sexta-feira, 27 de novembro de 2020

" ILUSÕES ... "


Não sei porquê, ou talvez o pressinta ...

Há séculos que não escrevo, como se nada em mim levedasse e produzisse alguma coisa nova e justificável, nestes dias de pouco valer a pena, em tempos que o são sem o serem ...

Sinto-me como em banho-maria naquela mornidão de fogo lento que parece esperar infinitamente que algum dia, em alguma hora se chegue a um qualquer ansiado bom termo.
Baralho-me no tempo ... Digo "este ano", e tenho que pausar p'ra perceber que ano é este que refiro ...
Dezembro assoma.  Assoma incrivelmente, anunciando-se como o último mês deste purgatório temporal que nos tem enredemoinhado, como numa avalanche de enxurrada que não conhece leito ou margens ...
Avassaladoramente arrasta-nos, de onde para onde ?  Não sei !...

E talvez por tudo isto ou não ... e talvez porque me urge encontrar outra vez referências, terra firme, troncos fortes que me suportassem, rochas que me dessem ancoradouro, luz faroleira que me mostrasse estrada de novo, caminho que me apontasse porto seguro, horizonte que se alcançasse, nesta torrente de coração que se esfacela dia após dia ... deu-me p'ra visualizar vídeos do antigamente ... Vídeos de vinte anos ou mais.  Registos de momentos, de acontecimentos, de histórias ... de vida !
Vídeos que me trazem o que foi, como foi, como éramos, como ríamos ou chorávamos ... como sonhávamos, como acreditávamos que tudo viria a ser seguramente, como o destino parecia desenhar as nossas histórias ...
Eventos familiares, festas de aniversário, datas assinaláveis, Natais, férias, viagens ... crianças que iam crescendo e que hoje são pais de outras crianças ...
Os que foram e nos deixaram por aqui, aguardando vez ... simplesmente...
A compreensão absoluta do que é a existência, do que é o fluxo imparável do tempo ... a efemeridade do sermos ...

E é uma busca estranha, aquela que me faz disparar o coração, por cada imagem que se projecta no visor.  E é um misto de alegria, ansiedade e esperança aquilo que insanamente me toma ... com aquele frisson doce, que sentimos quando caminhamos para um encontro querido e desejado ...
É como se fosse ali à esquina, ter com a minha mãe que anda por lá e me espera ...
É como se dançasse outra vez aquela música.  Como se risse de novo com aquelas palavras adivinhadas e sabidas, como se soubesse de cor tudo o que se vai passar a seguir, no próximo "take" do filme ...
como se ninguém fosse faltar ao encontro ... como se todos, todos pudessem ter respondido à chamada ... e dissessem presente, uma outra vez ...

E depois ... bom, depois é o nada.  É o frio do vazio que sobra, é a interrupção da história a contar-se, é a saída de cena de todos os figurantes que construíam o enredo, é a procura frustrada de mim por mim própria, sem as marcas dos dias e da vida entretanto escorrente ... é o acender das luzes na sala e o pano a fechar ...

Como se eu o não soubesse, como se eu não estivesse farta de saber que aquela frinchazinha da porta por onde espreitei por algum tempo, não era mais do que isso mesmo apenas ... a impossibilidade sadicamente enganadora de reencontrar o TEMPO !

Anamar

domingo, 15 de novembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - " never ending story ... "



Cheguei a acreditar que não escreveria mais sob este título, porque cheguei a acreditar que ao fim de nove sofridos meses talvez o pesadelo já tivesse passado... 

Erro meu, ou melhor, ingenuidade minha !
Aqui estamos nós num novo estado de emergência, aqui estamos nós confinados das 13 h de sábado às 5 de domingo e das 13 de domingo às 5 de segunda, ( vigorando particularmente neste e no próximo fim de semana ), não falando nas restrições ordinárias de limitação, impostas diariamente entre as 23 h e as 5 da manhã, em todos os dias da semana.
Trata-se duma medida em desespero de causa, imposta pelo executivo deste país, na tentativa de estancar um pouco o avanço galopante e descontrolado da pandemia.
As notícias diárias são assustadoras, com um aumento exponencial de novas infecções, de óbitos e de doentes em cuidados intensivos.
O Serviço Nacional de Saúde a rebentar pelas costuras, periga na capacidade de resposta, com hospitais de referência já totalmente lotados nas valências de que dispunham, com doentes a serem removidos no país de norte para sul, com camas dos privados a terem que ser disponibilizadas e com doentes de outras patologias a ficarem na cauda do pelotão ... 
Tudo isto dramaticamente acrescido de baixas significativas no número de profissionais de saúde, por também eles terem sido apanhados na avalanche dos contágios, e bem assim no redemoinho do stress de horas e horas, turnos e turnos mergulhados nas agruras da incerteza, do cansaço e das angústias ... num trabalho exaustivo que raia os limites da resistência humana !
As camas de intensivos estão à beira da total ocupação, e vêm-me inevitavelmente à memória, imagens do início da pandemia no Hospital de Bérgamo em Itália, imagens do desnorte e da tragédia, do drama da escolha, sobre quem tratar e quem não ...

Lá fora, por todo o mundo, o panorama é idêntico.  Uma Europa amordaçada pelo medo, pela tragédia, pela frustração da incapacidade de tantos cientistas conseguirem pôr um cobro a toda esta devastação em pleno século XXI, com a criação de uma vacina ou de fármacos eficazes, dispondo embora o Homem, em vão,  de tantos conhecimentos, tantos recursos, tantas ferramentas tecnológicas ... ingloriamente ... numa corrida contra o  tempo e contra a morte !

Por aqui o cansaço é total.  Ao esgotamento do ânimo, da esperança, da força anímica, da confiança e da coragem, totalmente exauridos, juntam-se o desespero de uma economia moribunda, os desequilíbrios sociais cada vez mais acentuados, o dramático aumento do desemprego e a inerente dificuldade para todas as famílias fazerem face à situação precária de subsistência diária ...
Os conflitos sociais estão a instalar-se, a agudizar-se, deixando os políticos que têm a difícil tarefa de gerir todo este pandemónio, "entre a cruz e a caldeirinha", num tactear experimental de medidas e legislação, inevitavelmente questionadas por todos os quadrantes ... porque sim e porque sim ... como se alguém tivesse na manga a receita milagrosa para a coisa ...
E como numa casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão ... tudo isto parece um diálogo de surdos !

Olhando ao redor só me ocorre a imagem macabra dum pântano, donde não há escapatória, e cada náufrago se agarra ao que pode para manter o queixo fora da lama sôfrega e mortal !

E cá estamos nós, vivendo pé ante-pé, tacteando devagarinho, reinventando os dias para continuarmos respirando, fingindo a estrada p'ra não cairmos no abismo, redesenhando o amanhã no vazio deste silêncio, que como neblina que sobe da serra, fecha, cerra mais e mais a nossa linha do horizonte ...
Cá estamos nós, recriando-nos no frio das ausências, no buraco dos afectos que não temos, no pavor de noites assombradas por incertezas do desconhecido ... cá estamos nós numa "never ending story" que eu cheguei a acreditar pudesse ter alcançado já o seu fim !!!

Anamar

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

"COMO PREITO DE GRATIDÃO"




" Os amigos não morrem : andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda ; desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido.  É  como, não ;  nunca partiram. "

                                                       António Lobo Antunes


Os anos avançam e nós começamos a perceber ter história.  
Uma história que vem lá detrás, dos anos da gaiatice, do tempo dos primeiros amores, encavalitados nos primeiros sonhos.  Tempos dos primeiros segredos, quando o cordão umbilical começa a afrouxar ... quando a casa fica acanhada e as nossas asas batem em direcção ao azul ... mais largo e distante que o horizonte onde o sol se põe ...

E começamos a escolhê-los, cuidadosamente ... a eles, aos amigos, como ramos de boninas que colocássemos numa jarra à cabeceira.  E com eles, pisando o mesmo chão pedregoso, começamos a calcorrear as veredas da vida, começamos a atravessar os primeiros desertos assustadores e a enfrentar as primeiras marés alterosas.
Com eles começamos a dividir as primeiras lágrimas, porque as primeiras valentes gargalhadas sempre se soltaram espontâneas, aconchegando-nos as almas.
Eram eles que falavam a nossa língua, eram eles que experimentavam emoções iguais às nossas, eram eles que conseguiam fazer-nos voltar a sorrir, quando o negrume parecia engolir-nos ...
Horas infinitas de cumplicidades, mais horas ainda de partilhas incondicionais, de entrega confiante dos  nossos corações, no regaço dos seus !

E crescemos, e seguimos, e fizemo-nos gente.
Às vezes, alguns saem da nossa rota.  Parecem ter-se perdido de nós, mesmo que de mãos em pala, os busquemos na linha do infinito.  E às vezes, ainda que o tempo sempre carrasco, ouse pensar que no-los leva para sempre, numa esquina inesperada e insuspeita, eles aí estão, respondendo ao nosso longínquo chamado ...

Vieram-nos dos bancos da escola, dos recreios das merendas, dos muros divididos ... vieram-nos das músicas que não se esquecem.  Vieram-nos da alegria dos sucessos ou da dor dos fracassos.
Estenderam-nos a mão e reergueram-nos outra vez, quando as provações teimavam em deixar-nos tombados. Tantas vezes quantas as necessárias ... Sempre !...
E choram connosco, afagam-nos o rosto, envolvem-nos num abraço quente, sentam-nos no cólo ... e se for o caso, silenciam connosco ... porque não são necessárias palavras, quando o código dos afectos nos redime das mágoas e das tristezas.  
Resgatam-nos da cerração, se perdidos nos sentimos ... e fazem-nos olhar o amanhã com a gratificação de uma esperança remoçada, de um sorriso claro e confiante ... de um sonho redesenhado !...

São eles, os AMIGOS !!!

Por tudo isto, este meu texto é um texto de gratidão.  Desde logo, gratidão à vida, por estar viva.  Gratidão aos meus de sangue, porque ele nos une indestrutivelmente.  
Gratidão aos amigos e aos amores, porque se fizeram presentes uma outra vez, incondicionalmente, em mais um 12 de Novembro !
Um 12 de Novembro seguramente único e inesquecível na minha vida ... o 12 de Novembro do particular e incontornável ano 2020 !  
O 12  de Novembro que, por várias razões, eu planeara festejar ... ( logo eu, sempre avessa a aniversariar !... 😕😕😕

Desta forma quero expressar a TODOS os que ontem estiveram comigo nas palavras, nos gestos, no riso, no carinho, no abraço sentido ( intentado mas apenas virtual ), no beijo solto na brisa que perpassava ( no que foi um glorioso dia solarengo, de um Outono doce ) ... ou até mesmo com uma carinhosa "cotovelada", como um amigo me enviou ... quero expressar, dizia, o meu mais sentido e afectuoso OBRIGADA !!!

Bem hajam, queridos amigos !!!  O que seria de mim sem vocês ???!!!...

Anamar

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

" DESFRALDANDO MEMÓRIAS "

 



Já não escrevo há muito tempo.  Por um lado, tenho estado dedicada a uma tarefa que aprecio particularmente - a correcção visual das fotografias tiradas na viagem aos Açores, já lá vai mais de um mês ( o tempo voa !... ), por outro porque me sinto meio seca por dentro, atrofiada mesmo, sem absolutamente nada para dizer, ainda que rumine o tempo todo, saltando de estados de alma em estados de alma, de emoção em emoção, de sentimento em sentimento ... ingloriamente !

Hoje, um assumido dia de Outono, daqueles doces, mansos, silenciosos ... em que o sol se envergonha até de brilhar, lembra que neste ano tão especial, também  nesta quadra em que tradicionalmente vivemos o "último Verão" do ano, o S.Martinho ... tudo se ficou pela metade ... nem bem carne, nem bem peixe !

"No S.Martinho vai à adega e prova o vinho" ... 
No liceu, há uma eternidade parece, num tempo sem tempo ... sempre neste dia, a Celeste que aniversariava e elencava o Conselho Directivo, levava para a sala dos professores uma cesta com castanhas acabadas de assar, e uma garrafa de água-pé.  
Quando chegava o intervalo grande  e regressávamos das salas de aula, lá nos esperava essa surpresa que passou a fazer parte de um código de afectos, ano após ano.  
A Celeste já partiu há muitos.  À escola também já não vou há demasiados.  Desses tempos ficaram as memórias, gratas, apesar de tudo.

Amanhã aniversario eu.  E se detesto ter de fazê-lo,  particularmente este ano tudo me é mais difícil de digerir ...
Há exactamente um ano, eu havia de ter uma festa surpresa em Ho Chi Minh ( antiga Saigão ), no Vietname, oferecida pela agência de viagens com a qual me deslocara em passeio nesta época, com a intenção de me afastar daqui neste dia.  
Foi emocionante e divertido, porque tive a honrar-me com a sua presença, todos os companheiros de viagem, bem como a guia que nos acompanhava. 
Ouvir cantar os parabéns lá tão longe, abrir o bolo de anos numa terra tão distante de Portugal e de todos os meus ... assim, de surpresa, sem que o suspeitasse ... receber um lindíssimo ramo de rosas antes do jantar, ocorrido num barco fantástico, fundeado na baía e totalmente iluminado, ter a festa abrilhantada com a animação local, sempre tão sensível e delicada como o são todas as manifestações artísticas orientais ... foi um gratificante e inolvidável acontecimento !

Há dez anos atrás, no difícil pra mim ano de 2010, pelos mesmos motivos, aniversariei em Bali, onde me refugiei, também lá do outro lado do mundo.  
Viajava absolutamente só, e fui também agradavelmente surpreendida, por parte do hotel onde me alojava, com uma festa  de comemoração do meu aniversário.
Aí, no meio de uma infinitude de línguas e de rostos, o transversal  Happy Birthday  tomou o lugar do nosso "Parabéns", cantado que foi, em uníssono por todos os presentes.
Foi portanto também, um carinho acrescido naquela solidão que me envolvia ...

Há vinte anos ... no carismático ano 2000, de mudança de século e de milénio, quando eu festejava igualmente o encerramento de mais uma década na minha vida ... nova festa, à minha revelia.
Desta feita, aproveitando a minha ausência em viagem pelo Brasil com a minha mãe, na realização do que era o seu grande sonho, os que cá ficaram, prepararam-me um evento absolutamente indescritível. 
Na Golegã, local escolhido, uma quinta ancestral albergou uma festa p'ra mais de cinquenta amigos que me homenagearam, vindos de lugares tão variados e distantes, como o Alto Minho ou o Alentejo.
Amigos que há muito não via, outros mais próximos e presentes ... amigos que caminharam comigo desde a escola, o liceu, a faculdade. Amigos de sempre !  Amigos de vida !
Houve fados de Coimbra, discursos, muito riso, muita festa, comida espectacular, serviço com pompa e circunstância ... tudo previsto e calculado nos mínimos detalhes, sobretudo pela minha filha mais velha que é exímia e completa nesse tipo de coisas .

Este ano, outra década que cessa.  Número redondo outra vez, nos anos que caminham comigo neste percurso destinado.
Este ano, de todos estes, seguramente o mais particular, o mais estranho, o mais inesquecível !....
Só que, desta feita pelas piores razões.
Será certamente lembrado como um penoso ano não vivido, um ano a mais no nosso cômputo existencial e um ano a menos na ampulheta real das nossas vidas !
A pandemia continua a ceifar vidas, esperanças, sonhos e projectos.  Continua a grassar a eito, indiferente a tudo e a todos, semeando dor, angústia e ansiedade.  Adoecendo as pessoas, matando aos poucos, por fora mas sobretudo no âmago dos nossos corações e da nossa alma. 
Este ano não tenho nada a festejar, num ano que é p'ra esquecer .  Não tenho presente a pedir, porque o que eu queria não me pode ser oferecido ... a dádiva de uma vida com a normalidade que precisamos !...
O reganhar da esperança e do sonho, arredados que estão destes meus dias cansados !...

Por toda a mata os cogumelos de Outono eclodiram com as primeiras chuvas mais a sério.  As pedras dos caminhos já escorregam com os musgos que despertam. 
Não há borboletas.  Cumpriram o seu ciclo de vida, e foram ...
Os pássaros silenciaram e já pouco saltitam entre os galhos despidos das últimas folhas douradas que ainda persistem ...
A mata, como a vida, parece entrar em hibernação.
O corrupio inexorável do tempo ... indiferente e impiedoso !...

Anamar