tenho a certeza !

Lá, a cidade também se ilumina, por cada explosão acontecida.
Nas mesas desmanteladas, de lares que já o não são, haverá comida, haverá leite ... sequer pão ?
Os choros, os gritos lancinantes, a dor e o desespero alastrarão por entre as sombras agigantadas, até que um silêncio de morte desça ... e com ele traga a paz para os que deixaram de sofrer !

Assim é o Natal  ...
Assim é o Natal também em Aleppo ... aqui tão perto !...



Anamar

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

" DOENÇA DOS TEMPOS "




As pessoas morrem aos poucos, um bocadinho de cada vez.
A solidão em que uma imensa faixa da população vive, o isolamento a que é votada  mercê do ciclo da vida, marginaliza, obstaculiza e segrega da felicidade muito ser vivente.
As grandes cidades, com o anonimato de que somos vítimas ombro a ombro com as multidões que cruzamos, o ostracismo em células que muitas vezes já foram familiares e hoje pertencem apenas aos que restaram, as torres, os edifícios de muitos fogos com gente circunscrita a espaços demasiado restritos, desapoiada e confinada a mundos demasiado limitados, propiciam estados de alma deteriorantes e destruidores do ser humano.

A vida, com todas as dificuldades reais e exigências inerentes, com todas as angústias desencadeadas pela imposição do cumprimento de necessidades básicas, mesmo que só de sobrevivência ...
A vida, insatisfatória e com penalizações  frequentemente de uma violência desumana, entristece, desmotiva, cansa e angustia todos quantos a atravessam enfrentando os mais dolorosos escolhos ...
As dificuldades e as verdadeiras barreiras quase intransponíveis que se verificam no entendimento das linguagens, na comunicação entre gerações que criaram valores, convicções e formas de sentir totalmente diversas ...
A indisponibilidade que quase todos ostentam, num corre corre, numa lufa-lufa indiferente aos problemas de cada um, aos seus sentires e inquietações ...
A insensibilidade face ao outro, num egoísmo social, num egocentrismo monstruoso e sem tamanho ...
As frequentes desagregações familiares, as clivagens sociais, a progressão dos anos que também arrasta consigo limitações sérias e crescentes, a nível de resistência e de saúde ...
As incertezas em futuros que já se não afiguram tão distantes assim, e que se mostram preocupantes e com prenúncios de tempestades ...
... mergulham em si - em vórtices ciclópicos, em labirintos estonteantes e demenciais - as pessoas, já de si fragilizadas e desgastadas pela verdadeira epopeia que é viver e resistir no dia a dia.

Depois, surge também a dor da solidão afectiva.
Há cada vez mais pessoas que sofrem consigo mesmas.  Pessoas compelidas à sua solidão e ao seu isolamento emocional e afectivo, num processo contranatura, já que o Homem é um ser gregário, um ser de matilha e clã.
Ou por moto próprio, ou mercê de circunstâncias da vida, num desajuste com ela ... os órfãos do amor, do afecto, do amparo, do cólo de que não dispõem, do calor do abraço que anseiam ... são cada vez em maior número, alastrando uma epidemia social de gente sofredora da ausência de carinho e de afecto.
O aumento exponencial de divórcios e separações, a viuvez prematura entre pessoas ainda com invejável qualidade de vida ( mercê do acréscimo da esperança de vida  numa sociedade mais cuidada e com acesso a mais recursos em termos de cuidados de saúde) ... lançam na sociedade uma significativa franja de pessoas avulsas e sós, que, dependendo obviamente das suas personalidades e exigências perante a vida, a aceitam melhor ou pior, mais ou menos pacificamente e a vivem de uma forma mais ou menos feliz ... mormente com infortúnio e insatisfação, constato!

Não se encontram sucedâneos que colmatem esses buracos existenciais.
Não se compra afecto, partilha, cumplicidade, nas lojas que nos vendem quase tudo ...
Não se "encomendam" realizações e finais felizes,  para sonhos ainda tantas vezes sonhados.  Não se amanhece dizendo : "hoje encontro novos caminhos e vislumbro novas estradas !  Hoje, se chorar, vou ter quem pacientemente me seque as lágrimas, me devolva a esperança e a fé em novos e mais generosos horizontes !... "

E ss pessoas vão morrendo aos poucos, um bocadinho de cada vez .
Pelo menos até que ainda tenham um sopro de "vida" no coração e um derradeiro fôlego na alma ...

Mas,  os pôres de sol vão empalidecendo ... Esquecemos como é dançar na chuva ... O olhar opaciza, cansado de se alongar pelos montes, e o ouvido endurece ao canto das aves de outras vidas ...
A debilidade anímica abate-se sobre nós, a força do crer e do querer esvai-se, exaurindo a capacidade do avanço, perdida a aposta no valer a pena ...

Esta implacável "doença dos tempos" alastra e submete, trucida e desmantela !...

Anamar

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

" SONHOS SONHADOS "




Estamos naquele tempo em que o plátano das traseiras se traveste das cores doces de um Outono-Inverno dormente e sorumbático, que nos aconchega.
As folhas verdes já são minoria, quase um achado encontrarem-se.  Os ouros e os ocres avermelhados imperam, em folhagem que se precipita a formar tapete no chão desta praceta, hoje silenciosa.
É domingo, o céu cinza plúmbeo impiedoso aqui por cima, está de um uniforme impávido e sereno.
A chuva precipita-se copiosa, alguns pombos cortam em pressa o firmamento e as gaivotas que recuaram, dançam nas ondas da aragem.
Para lá, onde o céu beija o mar, adivinho um desalinho alteroso ...
Por isso, elas buscaram terra segura.

Aqui, impera uma total ausência de som que me perturbe.  Os gatos dormem e ressonam mesmo, neste dia de desconforto.
À minha frente, o incaracterístico casario desgovernado e ao meu lado, companheira de demasiadas horas de silêncios e solidão, Énya embala-me com o seu inconfundível timbre, em melodias que conheço de cór.

Um dia mais que se abeira do fim.  A escuridão começa a cerrar-se ... e ainda não são cinco da tarde !

Interrogo a vida e o que é vivê-la.
Interrogo esta inépcia inata que tenho para o fazer.
Interrogo esta insatisfação dolorosa de mãos demasiado vazias perante ela.  Como se por entre os dedos me tivessem  fugido o sonho, a vontade e a fé ...
Interrogo esta incapacidade de nortear estes meus rumos sem rumo ... Com menos rumo que o das gaivotas aqui por cima ... que parecem não tê-lo.
Interrogo a lógica de uma existência que simplesmente se arrasta no escoar dos dias.  Pergunto-me como será ... e apavoro-me com o que está por vir ...

E o tempo escoa e submete-me.
E vergo-me perante os seus desígnios inapeláveis.
O pântano, o atoleiro, a areia indefinida e movediça  retiram-me a fé, a coragem e a força de mover as pernas e andar ...
Atordoo-me como numa estrada desconhecida, sem fim ou destino, cansada ... perdida sem itinerário.
Como se simplesmente devesse seguir, penitente ...

Por que não sou simplesmente uma pessoa comum, se sou uma pessoa simples no viver ?!
Por que me rebelo e não me conformo com o percurso tépido que a vida me disponibiliza ?!
Por que me maltrato inventando sonhos maiores do que a realidade mo permite, num desassossego inveterado ?!

Sonhos simples, contudo ... Sonhos justos, acredito ...
Sonhos de linguagem modesta, mas feitos de pequenos / grandes farrapos de emoções.  Feitos de linguagens de amor, de gestos límpidos, transparentes e quentes.  Sonhos pintados das cores envolventes e aconchegantes das doçuras outonais.  Sonhos vazios de solidões,  plenos dos afectos que sempre pairam  nos gestos cúmplices, nas palavras não ditas e só sentidas, nos sorrisos que nos enrubescem as faces, porque enleiam as batidas dos corações ... quando estas se partilham ...

Sonhos e mais sonhos ... apenas sonhos ...  Simplesmente sonhos sonhados !

Anamar



terça-feira, 15 de novembro de 2016

" GRATIDÃO "





12 Novembro 2016



" Gratidão "


Nasci neste dia e foi destino
a minha sina ser escrita na maré ...
neste caminhar pé ante pé
a minha vida ser cansaço e desatino ...

Mas os amigos que são amparo e são bordão
não me abandonaram no caminho
e foram tantos e transbordaram do carinho
que me fez reviver o coração !

E por isso as flores da madrugada,
gotas de uma chuva abençoada
que colhi, aspergiram a minh'alma

E uma profunda e doce gratidão,
contas de amor enfiadas num cordão,
foi a paz que me envolveu na tarde calma !

Anamar

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

" REZA, AMÉRICA !... "





" Um privilegiado de recorte fascista a liderar o descontentamento popular e a transformá-lo em poder pessoal.  Se precisávamos de mais sinais, este foi o último.  É para aqui que o mundo ocidental se está a dirigir " -  Daniel Oliveira

" Os idiotas vão tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade.  Eles são muitos ! "  - Nélson Rodrigues


Estas, são apenas duas citações que a madrugada de ontem suscitou, depois de divulgada a notícia bombástica da vitória de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos da América.
O mundo acordou estupefacto, recusando acreditar estar perante a concretização de algo que parecia impensável.
A América amanheceu com uma espécie de outro 11 / 9  neste certamente inesquecível  9 / 11 !
A apreensão instalou-se de ocidente a oriente.  De certa forma, o mundo vivia o início do que poderá tornar-se um pesadelo futuro ...

Odeio a política, os seus meandros sujos e ignóbeis.  Odeio aquilo que a move, aquilo que alimenta os mais torpes desígnios dos que a fazem.
É um campo mal cheiroso e nojento.
Também não venho aqui tecer nenhum considerando novo.  Aliás, quem sou eu para me sentir com autoridade para opinar abalizadamente, a propósito ?
Sei contudo que na vida, queiramos ou não, somos seres forçosamente políticos e que tendo cabeça para pensar, também não fará sentido demitirmo-nos de pelo menos reflectirmos, analisarmos e termos opiniões pessoais sobre os acontecimentos e os assuntos que nos rodeiam e que determinam os desígnios do ser humano neste planeta que habita.
Sei também que tudo já foi destrinçado à exaustão, por todos, que todas as "armas" já foram esgrimidas neste contexto em todos os meios de comunicação social, que todas as análises já foram minuciosamente escalpelizadas e todos os cenários desenhados.
Portanto, trazer à colação este tema, talvez possa parecer pretensioso, redundante e excessivo.
Ainda assim, vou referir algumas questões que me preocupam, algumas interrogações que se me colocam, algumas dúvidas que me angustiam.

Basta ter seguido com alguma atenção a campanha havida para a presidência dos EU, para percebermos que estávamos perante dois candidatos que não seriam solução.  Entre Hillary Clinton e Trump, a escolha configurava-se difícil.
Nunca se trataria de uma escolha perfeita, num país dividido, em partidos também internamente esfrangalhados, mas sim de escolher entre dois males, o que menor fosse.
Nessa conjuntura, Trump deveria então ser assisada e prudentemente banido.
Um candidato notoriamente impreparado, um indivíduo de uma linha assustadoramente radical e extremista, com intuitos xenófobos, persecutórios, inescrupuloso no respeito pelos direitos humanos de que faz tábua rasa, misógino, provocador, louco e inconsequente ... representará seguramente um campo minado, com imprevisíveis consequências em termos futuros.

Como pode um indivíduo que assumiu posturas boçais inqualificáveis e abjectas, de um machismo aviltante e nauseabundo, ser reconhecido como idóneo na chefia de uma nação ?!

Como pode alguém que não reconhece e descredibiliza a luta séria e inadiável a ser travada num esforço colectivo por todos os povos na salvaguarda dos problemas ambientais do planeta, ser designado para chefe superior de uma super potência, com responsabilidades por isso, acrescidas, colocando à frente do direito à vida e à qualidade da existência do ser humano, os interesses do capital e dos lobbies económicos ?!

Como pode alguém assumidamente racista, extremado e emocionalmente intempestivo e desequilibrado - que fala em deportações massivas, que fala na criação de muros entre povos e países, quando o Homem deverá empenhar-se sim, em derrubá-los, numa luta para a integração, a aproximação e a assimilação do seu semelhante - ser colocado à frente dos destinos de um país como a América, com óbvias implicações em todo o equilíbrio e pacificação mundiais ?!

Como pode ter sido investido de poderes de chefe de estado, alguém com uma nem sequer disfarçável proximidade com linhas políticas e sociais suspeitas, perigosas e preocupantes - haja em vista o regozijo e o apoio exuberante pela sua eleição, provenientes de sectores, facções e países que sem dificuldade reconhecemos ?!

Bom, não pretendo alongar-me mais.
Estas foram apenas algumas reflexões que traduzem naturalmente inquietações que serão minhas e seguramente de muitos mais.

Pergunto-me : foi tão ardiloso Donald Trump que se aproveitou da ingenuidade do povo americano ?!
Foi tão perfeitamente artista no vestir dissimulado da pele de cordeiro, mascarando o lobo que ainda não se mostrou ?!
Jogou tão maquiavelicamente com a insatisfação popular, lançando eflúvios entorpecentes sobre todos os que irão acordar forçosa e irremediavelmente tarde ?!

Resta-nos aguardar e continuar atentos  para percebermos o desenvolvimento desta novela de mau gosto.
Até lá, se fosse católica diria : " REZA,  AMÉRICA ! "

Anamar