domingo, 18 de junho de 2017

" HISTÓRIAS DE UMA TARDE SEM HISTÓRIA ... OU TALVEZ NÃO !..."





35º C dentro de casa !...

Sobrevivo, nem sei bem como !  Esta casa, nascente-poente-terraço por cima, último andar do prédio de sete, revelada uma bênção nos Invernos ... virou forno crematório no despautério desta tarde louca de Junho.

Deitei-me sobre a cama, numa letargia de doer.  Decidi que devo reduzir o metabolismo aos mínimos aceitáveis ... entrei em modo de hibernação.
Aliás, nem imagino que possa ser diferente !  Tornei-me um bicho hibernante.  Suponho que esse estado seja qualquer coisa parecido com isto ...
Simplifico os trajes ... reduzo os trajes ..... ou melhor ... tiro os trajes !

Os gatos pensam como eu, neste momento.  Há que sobreviver à boca da fornalha.
Deitam-se nas áreas em que o  chão é de de mármore, deitam-se no poliban ou no fundo da banheira, barriga para cima, uma pata para cada lado, coladinhos à coluna da sanita, às paredes de azulejos...
Desgraçadamente não podem largar os casacos de pele ... E como me sinto solidária com eles, e lhes lamento a provação !!!

A dor no meu braço é lancinante.  Do ombro à ponta dos dedos é uma faca espetada que se enterra por cada gesto que faço.  Tomo analgésicos, que também eles, parecem hibernantes no efeito ...
A música não me acalma nem me anima.
Como pode uma dor de braço, socar-me o estômago ao ponto de nausear-me ?!

A televisão não dá tréguas.
Traz p'ra dentro de casa o braseiro em que o país se tornou.
As imagens apavorantes de chamas que não se deixam controlar, aquece ainda mais o que me rodeia.
O ar rarefaz-se, o fumo sufoca-me, o terror invade-me ... e transporto-me para o "cenário de operações", como a comunicação social epiteta a cada momento, aquela porta do inferno !...

Todos os canais  em disputa alucinada, escalpelizam, pormenorizam sadicamente, exploram mais e mais todo aquele horror.
Todos dizem o mesmo, todos mostram o mesmo ... dez vezes, cem vezes ... acho que, mil vezes ...

A busca desenfreada e absurda do que foi, do que está a ser, do que poderia não ter sido ... se a Natureza não tivesse como sempre faz, imperado !...

E transporto-me por minutos a outras imagens iguais, repetidas, sempre aterradoras, sempre de sofrimento atroz ... E penso na Califórnia, e penso na Austrália, e penso na Madeira ... quando a bocarra das chamas também desceu, impiedosa e sempre varre  indiferente, tudo o que lhe faz frente ...
E revejo as imagens da floresta com árvores impotentes que se contorcem, com vidas que se incineram ...
E revejo o chão negro que resta, as imagens esfíngicas que sobram ... os animais que fogem sem norte, mas também os que ficam por ali mesmo ... a dor da perda, seja de que ser vivo for ...
E revejo o esgotamento e a exaustão de todos a quem o dever de filantropia, de solidariedade e de fraternidade, empurra lá p'ra frente, leva ao limite do lamber das chamas ...

E penso neste planeta, casa-mãe-berço, que nos acolhe e que o Homem gratuita e inconsequentemente destrói, em nome da única coisa que lhe faz sentido ... o dinheiro e o poderio ...
Na maior indiferença, irresponsabilidade e leviandade, continua a eleger para os seus destinos, criminosos, bandidos, arrogantes, ignorantes, omissos  e maquiavélicos ...
E a Natureza, destino perfeito que nos foi legado, é agredida, vilipendiada, trucidada ...

E o clima adultera-se, as temperaturas alucinam, os degelos ameaçam, as estações inexistem, as águas subirão, a desertificação prenuncia uma morte anunciada para muitas zonas do planeta ... Paraísos extinguir-se-ão, espécies desaparecerão para sempre ... E um dia, nada restará para contar !!!

35ºC dentro de casa !

Deixem-me ficar com a paz deste poema, com a frescura destas imagens ... com a esperança de um sonho que eu inventei !...

Anamar

quinta-feira, 15 de junho de 2017

" A RIQUEZA DA VIDA "




Hoje amanheci mais rica !

Às 6,20 h de uma madrugada ainda obscurecida mas já anunciadora de um dia radioso e iluminado, o meu clã fortaleceu-se com a chegada da Teresa.
A Teresa é o mais novo elemento do meu grupinho do coração ... os meus agora quatro netos, divididos harmoniosamente em dois casais. O António, quase com 16 anos, a Vitória com 13, o Frederico com quase 10 e agora a Teresa, que ainda mal abriu a pestana a um mundo que não sabe nem sonha !

Nasceu pequenina, rosadinha, bochechuda e com um apetite invejável.  A Teresa, prevista para o próximo dia de S.João, decidiu apressar o caminho, e presentear-nos com a sua chegada, a tempo de dar os parabéns à prima ... a Vitória, que aniversaria exactamente hoje também !
Raparigas portanto, em consonância !...
Cá p´ra mim, determinadas, resistentes e decididas !
A Vitória assim o é.
É uma pré-adolescente alegre, desinibida, determinada, comunicativa e sempre bem disposta.
É uma jovem responsável e independente, numa família em que está "ensandwichada" entre dois rapazes.  Na vida escolar,  é metódica, organizada e esforçada, e no desporto que privilegia, tem um desempenho louvável e meritório na área da ginástica, mas sobretudo no judo onde tem um futuro promissor, acredito.
A Vitória é uma leoa no coração e na dedicação ao que mais gosta de fazer na vida.

A Teresa, com uma gestação conturbada e preocupante, com parâmetros vitais ao longo dos tempos potenciadores de uma angústia, receio e apreensão em todos nós, e após uma indução do parto de dezassete horas, que obviamente exauriu a mãe, surgiu fresca e fofa, lépida e fagueira a desafiar a vida de frente ...
Pés grandes, prenunciando estatura alta ... dedos compridos em mãos secas e esguias de "pianista ou escritora"... ( ahahah ), boca bem desenhada, pequena e carnuda que promete despautérios e sobressaltos futuros ... uns pulmões que desafiam a robustez de qualquer tímpano ... uma avidez no mamar que não aceita negas ... mostram que a Teresa é afirmativa, lutadora e convicta !...
A mãe já diz : "não gosta de ser contrariada !"... o que me deixa uma perplexidade atroz ! ( ahahah )

Em suma ... a Teresa já mostrou ser uma guerreira, uma lutadora ... quem sabe também, uma sonhadora em potência ?!

E por tudo isto, e porque a riqueza das nossas vidas é por aqui que passa ... e porque são e serão eles o nosso "eco"no amanhã ... é que hoje amanheci mais rica, mais disposta e feliz !
Resta-me desejar que os caminhos a serem percorridos lhes sejam mansos ... que reúnam a força e a coragem para sempre alcançarem os horizontes que as desafiem ... que a tenacidade e a confiança lhes norteiem os dias ... que a esperança e a fé no acreditar, as não abandonem ...
... porque sempre, a Vida será de quem OUSA !

Anamar

sexta-feira, 9 de junho de 2017

" ACHO QUE FOI UMA COISA DE PAIXÃO ... "





Portugal está na moda e Lisboa está um deslumbre !!!

Pude constatar isso ontem, quando, fazendo tempo para uma conferência sobre o Testamento Vital, me passeei sem rumo ou hora, pela baixa pombalina.
A luz e a cor daquela cidade, fazem-nos sentir de facto, "em casa".  Numa casa que não se explica, não se define, não se iguala em lugar algum do mundo !

Rebolando colina abaixo, espreguiçando a sua vaidade no azul do Tejo, de águas mansas e doces, Lisboa é um convite permanente, um desafio inquestionável, uma sedução única ... um caso de amor !
Os cheiros, os sons, a claridade de um sol generoso, são pintura em 3D, feita por Pomar, por Cargaleiro, por Almada, Vieira da Silva ... por Maluda...
A brisa que lhe despenteia os cabelos, perde-nos o olhar na embocadura daquele rio, lá longe, na linha do horizonte, e o sussurro das tágides que por ali deambulam, transporta-nos oniricamente ao tempo em que o Cais das Colunas albergava mais que turistas, gaivotas e sonhos de marinhagem ...

E os olhos perseguem o volteio daquele palmípede residente, acompanham o grasnido das gaivotas e o arrulhar dos pombos naquela praça, donde tantos e tão valorosos nos levaram mais e mais, mundo fora !
E recreava-se sem esforço de imaginação histórica, a azáfama desses tempos.  Ouvia-se o ranger do cordame das naus aportadas.  Sentiam-se a ansiedade dos que partiam ... a coragem também dos que ficavam ...

E estava tudo por lá, que eu garanto !

E havia uma serenidade por entre o "brouhaha" dos passantes.  Havia um silêncio que apagava os desmandos civilizacionais dos excessos.  Havia uma gargalhada descarada, de Lisboa-menina a sentir-se desejada, cobiçada, amada ... como mulher, travessa, provocante e ladina !...

No alto, em coroa de glória, o Castelo assomava.  Os jacarandás em flor neste Junho lisboeta, exibiam o lilás dos seus cachos pendentes, nas praças e nas avenidas.
O "mestre" continua a acenar do Martinho, ou refastela-se pelo Chiado, na saudade de um café na Brasileira ...
O "manto diaphano da phantasia" continua cobrindo a nudez forte da verdade, de um Eça que por ali perambula ... e Camões lembra o que é / foi, ser português ...
O Adamastor desafia os mares, desde o cocuruto de Santa Catarina e o Santo António está aí, para nupciar uma outra vez, com a mulher que sempre lhe é fiel : Lisboa !
Tudo se prepara já.
Os festões, as grinaldas, os balões, os arcos e os tronos, abrem os bairros ao olhar enternecido de quem por eles se passeia.  As marchas descerão às ruas, na ilusão de acontecimento único...
E o cheiro das sardinhas assadas, o aroma dos manjericos e a doçura das quadras de "pé quebrado" que os adornam, remetem-nos mais e mais para a "nossa terra", para a nossa genuinidade, para a nossa verdade !

E é um orgulho sentirmo-nos pertencentes a este chão, falarmos esta língua, termos o sorriso aberto e desarmado de corações hospitaleiros, vivermos a simplicidade  de  um povo sem pretensões ou sobranceria, termos a alegria de sermos simplesmente portugueses !

Afinal, aqui neste cantinho de uma Europa desarticulada, neste rectângulo de terra quase a despencar no Atlântico, temos a singularidade apaixonada dos povos latinos, temos o calor que de África nos aquece a alma, temos os sonhos de quem não desiste e a tenacidade de quem acredita !...

Lisboa, ontem, segredou-me tudo isto ao ouvido.
E a paz e uma tranquilidade promissora, tomaram-me e esperançaram-me.

Acho que se tratou mesmo de "uma coisa de paixão " !...

Anamar

terça-feira, 6 de junho de 2017

" ESTE MIX DIABOLIZANTE... "





Escrevo muito pouco, neste momento da minha vida.
Este estado de coisas acompanha-me há tempo de mais, se tivermos em conta que escrever, para mim, é absolutamente vital.  É tão essencial quanto o respirar, o acordar por cada manhã, o sonhar ... enfim, tão essencial quanto simplesmente o viver !...

Considero que os tempos que atravesso são os mais difíceis que alguma vez experienciei.  Sinto a vida com a indefinição de estrada sem sinalética, com a inevitabilidade de pântano sorvedouro, com a desesperança de deserto sem estrela que o norteie, com a escuridão e o frio de cela nas catacumbas ... com a tonteira de vórtice labiríntico que cansa, cansa e não resolve !
Luz, rumo, saída, destino ... não vislumbro !
Sou o animal acuado e acossado numa prisão de tempo, de sonho e de vontade !  Sou o náufrago que se digladia no cansaço da corrente, à espera de resgate que tarda.
E não sou guerreira ou resistente, como as pessoas dizem.  Não sou super-nada no encaminhamento dos meus dias ...
Sou simplesmente uma sobrevivente que esbraceja, nada mais !

E chega este tempo de Verão ... este azul embriagante, este sol luminoso, claro e promissor, este mar que vai e que vai além da vista, além da vontade, da imaginação, da saudade, pelo meio dos continentes, beijando outras águas, buscando outras costas, tocando outros horizontes ...
E com eles, eu vou, na procura de soltar o sonho, na ânsia de encontrar outras histórias, de ver outras gentes e de tornar pleno este invólucro vazio e asténico que carrego neste momento.
E tudo o que já pesa, se torna fardo para o que não há arcaboiço.  Tudo o que penaliza, se agiganta e torna insuportável.  Tudo o que descoloriu, vira cinza de terra queimada, e tudo é uma "judiaria" sádica e gozadora.
E fervilha-me a mente, e pula-me o coração, e esbugalham-se-me os olhos  ...
Olho enesimamente fotos de histórias vividas, de locais tatuados, de lembranças indizíveis,
Recordo com precisão o calor "daquele" sol naquele momento, a carícia "daquela" chuva doce, inesperada em tarde de trópicos, as cores "daquela" mata, "daquele" coqueiral, o pipilar dos pássaros no dealbar de cada dia, o volteio das borboletas em voos imprecisos, os sons e os cheiros gravados no âmago do coração ... E ressinto em mim a carícia dessa leveza vivida, dessa liberdade perscrutada, como embriaguês saborosa e desejada ... e esse nada existir além disso, esse tempo sem tempo, limites ou exigências ...

E este prurido cerebral inquieta-me, as batidas do coração aceleram e tudo se torna mais insatisfatório ainda.  Tudo se torna exponencialmente incompleto, insuficiente, apoucado !
Fugir ... eis o que me assoma ao espírito !... Fazer malas de sonhos, e partir ... por aí, sem rumo, endereço, ou destino ... eis o que me martela os ouvidos !...

E depois, a tortura do tempo a escoar-se... a tragédia dos dias que se sucedem vertiginosamente ... a dúvida e a incerteza do que resta, como resta, até quando resta ?!
A angústia do incerto e inesperado ... o medo das "nieblas" e a incerteza da sua dissipação, em tempo útil de alguma sobra prestável ...
A ânsia da rentabilização da qualidade que AINDA existe ... e a mágoa e o cansaço de alguém em fim de festa que rapa os resquícios doces de pratos em banquetes não usufruídos ...

Assim é, a minha vida hoje !...
Um "mix" diabolizante, quase indecifrável e irresolúvel, de puzzle com grau de complexidade superior ...
Um quebra cabeças meteórico e nostálgico ...
Um labirinto extenuante e exaustivo !
Uma teia esfarrapada sem conserto ou remissão completa !...
Uma prova de um esforço hercúleo, que não sei até quando terei força para enfrentar !...

Anamar

" MIRAGEM "





Aquele mar sem ter fim
já nada sabe de mim,
se sou nascente ou sou foz ...
Se acordo nas madrugadas
e imploro às alvoradas
que me tragam tua voz ...
É um mar que me rouba o sol
quando finda cada dia
e que é um espelho da lua
quando, louca rodopia
no silêncio das marés...
Quando a fadiga adormece,
o dia desce e emudece
e a noite cai-nos aos pés ...
É então que eu olho as estrelas
dormindo no firmamento
com cores doces de enfeitar
outros mundos, outras terras,
outros montes e outras serras,
outras canções de ninar ...
E o mar finge transportar
lá de longe o teu amor,
num embalo enganador ...
Sempre ficaste e eu partia,
cavalgando a ventania
e silenciando a dor !
Vi-o nos teus olhos verdes
com peixes de navegar
Vejo-o no fim do meu sonho,
espelha o meu olhar tristonho,
e nele quero naufragar ...
E aquele mar que é profundo,
traiçoeiro e mentiroso,
faz-me crer que estou contigo
no outro lado do mundo,
onde as ondas só brincavam,
onde o céu era de fogo
e as aves acasalavam ...
Indiferente e impiedoso
aquele mar foi cruzando
os amores que foram meus ...
Pelas marés foi levando
p'ra sempre o que fui sonhando
e jamais me pertenceu !...

Anamar