quinta-feira, 24 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - ainda sinal dos tempos ...

 


Iniciar o dia ao som desta Ave Maria, só por si uma melodia celestial, recheada de imagens esmagadoramente belas, foi um privilégio concedido hoje, por uma amiga.  Uma espécie de miminho ou afago no coração ...

Invariavelmente, antes mesmo de emergir das cobertas, começo os meus dias tentando situar-me no que entretanto chegado ao telemóvel  ( até então com o wifi desligado ), me relaciona com o mundo lá fora, me situa no borbulhar da vida que nunca pára, e que sempre se vai fazendo à revelia do sono dos mortais ...
Se em tempos atrás as pessoas se comunicavam quando necessário, quando um ou outro acontecimento exigia comemoração especial, ou havia que actualizar notícias sobre um ou outro amigo do qual não se sabia ... neste momento e desde que a pandemia da Covid nos caíu em cima, as pessoas comunicam-se por tudo e por nada, pela simples razão de nos sabermos vivos, nos sabermos bem, nos sabermos amados, queridos ... e consequentemente preocupados uns com os outros, na solidariedade expressa, quase único rosto visível de afecto possível, em período de confinamentos, distância social e outras restrições.
Em tempos de angústias, medos, incertezas, mas também de silêncios, solidão, saudades e tristezas ... o "pingue-pingue" das notificações no telemóvel, a chegada de correio reconfortante, amparador ou potenciador de boa disposição, vindo de amigos, conhecidos ou simples contactos virtuais, é uma bênção que pela manhã de cada dia, nos mostra que os afectos, a amizade e o amor, são cordões invisíveis que vencem barreiras, distâncias, ausências, dificuldades e todas as atribulações inimagináveis, e estreitam no mesmo abraço único, aqueles que se querem bem ...
São sinais inequívocos de presença, de humanidade, de solidariedade, cumplicidade e partilha que nos aquecem a alma !
São desejos de bons dias, boas noites, boas tardes, dias felizes, que atravessam o éter e nos mostram que algures por aí, mais perto ou mais longe, alguém pensou em nós, nem que por escassos momentos, alguém dedicou um pouco do seu tempo a conseguir estampar-nos um sorriso no rosto, soltar-nos uma gargalhada no ar,  ou às vezes uma lágrima de emoção e carinho !

Hoje, as imagens deste vídeo e a sonoridade dos acordes da Avé Maria, remeteram-me por esse mundo fora no deslumbramento de arquitecturas sem adjectivos que as qualifiquem, inebriaram-me no silêncio dos claustros, ressoaram-me nos passos que fiz pelas naves das catedrais, maravilharam-me pela luz coada de vitrais, que não são mais do que um rendilhado entretecido de vidro, de cor e de mistério ...
Transportaram-me por instantes à pequenez daquilo que sou, à dimensão irrelevante da efemeridade do ser-se humano !
Levaram-me através dos tempos, das eras e da Vida, aos artesãos da pedra, aos construtores dos sonhos e aos realizadores da Obra ... que fica e ficará para todo o sempre !
Carregaram-me a nostalgia da infinitude, o distanciamento do inalcançável, a puerilidade do grão de poeira que todos somos por aqui !...
E inevitavelmente pensei :  tanto mundo a conhecer ... e tão curta e breve a Vida !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 20 de setembro de 2020

" DIVAGANDO ... "

 


O Outono está a chegar ...

De mansinho bate-nos à janela, e entrará pela porta principal dentro de três dias.  O equinócio de Outono, ao virar da esquina, fez-se já manifestamente presente  nestes últimos dias ...  A chuva chegou com ameaça de borrasca considerável, as temperaturas desceram, o céu cobriu-se de nuvens e o sol amarelou na tonalidade, amansou e tornou-se doce e envolvente, como só este sol de fim de estação o sabe ser ...

Apesar de já nos despedirmos de um Verão fugidio e distante, vivido pela estranheza de tempos que não entendemos, fica-nos no coração o sentimento de uma injusta despedida, de uma sentida partida, de alguma coisa que não chegámos a experimentar ... de iguaria a que nos subtraíram, antes mesmo de podermos saboreá-la ...
Alcançámos claramente o ponto de não retorno, que tudo tem, na existência humana ... 
Na Natureza também !
Breve a hora mudará, os dias ficarão mais curtos e a noite descerá mais cedo.  De novo as nossas vidas se remeterão ainda mais ao confinamento entre paredes, onde os silêncios, a solidão  e os momentos de intimismo nos confrontarão mais e mais connosco mesmos, numa introspecção, num solilóquio e numa imersão emocional equilibrante e gratificante, neste vórtice enlouquecido e esgotante, que experimentamos por cada dia que vivemos ...

O Outono é um período de pausas, de avaliações, de sonolências.  É um período de adocicadas sensações, como se, tal como a Natureza, abrandássemos a marcha, desacelerássemos todo o nosso metabolismo emocional, corrêssemos as cortinas p'ra deixarmos o coração pairar numa luz apenas coada e ténue, numa luz difusa e aconchegante, de toca que se prepara para a hibernação reparadora.
Tudo à nossa volta se pinta em cores de quentura boa, em sons de sesta anunciada, em embalo de colo materno ...
É a Vida a preparar-nos para o que vem.

O Outono é a melancolia duma tela de Monet, a envolvência duma partitura de Vivaldi, ou simplesmente o sabor generoso dos arandos, dos diospiros, das romãs, dos mirtilos e framboesas , das amoras silvestres ... dos marmelos e de todas as compotas que hão-de tornar mais doces e vívidas,  as memórias das avós e tias doceiras da nossa meninice ...
O Outono é o laranja, o ocre, o vermelho, os castanhos e os dourados esmaecidos, da folhagem que já atapeta praças, alamedas e jardins ... com a chegada dos primeiros ventos mais castigadores ...
É o aroma que trepa no ar, quando as castanhas desejadas, estralejarem no assador ...
E é também os musgos e os líquenes que amarinham os troncos na mata, e a caruma que resmalha quando os nossos pés se perdem pelos caminhos da serra ... 

... a lembrarem que é Outono outra vez !...

Anamar

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - " levemos a carta a Garcia ..."

 


Escrevi há dois dias um texto relacionado com o início do ano escolar, no contexto pandémico que vivemos.

Era um texto que procurava fazer um ponto da situação do país face à Covid19, perante publicação, uma vez mais,  do  Estado de Contingência decretado pelo Governo.

Seguia-se uma análise ... a minha ... exactamente sobre essa imensa preocupação genericamente vivida pelos cidadãos deste país, no concernente à reabertura das escolas para mais um ano lectivo, sabido por todos que se trata de um período profundamente particular e preocupante, e um momento de muita apreensão, ansiedade e até receio.
Era contudo um texto esperançoso, um texto dirigido a todos os principais intervenientes nesse exigente processo, com uma saudação de apreço, de gratidão, com votos de coragem e de confiança.  
Mas também de esperança e fé, em que com todas as dificuldades do mundo, num ensaio de proveta nunca antes testado, se pudesse alcançar o mínimo necessário para pormos em marcha um comboio de toneladas de responsabilidade, toneladas de exigência e mais toneladas ainda, de dificuldades a vencer !...

Trata-se de uma empresa ciclópica, exigindo uma articulação perfeita entre todas as estruturas envolvidas, um trabalho no terreno, gigantesco, um trabalho de coordenação oleado e funcional, sem precedentes, uma visão abrangente e esclarecida em equipas convergentes nos objectivos e nos interesses a contemplar.
Depois, há toda uma massa humana diversa, que forçosamente terá que remar convergentemente, numa maré alterosa de  mar encapelado, em que qualquer desajuste, desistência, falta de empenhamento, descompromisso, pode representar um prejuízo inestimável e imprevisível, potenciador de um insucesso e de um falhanço sem precedentes neste arranque histórico !

E os números da Covid, não param de aumentar diariamente ... assustando mais e mais !

Ontem atravessei o centro da cidade que habito.  Percebia-se claramente que as escolas haviam iniciado...
Os grupos de jovens pelas ruas, em bandos de sete, oito ou mais, muitos deles totalmente desprotegidos, sem máscaras no rosto,  permitindo-se comportamentos de risco, por desrespeito da distância social de segurança,  com contactos físicos ... íntimos mesmo ... manifestavam uma displicência, uma inconsequência inaceitável, uma irresponsabilidade ou até um desafio ostensivo, face á realidade que se vive ... que verdadeiramente me assustou.
Todos sabemos que parecia estarmos de saída de um período de reclusão excessivamente duro, em que, obviamente os mais jovens, fruto exactamente da pouca idade, da imaturidade, das hormonas açaimadas há tempo de mais, e da sua normal necessidade de contestação e irreverência ... mais dificuldade terão tido no enquadramento de uma "normalidade" totalmente anormal.
Contudo, todos pertencemos a uma sociedade que terá de se entreajudar,  terá de se consciencializar que a segurança colectiva passa pela segurança individual, e que o respeito que todos nos merecem, passa por comportamentos cívicos, de partilha, compreensão e responsabilidade inalienáveis e independentes das classes, das faixas etárias e das vontades !...
Isto terá que ser assimilado por todos, sob pena de um brutal insucesso, de um rotundo falhanço e de uma consequente catástrofe nos submergir colectivamente !!!

O sacrifício é de todos, o objectivo é comum ... o sonho também !
Não queremos / não podemos retroceder ... não podemos vir a morrer na praia !

Apelo à inteligência, ao espírito de solidariedade social, ao empenho e à generosidade !
Não deitemos tudo a perder.  Não tornemos vão, todo o sacrifício dos que dia a dia, com infinitas dificuldades, estão a dar tudo por tudo, estão a dar o melhor de si para que o futuro destas crianças e destes jovens possa assegurar-se com o mínimo de danos possíveis, rumo ao futuro !

Que saibamos pois, aqui e agora, levar a  "carta a Garcia" !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

terça-feira, 15 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - outra página que se abre ...





" A verdadeira esperança sabe que não tem certeza.  É a esperança não no melhor dos mundos, mas num mundo melhor " 
                                     Edgar Morin


Bom, li esta reflexão do filósofo Edgar Morin, ontem, algures por aí nos media, e ela aplica-se direitinho ao momento que vivemos.
De facto, se há momento da nossa vida recente, onde ela melhor encaixa, é exactamente este, em que a esperança que forçosamente tem que nos penetrar os espíritos, é uma esperança ténue, titubeante, medrosa, cautelosa, tímida de mais ... Meio pintura desbotada sem força para se colorir em plenitude ...

Integramos mais um período excepcional das nossas vidas, face à pandemia, que não só não arreda pé, como parece ter-se reforçado na força e na agressividade.
Os números diários por essa Europa fora e em Portugal também, ombreiam com os mais violentos do início deste flagelo.
E se na altura, as ordens dadas foram de encerramento, confinamento e regresso às tocas fazendo-nos de mortos ... agora, haja o que houver, estamos aí em campo aberto, dando o peito às balas.
Não existe de nenhuma forma, qualquer hipótese de conter a calamidade com medidas idênticas às que drasticamente foram tomadas em Março, Abril ... por aí.  Em termos económicos, o país já derrocou o que havia a derrocar, e é inexequível que iguais medidas, no sentido de tamponizar sanitariamente a progressão dos contágios e o avanço da doença, possam vir a ser tomadas de novo !!!

Como paliativo, diria eu, decretou-se novamente um chamado Estado de Contingência que abarca em si um aperto nas restrições, que afinal nunca deixaram de existir.
Legislou-se de novo sobre os ajuntamentos, estrangularam-se mais as determinações sobre o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, deliberou-se outra vez sobre as regras trabalhistas ( tipologia de prestação, horários, formas de convivência entre os trabalhadores no sentido de desfasamentos, quer de entradas, saídas, pausas, refeições ), mantiveram-se na restauração as medidas respeitantes ao distanciamento social, ao uso das máscaras, à lotação dos estabelecimentos ...
Nos transportes públicos e em espaços fechados, a protecção do rosto continua a ser obrigatória, podendo até, pontualmente em casos que o justifiquem de acordo com a sua situação epidemiológica, que algumas autarquias igualmente o determinem na via pública .
Álcool continua a não poder ser vendido nos espaços comerciais depois das vinte horas, e o seu consumo nos espaços públicos não permitido.
As actividades desportivas permanecem condicionadas ;  os espaços de lazer que varavam as noites, como os bares e as discotecas  com o figurino que lhes conhecemos, têm igualmente limitações rigorosas de horário, podendo, se aceitarem reconverter-se a pastelarias e bares simplesmente, laborar atá às vinte horas.
Pistas de dança, DJs e copos à discrição pela madrugada fora, nem pensar !....

Estas, são apenas algumas das medidas mantidas, alteradas e reconfiguradas.
E referi tudo isto, que pode afinal consultar-se nas determinações emanadas da Assembleia da República e que estão em exercício desde hoje 15 de Setembro pelo menos até ao fim do mês,  para pegar no que verdadeiramente me trouxe à escrita desta crónica, por ser o que prioritariamente mais me preocupa, mais me deixa interrogativa e ansiosa :  a reabertura do ano escolar.
Daí que a frase de Edgar Morin continue a martelar-me os parcos neurónios, já em "período de contingência prolongada" ...😎😎😎 : a busca desenfreada de uma esperança que me permita acreditar que apesar de sem certezas, alcançaremos neste arranque tão particular, não o melhor dos mundos ... mas um mundo melhor ...

As crianças, os adolescentes, os já menos jovens, os professores que encaixam numa outra faixa etária ... todo o pessoal de apoio logístico à abertura das escolas, iniciaram agora um caminho mais cerrado e tenebroso, mais duvidoso e incerto, do que o que nos devolveria o nosso D.Sebastião, na cerração daquela manhã de má memória ...
Ainda assim, os responsáveis puxaram de novo das forças, da criatividade, da entrega e da abnegação, da coragem p'ra voltarem a dar o tudo por tudo, em mais uma época escolar, juntando os cacos de uma outra que terminou coxa, incompleta, cheia de lesões e maleitas ...
Voltaram a reinventar o possível e o impossível, numa tentativa de "normalizarem" o rosto do que é tudo, menos normal.
Voltaram e têm em si a responsabilidade de nortearem, de adaptarem, de coordenarem e conduzirem uma massa humana muito particular, muito frágil e muito importante : os jovens deste país, uma outra vez entregues nas suas mãos ...
Pouco se sabe ? Inventa-se, improvisa-se, dentro da sensatez, do bom senso ... da boa vontade.
As dificuldades são inimagináveis e incontabilizáveis ? Tenta-se, tacteia-se na base do erro / acerto ... e progride-se, lentamente, em passos cautelosos ... o melhor que se saiba ... o melhor de que formos capazes !

"A verdadeira esperança sabe que não tem certeza ... " 
Todos nós sabemos como a estrada é pedregosa, cheia de escolhos, de percalços, de armadilhas até !...

Mas não buscamos o melhor dos mundos.  Já ficaremos felizes e tranquilos, se no balanço tivermos descoberto e alcançado um Mundo Melhor !!!...

Neste dia de hoje, saúdo e abraço com este meu texto, todos os meus colegas, que na nau das tormentas procuram um trilho de luz, nos oceanos !!!
Saúdo todos os encarregados de educação ... todos os pais, em que o coração se aperta e espreme no peito, por cada dia de dúvida, medo e apreensão ...
Saúdo e beijo todos os jovens que aí estão, respondendo presente, à chamada do futuro, do sonho e da VIDA !!!
Entre eles, envio um beijo muito particular, do tamanho do mundo ( perdoem a vacilação ) aos meus António, Vitória, Kiko e Teresa ...
Meus queridos ... a VIDA é de quem se atreve , não esqueçam nunca !!!...

Anamar

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - segunda vaga





Conheço três figueiras na mata ... de figos "pingo mel", que são "aquela coisa" que todos sabemos ...
Ao longo do ano passo por elas dia sim dia não, nos dias da caminhada.
Assim, insuspeita, vou-as namorando da Primavera ao Outono, acompanhando os seus ciclos biológicos, observando o despontar dos primeiros figos, o seu crescimento, a sua promessa generosa de produção abundante, ganhando a expectativa de algum dia ser dia de "colheita" ... 😁😁
Só que, os figos da mata, por direito, deverão ser pertença dos pássaros da mata !
E é exactamente isso que acontece.  Os "malvados" sempre me tomam a dianteira, e os figos, coitados, nem tempo têm de chegar à idade adulta !
Menos mal, que dessa forma, a consciência sempre me fica mais leve !...

Hoje lá passei de novo, e de novo verifiquei a "rapinagem" que por ali vai ... Com silvas à volta, e figos visíveis já só nas ramagens fora de mão, "corta-se um dobrado" para os alcançar ...

E porque as ideias nos ultrapassam e os pensamentos voam mais longe e mais soltos que a passarada das ramagens, lembrei a já só saudosa e úbere figueira pingo mel daquela casa que me ficou longe, na Beira das minhas memórias, onde os frutos eram tantos e tão bons, que não havia refeição que os não integrasse na sobremesa ...
E lembrei o ritual da chegada, em fim de férias de Verão, quando, antes mesmo de criada a logística da família para a estadia de alguns dias antecedentes à época escolar que se anunciava, entrando no jardim, sorríamos agradados e lançávamo-nos todos, adultos e crianças, saudosos e sequiosos, sobre os figos maduros, verde esmeralda, que se ofereciam dos ramos engalanados...
E era comê-los "à fartazana" !
A avó, sem qualquer sucesso, bem avisava : "meninas, os figos quentes vão dar uma dor de barriga !..."

Uma vez, a gulodice era tal que nem percebemos que o Óscar, o gato da família que por direito também ia de férias, se escapulira da transportadora e, também ele se interessara vivamente pela figueira.
Não que quisesse os figos ( gato que se preza não come fruta, que eu saiba ), mas porque a figueira com todo aquele manancial generoso, era poleiro de infinita passarada e local de dormitório dos ladrõezitos de meia tigela, que dessa forma, tinham o pequeno almoço sempre servido à cabeceira da cama !...
Foi um "Deus nos acuda" no resgate do Óscar, que amarinhara aos galhos mais improváveis da árvore, e jurava que de lá não sairia.
Desde os apelos mais ou menos pacíficos (com toda a família de nariz no ar ao redor da figueira ) ... ao aliciamento da "fera" com comida no prato, de tudo se fez, e em limite, lá tive que trepar eu própria, a uma escada buscada em improviso.
E periclitantemente, e em vias de despencar a qualquer momento, enfrentei o esgar de assanhamento da criatura e arranquei finalmente os oito quilos de gato a um dos ramos mais inacessíveis !...

Lembro como se fosse hoje !...  😍😍😍

As saudades apertam mais ainda, nestes tempos de aflição que nos atormentam, e por isso, o pensamento parece buscar refúgio no que foi, nas histórias que vivemos, nas memórias que guardamos carinhosamente ...  E tudo parece, contudo, tão longe, e ao mesmo tempo tão perto dos nossos corações !

Hoje, neste pesadelo que nos atormenta, as notícias que nos vão chegando ainda nos confundem mais as mentes, toldadas outra vez por um medo latente a instalar-se.
Os números da pandemia, alastram por essa Europa fora num descomando sem tréguas.
A tal segunda vaga ameaçadoramente prevista desde o início ... a tal segunda onda, que feita um tsunami mortal, varreria sem piedade e mais destrutivamente  ainda, de uma forma cirúrgica, país a país, nos trilhos já martirizados e por ela percorridos, parece estar aí !!!

O Outono a chegar à nossa terra, o desbloqueio inevitável e urgente do imobilismo e confinamento a que fomos votados no início do flagelo, o retomar da tentativa de alguma normalidade, com o recomeço escolar e com a reactivação de serviços e actividades, muitas delas passando outra vez de tele trabalho a prestação presencial ... uma necessária e expectável maior utilização dos transportes públicos em inerência, entre outros aspectos, tornam preocupante, a evolução do contágio em todo o país.
Os números actuais já deixam apreensivos todos os cidadãos, e colocam o Governo e as autoridades de saúde, num espartilho sem tamanho, entre a responsabilidade sanitária sobre toda a população e a gravidade da situação de um país cuja economia em ruptura não pode de nenhuma forma, voltar a fechar.
A situação brutalmente adversa do turismo, da restauração, das empresas sem capacidade de garantirem já os postos de trabalho, com o consequente aumento do índice de desemprego ... as exportações que caíram a pique e demoram para se reerguer ... estão a lançar para a miséria, muitos e muitos agregados familiares !
Ou seja, vive-se neste momento uma verdadeira prova de fogo, a que o Governo respondeu, em tentativa de embolizar a situação, com o decreto de um novo Estado de Contingência, já a partir do próximo dia 15 !
As restrições acentuar-se-ão, as medidas impostas à protecção individual e colectiva serão mais rigorosas e apertadas, os cuidados a observar ainda mais exaustivos. 
Em suma, voltaremos a sentir o peso de um  novo isolamento mais exigente, de um maior afastamento e solidão outra vez ... de uma vivência excepcional e mais desgastante ainda ... nós, os que já nos sentimos tão fragilizados e cansados e que psicologicamente ( sobretudo as pessoas de faixas etárias mais avançadas ) percebemos claramente, uma resiliência a esfrangalhar-se dia após dia !...

Bom ... aonde os figos me trouxeram !!! 😄😄😄

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 8 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - hoje ...




Acabei de chegar de Amsterdão.
Vincent Van Gogh recepcionou-me no seu museu, abrindo-me a luz clara e límpida dos seus girassóis  amarelos, adormecidos em jarras translúcidas ...
Transportou-me entre meio às suas amendoeiras em flor, aos seus lírios azuis e às suas  papoulas vermelhas,  rumo  aos  pôres  de  sol  que  haviam  de  anteceder  as  noites  estreladas ...

E essa viagem no imaginário virtual que nos leva aos cinco cantos do mundo, que nos passeia nos lugares que inventarmos ... que nos transporta em directo à magia de um concerto, que nos leva ao cimo da Torre Eiffel a espreitar Paris, que percorre connosco a Grande muralha da China ou os doces canais de Veneza ... tudo à distância de um clique ... lembra-me de novo ( se o houvesse esquecido ), a vida excepcional que detemos, neste Agosto em vias de encerrar portas em direcção ao nono mês do ano, numa absurdidade sem tamanho ou explicação !

Essas viagens saborosas mas doídas, lembram-me as outras ... aquelas que só sonho e que não me saem dos olhos e do coração, por mais esforço que faça.  Lembram-me os sóis que invento sobre outros tantos mares igualmente inventados.  Lembram-me os cheiros, as cores e os sons  que me povoam  distantes,  a  mente e a alma.  Lembram-me o que foi, o que já foi e que talvez não volte a ser ...
Lembram-me, e despertam-me uma sensação estranha e intranquila, de fim e de despedida.
Instalam-me um desconforto aqui bem no meio do peito, que não consigo descrever. Mas que sinto ... claramente.  E que é palpável !
Um aperto de coisa suspensa e interminada ... coisa interrompida,
 sem suspeição.  Atropelo imprevisto, explosão não controlada ... de que se foge, de qualquer forma e modo. Desgosto !

E para trás fica o tudo que foi e que quando se busca, já lá não está.
Os lugares já lá não estão, os sentimentos já lá não estão, as pessoas também não ... nós já lá não estamos !  Fundamentalmente, NÓS já lá não estamos ... NÓS nunca mais lá estaremos, pela razão simples de que aquele que éramos se perdeu na curva do tempo !
Não conheço nenhuma outra faixa temporal que tenha tido uma capacidade tão grande de mudança e transformação nas nossas mentes, nos nossos corações, nas nossas vidas ... na nossa história !
Uma  eficácia  tão  grande  e  rápida  em  reescrever  e  redesenhar  os  destinos  da  Humanidade !
Na nossa terra, no nosso país e no mundo que habitamos.
Todas estas horas, dias e meses a descontar num ano injusta e ingloriamente consumido, são horas, dias e meses duma agressividade, desgaste e destruição sem tamanho, são  tempo delapidado, irrecuperável, demolidor ... tempo não vivido !

Foi um tempo modelador de novas personalidades, já que da noite para o dia, a adaptação severa que nos foi imposta a um figurino que desconhecíamos e que urgia cumprirmos, nos colocou face a uma realidade desconfortável, face a uma vivência ansiosa e assustada de passos titubeantes num arame sem rede, num caminho escuro sem luz e sem fim que se aviste !
Forjaram-nos um coração novo, mais duro e triste sem afectos e carinhos,  uma alma nova escurecida pela distância e pela solidão, testaram-nos a capacidade resiliente, a capacidade de sobrevivência  face à dúvida, à angústia e ao medo, tornaram-nos seres estranhos, desajustados e mais desumanizados ...

Chegámos ao hoje.
O cansaço invade-me, azeda-me o espírito, indiferentiza-me e vai-me anestesiando ... não adaptando !
Hoje parece só que estou à espera.  À espera de nem sei o que esperar ... mas espera.
Hoje amarguro-me e sufoco-me com esta ausência de horizontes, com esta distância que virou infinita, com  esta  desesperança  que  retirou  o  verde  à  minha  estrada  e  azul  ao  meu  céu ...
Hoje,  sonho  com  os  sonhos  que  sonhei  e  com  todos  aqueles  que  não  tive  tempo  de  sonhar ...
Hoje tenho saudades mil do tanto que foi ficando pelo caminho !...

Anamar