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quinta-feira, 30 de junho de 2022

" O ESPÍRITO DA COISA ..."

 


Dei-vos conta da iminência de uma viagem, uma outra viagem, nesta incessante busca de qualquer coisa que eu própria não defino.  
Elas, as viagens, são a necessidade de colmatar um qualquer vazio que sempre me atormenta, a ânsia de encontrar alguma coisa ou de repor apenas coisas que já senti, já experimentei ... já vivenciei !  Como se alguma vez, as coisas se pudessem repetir no tempo e no espaço !...

Sei que se ousa dizer que a mesma água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte ... e não estou equivocada. Sei exactamente que o que na verdade busco é o reencontro comigo mesma, naquela que eu era há anos atrás, a minha alma e o meu coração remoçados, a reposição do meu entusiasmo, e da minha alegria de então ... como se isso pudesse ser possível ... 
Sei exactamente que o que na verdade busco é a capacidade de sonhar outra vez, como então, é a adrenalina que me tomava e me projectava oniricamente em cada viagem que fiz ... é a juventude e a garra que se perderam nos tempos e que já não detenho mais ...
Essa sim, a utopia com que me trapaceio !... 
E alegro-me, e engano-me conscientemente, e iludo-me como a criança a quem calamos o choro com uma guloseima ...

Por isso, nos últimos tempos tenho viajado muito mais, com uma urgência sentida ... como se não houvesse amanhã !  E nada é o que foi ...

As viagens somos nós, mas são sobretudo os contextos em que as fazemos.  De acordo com as vivências em que mergulham, assim nos representam e transmitem emoções diversas.
Neste momento refugio-me no que olho, no que admiro, no que cheiro ... As cores e os aromas embriagam-me, os silêncios acariciam-me, e é como se conseguisse desligar-me totalmente do que me envolve, de quem me envolve ... Fico eu, apenas eu, como se sozinha comungasse da envolvente que me embala ... e nada mais me interessasse. Como se não existisse mundo à minha volta, como se a minha linguagem interior fosse intangível, impenetrável, inalcançável ...
E é isto que experimento em cada momento, em cada volta de caminho, em cada horizonte desenhado,  em cada sensação que me sufoca ...
Não divido, não partilho ... guardo p'ra mim, aferrolho no meu peito tudo o que acho ser único e inatingível por outrém ... Ele é o espólio do que experiencio, no pedacinho de mundo cujas portas encerro de seguida ...
Por isso, busco primordialmente a natureza p'ra mergulhar, p'ra me entupir, p'ra me alienar ... p'ra me extasiar ... em silêncio ...

E pronto, é neste contexto que vou, que parto uma vez mais, como se tivesse encontro marcado comigo mesma  na miragem que espreita por detrás daquela duna ... ou pudesse voltar a aspirar o aroma adocicado das flores dos trópicos, ou pudesse virar outra vez a ampulheta brincalhona dos tempos !...


Anamar

terça-feira, 28 de junho de 2022

" RETORNANDO ... "



Ora bem ... já aqui não vinha há um ror de tempo !
Sempre me penitencio pelo facto, sempre me culpo, me acuso por talvez não me esforçar ... bla bla bla ... mas o facto é que eu própria não consigo entender a situação ... entender- ME sobre a situação.
Não tenho assunto sobre o que escrever, não valorizo o que escreveria.  Sempre entendo que se escreve sobre tudo, que se escreve de qualquer forma sobre tudo, o que logicamente me desmotiva a fazê-lo, pois ou valeria realmente a pena, por qualidade, novidade, assertividade de algo que eu debitasse, ou ... já tudo foi explorado, dissecado, abordado por quem tenha na verdade "autoridade" na matéria.

Bom, talvez nada mais seja do que um reflexo de uma certa indiferença e passividade minhas, face à vida nos últimos tempos, em que claramente dobrei uma qualquer esquina na minha estrada.  Sem uma justificação, sem uma razão, sem um motivo objectivo, parece que passei apenas a deambular ou pairar por aqui, e não a viver, ou a ser intérprete e actora do meu próprio destino.
Poucas coisas me movem, poucas coisas me aceleram os batimentos cardíacos, poucas coisas me mexem os interiores, como se a minha capacidade de emoção, de emaravilhamento e de entusiasmo, estivesse embotada. Parece que enfiei por mim abaixo uma qualquer carapaça, um revestimento de distanciamento, indiferença e insensibilidade face ao mundo onde vivo.
Em suma ... anestesia ... parece que efectivamente a minha quota de sensibilidade perante as coisas, as pessoas, os acontecimentos, está objectivamente anestesiada.  
Até os sonhos deitaram p'ra sesta e se esgalgaram por aí ...

Bom, entretanto muitas e muitas coisas foram acontecendo neste meu período de ausência literária.

A guerra, a maldita guerra na Europa, contra todos os vaticínios iniciais, perdura e esboroa diariamente um país totalmente esfrangalhado e em pedaços.  Pouco haverá já para destruir, não se consegue entender a devastação infligida a pessoas e bens. Não se consegue sequer imaginar em boa verdade, o genocídio a que aquela gente foi e é submetida !
E tudo continua em aberto, a desproporção militar de homens e armamento entre o exército russo e as forças ucranianas é absolutamente abissal, o que torna totalmente insuficiente toda a ajuda disponibilizada pelo ocidente.  Enquanto isso, o sofrimento, a dor, o horror em suma, continuam a alastrar em pleno Séc. XXI aqui, no velho mundo!
Mas também tudo isso já não motiva como no início, o cidadão comum dos países espectadores !
É injusto mas natural, creio.  O ser humano é exactamente assim ... infelizmente ...

Entretanto, uma das coisas que ainda e sempre me empolga, é a possibilidade de viajar.  É sempre algo gratificante, preenchedor, emocionante, poder conhecer algumas micro-fatias deste nosso planeta.  Poder partilhar novas realidades, experiências inovadoras, contactar novos lugares e novas gentes.  Fugir daqui, fechar a porta e acordar lá, onde quer que seja, a muitos e muitos quilómetros de distância, lá do outro lado do Mundo, vivendo realidades totalmente distintas das desta vidinha cinzenta e igual que diariamente arrastamos pelo meio das mesmas rotinas ...
Uma viagem um pouco diferente do estilo que costumo privilegiar, desta vez ainda assim uma viagem a que apus reticências no início, e de que viria a gostar muito no lavar dos cestos.  
Itália ( Nápoles, Pompeia, a Ilha de Capri ), com o sul e a sua maravilhosa Costa Amalfitana, desde Sorrento, Positano, Amalfi e Ravello, haveria de encantar-me e surpreender-me, bordada e engalanada que é, encosta acima, e onde o colorido das habitações encarrapitadas a pique sobre as escarpas do Mar Tirreno, lembra um presépio que contrasta com o azul intenso das águas serenas a seus pés !

Agora, nova viagem se aproxima.  Dentro de poucos dias novo sonho começará a concretizar-se.
Uma ingressão num continente onde ainda fui muito pouco, servirá para que eu mergulhe no místico coração de África.  A Namíbia, da savana ao deserto, a Costa dos Esqueletos ou as míticas dunas de areias vermelhas contrastantes de sombras e luz, esperam-me com as cores, os cheiros e os pôres-de-sol inesquecíveis e inigualáveis, que só África sabe proporcionar ...
Quem viu o filme "África minha", saberá do que falo
Será uma imersão numa natureza inóspita, num país com uma fraca densidade populacional, onde a terra é muita e as gentes são poucas ... com uma natureza versátil, indómita e imperativa !
Uma terra de silêncios, de liberdade, de horizontes longínquos, sem limites ou freios ... terra com princípio mas sem fim ...

" Viajar é mudar de roupa à alma "

        Mário Quintana

Falarei e contarei como foi ... assim o espero !

Anamar

sábado, 26 de fevereiro de 2022

" A PROPÓSITO DE MAIS UM DIA ..."



Mais um dia de S.Valentim !
Já houve tempo em que eu tinha a mania que era romântica, mesmo daquela forma pura e dura de jantar à luz de velas, cartõezinhos a condizer, rosas vermelhas nas jarras e sonhos a saírem "pelo ladrão" ...
Já houve tempo em que eu embrulhava esta ideia em papel de presente com laço e fita a condizer, e a aconchegava bem juntinho ao coração ...

Hoje eu sei que tudo isto não passa de mais uma tremenda artimanha do consumismo que nos devora, e também sei que essas paixões desbragadas patrocinadas por um santo que apenas nos caíu no colo há razoavelmente pouco tempo, só existem na imaturidade de adolescências serôdias que lutamos por perpetuar pela vida fora.
Sendo um estado de graça, qualquer paixão é um pacote de vitaminas para a alma.  É a forma mais eficaz de colorir a vida, de adoçar os dias, de os tornar iluminados e leves. E por isso, com ela o caminho atapeta-se, o sol brilha, as flores perfumam mais ainda, o cansaço esfuma-se, o riso inunda os rostos, a alegria emerge como uma onda no areal ... e tudo passa a valer a pena, porque tudo parece tornar-se possível !

Só que, de intensa e fugaz a paixão tem em igual medida. E essa mágica poção que nos torna do dia para a noite invencíveis, poderosos, capazes duma superação permanente, duma felicidade sem limites e duma transcendentalidade absoluta, esvai-se num piscar de olhos, num despertar de madrugada densa, num descerrar de cortinas face a névoas espessas já dissipadas ...
E ficamos assim ... esta coisa desasada, desacreditada, com um amargor no espírito e um peso épico no coração ...

Mas como tudo passa nesta vida, como tudo é relativo e vale o que vale, a tudo o Homem resiste, tudo o Homem ultrapassa, a tudo o ser humano se adapta e habitua ... até mesmo ao descolorido dos dias, ao silenciar da música, ao adormecimento do coração que, pra não sofrer, deita para a sesta hibernante de tempos de crepúsculo...
E porque a biologia é sábia e nada há de mais perfeito que a Natureza, a passagem do tempo vai remetendo tudo aos seus devidos lugares, e até os sonhos se aquietam, porque talvez o seu tempo já tenha passado !
E a alma, contra vontade regenera-se !...

Anamar

sábado, 21 de agosto de 2021

" UM COLAR DE MEMÓRIAS "...



Hoje pus um colar.  Um colar que adormecia há anos e anos na escuridão da gaveta.

É um colar de osso, esculpido à mão, talhado com a rusticidade e simplicidade dos povos autóctones.
Vejo-me a comprá-lo.  Era um dia de sol quente e luminoso como é o sol daquelas paragens ... como pertence ao sol ser, naquelas paragens ... Porque era um dia perfeito com um sol de sonho num azul de promessas ainda ...
Era a Tailândia, destino mítico, as tribos do norte, na fronteira com Myanmar ( que haveria de conhecer muitos anos depois, noutro contexto totalmente distinto.  Quando eu também já não era mais eu ... mais de uma década passada ).

Há imagens que nos ficam com uma nitidez absurda, num mecanismo maquiavélico que não se explica, com cores, cheiros e sons tão claros e desenhados, que reflectem tudo como em tempo real desfilando numa tela de cinema.
Acho que teimam em perdurar porque não queremos separar-nos delas por nada, não as largamos por coisa nenhuma, não as deixamos ir como se fossem tesouros de valor inestimável.
São como páginas escritas, e o que está escrito dificilmente se apaga !
É estranha esta necessidade doída que me assoma de revisitar o passado, como se fazendo-o, eu conseguisse, num passe de mágica, lá retornar.  Como se conseguisse reabilitar a que eu era, recuperando o tempo que foi.
Porque tem dias que há um buraco bem aqui no meio do peito, que reclama o preenchimento, neste vazio depauperado de emoção...

Tudo a propósito, penso, de páginas viradas, de intenção de caminhos adiante, de necessidade absoluta de conseguir olhar p'ra frente, deixando de olhar o ontem, deixando de me prender com a dobragem dos dias sem demais aflições com o amanhã, pois que no devir, sei lá se ainda aqui estou ...
Tudo a propósito de ansiar partir de novo, ansiar viajar p'ra destinos de silêncios, onde apenas o mar me aninhe, o sol me aconchegue, o vento me espalhe da mente tudo aquilo que perturbe o meu espírito, cansado e desordeiro.
Tudo a propósito de ir por aí, deixando p'ra trás o nefasto, ignorando todo este pesadelo que se arrasta há tempo demais, este cansaço sem fronteiras, estes dias descoloridos e desesperançosos, dando uma demão de tinta à Vida, que tantas e tantas vezes interrogo. 
Iludo-me.  Sei que me iludo, porque toda a busca só se concretiza se a reconstrução começar dentro de mim ... e essa é uma tarefa que eu sei ser praticamente inalcançável.

Sou um espírito atormentado. Sou aquele pedaço de nada importante que a maré leva e traz e volta a levar sem rumo ou destino. Donde veio, para onde será jogado ? Ninguém nunca saberá.
É simplesmente um detrito no meio do vórtice da correnteza, sem força, determinação ou capacidade de escolher um novo caminho, de percorrer uma outra estrada ... de procurar um novo amanhã ... dia após dia, ano após ano ... tempo atrás de tempo, sem remédio ou solução.

Assim sou eu, o corolário de contas desfiadas dum colar que nunca ninguém entenderá !

Anamar

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

" HOJE FOI ASSIM "


Hoje assumi ser necessário retomar um pouco da rotina de outros tempos.  E por "outros tempos" refiro a era anterior à Covid, quando a vida parecia ter algum grau de normalidade.  Sabíamos então, mais ou menos, o que nos esperava nos dias que decorriam.  Sem grandes surpresas e de acordo com o delineado, planeávamos e cumpríamos, a menos que surgisse algum imprevisto.

Sempre fui muito uma mulher de rotinas.  As rotinas são, de alguma forma, uma almofada de conforto, um mecanismo de poupança de esforços, físicos e psicológicos. 
Nas rotinas as "surpresas", agradáveis ou não, poupam-nos mais, dando-nos tempo para estratégias de ponderação, aferição e solução. Teoricamente teremos mais espaço de manobra e protecção pessoal, face até a imprevistos.
Pode ser cómoda, porque diminui a entropia de que sempre somos escravos, mas pode ter uma vertente manifestamente negativa, também. De facto, a rotina pode ser profundamente entediante, por repetitiva, cerceadora da criatividade, da ousadia, do arrojo ... do colorido.
Submissos a situações rotineiras, temos tendência à acomodação, ao imobilismo, ao deixar correr.  Ou seja, desmotivamo-nos e acinzentamos os nossos dias.

E de facto, os meus andam numa mesmice, andam numa apatia e numa desinteressante realidade. São dias pantanosos, sem frisson, sem adrenalina, sem o combustível tão necessário ao impulso fundamental, para que em cada um saltemos da cama dispostos a fazer história com ele ...
E isso seria sinal de Vida.  O resto é uma modorra mortal, é um arrastar do mundo sem rumo ou glória !

Bom, e resolvi ir tomar um café "outdoor", que é como quem diz, ao café aqui da esquina.  Um café sem história, mas pelo menos fora das quatro paredes confinantes que diariamente me engolem mais e mais.
É um lugar que tem para mim uma conotação particularmente afectiva.  Foi café / restaurante de toda a vida, carismático que era, aqui da urbe.  Engraçado que ainda hoje, muita e muita gente quando o quer referenciar, o nomeia de acordo com o passado.
É um marco na minha estrada, portador de muitas e doces memórias.
Hoje, para mim é um espaço descaracterizado, e enquanto lá estou, deixo que me atravessem, como projectados na tela de um cinema,  tantos e tantos momentos, acontecimentos, rostos e palavras que também escreveram a minha história ... 

Assim, tudo se resumiu a descer, pegar no livro que leio, em papéis de rascunho para o que desse e viesse, e a carregar a ilusão de que a rotina arrastada iria finalmente ser alterada.
Tirando quatro ou cinco pessoas que faziam parte das tertúlias useiras e vezeiras do Pigalle e que deixei praticamente de ver, nada mais, só a absoluta sensação e certeza de que nunca mais nada poderá ser retomado, de que nunca mais reviveremos o que era, o que foi ... ou prosaicamente e sem nenhum espírito de novidade, que nunca mais seremos os mesmos, que nunca mais o que deixámos regressará ... ou dito de outra forma ainda, que o Tempo, essa entidade sádica, gozadora e castigadora, jamais será  reversível !

Entretanto, terminei o livro que andava a ler e que é uma biografia ficcionada de Florbela Espanca, e embora "grosso modo" conhecesse a história desta mulher inteira, sem baias ou limites na sua existência, desta mulher frágil, sonhadora e utópica que nunca desistiu de buscar e viver a autenticidade que acreditava dos amores e das paixões ... o relato da sua vida perturbou-me profundamente.
Ambas somos alentejanas, ambas conhecemos o cheiro da charneca em flor,  sabemos do silêncio audível do vento nas searas,  do canto desgarrado das cigarras na canícula ardente dos Verões ... e ambas sabemos da linguagem utópica da efemeridade dos afectos, sempre prometidos e sempre incumpridos.  
Ambas conhecemos o peso das solidões, dos sonhos pousados nas cabeceiras por cada manhã que desperta;  da força dos destinos cruéis remando em marés e mares alterosos ... mas também das ilusões entretecidas na espuma de ondas que se desfazem, engrossando novas ondas que renascem ... porque a esperança, apesar dos pesares, talvez ainda nos habite o sangue ...
Ambas pertencemos e não pertencemos a este mundo. Sentimentos iguais em épocas diferentes ...
Ambas norteamos o coração com a luz da liberdade, inalienável ... só ela guiando os nossos caminhos ...
Mas sobretudo, ambas conhecemos uma linguagem universal, que é ponte, é veículo, é corrente : a força da poesia, a verdade das palavras, o alinhar das letras na construção dos sentires ...
No único livro que até hoje publiquei, " Silêncios", livro de poesia que veio a lume em 2017, há uma referência a Florbela com uma citação de um dos seus sonetos, e que deixo aqui, em jeito de homenagem, como epílogo deste meu post :


                                          " Sou talvez a visão que alguém sonhou
                                             Alguém que veio ao mundo pra me ver
                                            E que nunca na vida me encontrou ! "





Anamar

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

" MEMÓRIAS "

 


Estamos no carismático mês de Agosto. Era "aquele" mês !

Sempre que Agosto chegava, ala que se fazia tarde para usufruir dos almejados dias fora do casulo de ano inteiro.  As férias sonhadas e esperadas ansiosamente, chegavam finalmente, e outros destinos aguardavam todos, particularmente a miudagem, cujos olhinhos já piscavam duma pressa inadiável.
Normalmente, com o fim do ano escolar, começava a programar-se o destino de praia.  Sair de Lisboa e poder ir molhar o pezinho ao Algarve ou na Costa Alentejana, já era um "must", já era um privilégio de classe média !
Era verdade que em criança, talvez fugindo um pouco do habitual na minha geração, já eu  desfrutava de destinos ao sul, onde chegava a ficar com a minha mãe, mais de um mês, num quarto alugado ou numa pensão, usufruindo a época balnear, enquanto que o meu pai que detestava praia, continuava no labor da viagem.  Mais tarde, as minhas filhas sempre tiveram a possibilidade de rumar a destinos simpáticos.  Toda a costa algarvia, começando em Vila Real de Sto.António e terminando em Lagos, foram lugares sendo percorridos nos diversos Agostos.  Porto Covo também, em saudosas férias em grupo de amigos, várias famílias com adultos divertidos e crianças imparáveis.
Eram tempos fantásticos de dias inteiros no areal, muitos banhos, muitos jogos, muita partilha de conversas e paródia, muita cumplicidade e serões de passeio após o jantar, como refrigério da canícula alentejana. 
Foram tempos ...
Depois esperavam-nos dias no campo.  Eram outras vivências, outras paisagens, outros cheiros e outras cores.  Eram as espigas de milho assadas na fogueira, era o rio e os mergulhos na água fresca, era a brincadeira interminável, era a jogatina das cartas a desoras, na mesa de pedra debaixo da tileira, sempre generosamente frondosa.

Para o estrangeiro só comecei a sair com quarenta e muitos anos.  Ainda assim, começando por tímidas digressões até ali, à vizinha Espanha, aproveitando que Ayamonte ficava à mão de semear do nosso paradeiro e sempre haveria uns caramelos a trazer.
Viagens propriamente ditas, só anos depois.  
Nada disto tem a ver com os usos e costumes da nossa realidade actual, onde os jovens começam com viagens de finalistas à discrição, inter-rails mundo fora, campismo "à Lagardère", férias de neve em grupos, não falando noutras possíveis invenções, já totalmente assimiladas na sociedade em que vivemos, e que nem surpresa já constituem, nos núcleos familiares.
Tudo mudou ... tanto mudou !
A primeira vez que andei de avião tinha vinte anos e já estava casada. Ainda assim, a viagem Lisboa-Luanda deveu-se à obrigatoriedade de para lá me deslocar. Carro próprio, também só com o respeitável estatuto de "esposa" ... 😀😀😀 Os meus pais nunca o tiveram, pese embora a minha mãe tenha ingloriamente tirado a carta !

Este mês de Agosto é de facto um mês de memórias.
Além destas poucas, avulsas, que me foram escorrendo da mente, Agosto é também um mês de festejos a nível familiar, e apesar de hoje em dia a Vida disso não se compadecer, disseminando as pessoas por aí ao sabor dos ritmos e conveniências de cada agregado familiar ( e olhem que a família é bem pequenininha ... ), assinalo que ao dia de hoje dois aniversários se comemoram ... o da minha filha mais velha e do seu próprio filho mais velho também, e de hoje a uma exacta semana, o Kiko, o mais novo desse núcleo, também aniversaria.
Todos estão em gozo de férias no Algarve, eu, por aqui, a outra minha filha na margem sul onde habita com o companheiro e a Teresa ... o pai e avô igualmente noutras paragens e sempre inacessível, restam de facto as memórias de dias felizes, de vida vivida, de tempos idos, quando a história era toda outra e nem sonharíamos afinal, como ela iria ser escrita e contada !

Anamar

domingo, 11 de julho de 2021

" UM INSUSTENTÁVEL JOGO DE XADRÊS "


O xadrês das variantes vai-se fazendo... a Alpha ( inglesa ), a Delta ( indiana ), mas também a Beta e a Gama sem que suspeitássemos que o fossem da África do Sul e de Manaus respectivamente, no que julgo ser uma preocupação de branqueamento da conotação da estirpe com nenhum país em especial.  
Agora irrompe a Lambda que, oriunda do Perú, afinal já grassa desde 2020 na América do Sul.

Estirpes agressivas, com resistências significativas às vacinas, ao que parece, assustam pela alta capacidade de transmissibilidade e por isso rapidez na disseminação, no que já é um alastrar objectivo em todo o país.
Apesar do recuo a confinamentos mais severos, à manutenção exigente das medidas profilácticas de protecção individual com a exigência da continuação do uso das máscaras e do respeito pelo distanciamento social, é aterrador perceber-se quanto de lotaria também tem tudo isto, quanto de moeda ao ar existe também em cada dia da nossa realidade, a aleatoriedade que persiste, quando ainda que julgando cumprir escrupulosamente todas as regras, e desconhecendo como e onde, as pessoas aparecem infectadas.
O única e relevante factor positivo, é o facto da vacinação ter sido implementada a todo o vapor, o que se reflecte efectivamente, no número baixo de óbitos, que apesar do número explosivo das infecções diárias, tal facto não se traduz depois, no número de mortos, felizmente.

Entretanto quase não vejo notícias.  Estou total e absolutamente saturada, indiferente mesmo à repetição dos assuntos, às opiniões contraditórias, ás "novidades" que a comunicação social fareja sem critério, para vender.
Tenho andado particularmente cansada, exausta mesmo, sem que aperceba um nexo de causalidade objectivo entre causas e consequências.  A vida ultimamente tem-me presenteado com alguns desagradáveis acontecimentos, mormente no domínio familiar, com preocupações acrescidas que o são mais ainda, por insanáveis ou irresolúveis dentro da minha esfera possível de actuação ou intervenção.
E quando percebemos que temos gente nossa a sofrer por incapacidade decisora perante situações que se  arrastam  e  deterioram,  e  que  nada  podemos  fazer ... é  um  desespero  total !
E quando percebemos que pomos filhos no mundo que ganharam asas, mas cujos voos escolhidos não são assertivos ou felizes, sem que lhes possamos atapetar o caminho ou adoçar o amargo da alma, é como se nos rasgássemos por dentro !

Retomei a caminhada pela mata na tentativa de normalizar, de alguma forma, as minhas rotinas diárias.  mas faço-o com dificuldade e penosamente.
Depois, tudo emperra neste país.  Nada se alcança duma forma simples e sem demais e desnecessários  desgastes.  A função pública é um entrave permanente à simplificação das questões, mesmo as mais óbvias e as mais simples de resolver, mesmo as que se prendem nem sequer à interpretação, mas à leitura directa da lei e sua consequente aplicabilidade.  Não, tudo é tirado a ferros, tudo implica gastos desnecessários e prejuízo ao erário público, por teimosia, burrice ou inépcia de um atávico manga de alpaca que tivemos o azar de nos aparecer pela frente e que teima em "mostrar serviço" ao superior hierárquico, sem perceber que o seu pequeno poder ( que julga conferir-lhe uma digna e legítima supremacia ), não passa afinal, de uma "sabujice" triste e lamentável, bem patenteadora duma ignorância e ineficácia, sem perceber que ela desnuda sim, uma incompetência sem tamanho e uma puxa-saquice lamentável e nada mais. 
E consequentemente, além de termos de dispender dinheiro para recorrer a estruturas capazes de nos ajudarem a desbloquear as situações, enervamo-nos, desgastamo-nos, perdemos infinito tempo, horas de tranquilidade e mesmo de sono !
Exaurimo-nos sem proveito ou necessidade !

E pronto, assim vai a nossa vida.  

Hoje, este meu escrito foi mais um desabafo, um lavar de alma que outra coisa.  Um alívio de coração, nada mais.
O xadrês dos dias continua a jogar-se, numa balança desequilibrada de poder, nunca se sabendo afinal em cada momento, quem é o vencedor e quem é o perdedor ...

Anamar

terça-feira, 23 de março de 2021

" A SEGURANÇA DOS TEMPOS IDOS ..."

 


Quando as galinhas tinham dentes, os cães se chamavam "Leões" ou  "Pilotos" e os gatos "Tarecos", já eu andava por aqui.

Isto poderia ser o início de uma linda história infantil ...

Era quando o "coelhinho ia com o Pai Natal e o palhaço, no combóio, ao circo " e o  Topo Gigio chegava de mansinho e corria com o pessoal para a caminha, com promessas de "amanhã voltarem a ver a tv como você" ...
Mas isso foi antes, bem antes.
O monstro das bolachas, o sapo Cocas, a Miss Piggy, o Egas e o Becas ou o Poupas Amarelo, o Professor Baltazar ... a Pipi das Meias Altas, o Vitinho, ou mesmo o Sítio do Pica-pau Amarelo com a maternal D.Benta e a Narizinho mais a sua boneca-gente Emília, enterneciam os pequenos ... e não só !...
Companheiros de tantas refeições distraídas ... forma certeira de lá ir mais uma colher de papa ...

Mas muito mais antes ainda, o Skippy e o Flipper ou mesmo a Lassie e as suas aventuras de cadela quase humana, colavam-me ao écran ... 
Tempos em que, a Família Cartwrigth avançava écran adentro, nos seus garbosos alazões, com promessas de mais histórias e aventuras dos quatro irmãos e o pai, ao som do tema musical que ninguém da minha geração, de certeza esqueceu ...
A Casa na Pradaria, a Família Robinson ... o Dallas, tempos depois ... 
Muito depois do Professor Vitorino Nemésio, com a sua voz nasalada,  nos falar de cultura e desse mundo, onde se dizia já, velho... Isto, depois de, enquanto se  lembrasse,  nos falar sobre a sua terra, os Açores, e do mau tempo naquele canal, entre Pico e Faial, num emblemático romance vivido na segunda década do século XX ...

Lia-se muito então.  Os Cinco, os Sete, Os desastres da Sofia,  As Meninas Exemplares, Céu Aberto, Em pleno Azul, Grichka e o seu urso ... as aventuras de Tom Sawyer e Hucleberry Finn integravam, entre outros, o meu imaginário.  
Depois da história avançar, seria a vez da  panóplia de escolha se alargar ainda mais, e a colecção da Disney ( com todos os conhecidos e imortais clássicos ), da Anita, da Patrícia, da Carlota, da Lilybeth, a banda desenhada com o Donald, o Patinhas, o escuteiro Mirim, o Pateta, o Cebolinha e os Irmãos Metralha entre outros, fariam as delícias da geração pré- electrónica.

Anthimio de Azevedo trazia-nos sacramentalmente, o tempo, esse, o que a meteorologia nos ofereceria no dia seguinte ... sem demais preocupações, porque os Verões eram mesmo Verões, os Invernos eram mesmo Invernos, e afinal, quase sempre o resultado saía furado.
Sousa Veloso também se ouvia e via, prazerosamente ... Tudo o que nos remetia para o meio rural e nos transportava às origens, integrava o interesse de muitos.
O Festival da Canção, era um "acontecimento" muito, muito especial e desejado ... Obrigava à reserva de disponibilidade total, jantar terminado, silêncio respeitado na sala ...
Não era difícil, porque as solicitações então, eram poucas.  A vida corria pacata e sem demais afobações, e as votações no final sempre nos deixavam a curiosidade espicaçada.  
Depois, era aquela coisa de destino ... os últimos lugares na Eurovisão sempre nos assaltavam a sorte !

E tudo nos chegava através daquela caixa mágica, daquele inestético  "trambolho", pousado na prateleira da estante.  Caixa onde tudo corria entre o branco, o preto e o cinzento.  Onde Isabel Wolmar sorria, com presença sóbria.  Sorria, e sorria para o meu pai, que garantia ( acenando-lhe ), que "aquela menina se estava a rir para ele" !

O Natal trazia-nos "obrigatoriamente" a "Música no Coração", em que a Família Von Trapp nos emocionava  e nos enternecia sempre, com a intensidade de uma primeira vez, mesmo que desfrutássemos do filme pela quarta ou quinta ...
O Doutor Jivago, havia de ser outro marco na sétima arte, que nos gratificava o espírito ! 
Também o visualizei uma meia dúzia de vezes, perdendo-me na beleza das imagens, na emoção da história, no emaravilhamento do imortal Tema de Lara ... e nos rostos fantásticos e expressivos de Omar Sharif, Julie Christie e Geraldine Chaplin.
O Natal também nos trazia as imagens doídas de histórias, emoções e relatos de saudade e mágoa ... mas também de esperança.  Esperança por um fim que algum dia chegaria ...
"Adeus, até ao meu regresso"... era inevitavelmente o epílogo das saudações familiares trazidas lá de tão longe, de uma África a ferro e fogo ... sangrante e esfacelada ...

A Páscoa chegava e  Ben-Hur, Quo Vadis, Os dez Mandamentos, A paixão de Cristo  
preenchiam-me as tardes ociosas de férias começadas. Filmes longos, rendiam, na desocupação do tempo ocioso de dias sem obrigações.
E apesar de, de ano para ano reincidirem, era como se os víssemos pela primeira vez.
Páscoa era também amêndoas de licor em formas e cores sugestivas.  Parece que ainda as saboreio !
Páscoa era família presente, eram campos verdes do Alentejo, eram rituais ancestrais a repetirem-se ...
Era aquela segurança e paz que nos aquecia a alma e nos fazia sorrir no coração ...
Páscoa também viria a ser a Beira, com visita pascal, com mais campos verdes, com bicicletas, chanfana, bolo doce ... Desta feita com as "pestinhas" a tiracolo ...

Bom ... não sei por que hoje acordei assim, nostálgica, mansa por dentro, saudosa ... com olho molhado.
Não sei por que um arrebatamento de saudades de tudo e todos, me tomou até à fímbria do meu ser.
Ou talvez saiba ...
Ontem a Teresa, nos seus três anos, sentada nas minhas pernas, esmiuçava-me a fisionomia.  Tocava com as mãos pequeninas ... as minhas mãos grandes e pregueadas, tentando esclarecer o que via.  Dizia-me, na sua inocência infantil : "Avó, tens as mãos assim, porque já és velhinha.  Mas não te preocupes, porque depois vais para a lua. "
Perguntei-lhe o porquê da lua, imaginando eu que me caberia uma estrelinha, nas tantas que no firmamento escuro, já têm rosto e nome ...
"Porque a lua é maior, tem mais luz ... e lá, está a Bi !"
Pronto, percebi e logo ali aceitei a coisa, pois eu sei que não poderei vir a ficar em melhor companhia !...




Anamar

quinta-feira, 4 de março de 2021

" MEMÓRIAS ... "


Hoje acordei "fora do ar" ... explico : acordei desenquadrada, não situada, às pressas, como se qualquer coisa urgente estivesse por resolver, vá-se lá saber onde.  Acordei irritada, aquela irritação cáustica que sentimos, aliada a uma impaciência corrosiva que experimentamos quando tropeçamos nas próprias pernas ... nem p'ra frente, nem p'ra trás, nada nos sai das mãos !!  Estou portanto insuportável, sem mais folga p'ra aturar o mundo e a vida ... sem mais margem p'ra me suportar até a mim ... ou sobretudo a mim ! 

O dia está exactamente como eu, cinzento, nem carne nem peixe, amodorrado, sonolento, fechado p'ra balanço !
Fora anunciado um dia de chuva, da grossa, numa percentagem meteorológica que não deixava dúvidas.  Hoje e amanhã choveriam "canivetes", como "soi dizer-se".  E eu gosto.  Gosto que chova, e muito, quando sou obrigada a ter por horizonte o que diariamente tenho, igualzinho, frente à minha janela. Quando as raízes que entretanto cresceram e me colam a esta bendita cadeira neste bendito sítio, me cortam as asas, que à minha revelia sempre me projectam lá p'ra longe, p'ra qualquer lugar que não aqui !
Mas até o tempo atmosférico ou quem o "lê", já está apanhado do clima ... é furo atrás de furo ! Chuva, nem uma gota !
E a minha fasquia de paciência e tolerância p'ra tudo, atingiu o limite suportável !

Como dizia uma daquelas brincadeiras que circulam na net e que acabam por nos chegar às mãos, intitulada  "Balanço de um ano de covid": Não tive Covid, mas tive efeitos secundários : sono à tarde, alergia aos canais de informação, perda de vocabulário ( exemplo : "horizonte", "viagem", "projecto", "restaurante" ),  mais três quilos, pantufas gastas, overdose de "zoom" ... tendinite no braço do rato ...
assim estou mais ou menos eu!  
Acrescentaria : súbitos ímpetos de bater em alguém, sobretudo quando esbarro em incompetência, má educação, irresponsabilidade ou parvoíce. Não esquecer que estou em tolerância zero, a quase tudo !
Pareço aquele bicho enjaulado, do zoológico ... ( agora, bem que os entendo ... ).  É vulgar verem-se os grandes felinos, limitados a um espaço muito pouco natural dia após dia, caminhando impacientemente de muro a muro, p'ra frente e para trás, sempre em percurso igual, tempo indefinido.  Ou dormindo, dormindo muito ... aliás como os meus gatos ... como os gatos de toda a gente, acho eu ... que padecem de tristeza e neurastenia !...

Nada se desbloqueia diariamente.  Esbarra-se em portas fechadas, sistematicamente.
Aguardo a intervenção cirúrgica às cataratas ... nada !  Em confinamento, o médico não opera. 
Aguardo que os cabeleireiros reabram... o cabelo reclama !
Aguardo que o homem que viria colocar estendais da roupa novos, compareça.  Também não !
Aguardo que o técnico que viria consertar a máquina de lavar loiça, que "ficou de vir", venha ... Nada !
Aguardo a reabertura da loja do Cidadão p'ra entrega de documentos ... 
E mais que não lembro !  
A sensação de inutilidade, a sensação pantanosa que nos vai sugando o espírito, a falta de vontade e de disposição, são avassaladoras e progressivas.

Ontem era noticiada, por parte de médicos especialistas, a preocupação crescente sobre o avolumar de casos depressivos com contornos psiquiátricos muito graves, em crianças e jovens, fruto dos distúrbios provocados pela vida absolutamente anormal que vivemos, há tempo excessivo.  
Sem horizonte ou fim à vista definido, sem perspectivas, com projectos e sonhos adiados, com a amputação do convívio, da partilha e dos afectos, com um sedentarismo imposto, em confinamento frente a écrans de monitores, horas a fio, e em que a esperança que se acende dia após dia, é empurrada adiante e tudo continua igual ... esta geração, a já chamada "geração do álcool-gel" - ficará inevitavelmente marcada para o resto das suas vidas, com sequelas ainda não estimáveis nem mensuráveis, neste momento.

Nós, os da faixa etária descendente, com uma já longa experiência de vida, com uma resiliência consequente e inevitavelmente maior, com uma visão obviamente mais alargada sobre os percalços e os tropeções com que a vida é useira e vezeira em brindar-nos, com "calo" forjado pelos tempos, pelas desesperanças tantas vezes, pelas dificuldades e pelos desgostos que já enfrentámos ...
nós, que já não sentimos as cócegas imperiosas na sola dos pés que nos obrigam à estrada, nem os frissons ou sobressaltos nos corações de grandes e sonhadas emoções ...
nós, como dizia o meu pai, que já "não corremos a foguetes"... até porque o fôlego da juventude se diluíu com os anos ...
e por tudo isso ... nós que nos sentimos roubados, esportulados e fragilizados pela clara noção de que estamos na verdade a viver tempos "não vividos", estamos na verdade a perder tempo, o "último" tempo das nossas estradas ...
ainda assim ... 
nós ... eu ... sentei-me hoje frente à minha "vitrina das viagens" como lhe chamo, o móvel que mais amo em todo o meu espólio de vida.  É um repositório com centenas de pequenos objectos que fui coleccionando ao longo do tempo, trazidos dos diferentes lugares até onde viajei, ou constituindo recordações trazidas por amigas ou filhas, também de lugares por elas visitados.
São objectos normalmente artesanais que contam histórias sobre tantos países de todo o mundo, das suas gentes e costumes, e que fui guardando religiosamente.  
Eles falam de tempos felizes, de momentos inesquecíveis, de acontecimentos memoráveis.
Alguns, já não tenho certeza absoluta de onde vieram ... mas não importa.  Olhá-los, perder-me a contemplá-los, é um exercício de fuga, de liberdade, de sonho.  É a fruição, outra vez, desses dias, desses anos ... desse tempo!
A minha história também passa pela deles, a minha memória cruza vivências, gentes, cores, cheiros, sabores, que em algum dia eu experienciei !  Não importa o tempo que já passou.  Não importa se as pessoas já não integram a minha história hoje, aqui e agora ... 
Importa apenas que eu as VIVI ... e só sente saudades quem algum dia viveu !!!...

Anamar

quarta-feira, 3 de março de 2021

" UM TEMPO P'RA RESPIRAR "

 


Estamos num período de alguma acalmia no desenrolar da pandemia.
É um tempo de respiro, um tempo dos corações baterem menos acelerados, do medo que nos povoa, amansar.
Verdade seja que, eu sinto, mas penso que é um pouco generalizado este sentimento, estar a ganhar uma evidente habituação, uma insensibilização e mesmo quase uma adaptação ao dia a dia que vivemos.
Acho que ganhámos uma certa "endurance" face a uma realidade sobre a qual conhecemos hoje, bem mais do que há um ano atrás.  Estamos a ganhar um certo "modus faciende", uma certa postura mais tranquila, na convivência com o vírus que integra as nossas vidas e que faz parte do quotidiano do país e do mundo.
Por outro lado, um certo "know-how" na forma como o encaramos, sem as fobias ou mesmo as histerias colectivas em que compreensivelmente todos caímos no transacto ano de 2020, ajudam-nos diariamente a procurar alguma "normalização" no formato completamente anormal que as nossas vidas detêm.

De facto, há exactamente um ano, dia 3 de Março registou-se o primeiro caso positivo da Covid, em Lisboa, enquanto que na véspera, dia 2 portanto, se haviam registado os primeiros dois casos, que ocorreram no norte do país, tendo os pacientes dado entrada no Hospital de Sto. António do Porto. 
Tratou-se de um médico, recém-chegado dos Alpes italianos, após uma semana de lazer numa estância de ski, quando o norte de Itália, zona da Lombardia, já estava a "ferro e fogo", como tristemente nos lembramos.  Milão ou Bérgamo foram locais que jamais esqueceremos ...

Hoje em dia, mercê do décimo segundo estado de emergência decretado há quinze dias, com um confinamento rígido e musculado, escolas fechadas, e um país praticamente encerrado à excepção dos "serviços mínimos", digamos assim, os números quer de novos infectados diariamente, quer dos óbitos e de pacientes nos serviços de intensivos, caíram generosamente, o que lançou uma lufada de ar fresco sobre o Serviço Nacional de Saúde, que no passado trágico mês de Janeiro, entrou praticamente em ruptura, colapsando ao limite dos limites algumas unidades hospitalares e serviços.
Inventou-se, reinventou-se, adaptaram-se espaços, criaram-se enfermarias em qualquer lugar onde isso foi possível, por readaptação de valências, e chamou-se a intervenção mais alargada dos privados e bem assim das estruturas de saúde das forças armadas.
Claro que houve patologias preteridas, claro que houve intervenções programadas suspensas ou adiadas ... mas houve que priorizar o estancamento do alastrar descontrolado da pandemia ! 
Entretanto, a inoculação das vacinas alarga-se na sociedade, e parece proteger com alguma eficácia, quem já as começou a tomar.  Estamos contudo, ainda muito longe do desejável e até do inicialmente previsto, já que a sua disponibilização tem sofrido, por toda a Europa, atrasos muito consideráveis por parte das farmacêuticas que não cumpriram os compromissos assumidos na sua distribuição e consequentemente, os timings acordados na Comunidade.

Ainda assim, de tudo isto, houve resultados visíveis, embora não possamos ignorar que até ao dia de hoje, se contabilizam lamentavelmente, mais de dezasseis mil perdas de vidas !

Não me alongo mais.  Estamos todos fartos de estatísticas, estamos todos saturados das grades desta prisão que nos cingem à mesma realidade  todos os dias, dia após dia.
Estamos todos ansiosos e aguardamos com  preocupação, a reabertura do país que, embora faseada, poderá trazer-nos algumas surpresas.
Este sol e tempo primaveril que começam a despontar, retiram a prudência, chamam para a rua e empurram as pessoas, sequiosas de liberdade, a tentarem infringir  regras fundamentais de protecção individual e colectiva, o que poderá novamente reverter a situação, com custos gravosos para todos nós !
Precisamos, como do pão para a boca, que a insensatez, o egoísmo e a irresponsabilidade não nos retirem de novo o "oxigénio" de que tanto precisamos para viver !!!

Anamar

domingo, 21 de fevereiro de 2021

"DEPOIS DA TEMPESTADE ... dizem ..."


 

Ontem, como aqui contei, foi um dia de uma tenebrosa tempestade.  A depressão Karim, desta feita, atravessou-nos o país, imbuída de muito más intenções ... 

Precipitação com valores anómalos, vento forte a acompanhar as chuvadas ininterruptas, cheias com prejuízos avultados por vários pontos do país, a orla marítima alterosa, com ondas de mais de dez metros de altura, e outras manifestações de fúria, deixaram se possível, em estado de maior calamidade, a calamidade que já nos cerca !
Hoje, o dia é de sol, no meio de nuvens enoveladas é verdade, mas com muito azul por entre os rasgões.
Não fora o vento desabrido que vai soprando, e isto até daria para animar um pouco.
Parece afinal confirmar-se uma vez mais que "depois da tempestade, a bonança chegará !"

Poderia ser um bom princípio a tomarmos como tranquilizante, na borrasca reiterada que é a nossa vida.  Poderia.  Talvez, bem lá no fundo acreditemos nisso.  As pessoas dizem, admito que sem grande convicção : "calma, que isto vai acabar um dia.  Afinal, sempre tudo o que começa, acaba ... " ou dizem "nem sempre bem, nem sempre mal ..." ou ainda "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe !"...
As crianças já cansaram de pintar arco-íris com a estafada frase : " Vai ficar tudo bem !" - que também se via por aí, quando todos estávamos menos cépticos e mais animaditos.
Só que neste momento acho que não há santo que nos salve. Até o vocabulário se ajeitou à situação.  
Hoje, num telejornal colocaram a seguinte questão a um médico psiquiátrico :" Faz sentido ou não, falar-se em depressão pandémica ?"
Obviamente que faz, e obviamente acredito não haver uma viva alma que em maior ou menor grau, mais leve ou mais gravosa na sintomatologia associada, a não sinta.
Há dias, também referi aqui, as estatísticas apontarem para mais de sessenta mil pedidos de ajuda na área da saúde mental, por parte dos portugueses, nos últimos meses, tendo existido desde sempre, como é do domínio público, linhas de apoio para o efeito.

A coisa é de tal forma real e preocupante, que foi disponibilizada na Web uma aplicação da Escola de Medicina da Universidade do Minho, que não é mais que uma ferramenta gratuita, direccionada a uma autoavaliação da saúde mental de quem a ela aceder.
É sigilosa e orientadora de cada um, no sentido de alertar, orientar e monitorizar individualmente os sintomas ansiosos e depressivos, fornecendo informação acerca do seu estado.
Promove a divulgação de estratégias a serem utilizadas na área das neurociências, e pretende igualmente "aumentar a literacia em saúde mental, em simultâneo com a automonitorização de sintomas, e a capacitação da população na autogestão da sua própria saúde.
Desta forma, pretende desenvolver-se a consciencialização para a necessidade ( se for o caso ) de recurso a serviços e a profissionais qualificados, de acordo com a maior ou menor gravidade, dos sintomas reportados".
Simultaneamente, cada pessoa tem também acesso a ferramentas de gestão emocional, melhoria do sono e adopção de estilos de vida mais saudáveis, de acordo com Pedro Morgado, investigador e docente da Escola de Medicina e responsável pela equipa que desenhou e desenvolveu a referida plataforma.

Por considerar bem importante esta informação, deixo aqui o sítio onde ela é disponibilizada : saudemental.p5.pt

Claro que já acedi, e claro que, sem surpresas acrescidas, reconfirmei o "autodiagnóstico" que já possuía.  Sem grandes alarmismos, verificam-se sintomas moderados de depressão, com sugestão de uma avaliação consistente por profissionais da área.
Portanto, por aqui nada de novo !

É assim comigo e seguramente com a maioria das pessoas, acredito, porque o ânimo e o estado de espírito que se denota em quase todos, isso denunciam.
Dias idênticos, com recorrência a rotinas que de tão iguais se confundem nas nossas cabeças, tempo excessivo de vivências traumáticas desgastantes, um desconforto acentuado pelo arrastamento temporal de um estadio penalizante, levam à apatia, ao desinteresse, ao cansaço que de psicológico se revela mesmo físico em cúmulo, e a uma incapacidade de conseguirmos transmitir alguma normalidade às nossas vidas.  
Um túnel que não deixa vislumbrar nenhuma luz ainda, um grau de expectativas gorado vezes sem conta, um acreditar que se desfaz a cada dia ... uma esperança que se exaure ... todo este mix explosivo,  embrulhado no medo e na incerteza que continuam a povoar-nos,  levam a uma exaustão, a uma astenia, a limites stressantes que nos sentimos verdadeiramente incapazes de ultrapassar ... em última análise, à doença !

Este é, infelizmente, o meu retrato da nossa realidade.  Não consigo adoçá-lo de nenhuma forma ...

Se  descobrirem  outro,  mais  esperançoso, benevolente  ou  favorecedor,  avisem-me  por  favor !!!

Até lá, só espero que continuem a ver retalhos de azul, mesmo quando as nuvens teimam em não sair bem de cima das nossas cabeças !  Já seria um bom começo !!!


Anamar

sábado, 20 de fevereiro de 2021

" ASSIM VAI O MUNDO ... E NÓS, TAMBÉM !"

 



Isto é um desatino total !

Saí da cama já ia para o meio-dia .  Também, esperava-me lá fora um dia de tempestade, e a chuva torrencial que caía, fazia-se ouvir claramente, mesmo no interior do meu quarto.
Aliás, fui "simpaticamente" alertada por sms da protecção civil, logo às nove da manhã !
Modernices !   Antigamente - enfim, não precisa ser muito antigamente - chovia no Inverno com toda a normalidade do mundo !  Aliás, o "anormal" seria não chover no Inverno.
Desde que inventaram a "patacoada" de dar nomes às depressões, chuvas mais intensas, ventos mais fortes ... enfim, às borrascas normais das estações que deveriam, contra tudo e contra todos, cumprirem o calendário ... dá nisto !  
O tempo e as "depressões",  que quase sempre, do lado do Atlântico nos ameaçam "à ganância" !....  😞😞
Simpatias e solidariedades com os humanos ( eu acho !... )😁😁  nós, que andamos todos esfrangalhados por aí, oscilando entre os Xanax, os Diazepans, os Valiuns, Lexotans ou quejandos ... ou, simplesmente, uma valerianazinha de um Valdispert, que como o Melhoral, não faz bem nem faz mal !!!...
Também há quem fique pelo chazinho de tília, que já a minha mãe me impingia em época de exames, porque relaxava e induzia o sono, ou seja, era tranquilizante.
Bom, isso era o que ela dizia .... 😏😏

Mas isto está tudo desarticulado, de facto !
Continuamos no regime apertado duma quarentena feroz, pelo menos para quem a cumpre.  
Os dias são iguais às noites e de novo iguais aos dias.  Já não há pachorra para aqueles "fait divers" da primeira quarentena, nos idos de Março de 2020, em que tudo era novidade, o medo imperava e a resistência humanamente possível, estava no seu auge.
Foi o tempo das trocas de cumprimentos, manhã, tarde e noite, o tempo dos vídeos p'ra rir, p'ra distrair, para aprender, para espairecer ... o tempo dos "passeios virtuais" a todos os lugares inimagináveis do mundo ... o tempo dos concertos online, dos espectáculos de toda a ordem, sempre e apenas com a telinha de permeio ...
Agora, o cansaço a todos os níveis, físico e psicológico, deixou-nos "nas lonas" e a apatia, a indiferença, o desinteresse e uma tendência talvez natural de deixar correr e de já estarmos por tudo, como "soi dizer-se", angustia-me bastante.
Com este confinamento, como seria de esperar, os números trágicos da pandemia, desceram para patamares mais aceitáveis.  O SNS pôde finalmente dar uma respirada, ainda ténue, contudo.
No entanto, com a saturação que nos domina, será espectável, será previsível ( ainda por cima conhecendo o povo português ), que quando o país reabra, embora com medidas de segurança determinadas, rapidamente se volte a cair no laxismo, no facilitismo e no disparate como aconteceu no Natal, de que pagamos a factura, até hoje !

Existe, de facto, uma depressão generalizada e quase já nem dela nos queixamos, o que de alguma forma, me preocupa mais.
A minha filha dizia-me há pouco : " sintoniza o canal das viagens ... sempre te distrais "
Apeteceu-me bater-lhe ... 😁😁  Só pode estar a brincar comigo !  Então eu que me sinto vilipendiada, extorquida, "assaltada à mão armada" mesmo, porque não posso pôr o pezinho num avião, porque não posso sequer quase ir até à esquina ... eu, em que metade de mim é sonho e a outra metade é invenção ... vou ser masoquista ao ponto de ver ao vivo e a cores os lugares onde quereria ir, os lugares para onde, sei lá se ainda vou poder ir ... os lugares para onde, sei lá se ainda vou ter tempo útil para ir ... saúde, vontade e dinheiro para o fazer ???!!!!  
E ficar muito feliz com isso ???!!!  Ora valha-me a santa !!!
P'ra me deprimir ainda mais ?!  P'ra me sentir mais  injustiçada pelo destino, porque nesta roleta russa que é a Vida, veio caír na minha geração, mais este "bilhete premiado" ??...
É dose !!!

Entretanto, quem me ler vai já dizer, ou já está mesmo a dizer ( como já mo disseram, a pensar que me animavam e era uma medida correctamente pedagógica de me atacar a nostalgia ... ) :  "Injustiça é estar numa cama de hospital ... injustiça é estar ligado a um ventilador ... injustiça é ter morrido com a peste que nos dizima !  Isso sim, é injustiça !"
E eu fico outra vez com vontade de bater em alguém ... Claro que tudo isso são motivos válidos e não pueris, do sentimento de injustiça e desgraça.  Tudo isso, será o que realmente importa !  
Mas bolas, tudo é relativo neste mundo ! É melhor ter casa do que ser um sem abrigo !  É melhor ter comida p'ra por na mesa e não precisar de recorrer aos bancos alimentares !  É melhor ter uns trocos no bolso, do que ir mendigar na porta de um supermercado ! 
Tudo isso é verdade, mas também tudo isso é demagógico !  Eu sei lá  o que o destino ainda me reserva ?!  Eu sei lá o que me espera no dia de amanhã, se neste momento conheço apenas o dia de hoje, e mal ?!  E também, porque não estou à espera de nenhum paraíso "post mortem" ( já que não sou católica ), o que me faz sentido é o que vivo, o que sinto, o que me alegra ou me entristece, aqui, enquanto vou acordando todos os dias ...
E também, porque sou humana e em consequência, saudavelmente imperfeita !!!
Será egoísmo ?  Egocentrismo ? Ou simplesmente idiotice ??  ( isto sou eu a pensar sozinha ... 😁😁)
Neste momento, também não me interessa rigorosamente nada !  Estou assim, e pronto ... cabotina, talvez !!!

Ando a reler tudo o que escrevi no ano tão particular que foi 2020.  
Com os meus textos, desde que iniciei este blogue em 2008, tenho feito livros, para que o registo fique em suporte de papel, para as minhas filhas, primeiro ... para os meus netos à posteriori.
Lendo-os, pode de facto, "ler-se" muita coisa sobre mim e sobre os tempos que atravessei.  Vou no vigésimo volume.
O encadernador que sempre mos tem feito, dizia-me este ano : "Vê-se bem que a senhora esteve confinada!"
Ao que lhe respondi : "Pela espessura do livro ... certo ?"
Na verdade, e voltando a desfiar a crónica quase diária que mantive, onde ia dando conta do que ocorria no país, na sociedade, no mundo ... sobretudo em mim ... fiquei agradada por tê-lo feito, pois à distância, e depois de tantos altos e baixos, com o distanciamento mais desapaixonado sobre as vivências, pode ver-se desenhada com alguma clareza e fiabilidade, a crónica duma época, que vivíamos, que vivemos e que continuamos a atravessar, com tudo o que ela enferma de dificuldades e toda a panóplia de sentimentos que, num mix meio louco, nos tomou e nos foi destruindo aos poucos !

Neste momento, já quase tudo se disse, já quase tudo se escalpelizou, se narrou, se explorou e se analisou, sobre tudo mesmo , de todos os ângulos e pontos de vista.
Neste momento nada já é inovador, eu diria que já só algumas / poucas coisas, serão notícia.

Penso que os dois grandes tópicos actuais,  que angustiam e / ou assombram as sociedades mundiais, serão, por um lado o angustiante surgimento de estirpes mutantes do vírus da Sars Cov2 ( que têm furado as redes sanitárias protectoras dos povos, que têm driblado os estudos, e obrigado os cientistas de todas áreas e convicções, a acelerarem ainda mais, face aos estudos e aos conhecimentos obtidos até agora ... numa real corrida contra a prejuízo ) 
e por outro, a morosidade acontecida, também contra o previsível, por incumprimento irresponsável dos compromissos das farmacêuticas, na distribuição atempada e pré-determinada das vacinas, e bem assim, algum atabalhoamento com avanços e recuos, nas estratégias prioritárias inicialmente definidas para as campanhas de vacinação.
Existem várias vacinas a circularem pelos diversos países, consoante também, as suas capacidades económicas, como era inevitável que acontecesse.  
Na União Europeia, a cota determinada para cada estado membro, parece ter sido robustecida em alguns casos, por compras directas irregulares, de quem tem dinheiro no bolso.
O Homem, sempre no seu melhor !!!
Depois, tem havido alguma confusão, geradora de maiores inseguranças.  
Assim, se a vacina surgiu como a "salvadora" do mundo, a "luz ao fundo do túnel" para o cidadão comum, eu diria que os dados sobre as mesmas não são geradores de tanta tranquilidade.
Primeiro, a informação sobre os graus de protecção desta e daquela e a sua capacidade de imunização, parecem ir oscilando ao longo do tempo.  
Depois, as determinações sobre as faixas etárias a beneficiar com a inoculação das mesmas, também têm sido passíveis de controvérsia. Por exemplo, a informação sobre a vacina de Oxford da AstraZeneca, que inicialmente fora desaconselhada para pessoas acima dos 65 anos, parece agora não ter fundamento, e neste momento até ser mesmo indicada para esta faixa etária.
Também, o conhecimento da capacidade neutralizante da eficácia das vacinas pelas novas estirpes do vírus que estão a surgir em velocidade de cruzeiro, está igualmente a implicar alguma apreensão e a exigir reformulações quer da respectiva concepção, quer nas dosagens adequadas a serem ministradas, potenciando de novo, mais insegurança nas populações.
Israel, o país com maior imunidade de grupo alcançada até este momento, mercê da eficácia da campanha de vacinação, acena agora com a criação de uma medicação no combate à Covid19, que parece surgir como eficaz.  
A concretizar-se esta informação, a cura da pandemia e sua eventual erradicação no mundo, poderia passar por uma terapêutica adequada, combatendo estes lobbies económicos das farmacêuticas, produtoras e competidoras das vacinas, que se digladiam nos milhões que estão escandalosamente a arrecadar em todo o planeta !

Teremos que aguardar ainda muito, certamente, até que haja clarificações seguras de todas estas questões !

Bom, não alongo mais esta já longa crónica, com a qual procurei fazer um balanço actualizado do estado das coisas, e claro, no meio delas, do meu estado de espírito, precário, débil, tíbio ...

Veremos se pelo menos amanhã, a Natureza nos favorece, para não termos que amanhecer repetindo : "Estou tão farta disto tudo !"...


Anamar

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

" NADA E TUDO "



Hoje acordei em perda.
Acordei com um buraco no peito, como se me afundasse, sem apelo, numa profunda e inevitável cratera.
Acordei desmoronada ... desmanchada por dentro, tão vulnerável como um barco à deriva que tivesse rebentado a sua única amarração ao cais ...

É domingo de Carnaval no calendário, é Dia de S.Valentim, de novo data socialmente determinada de há alguns anos a esta parte, e consequentemente é o Dia dos Namorados, em que o Amor deverá ser vivenciado e glorificado institucionalmente, pelo menos ... 
Amanheceu um dia glorioso, de uma luminosidade de Primavera antes de tempo, ela que já se anuncia por aí, com as flores a despontarem numa Natureza sempre generosa e pródiga.
Amanheceu, mas foi difícil que eu me convencesse a sair da cama e espreitasse o sol que iluminava um céu limpo totalmente azul ...
Afinal, eu sentia-me mais vazia do que nunca, mais amputada do que nunca, mais só do que nunca !
Vazia de ânimo, devoluta de vontade !

Vivo numa pandemia assassina, da qual nem sequer imagino se saio ilesa, ou se simplesmente engordarei as estatísticas.
Vivo com as perdas todas que um ano já de desgaste profundo, foi infligindo à minha força física e anímica.
Vivo com as ausências dos que foram, e dos que estão à distância de um abraço apenas imaginado.
Vivo com as memórias e as lembranças, dos momentos, das palavras, dos cheiros e das cores.  Vivo com o som do vento que me soprava então o cabelo, ou com o tamborilar das chuvas nas madrugadas de aconchego.
Vivo e convivo com aquela que fui e não sou mais, como se me estranhasse na minha própria substância. 

Fui para a janela deste meu sétimo andar, tribuna privilegiada, onde em mim o sol pousava manso e doce. Onde por cima de mim, só tinha o céu e as gaivotas que faziam gala da dança que exibiam ...
Excluindo o acesso às superfícies comerciais lá em baixo, pouca gente na rua.
Um homem estendia a mão à caridade alheia ... p'ra dar de comer à família ... dava p'ra escutar.
Olhei em frente ... lá onde a D.Helena não voltará a assomar....
Olhei o terraço ... lá onde o Sr.Fernando não descerá outra vez ...
Olhei as dezenas e dezenas de motos, bicicletas e até um carro hoje vi, de entrega de "take-away"... um trabalho que se arrasta até bem noite dentro, com chuva, frio, ou intempérie, cumprido por faixas desfavorecidas da nossa população ...
Olhei o meu prédio onde no terceiro andar tenho a vizinha de uma vida, a morrer de cancro, numa degradação que não consigo aceitar ...
Lembrei o Pedro, lembrei o Rui, lembrei o Sr.Eduardo ...
Pergunto-me : E a D.Maria dos Anjos ?  Que será feito ?  E o viúvo da Dra.Joana ? E o Sr.Silva, o Sr. Ivo, a D.Milu e o seu grupo do Pigalle ?  E o Pigalle em si ... meio moribundo também ?
Tantos que adornavam a minha realidade, e que não mais responderão à chamada ...
A moldura humana que dava significado à minha existência, está irreconhecível.  O meu dia a dia, com as rotinas confortáveis e seguras que me levavam para a rua encontrar amigos, sentar  na  mesa, conversar ... tomar  café ...  inexistem.  Não  sei  se  algum  dia  se  reabilitarão ...

Os dias são demasiado longos e demasiado curtos.
Longos, porque pegam uns nos outros numa espécie de caminho insosso, sem nuances, derivações ou alternativas.  Uma paisagem igual, que não motiva nem convida.  O hoje pega com o ontem e com o amanhã, e quase já não descortinamos bem, onde estamos ...
Demasiado curtos, porque neste quase não valer a pena o recomeço, com o sol a dormir às seis da tarde, a escuridão desce e sufoca, tenho a sensação de ter saído da cama ainda há pouco e já estar a regressar ... 
Nos dias em que a caminhada integra o cardápio, sou obrigada a descer e a sentir o mundo lá fora.  Confesso que muitos deles, já sem nenhum élan para a fazer.
Nos dias em que fico em casa, pela vontade e a motivação serem nulas, não invisto em quase nada e quase nada me apetece fazer.  Circulo por aqui, passo demasiado tempo a contemplar o vazio lá fora.
Tento escrever, e cada vez com maior frequência é um esforço fazê-lo.  É uma sensação idêntica à que experimento com os dias ... pareço ter tudo e não ter nada para dizer !...

E pronto ... com razoável atraso em relação ao dia em que a iniciei, esta crónica sai hoje ... chocha, insípida, cinzenta, tão cinzenta quanto, ao contrário do domingo, esteve o dia de hoje ... bem mais igual a mim própria, afinal ...

Anamar

domingo, 7 de fevereiro de 2021

" RUMO AO ARCO-ÍRIS "

 


Gosto de escrever.  Já o disse quinhentas mil vezes, de muitas e variadas formas ... verbalmente, em prosa ou mesmo em verso.  
Disse-o num poema, há anos, que " escrevo porque respiro ... e escrevo p'ra respirar "...
Irónico portanto, que nestes tempos em que milhões de pessoas pelo mundo, lutam em camas de hospitais p'ra respirarem ... eu queira aqui, neste meu canto, respirar escrevendo, e o não consiga, vezes demais ...

Adorava ter histórias interessantes para contar além das banalidades duma vida cinzentona.
Adorava ter sido uma pessoa sem raízes ou amarras, e ter tido coragem p'ra defender convicções ... que dessas mesmo, sempre duvido.
Adorava ter tido a força e a determinação, só que fosse de um bocadinho dos sonhos que sonho ... sem sair daqui, desta cadeira, essa sim, que parece ter cavado raízes neste chão que piso.
Adorava ser crisálida de borboleta promitente, ou mesmo pena de gaivota livre e solta, em céus sem fronteiras.
Adorava ter a esperança da árvore despida, que trepa ao firmamento, e sabe que se vestirá de verdes esplendorosos, assim que a Primavera espreite.
Adorava ter sido alguém neste mundo, além de mero passageiro de malas às costas em estação vazia, e  que olha o comboio lá longe, dobrando a esquina ...
Adorava ... mas não sou !  Nunca fui.  
Nunca arranquei da vida que me foi escrita à nascença.  Nunca enfunei velas p'ra valer, mesmo com ventos de feição.  Sempre me deixei aprisionar, e estendi os pulsos p'ra que a vida me algemasse ...

Pus no mundo talvez, aquela borboleta que conseguiu ganhar as asas que eu abortei.  Pus no mundo talvez, uma cópia carregada da utopia que me alimentou.  Pus no mundo alguém que transporta em si a coragem e a fé que eu não tive, de dar o murro na mesa, de virar o rumo e a estrada para o lado em que acredita que o sol nasce em cada manhã ...
De ter a esperança, com que o tempo justifica a caminhada ... 
Ainda !...

Mas eu ... eu não fui além disso.
E eu sei do sofrimento e do cansaço de quem esbraceja nas ondas, com a praia ainda distante ...
Eu sei  do descolorido de dias tão cinzentos e frios como estes que me atravessam a alma.
Eu sei da mesmice de mim própria, frente a um "espelho" dia a dia menos generoso.  
Sei que o que andei já não tenho para andar, e também sei que o que tenho para andar se não compadece da idade do coração e da alma.
Porque essa, recusa o determinismo dos dias e recusa a tirania dos tempos.  Essa, põe-me uma mochila de sonhos nas costas, e leva-me madrugada fora para lá, para o lugar onde as pernas não me carregam mais,  mas para onde a vontade, ganhando esta nuvem que aqui passa, seguiria de boleia até ao infinito ... além, onde mora o arco-íris ...

E assim completaria a travessia !...

Anamar

" PENSAMENTOS SOLTOS "

 


Hoje amanheci azeda.  Ou melhor ... mais azeda, se possível.  Tão cinzenta quanto este cinzento escurecido aqui por cima, onde só algumas gaivotas esparsas, parecem não se entender com os caminhos do céu.

Para andarem por aqui, é porque,  lá longe, nos lugares que não vejo e adivinho, o senhor das algas e dos limos, das areias e dos rochedos, deve estar irritado !

É sábado, de mais um fim de semana chuvoso, com vento frio e desabrido agitando a última folhagem caduca, do plátano das minhas traseiras.  É quase noite e as gaivotas já foram.  Significa que mais um dia igual, está a chegar ao fim.
Neste momento da vida, já não sei das horas, dos dias, quase dos meses ...
O ritmo diário repete-se numa sinestesia incontrolável.  Os sons, as cores, os cheiros e todas as outras sensações primárias fazem uma mescla difusa e indistinta, dentro do nosso ser.  Está a criar-se em cada um de nós, um adormecimento doente, uma anestesia egoística, uma indiferença injusta ...
Deixei de perseguir notícias.  Vejo por uma única vez um telejornal diário.  Não é que aprenda grande coisa ... apenas não quero sentir-me totalmente desinformada.
Sei vagamente que os doentes que ocupam camas de intensivos já vão nos novecentos, creio.  Sei que existem estirpes mutantes do vírus assassino, para todos os gostos ... As que preferem gente jovem e as que dizimam os velhinhos.  Sei da prevalência também, dos que no meio da tabela, começam agora a  preencher totalmente, as camas dos hospitais.
Oiço as ambulâncias que caminham para o Hospital, aqui relativamente próximo ... sei que mais próximo ainda, em terrenos da Academia Militar está instalado um contentor frigorífico com vítimas que aguardam vez nos crematórios, em regime "non stop" ... e também sei que não há uma só vez, daquelas que me levantam durante a noite, que de imediato eu não pense em quantos terão dado, nessa mesma noite ( em que o conforto da minha cama me aninha ), o seu último suspiro ... e quantos mais não verão sequer a luz da madrugada a fazer-se ...

Isso tudo, eu sei.  Mas sou-vos totalmente franca : a crueza dos números, a dureza da dimensão da desgraça, a sensação do sufoco inultrapassável, sentidas há tempos atrás ... já não me mexem.
Eu sei do cansaço que me tira o norte, sei da aleatoriedade da existência, por cada dia.  
Comigo, com os meus, com os amigos ... com os conhecidos.  Mas, ou já não tenho robustez psíquica, ou já não acredito em finais felizes, ou já ganhei uma imunidade de compaixão, contra quase tudo !

Tantos dramas que se vão conhecendo nestes tempos de agrura, de tantos nos despedimos sem nos despedirmos, que estranha sensação de fuga permanente experimentamos !...
Fuga do que não se vê, sabe-se e pressente-se.  Fuga da sombra, fuga dos outros, barricados em permanência que estamos, como em leprosarias inventadas !...
E é uma prova de força por cada vinte e quatro horas que ultrapassamos.  É um teste de sobrevivência por cada dia seguinte que alcançámos com sucesso e segurança.  É um desafio anónimo ganho, de superação individual, por cada semana que o calendário vai derrubando, continuando vivos !...
Acredito que nós, os desta faixa etária, a minha, em que nos resta apenas olhar, em que nos resta apenas pensar, por cujas cabeças passa de tudo porque de tudo já passámos nesta vida ... e porque o lugar que nos cabe é o da rectaguarda, o da espera e não o da acção ... sujeitos passivos que somos, no último quartel das nossas existências ... acredito, dizia, que suportamos ainda mais penosamente, esta dolorosa e incerta travessia. 

Afinal, não somos mais o homem do leme desta embarcação em mar encapelado, não somos mais os timoneiros nem sequer dos nossos destinos, não somos mais os decisores de coisa nenhuma, porque nada depende de nós, e nada nós podemos objectivamente determinar, acautelar ou solucionar.
Não nos protege a adrenalina dos que nem tempo têm para pensar.  Não nos favorece sequer, o excesso de tempo inútil e vazio em que se resumem os nossos dias, em que até as brincadeiras com que nos mimávamos no início da tragédia, já surtem efeito ...
Apenas ( e já faremos o necessário e o suficiente ), podemos e devemos, sem nenhuma garantia antecipada contudo,  tomar conta da nossa protecção individual, porque protegendo-nos, estaremos também a proteger a sociedade da qual fazemos parte, estaremos também a proteger os que diariamente, nas linhas de fogo, se dão por inteiro além do humanamente possível, estaremos a dar uma nova chance a um novo amanhã ... porque quero acreditar ... há-de haver AMANHÃ depois da Covid !

Anamar

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

" 21-21-21 "



Estamos num dia particular.  É curiosa a data que vivemos ... afinal hoje é dia 21 de Janeiro de 2021 do século XXI ... Engraçada esta predominância do número vinte e um no registo temporal da nossa existência !
Não quererá efectivamente dizer muito mais do que uma coincidência interessante.
Estamos num verdadeiro dia de Inverno que amanheceu mais ou menos, mas que com o avançar das horas começou a fazer cara feia, redundando num desconforto total.  
São cinco e meia de uma tarde cinzenta, chove copiosamente aquela chuva mansa e silente, e uma bruma pesada e densa foi baixando, baixando, e tirando-nos a visibilidade escassos metros adiante.  Está um dia triste, de desamparo e de desânimo.

Finalmente o Governo decidiu encerrar as escolas.  Com os números da pandemia a atingirem valores absurdos e com a pressão pública, seja dos especialistas da área, dos responsáveis da saúde, da  pressão política movida pelos partidos da oposição, aos abaixo-assinados de responsáveis da Educação e declarações de figuras com visibilidade e credibilidade no país ... confrontados com a posição suicida que seria a manutenção dos estabelecimentos escolares abertos, acabaram decidindo no sentido do seu encerramento.
Não que o espaço escolar fosse em si o responsável por surtos infecciosos.  Aliás, a verdade é que também não há certezas sobre isso, na medida em que não foi realizada uma testagem intensiva dos alunos.  No entanto, presume tratar-se de um espaço vigiado e acautelado portanto, por forma a serem prevenidas situações negligentes.
Contudo, a existência das aulas arregimenta para perto das escolas toda uma população de jovens e crianças, que em grupos de amigos e colegas esquecem as exigências do momento que se vive, e potenciam, por comportamentos erróneos, uma maior facilidade de transmissão.
Depois, são também eles, os pombos-correios na disseminação posterior do vírus, em contexto familiar e social.  Qualquer pessoa via isto.  O Governo é que parece que não ! 😏😏
Há portanto, a qualquer custo, que tentar quebrar estas cadeias de transmissão.
Assim,  pelo  menos  por  quinze  dias este  será  o  estado  das  coisas,  podendo  ( após  avaliação ) o mesmo ser prorrogado.  Entretanto, o estado de confinamento geral do país vigora por um mês, podendo também, ser alargado.

É um tempo de silêncios.  É um tempo de solidão.
Aqui por cima as gaivotas deambulam na aragem intensa que açoita, com temperaturas baixas, numa tarde desabrida que fechou totalmente.
Lá fora, as ruas desertificam à medida que as horas vão avançando e a noite desce
Ambulâncias deixam ecoar as suas sirenes em direcção ao hospital.  Sempre me arrepio ao ouvi-las.  Sempre me emociono ao pensar naqueles que nelas irão, num caminho vezes de mais, apenas de ida !
Estamos num tempo que parece de despedidas.  Despedidas diárias de tudo o que foi a nossa vida, e que exactamente "foi".  Despedidas não verbalizadas mas sentidas, dos que nos estão longe e que só escutamos pelos telefones, nunca sabendo se amanhã ainda aqui estaremos.
"Vamos estando, até que nos deixem" ... é a frase dita, porque o resto só se sente e não se diz, embora nos queime a língua e aperte o coração ...
"Olha, se me acontecer alguma coisa ... " fica dita uma vontade, um desejo, expresso um sentimento, verbalizado um voto ...
Já perdi amigos nestes tempos malditos, já soube de conhecidos que foram ... e fiquei mais pobre.  A minha vida mais vazia e defraudada.  Como numa guerra.  Como num bombardeamento.  Como no rebentamento de uma explosão.  Nunca sabemos quem parte, quem resiste, quem fica ...

Hoje um carro da autarquia percorria as ruas.  Os altifalantes espalhavam no vento que passava : " Face ao avanço brutal da pandemia, solicita-se que todos permaneçam nas suas residências!  Por favor, fique em casa !"
Veio-me à memória Itália, Março 2020 ... e estremeci. O nó apertou-me mais o peito, e uma lágrima desceu ...
Para quando, o sol a brilhar no nosso firmamento ?  Para quando um outro amanhã ?...

Anamar