sexta-feira, 31 de julho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Um dia mais ...






Ando estilo "barata tonta", arrastando as horas nos dias e os dias no calendário.
Pareço ter a sensação que vencidas as etapas, abrir-se-ia uma qualquer luz ao fim não sei bem de que túnel.  Só que o raio do túnel é de uma negritude sem tamanho. Não se lhe vê nem a embocadura nem a porta de saída.
Só ar irrespirável, mofado, só passos mais adivinhados do que seguros, num tactear entremeio às teias de aranha, que já houve tempo suficiente para serem tricotadas ...

A vida segue mais ou menos igual todos os dias.  As pessoas mexem-se em torno da posição de equilíbrio, sem grandes voos, sem grandes aventuras.
Caminhamos um pouco como o trapezista sem rede.  Sem nos atrevermos.  Sem ousarmos ... e a ousadia é sinónimo de vida ... que parece não termos.

O ano já dobrou a metade.  O Verão já leva um mês às costas.  Quando dermos por nós, o pincel ocre e dourado da Natureza, aponta-nos a breve chegada outonal.
E o que foi feito desta escorrência fétida de tempo ?
Vivemos ?  Hibernámos ?  Criogenámos ?  Marinámos apenas ?  Ou adormecemos sem sequer sabermos se viremos a acordar ???
Desperdício puro da nossa existência !!!  Disso, eu tenho a certeza !
Quanto à contabilidade da mesma ... ao nosso deve e haver escrito no livro do destino ... não sei fazer o acerto !  Quem nos poderá ressarcir destas contas viciadas ?!...
Sufocação ... é o sentimento dominante !

Os estados sociais do ponto de vista político-sanitário, vão mudando de nome ... emergência, calamidade, contingência, alerta ... sei lá !  Por esta ou outra ordem...isso agora não me interessa nada !  Mas as pessoas continuam a evitar-se.  As reticências espetam-se em todas as conversas.  A suspeição chega a ser ridícula.  Cada "outro", é um potencial "inimigo sanitário".  Tentamos disfarçar a hesitação, o "susto", a apreensão ... porque nos cruzámos no dobrar de uma insuspeita esquina !
"Suba , suba... eu ainda vou ver o correio ... "  o que se inventa p'ra não partilhar o elevador com o nosso inofensivo vizinho do lado !..
Visitas, não se fazem.  "Podes vir de máscara ... por mim não tem problema !"...  "Melhor não.  Acho não ser oportuno !  Deixamos o café p'ra outra vez!"....

Deixamos.  Deixamos o café, deixamos os silêncios, deixamos as partilhas ... deixamos o amparo do ombro, do cólo e do coração !... Esquecemos o abraço ... Deixamos o tempo ... e a vida, acoplada !
Qualquer dia !...
Sim .... pode mesmo vir a ser na próxima encarnação ... vá-se lá saber !
O virtual está esgotado.  O virtual já não responde, não supre, não satisfaz ... não mata a nossa carência afectiva e emocional, essa sim, que é mesmo mortal !
As panaceias dos meses primeiros do nosso flagelo, estão totalmente cansadas.  O entusiasmo dos vídeos, das fotos, dos bons dias, das boas noites ... o carinho plástico que nos trazia a força do bem querer, perdeu o fôlego, perdeu a capacidade de quase nos fazer sorrir ...
Cansaço ... um cansaço que derruba, que incapacita, que anestesia ... Estamos todos assim, neste torpor sem fôlego, sem ventilação ... sem  "pique"...

Nada se projecta.  Nada se planeia.  Nada se decide.
Ir ali agora ?  Talvez !... Mas, não sendo agora ... daqui a dois meses ?  Poderá ser ???  Vá-se lá saber !  E a segunda "onda" ?  E o Inverno que já espreita lá ao fundo ?  E os casos na China a aumentarem !...  E países que já retrocederam ... já reconfinaram ... aqui bem pertinho ...
Inferno !!!  Tudo adiado, uma neblina que não abre.  Um céu cinzento e pesado, numa manhã invernosa em pleno Julho, quente e azul !!!
Ausência de vida !!!...

Anamar

terça-feira, 28 de julho de 2020

" MEMÓRIAS IDAS ... "




Aquela casa não é aquela casa ...
E ainda bem que "esta" casa não é a casa que era !

Respirei fundo, cumpri o horário e atrevi-me.  Não fazia ideia de como me saíria de uma visita inesperada, ilógica e desajustada no tempo.
O tempo ... de Covid19,  é um tempo impensável p'ra visitas em casa de quem quer que seja, menos ainda em casa de pessoas que não nos são propriamente familiares ou de relações próximas. Visitas, configuram mesmo um certo abuso ... eu acho .
Mas passo a explicar:
A casa dos meus pais, nos últimos quase trinta anos a casa "da minha mãe" apenas ... era um rés-do-chão alto,  como se dizia, que estreámos, acabadinho de fazer, quando, recém-chegados do meu Alentejo, de Évora, meu berço de coração, rumámos à capital por razões profissionais do meu pai.
Corria então o ano de 1963.
E lá se fez toda a minha história.
De lá saí p'ra casar, de lá parti para Luanda onde vivi dois anos, cumprindo também eu a "comissão militar" do meu marido, alferes miliciano  ali destacado.
P'ra lá entrei com a minha filha mais velha nos braços, chegada da clínica, com horas de vida.
De lá vi o meu pai rumar ao hospital, sem retorno ... no que foi o meu primeiro grande desgosto na vida.
De lá saí para a casa definitiva onde ainda vivo até hoje, embora o cordão umbilical nunca tivesse sido cortado.

Aquela casa foi pois, a casa de família ... o berço, o ninho, o aconchego.
Todos os dias transpunha a soleira daquela porta.  Todos os dias desejava as boas noites à minha mãe, quando pelas sete horas, debruçada na janela, com o Gaspar ao lado, se despedia de mim, antes das minhas aulas, já que o liceu nos ficava em caminho.
Todos os dias, quando dobrava a esquina, a ouvia descer a persiana, porque a noite se avizinhava e para ela eram quase horas de recolhimento.
Aquela casa assistiu ao crescimento das minhas filhas.  Ficando logisticamente no triângulo entre o meu liceu, a escola preparatória da mais velha e a primária da mais nova, era estrategicamente o pólo de apoio a nós três, na hora do almoço.
Vínhamos chegando, contando as novidades, conversando, rindo e claro ... acelerando a minha mãe, mercê da fome que já se fazia sentir.
" Avó ... cheira bem !  O que é hoje ? "  " Meninas, mãos lavadas e mesa ... parem da corrimaça ! "      " Cláudia ... chega !  Catarina,  pára ... olhem  que  ainda  partem  alguma  coisa ! "...
" Como foi a escola ? "... " Recebeste algum teste, Cláudia? "...
E era assim !...  E foi assim ... muitos anos.  Todos os possíveis !!!...

Depois, a vida desmanchou-se.  Como se desmancham as vidas das pessoas.
Pelas mais variadas razões, aquela casa foi-se despovoando ...  Até o Gaspar ( a quem só faltava falar, dizia a dona ... ), partiu um dia.
As persianas desceram definitivamente, as plantas foram definhando, pois já não era mais a dona que as cuidava ... os estendais ficaram inúteis, o silêncio e as sombras foram-se instalando ... a ausência de vida passou a morar por ali ...
Até ao dia em que inevitavelmente me coube a mim franquear de novo a porta da rua, agora no sentido do exterior ... definitivamente, jurara eu.

Mas a vida tem ironias, tem "arapucas" difíceis de entender.  Tem desafios que talvez seja útil encarar de frente.  Tem feridas que por vezes criam crostas apenas superficiais, e que removendo-as de vez, abrem hipóteses para uma cicatrização objectiva e plena.

A actual inquilina daquele espaço é uma antiga aluna minha, uma miúda que vi crescer ali, no segundo andar do mesmo prédio.
A casa foi para obras de fundo tanto quanto me apercebi, como careceria um andar que pouca manutenção tivera desde a construção.  A senhoria verbalizara-mo, quando lhe devolvi em definitivo as chaves.
Passei uma vez junto às janelas ... abertas, por via das obras.  Olhei longamente o que conseguia divisar.  Um operário perguntou-me se queria entrar para ver.  Declinei, enquanto as lágrimas me escorriam.  "Foi a casa de toda a minha vida ... Não quero entrar, não !"

O tempo passou.  A minha mãe já partiu há mais de dois anos.
Ontem, a Sandra disse-me "professora, faço gosto em que veja a minha casa e como ela ficou depois de toda uma vida ser a vossa casa ..."
Não pude recusar.  Eu queria e não queria.  Buscava ( como se ali estivesse ) toda a história que ali vivi.  Parecia que naquelas paredes estava indelevelmente tactuada a presença dos meus pais, o som das suas vozes, o ruído dos seus passos.  Tinha a certeza ( e isso enchia-me o coração de uma esperança vã ... quase de uma alegria mitigadora), que olhar aquele espaço seria uma regeneração de um passado que se tornaria presente outra vez ... Como se isso pudesse acontecer !... Como se milagres existissem ...

Não fazia ideia de como me saíria de uma visita inesperada, ilógica e desajustada no tempo.
Mas ... respirei fundo, cumpri o horário e atrevi-me ...

Aquela casa não é aquela casa ...
E ainda bem que "esta" casa não é a casa que era !...

Anamar

sexta-feira, 24 de julho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Um outro dia





Hoje chegou até mim este vídeo enviado por uma amiga, que não sendo alentejana, sabe que eu o sou.  Sabe do amor que nutro pelo meu chão, da nostalgia com que as suas memórias me atravancam o coração ... e de como qualquer pequeno sinal se transforma numa ponte de acesso em pretexto de mitigar saudades.

Atravessamos tempos difíceis.  Tempos de angústias e solidão.  Tempos de incertezas e de horizontes nublados.
Atravessamos tempos de cansaços e de exaustão.  Tempos de parecer não valer a pena, em que as forças faltam, e a fé em futuros menos nublados parece estar a anos-luz do nosso dia a dia ...
A resistência física está a ir-se.  Sente-se claramente, ou um desinvestimento em sonhos, projectos, envolvimentos futuros que quase já não subscrevemos ... ou simplesmente tanto  faz que corra para baixo ou para cima, numa inércia e num desinteresse notórios.
Eu já não acompanho notícias, números, discussões, opiniões, questiúnculas, trocas de galhardetes em praça pública entre esferas e estruturas com responsabilidades ... nem nacionais nem internacionais, todos tentando contabilizar dividendos da coisa ... pela simples razão de ter atingido um grau de saturação que me opaciza a realidade que me envolve.
Se fosse brasileira, diria que "não tenho mais saco" pra nada !

Entretanto o tempo atmosférico carregou sem piedade.  Sei que o mês é Julho.  Sei que estamos no pino do Verão, mas as temperaturas que se fazem sentir, para quem passa a maior parte do dia e dos dias entre quatro paredes, são penosas e destruidoras.
Trinta e cinco graus na cozinha, ambiente de sauna dia após dia após noite, em que se reduz a indumentária ao mínimo dos mínimos, em que não se dorme ... vai-se ali à cama estender o esqueleto e tentar que o sono nos abrigue em braços de esquecimento ... em que a almofada se encharca, em que a luz se coa e fica quase noite o dia inteiro, para vedar com os estores a intromissão dos raios solares pela casa adentro ... reduzem até os mais resilientes e optimistas a uns vermes sonolentos ... 😄😄😄 
Pelo menos é assim que me sinto !!!

Um destes dias resolvi ir espreitar Lisboa "amordaçada" ... Queria ver como é o rosto da cidade agonizante, amputada do brouhaha que a mantém viva e a torna uma das metrópoles mais belas do mundo !
Queria testemunhar esta Lisboa Covid 19 ...
Era um domingo ensolarado e quente, de um Verão que não deixa os pregaminhos por mãos alheias.  Os jacarandás, já adormecidos numa modorrência de fim de floração, pareciam deprimidos,  com as últimas lágrimas lilases pingando das ramagens.
Sentiam-se decepcionados ... Afinal, engalanaram os céus da cidade para tão poucos olhos os admirarem ...
Lisboa mascarava-se de máscara e viseira na pressa corrida dos veraneantes que se atreviam.
Lisboa que sempre se travestiu de uma multitude de rostos, linguagens, cores, numa promiscuidade de dialectos, raças e géneros ... num universalismo de capital desta Europa de sul, em liberdade assumida, silenciou e ensombrou do Rossio ao Chiado, da Avenida aos Restauradores, numa Baixa mais sozinha e entristecida do que algum dia a vimos.
Lisboa está triste.  Perdeu a alegria da sua gaiatice de menina-mulher !...
É afinal uma cidade fantasmagórica, solitária ... descaracterizada, que aprisiona consigo as suas gentes que a não percebem, reconhecem, ou identificam ...

E assim a vida segue.  Uma vida com toda a estranheza do mundo, em que todos nos sentimos mal na pele que vestimos, em que lá fora se perdeu na curva do tempo, tudo o que deixámos há escassos meses apenas.  Tudo o que eram as referências norteadoras do nosso existir !  Tudo o que redigiu palavra por palavra, frase por frase, a história de cada um de nós !...
Saudades do meu Alentejo !  Saudades de uma boa açorda de coentros e alhos, degustada na sombra generosa da parreira que ensombrava o quintal da nossa infância ...
Saudades , saudades ... saudades !...
























LISBOA  DESAPARECIDA  -  JULHO  DE  2020

Anamar

quinta-feira, 9 de julho de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - em dia de esperança





TEMPOS  DIFÍCEIS


Nunca a espera foi tão longa
Nunca o caminho tão escuro
Nunca a esperança tão tamanha
Nunca o cansaço tão duro !
Nunca a prova tão travessa
Nunca o medo tão real ...
E ainda que não pareça
e que o sonho desvaneça
e o mundo não seja igual ...
sempre o sol nascerá,
sempre a lua descerá
e as aves irão cantar ...
Depois da noite, outro dia
abrirá com alegria
na madrugada a chegar !

Aqui estamos a pé firme
Nosso esteio, o horizonte,
Nosso caminho a seguir
ruma à luz que está defronte !
Não podemos soçobrar
e no cansaço mortal
teremos que buscar forças ...
E não sendo o mundo igual,
mesmo que o sonho adormeça,
cumpriremos a promessa ...
vamos cantar a canção
que acalenta um mundo-irmão ...
ainda que não pareça !...

Das Américas até África,
Do levante ao ocidente
vamos estender nossa mão,
escancarar o coração,
gritando alto "Presente" !...
E a Terra renascerá
à luz de um outro amanhã ...
Um hino se irá escutar
no cansaço do esperar,
porque a espera não foi vã !
E o pesadelo sofrido
já não mais fará sentido ...
A nossa esperança venceu !...
Depois da noite, outro dia
esperará  com alegria
o Homem novo que nasceu !!!

Anamar

quarta-feira, 8 de julho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - mais um dia !





Continuamos indefinidamente no mesmo lugar, na mesma rota ...ou seja, sem rota e sem rumo ! Num sentido proibido de vida e de esperança !...
Não tenho sobre o que escrever.  Os meus estados de espírito são recorrentes, os sentimentos de angústia e de cansaço repetem-se em círculo ... a chamada "síndrome pescadinha de rabo na boca" ...
Excepto uma assustadora e progressiva degradação psicológica que me noto ... tudo o mais é cinzento, é anódino ... é turvamente indiferente, quase ...

Continuamos no estado de calamidade.  Pertenço à mancha das dezanove freguesias da área metropolitana de Lisboa, abrangidas superiormente por esta medida, dadas as estatísticas penalizadoras ditadas pelas contagens e mais contagens da DGS.
Apesar do verdadeiro "molho de brócolos" em que se tem tornado a divulgação oficial diária dos casos respeitantes à pandemia, e dos desacertos dos mesmos na busca do acerto das contagens ( o que não beneficia uma certa urgente e necessária paz de espírito da população ), os números não são de facto, tranquilizantes ...
Assim, tudo igual !

Estou-me nas tintas já p'ra tudo isto !  O que é verdade é que estou saturada de análises, gráficos, interpretações, teorias, opiniões ... verdadeiras teses contraditórias quase sempre, de especialistas ou não, de jornalistas ou não ....
Toda a gente opina, e o cidadão comum balança, balança nesta corda bamba da multi-informação aspergida sobre as nossas cabeças, como os aerossóis do corona ... que a OMS veio agora considerar serem forma possível de transmissão via aérea, até distância razoável ...
E é uma "poluição" de dados e pareceres  nacionais e internacionais, em tratados, artigos de opinião, fóruns, debates ... de quem terá legitimidade para os proferir e de quem talvez não a tenha ...
É uma toxicidade nociva, a adoecer-nos o corpo e a alma !...

As nossas cabeças em "fritura" permanente, dois passos adiante, três para trás, são um nó cego de neurónios a estoirar pelas costuras !...
Na  verdade,  a  nossa  capacidade  de  resistência,  está  como  os  hospitais ... à  beira  da  ruptura ...
Não dá para muito mais !  A minha, não dá ... garantidamente !

Entretanto, os países europeus que abrem agora fronteiras e corredores aéreos à circulação de cidadãos em turismo, "brindam-nos" com notícias "fantásticas" :  Inglaterra primeiro, agora Escócia, Bélgica e acabei de ler ... Finlândia ... consideram inseguro permitir a circulação de portugueses, sem o devido rastreio e quarentena à chegada ao seu território.
Dessa forma, uma machadada brutal é desferida sem apelo nem agravo na recuperação da nossa economia, que deitava agora a cabeça de fora e tenteava os primeiros passos da recuperação imprescindível à nossa sobrevivência ...

Por cá, ontem mais uma vez a Teresa me acalentou com a sua doce presença das sete da manhã à meia-noite.  A mãe, na frente "de fogo" de um hospital central de Lisboa, faz-se presente onde inevitavelmente faz falta.
E é aquela angústia, aquela incerteza, aquela ansiedade ... aquele MEDO ...
As notícias são as conhecidas, num local onde a saúde e a doença, a vida e a morte, são as peças de um jogo de xadrês que se joga ao limite, e onde, uma escolha mal feita, um lance mal jogado, um descuido na avaliação, pode conduzir a um inglório e irreversível xeque-mate !

Escolho não pensar muito.
Escolho brincar com a Teresa, conversar com ela, cuidá-la, escutá-la ( nos seus três anos ) falar dos "bichinhos" !... Lava bem as mãos, avó ... por causa dos bichinhos !...
Teresa, não mexas, não toques, não te encostes ... Uma realidade de filme de ficção !!!
Cada dia destes que vivo agora, transmite-me uma sensação estranhíssima.  Analiso-me à exaustão ... dói-me a cabeça, tenho calor... terei febre? Estou cansada, exausta ... o que será ?
E pergunto : Catarina, está tudo completamente normal contigo ?  Ocorreu alguma situação mais preocupante por lá?...

E é como se fosse ali comprar uma raspadinha e viesse verificar com o "suspense" inerente, se o "prémio" estava lá, nas figurinhas raspadas lentamente ...
Ainda não foi desta !!!...
E o espírito pendurado na corda da roupa, a baloiçar ao vento !  E a sanidade mental, sujeita a uma pressão excessiva e prolongada por demais, a escoar-se pelo ralo !...

Bom ... esta a realidade que vou vivendo em mais um dia, de um Verão a ir-se também, num ano que desliza à velocidade da luz, umas vezes ... na lentidão do caracol, outras ...
Um ano que não conta, não pode fazer número nas nossas vidas, porque na verdade, será sempre um ano não vivido ...
Paradoxalmente, ou não ... talvez o que virá a ser o mais marcante "ad eternum", nas nossas existências !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 4 de julho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - continuamos por aqui ...





Hoje ... foi só mais um dia ! Daqueles ... sem horizonte ou sonho !
Estou melancólica, triste, nem sei mesmo se angustiada. Fisicamente não estou bem, dentes a atormentarem-me e noites muito mal dormidas há tempo de mais.

O Facebook trouxe até mim uma memória de há dois anos, uma vivência inesquecível num lugar de privilégio, quando os tempos eram leves e luminosos. Quando seria impensável, sequer conjecturável nos nossos espíritos, o que viria a invadir e a detonar a paz das nossas vidas, dois anos depois ...
Até por isso mesmo, cada vez mais se deverá valorizar cada momento, cada instante ... o hoje ... porque o ontem já vivemos e do amanhã nada sabemos. E a vida, matreira e madrasta, não se coíbe de nos dar um nó nos planos, nos projectos e nos sonhos que mais abraçamos !
Nunca nada está garantido, nunca nada é certo ... Até o alvorecer de cada dia sempre nos pode surpreender com uma borrasca insensível, em vez da manhã rósea e clareada, a anunciar um puro céu azul !...

Decidi partilhar convosco o texto que escrevi então ... porque enquanto o leio ( e voltei a lê-lo incontáveis vezes ), transporto-me para além das nuvens, para além do sonho ... para além do tempo ... duma forma tão vívida e presente, penetrando de novo a antecâmara do paraíso, com que a Ilha do Príncipe recebe quem a visita ...
E que infinitas saudades desse Verão de 2018 !!!



PORQUE  TUDO  TERMINA ...

"CRÓNICAS  DE  VIAGEM -  FIM  DE  FESTA ... "

Detesto despedidas, partidas, portas fechadas, janelas cerradas ...

E hoje é véspera de partida.

O Príncipe ficará exactamente como é e será, ao longo das eras : selvagem, doce, estonteante na beleza com que se veste, emocionante na simplicidade com que acolhe.
Os rochedos de basalto duro, apenas se irão desgastar mais e mais, e novos retoques na orografia surgirão, no preenchimento das faltas.
As areias continuarão dançando, vergadas ao sabor das marés ... para cá e para lá, incessantes ...
A floresta morre e renasce.  Por cada dia, novas flores, novos frutos, novas árvores nascerão e morrerão sob um sol de equador que mais acarinha, que castiga.
Os coqueiros da beira da praia, como anciãos cansados, dobram-se lentamente  até beijarem as águas.  E um dia, desistentes, irão com elas mundo fora, contar histórias para o outro lado da Terra !
Os pássaros também cumprirão os seus desígnios.  Sem dúvidas ou perguntas.  Apenas, cumprindo-os.  Ano após ano, enquanto for ...
O mar será manso ou encrespado.  Continuará azul, verde ou prateado, consoante o céu se adorne e as nuvens viajantes ou adormecidas, o determinem ...
O sol fará as negaças de um amante que ora se dá, ora se ausenta, sempre embevecido ... e a chuva tropical, quente e forte, abençoará a terra úbere e parideira ... E sempre será certa, quando a gravana passar ...
As luas que se sucedem, tornarão em dia as noites silenciosas e escuras, onde o ponteado estelar é um bordado de pé de flor, a desenhar os céus ...
As crianças crescerão, mas continuarão a sorrir.  E novos meninos encherão os terreiros, sob o coqueiral e no chapinhar dos charcos. ... 
E estarão descalços, rotos, sujos e ranhosos ... mas continuarão com alma de meninos ...

Vou partir.

Amanhã, o Príncipe ficará para trás na cauda do avião de hélice que me vai levar, na esteira do barco da saudade já, que deixarei no mar ...

Detesto despedidas, partidas, portas fechadas, janelas cerradas ...
Não sei se algum dia volto.  A vida, crepuscular, poderá ou não permiti-lo.
Mas os pores de sol que bebi por cada dia que o vi deitar lá longe na linha do horizonte, rendida à magia e ao fascínio de uma África genuína, pura e autêntica ...
As carícias a que rendi o meu corpo nu, nas águas quentes, doces e mansas, como nos braços do homem que é só nosso e a quem nos entregamos na volúpia do abandono ...
Os cheiros fortes, penetrantes e únicos que devassam e grudam na pele, no corpo inteiro e na alma ...

... todos esses ficarão para sempre na caixinha das emoções, no recôndito de mim mesma, em mim tactuados com as cores e o sal desta terra única !
Ficarão afinal, na eternidade da curta e precária temporalidade humana !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

sexta-feira, 3 de julho de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - um outro dia





De Isabel Allende


Encerrada en su casa junto a su marido y dos perros, la escritora chilena vive en Estados Unidos desde hace 30 años.
Consultada por el principal miedo que conlleva el virus, *que es la muerte*, la escritora contó que desde que murió su hija Paula, hace 27 años, le perdió el miedo para siempre: "Primero, porque la ví morir en mis brazos, y me dí cuenta de que la muerte es como el nacimiento, es una transición, un umbral, y le perdí el miedo en lo personal. Ahora, si me agarra el virus, pertenezco a la población más vulnerable, la gente mayor, tengo 77 años y sé que si me contagio voy a morir. Entonces la posibilidad de la muerte se presenta muy clara para mí en este momento, la veo con curiosidad y sin ningún temor.
Lo que la pandemia me ha enseñado es a soltar cosas, a darme cuenta de lo poco que necesito. No necesito comprar, no necesito más ropa, no necesito ir a ninguna parte, ni viajar. Me parece que tengo demasiado. Veo a mi alrededor y me digo para qué todo esto. Para qué necesito más de dos platos.
Después, darme cuenta de quiénes son los verdaderos amigos y la gente con la que quiero estar.
¿Qué crees que la pandemia nos enseña a todos? Nos está enseñando prioridades y nos está mostrando una realidad. La realidad de la desigualdad. De cómo unas personas pasan la pandemia en un yate en el Caribe, y otra gente está pasando hambre.
También nos ha enseñado que somos una sola familia. Lo que le pasa a un ser humano en Wuhan, le pasa al planeta, nos pasa a todos. No hay esta idea tribal de que estamos separados del grupo y que podemos defender al grupo mientras el resto de la gente se friega. No hay murallas, no hay paredes que puedan separar a la gente.
Los creadores, los artistas, los científicos, todos los jóvenes, muchísimas mujeres, se están planteando una nueva normalidad. No quieren volver a lo que era normal. Se están planteando qué mundo queremos . Esa es la pregunta más importante de este momento. Ese sueño de un mundo diferente: para allá tenemos que ir.
Y reflexiono: Me di cuenta en algún momento de que uno viene al mundo a perderlo todo. Mientras más uno vive, más pierde. Vas perdiendo primero a tus padres, a gente a veces muy querida a tu alrededor, tus mascotas, los lugares y tus propias facultades también. No se puede vivir con temor, porque te hace imaginar lo que todavía no ha pasado y sufres el doble. Hay que relajarse un poco, tratar de gozar lo que tenemos y vivir en el presente".

Isabel Allende



Começo os meus dias invariavelmente, ainda na cama a passar os olhos pelo telemóvel, adormecido na cabeceira. Ligo o wifi que ficara desligado durante a noite, e caio inevitavelmente na realidade que me cerca.
Ainda no torpor de um sono meio interrompido, as notícias mais recentes, as comunicações de amigos, os artigos que circulam profusamente nesta época de comunicação à distância, começam "a bombar" ... como é moda agora dizer-se ...
Os acontecimentos de última hora, os números divulgados e actualizados, mesmo não sendo pedidos, oferecem-se de bandeja. E é dessa forma que começo a situar-me em mais vinte e quatro horas que me aguardam ...
Hoje, recebi através de uma amiga este artigo com que encabeço o meu post, um texto de Isabel Allende, a escritora que para mim é uma das referências na arte das letras, e que li muito já lá vão largos anos. Os seus icónicos livros, "A casa dos espíritos", "Retrato a sépia", "O plano infinito" ou "Paula", são títulos inolvidáveis ... O seu perfil social e político é igualmente para mim, motivo de admiração e respeito, ela que, tal como o tio, o Presidente Salvador Allende, foram, como se sabe, figuras incontornáveis da resistência chilena, que a História não esquecerá.
Isabel faz neste texto uma reflexão e uma análise muito objectiva, serena e lúcida, da experiência sofrida que o mundo atravessa, devido à pandemia da Covid 19.
Estando a vivê-la da sua residência na América ( onde vive há trinta anos ), em confinamento familiar restrito, tece alguns considerandos que me tocaram particularmente.
Em primeiro lugar, é a imagem ( eu diria quase tranquila ), de uma mulher em aceitação, equilibrada, o que ressalta das suas palavras.
É o despojamento, a capacidade de distanciamento de tudo o que se nos afigurou sempre como imprescindível, numa vida de abundância e de excessos ... o aprender a "soltar coisas", o saber relativizar a importância que lhes damos, o ser capaz de priorizar o verdadeiro, o genuíno e o essencial em detrimento do supérfluo, do falso e do vazio que tantas vezes preenche os nossos dias, na futilidade com que socialmente com frequência mergulhamos ... a mensagem maior que nos deixa.
Visiona-se claramente uma mulher "preparada" para o que vier, se e quando vier ... uma mulher que maturou profundamente o valor da vida e o significado da morte, e que a entende simplesmente como uma experiência de passagem, um novo nascimento ou uma transição ... que a olha de frente, sem medos e até com curiosidade.
A grave crise sanitária, com todo o seu envolvimento emocional, social e afectivo, tem modelado irremediavelmente o Homem, como sabemos. Tem-no levado a reflectir sobre valores primordiais como a amizade, a solidariedade e a fraternidade entre os povos e as nações.
As desigualdades sociais, a acentuarem-se exponencialmente em consequência da crise económica instalada, a semear pobreza e fome extremas, revelam-nos passageiros de uma mesma embarcação, num mar encapelado e tormentoso, onde só a força da união poderá conduzir-nos a um qualquer porto seguro.
Por tudo isso, urge repensar as escolhas conscientes a serem feitas, do que queremos ou não, para a nova realidade que emergirá ... para o que poderá ser o futuro num provável e desejável maravilhoso "mundo novo" !
Gostaria que, nesta fase da minha vida, pudesse encarar com esta bonomia e tranquilidade, o futuro que ainda terei. Gostaria de poder desenhá-lo sem me perturbar excessivamente com o amanhã, com a antecipação de angústias e receios pelo que virá, como virá ... quando virá.
Mas não me reconheço uma mulher "conformada", uma mulher tranquila ... uma mulher pacificada ...
Sou sim, uma mulher inquieta, a destempo com a realidade que sou obrigada a viver ...
Não ! Tenho muita coisa ainda para fazer ! Tenho muito caminho a calcorrear, muito recanto a descobrir, muito céu e muito mar a desvendar ! E vou lutar por eles !
Não preciso de mais bens materiais ... de todo ! Já tudo me sobra !
Mas falta-me tempo para o mundo todo que me espera lá fora ... enquanto estou aqui, prisioneira do destino, a perder cada segundo precioso da minha existência ... Tenho pressa !
Sinto-me numa bolha a olhar o filme que se desenrola, e que me é estranho ... tudo me é irreconhecível. Parece que o tempo parou, ou abrandou a marcha alucinante ... parece que estou criogenada, à espera não sei do que esperar ... parece que pairo numa irrealidade que me tolhe, me aprisiona e me exaspera ...
Estou cansada ... muito cansada mesmo !...
Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar