quinta-feira, 27 de setembro de 2018

" E PORQUE TALVEZ ACREDITE ... "




A esta hora já se encontraram ...

Não acredito em paraísos nem infernos, nem nas convicções da Igreja Católica.  Mas sempre imagino ( e acho que quase sempre o faço em busca de reconforto ) que nada pode ficar só por aqui mesmo.
Penso que seria uma fraude sem tamanho, se o Homem se reduzisse à sua prestação terrena e física.  Somos, como seres vivos superiores na hierarquia dos viventes, seres com cognição, inteligência, racionalidade além de todos os outros atributos comuns aos restantes que connosco partilham a vida ... uma espécie potencialmente privilegiada.
O Homem adquire, trabalha, armazena know-how ao longo da sua vida.  O Homem, como um ser superior, racional e emocional, reserva ao longo da sua existência uma bagagem pessoal intransmissível que eu não aceito poder simplesmente ser delapidada no momento da sua morte.
O seu repositório individual, o legado que armazenou, será o que dá significância à sua existência terrena.  Seja de que forma for ... em átomos, moléculas, já que de matéria se trata ... seja em energia, ( a essência espiritual de cada um ), sei lá !...
Como num sistema fechado em que não há perda, não há ganho, apenas há transformação, não faria sentido que num instante único, a perda fosse, por isso,   irreparável, irreversível, injusta e inexplicável ...
Pelo menos de acordo com a minha sensibilidade.

Esta convicção remete-me a uma filosofia defensora de reincarnações sucessivas, de sucessivos regressos no sentido de um aperfeiçoamento progressivo do Homem, face ao alcance do Nirvana,  ( do sânscrito  " nibbana",  que significa " apagar", "extinguir", "cessar sofrimento" ), ou seja, de um estádio espiritual superior, de elevação e aperfeiçoamento, que constitui o princípio básico da doutrina Budista.
Amor e compaixão devem exclusivamente nortear a vida terrena, sem preocupações de busca de definições de céu, inferno ou deus.
A existência humana é um ciclo interminável de morte e renovação, no sentido da existência de paz, serenidade e alegria.
Uma vez atingido esse estado "além do sofrimento", interromper-se-ia o ciclo de vida e morte.

Não tenho conhecimentos profundos nesta matéria, contudo.
Não sou escolada em correntes religiosas, filosóficas, espiritualistas, nem em doutrinas subjacentes, sequer.  Não me meto portanto em caminhos escusos, para os quais não possuo espalda.

Tenho sim, simpatia pela ideia.  Acho mesmo que me dá um certo "jeito", considerá-la como um fim possível, digno e simpático para a existência humana.
Dessa forma, a ideia da continuidade para além da morte, é uma "solução" que me agrada, que me ajuda, que me ampara face à angústia, à dor da perda, à consciência da inevitabilidade da partida dos que amamos e da forma como encaramos a nossa própria partida.

Portanto, tudo se torna mais leve, colorido, aceitável, suportável ... menos doloroso.  Porque afinal, nada seria definitivo, tudo se resumiria a um simples e reconfortante "até já" ...
A confraternização dos espíritos seria apenas interrompida, prometendo-nos novos e futuros encontros, por aqui !...

Tudo isto, porque hoje partiu o único irmão da minha mãe, ainda vivo.  Em menos de meio ano, fechou-se o naipe dos cinco que eram a sua família de origem, e isso deu-me que pensar.
À volta disso reflecti nos considerandos que aqui expus, e acredito, como disse no início do meu texto, que  " a esta hora já se encontraram algures, por aí !... "

Anamar

domingo, 23 de setembro de 2018

" OUTONO "



E eis que chegou !
À 1,54 h desta madrugada, o equinócio de Outono cumpriu calendário.  E como um recém-nascido, veio sem mostrar ainda, o que expectavelmente o caracterizará : dias coloridos a cinza, Natureza colorida a tons doces e quentes, amaciando a estação seguinte ( que sempre se espera mais agreste e implacável ), temperaturas amenas, pingos de chuva regeneradora e saborosa ...

O Verão, este ano,  parece querer tornar-se inesquecível, nesta imposição de temperaturas absurdas, rasando os trinta graus ou mais.
Começamos a sentir alguma saturação, uma necessidade de mudança, uma renovação e um "arrumar" da alma, que este tempo introspectivo, sereno e silencioso, propicia.
Simultaneamente a nostalgia desce ... inevitavelmente, já que esta mudança de estação, nos reporta às etapas das nossa vidas físicas.
É o tempo da queda das folhas.  O tempo da interioridade e do intimismo.  É tempo de balanço, de pacificação do corpo e do espírito, e de conciliação com nós mesmos.
É paleta de Van Gogh, oferecida aos nossos olhos.  É  uma sonata ou partitura ... É uma difusa melancolia, um estado de alma ... um tempo em declive suave ... cálido e saboroso ...
O ritmo abranda, a energia trepidante da estação cessante carregada de força, adrenalina e vontades, cede lugar a uma hibernação e adormecimento interiores.
Deverão ser saboreados, como o é a doçura das compotas, que saltam das matas para as mãos sabedoras de quem lhes conhece os segredos .
É quase sempre o tempo de mães, avós, de tias velhas, de doceiras insubstituíveis, que sempre pontuarão as nossas memórias, mesmo quando já tiverem partido, ou nós esquecido os sabores irrepetíveis ... porque a criança que fomos, também não existe mais ...

Mas sempre vamos lembrar as prateleiras da despensa, sempre vamos lembrar o rapar lambareiro dos tachos e o sabor reconfortante e apetecido do pão barrado ... nas merendas das nossas vidas !
Sempre vamos recordar saudosamente os cheiros lá de casa, o fervilhar da marmelada em confecção, os bagos das romãs pacientemente preparados, as cores flamejantes dos diospiros maduros ... o insubstituível cheirinho espalhado pelo ar, das castanhas assadas que não tardam aí ...
As folhas amarelecidas tombam pelos caminhos e atapetam os lugares de passagem.  As aves migratórias já foram, e esperamos voltar a ver as andorinhas na próxima Primavera ...
A mansidão dos dias convida aos percursos cúmplices e sem pressas, pelos bosques, pelo arvoredo, pelo topo das arribas, donde se divisa um mar que promete tornar-se alteroso e imperativo, não demora ...

E percebemos que  já passou mais um ano, outra vez ...

E deixo-me inundar por uma paz silente e aconchegante.  Por todas as razões.  Pela lembrança, pela saudade, pela felicidade também ... pela cumplicidade vivida, quando as famílias ainda eram o que eram e quando ainda o eram ... sem ausências ou desistências ...
Nada esquece nas nossas vidas.  As memórias, boas e más, são o repositório feliz, o património indelével das nossas histórias.

Mas o Outono, estação em que nasci, não é o fim da história ...
Terá sempre, de facto, muito a ver comigo ... talvez demasiado !
É sonhador como eu, silencioso como eu, intimista como eu ... com uma magia particular, embaladora e doce, apenas sua,  e que mais nenhuma estação ao longo do ano é capaz de nos oferecer !...



Anamar

sábado, 22 de setembro de 2018

" CHARADA "



É tarde de mais p'ra falar da vida.
Tudo o que havia a falar já o foi.  Percebo não ter quem possa entendê-la, outra vez.  Há momentos em que viramos a página da agenda.  Percebemos que os códigos não podem mais ser entendidos por quem vier.  Há uma incapacidade de recomeçar a dizer.  Um cansaço de reabertura de cena.
Só porque o que tinha que ser, já o foi. E o tempo é o tempo p'ra cada coisa.
Não quero mais.  Seria um trabalho inglório, por muito que quisessem abrir caminhos.
Os meus caminhos já foram percorridos por quem os conheceu.  Os meus trilhos são segredos da montanha, que por ser mágica os encerrou em si.
Não se fala a mesma língua, só porque sim.  Não se aproximam emoções se as não conhecemos.  Se as não vivemos.  Se não são estória da nossa estória ...
E a nossa história teve um tempo real.  E o tempo, quando é real, vive no coração.  Não é como o tempo dos sonhos, porque esse, é eterno ... vive no espírito !

Percebo a vida encalhada em praia distante.
Percebo que não há vento, manso ou de borrasca, que consiga arrancá-la do areal.  Talvez simplesmente porque aquele areal, é o seu, de repouso, com as suas rochas e as franjas desenhadas como pinturas de Monet.
Talvez porque se esteja em tempo de marés leves, marés de dormência, que levam e trazem a canção das ondas.  Sem sustos ou angústias.
Talvez porque o meu barco se deixe apenas ir e vir, e ir e vir ... E esse, é o seu navegar ...
Talvez porque  lá esteja o canto das gaivotas livres de asas estendidas, e o som do silêncio da esperança.

Deve ser isso !
Deve ser isso que hoje me mostrou o cansaço da alma.
As vidas são curtas demais para serem escritos novos capítulos, por interessantes que o sejam.  Porque todas elas têm um fio, de meadas que desenrolam até às pontas finais.  E depois do desemaranhado desfeito, nunca a meada seria a mesma, por mais habilidade que outras mãos possuíssem, para a tecer ...
As mãos que são sábias, são as mãos que são sábias.  E os pés que percorreram os nossos caminhos, são também só aqueles que os palmilharam connosco, lado a lado ... e lhes conhecem as marcas secretas ...
Os ouvidos que conseguem escutar-nos, são apenas aqueles que sabem os nossos silêncios ... não mais ...

Chega um dia das nossas existências em que percebemos ter encerrado as vidraças ... ter fechado as portadas ... ter apagado as luzes.
Cansámos.
Esgotou-se o texto e não há paciência para reescrever outro.
Ficamos com a exibição final.
A que conhecemos, a que marcámos ... a nossa ...

Confuso, isto ... certo ?
Quem me ler deve achar que foi desta que me "passei", em definitivo.
Contudo, saudavelmente, um pouco  "outsider" nos pensamentos, nas emoções e na vida ... inquieta na alma, e fervilhante  nos desejos,  sempre o sou, em permanência ...

Anamar

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

" TUDO E NADA - balanços outonais "



O ano está a ir-se.
Entraremos no seu último trimestre não demora, e apesar do calor continuar a imperar em dias azulados de céu límpido e brisa mansa, quando passa ... sente-se já, que não é bem igual.
O sol tem um rosto mais tímido, a sua luz adocicou, os dias anoitecem bem mais cedo e a pausa da vida que é configurada pela estação que aí vem, sente-se claramente também na interioridade da Natureza.
As praias estão a ficar sós. As gaivotas farão delas privilégio de passeio.  Os areais são beijados no embalo de marés silenciosas e meigas, como véus largados em lassidão e abandono.
E tudo à nossa volta parece reduzir a urgência trepidante da pujança dos meses de Verão.  A pressa aquietou e tudo agora parece desenrolar-se numa fruição gostosa e degustante.

Os putos voltaram às escolas.
Reencontramo-los nas ruas, de novo em bandos chilreantes e descontraídos, mochilas nas costas, livros nas mãos e conversa solta e displicente, com a leveza e a irresponsabilidade que os anos lhes conferem ...

Para mim, o ano sempre foi contado de "rentrée" a "rentrée".  Não era Dezembro nem a viragem do calendário que ditavam as regras, mas sim este início de ano escolar, com redefinições de vida ano a ano, reenquadrando horários,  ritmos, com novas e promitentes determinações, novos sonhos e disposições.
Como todas as épocas de viragem ou mudança, experimentamos uma energia poderosa, uma capacidade de renovação imensa e uma imensa vontade de reinício de qualquer coisa, do que quer que seja, numa espécie de "refresh" de vida.
Planifica-se, recria-se, inventa-se, redesenha-se um figurino novo dos nossos dias, como se com ele, o marasmo, o bafiento, o repetido e por isso entediante, sumissem, e tudo se reciclasse, a começar por nós mesmos !
É a tal época das faxinas, já o abordei em anteriores escritos, sendo que as faxinas mais apetecíveis, desejadas e necessárias, seriam as que ( se isso fosse possível ) conseguissem mesmo virar-nos o nosso avesso para o ansiado direito, que faria de nós seguramente pessoas mais dispostas, leves, corajosas, sonhadoras e crentes ...
Sairmos das rotinas salobras e cansativas, inovarmos e renovarmo-nos ... desafios quase sempre extenuantes e penosos que muitas vezes se nos afiguram inalcançáveis, são exercícios mentais vitais à sobrevivência, numa sociedade pouco contemplativa e generosa, pouco aliciante e retribuidora.

Nada fácil, contudo.
O balão insuflado que empolgou os primeiros dias, deste afã de sonhos, vontades e intenções, tende a esvaziar devagarzinho, imperceptivelmente, como tendo um furinho invisível algures por aí.
As rotinas tomarão de novo conta dos nossos tempos, que recomeçarão inevitavelmente a assumir o formato já demasiado conhecido ;  o fôlego e o empolgamento dos primeiros assomos de entusiasmo, tendem a fenecer.
A cera das velas que iluminavam caminhos vai-se consumindo, o silêncio recolhe aos claustros da alma, a cor esbate à nossa volta como os mates, ou os pastéis redecoram a Natureza, depois dos tons sanguíneos do Verão cessante.  Tudo mansamente, languidamente, espreguiçadamente  ... ao ritmo de um cansaço que de novo nos invade.

A vida deve ser isto e a força dos anos transcursos também.  De facto, não temos mais vinte anos.  Não temos mais sequer quarenta anos. E a inevitabilidade do que tem que ser, opera-se, sem apelo, sem contorno, sem volta a dar !...
Será assim com todos ? - pergunto-me.

Tenho o desânimo do perdulário.  Angustia-me a incapacidade que experimentei pela inalteração do percurso da vida.
Como queria poder recuar, rever, refazer, alterar !
Como queria não ter-me acomodado.  Não ter aceite o cinzentismo dos dias.
Como queria ter tido visão, coragem e determinação para rumar para fora de caminhos já cadastrados, e inventar os meus próprios trilhos!  Ter aberto janelas que dessem mais mundos ao meu mundo !
Como queria poder revolucionar figurinos acomodatícios, e livremente poder atirar pedradas aos charcos deixados pelas chuvas passageiras ... sem medo de me molhar ! Como queria ter a irreverência saudável dos exploradores de marés !...
Como queria ter tido coragem para dizer não, e quantos nãos fossem precisos ao longo do destino !  Como queria poder asfixiar esta insatisfação doída de vida previsível, igual e repetida !   Esta dormência latente, colada na profundidade da pele !...

Enfim, se calhar quero exactamente o que muitos quereriam, sem um pingo de originalidade ou exclusividade.
Mas pelo menos, a utopia, o sonho, este turbilhão vulcânico que me sufoca e não apazigua, fazem-me acreditar que estou viva, que não desisto, que aposto sempre e quero continuar a viver e a lutar pelo valer a pena desta minha vida !...
Por tudo e por nada ... que sempre será muito !...

Anamar

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

" LÁGRIMAS ... "




Choro pouco, ou melhor, quase nunca choro.
Ainda que os olhos se me marejem uma que outra vez, ainda assim mais por emoção do que por mágoa ... chorar mesmo, aquela coisa de abrir as comportas e deixar correr ... há muito que não experimento.

Quando o meu pai partiu, há vinte e seis anos, no que foi o primeiro grande desgosto da minha vida, lembro-me que acreditava não resistir.  E chorei, chorei muito, chorei de mais ... e fui chorando até que a dor aliviou um pouco.
E era um chorar profundamente sentido, porque era um chorar de laceração de alma, de esfacelamento de coração ... num esquartejamento da que eu era, com um misto de impotência, de sensação de irremediável injustiça, de incompreensão quase, do que a vida me estava a fazer ...
Como se não devesse ser expectável, nos já noventa anos do meu pai !...

Sempre acreditei que por todas as razões, quando fosse a vez da minha mãe me deixar, o choque seria de tal ordem brutal, que seria muito, muito difícil p'ra mim suportá-lo.   E que obviamente, de novo eu iria debulhar-me em lágrimas incontroláveis.
Afinal, a minha mãe sempre foi muito mais próxima de mim que o meu pai, vivemos uma vida totalmente partilhada e cúmplice, sempre foi uma mãe presente, dedicada, direi mesmo que abnegada.
Era extremamente carinhosa com todos nós, sempre nos colocou acima dos seus próprios interesses, disponível e generosa ... já por aqui o referi demasiadas vezes.

Pois bem, agora que aconteceu, como que sequei por dentro !
Dei por mim numa paz e numa aceitação, quase num agradecimento mudo, pelo desenlace.  Talvez incompreensivelmente, poucas lágrimas verti.  Dentro de mim, pairava uma serenidade, um carinho e ternura tais, que a contemplei longamente, por todo o tempo em que parecia dormir, pela última vez, fisicamente perto de mim.
E com uma tranquilidade, como se pressentisse que ela sabia exactamente o que ali estava a passar-se, e quisesse transmitir-me isso mesmo.
Quase não chorei, portanto.

Ao longo da vida atravessei outros desgostos, outras mágoas, dores igualmente profundas, embora de cariz diferente.
Também nessas circunstâncias constato que a minha capacidade de chorar - não de me emocionar - tem vindo em decréscimo, à medida que o tempo passa e a vida se faz.
Não é fácil neste momento, ainda que compungida com muitas situações, ainda que amarfanhada com muitas outras, ainda que enternecida quantas vezes, por outras ... que eu deixe escorrer as lágrimas soltas pelo meu rosto !

E pergunto-me : o que se passa comigo ?
Será  que  o  tempo  e  tudo o que  ele  sempre  nos acarreta,  me  endureceu ?  Me insensibilizou ?  Me roubou a capacidade de sentir, me roubou a ingenuidade perante a vida, e o deslumbramento com que sempre a olhava ?
Será que o tempo me couraçou, por incapacidade de acreditar já, em muito do que há anos atrás, eu ainda acreditava ? Será que estou a perder a capacidade de sonhar e talvez também de apostar, para não me ferir ou apenas molestar ?
E daí, por defesa, ter-me-ei revestido de uma carapaça personalística que me levanta muros face ao que me rodeia ?!...

Pois ... não sei !
Sei que me sinto árida por dentro, vezes de mais.
Sei que me sinto mais pobre, na minha incapacidade emocional.
Sei que me flagro com muita frequência com uma postura dura, intolerante  e exigente em excesso.  Sem grande margem de compreensão, de compaixão, aceitação, disponibilidade  e bonomia para com o mundo.

E nada disto é gratificante, nada disto seguramente me fará feliz, nem me aliviará a alma ...

Talvez se eu chorasse mais ... Quem sabe ???...

Anamar

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

" PARTIR ... "



O tempo de Outono que se avizinha, é propício a uma boa faxina.

A minha mãe, nos seus afãs de limpeza, chegava a esta altura do ano, e aí estava ela na revolução absoluta da casa.  Eram as cortinas, eram os cristais, eram os "amarelos", como dizia ... Divisão por divisão, tudo lhe passava pelas mãos, na habitual "limpeza grande de Outono".
Eu perguntava-me como explicar aquela alegria incontida, aquela felicidade absoluta, quando concretizava a agenda distribuída pelos vários dias.  "Hoje foi o meu quarto ... está tudo limpinho !  Amanhã cedo, será a cristaleira "...
E sorria  muito, por ver a sua casa impecavelmente asseada.  E não entendia a minha consternação, por não conseguir sequer alcançar a compreensão desse estado de espírito.
Afinal, trocar uma boa madrugada de descanso, pela lavagem criteriosa de todo o recheio da cristaleira, era para mim um "non sense", absolutamente inexplicável !... 😄😄😄

Não fui dada a prendas domésticas.  Faço o que urge fazer-se, sem nenhuma realização ou gosto.
Tenho a casa arrumada, ordenada, limpa, com a ajuda de colaboradores, claro.  Não mais !
Fanatismo não faz parte dos meus códigos, nem nesta nem em nenhuma outra matéria.

Verdade seja que a minha mãe também não precisava de "outro" tipo de arrumações, na sua vida.
Era uma pessoa mansa, em paz, sem ambições ou ansiedades.
As suas preocupações, além de ser rigorosa e criteriosamente cuidadosa com a sua subsistência, detentora exclusivamente de uma pensão de sobrevivência miserável e mínima,  ( por forma a nunca constituir um "peso" para mim, como dizia ) ... as suas preocupações, digo, eram as inerentes às netas, ao sucesso nas suas vidas, às dificuldades, se as tinham, ao futuro dos bisnetos, à saúde ou à ausência dela, quando acontecia ... pouco mais.

Nunca a minha mãe ansiou nada além disto.  Nunca ansiou além do que a vida lhe ia dando.  Menos ainda, insatisfação foi palavra do seu vocabulário.  Nunca viveu crises existenciais, nunca se digladiou ou exigiu que os seus dias, alguma vez fossem diferentes.
Teve o que teve, foi uma pessoa frugal e simples na sua existência.  Penso  que ela nunca achou que talvez fosse merecedora que o destino lhe propiciasse um pouco mais ... ou um pouco diferente.
E assim viveu, eu diria que seguramente feliz, até aos 97 anos !

Afirmava eu no início deste post, que o Outono que ora se avizinha, é propício a uma boa faxina ...

Não falo, obviamente, dessas ânsias de limpeza  exteriores a mim.
Falo deste fervilhar de insatisfação, esta intranquilidade de alma que me atormenta, esta inércia que me toma e que parece carecer duma boa sacudidela.  Falo deste arrastar de tempos incaracterísticos e já outonais que me assolam, deste cansaço e saturação de amanheceres repetidos e sem brisas frescas a descerem-me ao travesseiro.
Falo desta desarrumação mental e deste bloqueio que me domina e me tolhe, me adormece e me narcotiza numa letargia mortalmente cansativa.
Estou como um amigo que em conversa me dizia : "Preciso de urgentemente virar a vida de ponta a cabeça.  Preciso mudar tudo.  Estou exausto !"

Eu estou exactamente assim.
Sinto em mim o cansaço de um lodaçal, o esforço do caminhar em terreno pantanoso, o desânimo de horizontes sem cor ou novidade.  O igual assusta-me.  O repetido angustia-me.  As rotinas de vida não me dizem nada.
Preciso virar páginas, sacudir pós interiores ... despendurar a vida da corda da roupa onde balança, balança e donde não se solta, numa modorra doentia ...
Preciso de viver, bem ou mal, mas "viver", e as vidas iguaizinhas, sem história, sobressaltos, desejos e sonhos, incomodam-me mortalmente. Matam-me aos poucos.
Sou uma eterna e inveterada sonhadora.  Sou uma adolescente envelhecida pelos anos.  Sou uma utópica romântica com ímpetos transgressores sempre, ao "instituído", ao "adequado", ao "expectável".
Sou um espírito inquieto e turbulento, que questiona, que se impacienta, que anseia ... que não se doma ...
Porque o que vive dentro de mim é enorme, é excessivo, é grande de mais para se espartilhar, para se acomodar, para se encaixilhar ... para se aprisionar !...

Deixar tudo para trás ... virar tudo do avesso ... e partir, partir por aí, por outras estradas, outras veredas, buscando outros céus, outro azul de mares que nunca são os mesmos, embrulhando-me noutra aragem, escutando silêncios de alma, cúmplices, ou acordes das matas distantes ...

Partir ... partir talvez fosse a solução !

Anamar

domingo, 9 de setembro de 2018

" UM BANHO DE SAÚDE "




Quem tem a Natureza à porta, às vezes desconhece a mais valia de que dispõe.
Quem vive no betão impessoal e descolorido, sabe-o bem.  O mergulhar nas potencialidades que a Natureza  nos prodigaliza, ali ao virar da esquina, é quase sempre um banho vitamínico para a alma e para o corpo.

Amanheci e estive ao longo do dia com um "calundu" daqueles ... Cansaço de fases da vida ... ressaca da "esfrega" a que fui sujeita ontem, como aqui contei ... noite mal dormida também por isso ...  ?? Sei lá ... talvez tudo e talvez nada .
O que é facto é que passei o dia naquele enrolo improdutivo e indeciso, sem iniciativa para nada.  Uma modorra chata e desmotivante que não faz, nem deixa fazer.
E o domingo a escoar-se, e de útil ... népia !  Ao menos que tivesse dormido, o que nem sequer foi o caso.

Há muito, demasiado tempo, que banira as caminhadas da minha realidade.  Sei lá ... nem sei quanto.
A situação da minha mãe até ao fim da sua vida, foi de tal maneira limitativa, absorvente e destrutiva, que me tirava toda a disponibilidade temporal, mas sobretudo toda a vontade e espírito anímico para o efeito.
Sou comodista por excelência, extremamente avessa ao exercício físico, e como tal, ginásios ou prática de outros desportos representam  uma dificuldade acrescida, que me desanima e afasta.
Caminhar ... e caminhar na mata, era a única actividade que tolerava sem grande esforço, direi mesmo, com algum gosto.

Havia deixado de o fazer, como disse.

Mas com o avanço de uma tarde sem história que teimava em se arrastar, com um sentimento de inutilidade e bloqueio psíquico, desgastante ... e sem vontade útil de outras iniciativas, escutei o desafio de um amigo que há largo tempo já, me "alfineta", confrontando-me com a perda dos meus bons hábitos de vida : "Margarida, tu eras tão persistente e agora estás preguiçosa.  O exercício é fundamental para a saúde. A tua vida é demasiado sedentária ..."  e etc, etc, etc.
E o mais grave é que é exactamente verdade !

Desta forma meio safadinha, mexeu-me nos brios, e ... ala que se faz tarde ! Uniforme de treino, ténis, mochila às costas com água, as chaves e o telemóvel e aí fui eu ... ou melhor, aí fomos nós, porque uma caminhada com companhia, é bem mais gratificante e bem menos castigadora do que fazê-la em protesto, refilando só comigo mesma ... 😄😄😄
Às vezes é só preciso um empurrãozinho ...

Uma tarde pouco quente com uma brisa fresquinha a correr, o silêncio das veredas, os aloendros em flor, o trinado dos pássaros e o verde bem reconfortante, esperaram-me na mata de sempre.
Receava o cansaço por excesso de destreino, mas a hora e meia passou agradavelmente rápida, por entre conversa, risos e algumas confidências ... ou não fôssemos nós amigos de há já muitos anos.

E pronto, deixei por lá o "calundu" que me massacrava os miolos, esvaziei a cabeça de alguma coisa do que ma perturbava, e concretizei o primeiro episódio do que espero venha a ter continuidade : a realização persistente, disciplinada e esforçada, da manutenção saudável da minha qualidade de vida !

Afinal, p'ra grandes males ... grandes remédios !...

Anamar

sábado, 8 de setembro de 2018

" NÃO SE AGUENTA !!! "



 
                                                      CONHECEM ???!!!!!  😠😠😠😠


Estou preocupada comigo mesma.
Ou então atravesso uma crise de intolerância, insuportabilidade, atingida que foi a cota de fúria, ainda a "festa" não começou ...

Eu explico :  atravessamos o famigerado mês das não menos famigeradas festividades do município onde resido.  Terça-feira próxima, comemora-se mesmo, o "dia da cidade", com o inerente feriado municipal.
Moro na zona central  e as traseiras do meu prédio, formam, conjuntamente com outros, uma espécie de praceta fechada.
Sendo logradouro privado da Câmara, este simulacro de quintalão,  é recentemente aproveitado para os programas de ar livre das festividades, quer se trate de espectáculos de rua com ou sem qualidade.
Como um espaço praticamente confinado, no meio de paredes pertencentes a prédios de sete andares ou mais, concentra em si toda a sonoridade emitida.
Palco instalado, pseudo-criação de café-concerto, mesas e cadeiras para comes e bebes.
Desde cedo, aliás desde ontem, a instalação desta necessária panóplia de infra-estruturas, mais a aparelhagem sonora, toda a instrumentação que se impõe, as colunas de som, e obviamente a bateria tinindo de afinada ... aqui foi colocada.
É claro que estando numa terra circundada por bairros de residentes muito particulares, a bateria é determinante e imprescindível.
A música  é, fundamental ou exclusivamente, metálica. Grupos "rap", absolutamente desconhecidos acredito que não só para mim, lançam incessante e insanamente para o ar, decibéis insultuosos de temas de uma qualidade que não lembra "ao careca" ...
A praceta, como referi, ajuda à coisa, funcionando como caixa de ressonância.
Pois bem, a previsão de começo oficial da desbunda é agora às 18h.  Mas receando perder um bom lugar, já temos gente instalada a pé firme, nas mesas lá em baixo.
Um bom lugar, ou direi mesmo, que um croquetezito, se os houver, já que se anunciava em complemento, "street food" ... vejam como se é fino, nestas paragens ... 💃 "oh yeah" !!!
Tudo depende da boa vontade camarária.

Vivo num sétimo andar.  Estou portanto no que se pode chamar,  de "tribuna vip".
Já fechei tudo o que podia fechar. Tentei tampões de silicone, esquecidos desde os tempos das natações. Já procurei o outro lado da casa, oposto a este.
Em vão !
Os cães dos terraços aqui à volta, estão solidários comigo, pois não entendem esta espécie de sismo, que nos abana as paredes.  E ladram furiosamente.
Os meus gatos, igualmente incrédulos, procuraram o único sítio disponível que lhes parece protector. Fugiram para debaixo da cama.  Logicamente, em vão !
Ainda não perdi a esperança de que a minha vizinha do quarto andar, com cento e um anos, seja desta vez que se fina...

Estou com uma crise de profundo mau feitio, com uma vontade assassina de fazer um bombardeamento rasante, que exterminasse a "festa" de vez !...
Tenho uma dor de cabeça dos infernos, e só me apetece gritar cá de cima que vão todos para a "puta que os pariu" !
Por que raio é coisa assente, que queiramos ou não, temos que participar do pesadelo???
Só porque há que lavar a cara, neste mês de Setembro, a uma Câmara omissa, negligente e demissionária das devidas obrigações básicas para com os munícipes, no resto do ano ?!

Por que não, acontecimentos culturais reconhecidamente qualificados?
Por que não, um bom concerto ao ar livre aqui debaixo do plátano, neste fim de Verão?
Por que não, um bailado ( já não exijo com o critério dos que ocorrem no "Ao Largo "... ) ?!
Por que não, serem convidadas figuras da área da música, de valer realmente a pena ?!
Por que razão veio, por exemplo, a Teresa Salgueiro a um único espectáculo, ainda assim a portas fechadas ?!  Com entradas pagas, claro, porque para as franquear, a Câmara parece então não possuir verba ...

Estou farta desta bimbalhice bacoca, para calar a boca a suburbanos pouco exigentes. Gente que papa e engole qualquer coisita.
Estou farta de agendas camarárias recheadas à "trouxe-mouxe", subalternizando o grau de interesse, acredito que da maioria das pessoas, e contribuindo para a sua incultura.

Bom, espero resistir.
Entretanto, antes que mate alguém, estou a fazer uma concentração mental  muito particular, apelando à comiseração dos elementos da Natureza, quais índios da Amazónia, com a sua "dança da chuva"...

Como seria abençoada uma boa bátega de água, neste contexto !!!

Anamar

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

" O SONHO COMANDA A VIDA ... DIZEM ... "





Escrevo pouco.  Já o referi vezes sem conta.
Neste momento acho que estou tão crítica face ao que escrevo, que cada texto resulta num parto tão difícil, que custa a fazer-se.
Atravesso uma crise de criatividade, julgo, mas sobretudo, por cada escrito que escrevinho, sopeso vezes de mais da oportunidade de o fazer, do interesse ou do valor do mesmo.  E como sou demasiado perfeccionista em tudo na minha vida, acabo concluindo da inutilidade de o produzir.

Nada de novo poderia envolver as minhas palavras, pois como se sabe, já absolutamente tudo foi inventado.
Claro que qualquer tema ou assunto é sempre passível de ser abordado das mais variadas formas.
A visão de cada um.  Mas o interesse devido à minha possível, é forçosamente irrelevante e irrisório, desnecessário e redundante, face à proliferação de autores, de gente capaz e abalizada ... em suma, de gente "autorizada" no domínio das letras e da cultura, neste país !

Depois ainda, eu escrevo primordialmente numa libertação de alma, num aliviar de comportas emocionais, quase sempre.  É uma escrita intimista e personalista que caracteriza este meu espaço. Uma verborreia com pouco de pragmática, uma abordagem dos temas invariavelmente indissociável do meu "eu" interior, sendo que é sempre "ele" e a sua "saúde" real, que ditam o espírito das minhas letras ...
E isso, é obviamente domínio pessoal, de interesse ou consideração precários, por parte de quem aqui eventualmente desce a lê-las.

Tenho um amigo que descobriu recentemente as virtualidades da escrita.  O quão importante é, tantas e tantas vezes, libertar para o papel o que nos vai na alma, o que nos assalta a mente, as interrogações que nos colocamos, as dúvidas e as inquietudes que nos assolam.
Podermos "conversar" com nós mesmos, através das palavras que alinhamos, sem outro intuito ou objectivo além de olharmos como se olha num espelho a nossa imagem, de uma forma descomprometida, ou como se observa no porta-retratos o nosso rosto ali representado ... de fora para dentro, com algum distanciamento, é efectivamente uma forma de nos sentirmos vivos, e um privilégio ... acho..

Admiro muito o que escreve.  Tem uma forma de se expressar "naïf", sem pretensões de estilo, de conteúdo ou forma.  Sem preocupações de correcção ortográfica, inclusive.
Alinha tudo o que quer dizer, ao sabor do desalinho do seu próprio pensamento ... sem demais preocupações.
Escreve tal qual é, tal qual pensa, tal qual age na vida.  É uma escorrência com a impulsividade ditada apenas pelas próprias convicções, sentimentos e opiniões. Duma forma liberta, sem peias ... vernácula.
Solta as memórias ao vento, conforme o povoam.  Não tem inibições, censuras ou  medos.
Escreve com uma genuinidade absoluta.  Lembra uma criança a fazê-lo.  Tem a simplicidade de Aleixo na expressão, e um discurso  muitas vezes, absolutamente ternurento, porque ditado pelo coração que tem no peito, bem subido ... pertinho da boca !

Escreve sobre tudo e sobre nada.
Tem uma criatividade inesgotável, e as suas histórias, contadas na primeira pessoa, ou através de outras personagens heterónimas, são quase sempre deliciosas.
É um homem vivido, com muita estrada palmilhada lá para trás.  Com incursões por muitos mundos, cruzou a sua vida com muitas outras ... e de todas tem um episódio para contar.
É dotado de uma sensibilidade à flor da pele.  Tem uma curiosidade de menino que descobre a vida, e uma mescla de bonomia e irreverência face à mesma ... muitas vezes.
Ingenuidade também ... como criança grande, esperançosa e crente,  que não cresceu.

Invejo-lhe a riqueza de ideias.  O manancial de vivências. Invejo-lhe a liberdade de expressão.  Invejo-lhe mesmo a "inconsciência" com que o faz ...

Duvido que alguma vez envelheça.  Duvido que algum dia reconsidere caminhos, mesmo podendo ser prejudicado quantas vezes, por palmilhar os escolhidos.

Desejo que mantenha e nunca deixe apagar dentro de si, a chama infantil que o norteia.
Desejo que nunca desista, mesmo que um dia perceba que tudo foram histórias ...
Porque afinal, quem escreve, é sempre, em última análise,  um privilegiado contador das mesmas ...

E porque, simplesmente ...

                "o sonho comanda a vida, e o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança" !...

Anamar

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

" QUEM SABE ?!..."






Ando meio baratinada com tudo.  Sinto-me profundamente insatisfeita, sem referências reais, conturbada na mente e na alma que é um lugar muito especial, mais p'ra lá mais p'ra cá, que pressinto, mas não sei bem onde fica ...

Muito, muito desarticulada, desconfortável, desentendida comigo mesma.
Sinto falta de me reencontrar, se é que alguma vez o estive.  Sinto-me direito e avesso duma personalidade em que ambas as faces não colam, acertando o puzzle.
E acho que este calcorrear de estrada sem sentido, estrada que parece levar a lugar nenhum, este estado de caminheiro no deserto, este sentimento de peregrino sedento e sem nascente por perto ... me deixa assim, como dizia, baratinada com tudo !  E cansada também ... muito mesmo!

E pergunto-me, como pode alguém ser um poço tão profundo de incoerências e contradições, como eu sou ?!
Questiono-me por que na verdade estou e não estou, sou e não sou, vivo e não vivo ... tudo ao mesmo tempo, em tempo real ?!
Por que é a minha existência uma zona de turbulência permanente, numa navegação a muitos pés de altitude ?!
Por que pareço mexer-me, quase sempre, numa área meio difusa, pouco gratificante e indefinida ?!
Defeito congénito, concluo.  Algo para que ainda não inventaram conserto, acredito.

E por tudo isto, invento de estar bem com o que não tenho, desvalorizando o que tenho, como uma barata tonta, vivendo o sofrimento de perú em véspera de Natal.
E nada disto é justo, se é que nesta vida se consegue aferir, com correcção, da justeza das coisas que vivemos.
Uma coisa é certa ... que tudo isto é uma canseira desmedida, lá isso é ! E um processo desgastante e destruidor, sobretudo quando além de nós, não conseguimos subtrair ao mesmo, outras pessoas mais ou menos envolvidas.

Lembro com muita saudade muitas viagens que fiz, há anos atrás, sozinha, entregue a mim própria, numa catarse de vida que de algum modo me renovava.
Lembro aquela frase feita, mas lógica e acredito que verídica, que diz : "se algo de bom acontecer, viaje para comemorar ... se algo de mal acontecer, viaje para esquecer ... se nada acontecer, viaje p'ra fazer acontecer ..."  que me parece quase perfeita !

Sabemos contudo que, embora tenha muito de autêntico toda esta sequência de afirmações, também não é exactamente assim. Também não é liminar e simplistamente assim ...
Obviamente que nada encontramos se não o levarmos dentro de nós ... E refiro-me à expectativa utópica de que, longe do que nos molesta, teremos reunidas as condições, como num passe de mágica, de que tudo o que é negativo se varre do nosso espírito ...
De facto, tudo viaja connosco sempre.  Apenas, em contextos mais propícios e felizes, estaremos em condições de tudo enxergar com outros olhos, e mais tranquilidade teremos, maior distanciamento provavelmente,  para descobrir soluções outras ...
Também, se não estivermos equilibrados e abertos a que melhores momentos adornem as nossas vidas, não será de novo, por varinhas de condão, que tudo irá processar-se.
Uma coisa eu tenho que aceitar como verdade irrefutável : sempre, numa viagem acontece alguma coisa.  É impossível que vamos e venhamos, com as nossas vidas e os nossos corações  iguais.
Uma viagem é SEMPRE, e indiscutivelmente, uma mais valia de enriquecimento, de conhecimento, de experiência, de aprendizagem.
Mesmo quando nem tudo nos corre forçosamente de forma perfeita.
Em última análise, uma viagem é um repositório de memórias, novidades, sonhos,  jamais "deletáveis" nas nossas vidas.  É sempre uma aventura única, irrepetível e inesquecível !

Também é determinante, e é absolutamente incontestável, haver uma diferença nítida entre viajar-se só ou acompanhado.
Já viajei bastante  acompanhada, em contextos diferentes, com pessoas diferentes.
Já viajei bastante, só. 
O balanço que faço de todas essas situações é que, ou a companhia é próxima da "perfeição" no nosso quadro emocional, afectivo, de linguagem, de interesses, gostos, e obviamente sonhos ... ou ... eu diria, fica-nos, se não tudo estragado,  um prejuízo decepcionante, desanimador e frustrante das mais legítimas expectativas e "castelos" que tenhamos construído em torno dessa viagem, seguramente.
E um amargo instalado faz-nos sentir que talvez tenha sido, de alguma forma, uma perda de tempo e oportunidade ... e foi pena !!!
E nada mais revoltante que desperdiçar todo o  capital humano, de recursos materiais e de investimento de coração e alma, numa canoa que veio a mostrar-se furada ...

E repito ... foi pena !!!



Anamar