35º C dentro de casa !...
Sobrevivo, nem sei bem como ! Esta casa, nascente-poente-terraço por cima, último andar do prédio de sete, revelada uma bênção nos Invernos ... virou forno crematório no despautério desta tarde louca de Junho.
Deitei-me sobre a cama, numa letargia de doer. Decidi que devo reduzir o metabolismo aos mínimos aceitáveis ... entrei em modo de hibernação.
Aliás, nem imagino que possa ser diferente ! Tornei-me um bicho hibernante. Suponho que esse estado seja qualquer coisa parecido com isto ...
Simplifico os trajes ... reduzo os trajes ..... ou melhor ... tiro os trajes !
Os gatos pensam como eu, neste momento. Há que sobreviver à boca da fornalha.
Deitam-se nas áreas em que o chão é de de mármore, deitam-se no poliban ou no fundo da banheira, barriga para cima, uma pata para cada lado, coladinhos à coluna da sanita, às paredes de azulejos...
Desgraçadamente não podem largar os casacos de pele ... E como me sinto solidária com eles, e lhes lamento a provação !!!
A dor no meu braço é lancinante. Do ombro à ponta dos dedos é uma faca espetada que se enterra por cada gesto que faço. Tomo analgésicos, que também eles, parecem hibernantes no efeito ...
A música não me acalma nem me anima.
Como pode uma dor de braço, socar-me o estômago ao ponto de nausear-me ?!
A televisão não dá tréguas.
Traz p'ra dentro de casa o braseiro em que o país se tornou.
As imagens apavorantes de chamas que não se deixam controlar, aquece ainda mais o que me rodeia.
O ar rarefaz-se, o fumo sufoca-me, o terror invade-me ... e transporto-me para o "cenário de operações", como a comunicação social epiteta a cada momento, aquela porta do inferno !...
Todos os canais em disputa alucinada, escalpelizam, pormenorizam sadicamente, exploram mais e mais todo aquele horror.
Todos dizem o mesmo, todos mostram o mesmo ... dez vezes, cem vezes ... acho que, mil vezes ...
A busca desenfreada e absurda do que foi, do que está a ser, do que poderia não ter sido ... se a Natureza não tivesse como sempre faz, imperado !...
E transporto-me por minutos a outras imagens iguais, repetidas, sempre aterradoras, sempre de sofrimento atroz ... E penso na Califórnia, e penso na Austrália, e penso na Madeira ... quando a bocarra das chamas também desceu, impiedosa e sempre varre indiferente, tudo o que lhe faz frente ...
E revejo as imagens da floresta com árvores impotentes que se contorcem, com vidas que se incineram ...
E revejo o chão negro que resta, as imagens esfíngicas que sobram ... os animais que fogem sem norte, mas também os que ficam por ali mesmo ... a dor da perda, seja de que ser vivo for ...
E revejo o esgotamento e a exaustão de todos a quem o dever de filantropia, de solidariedade e de fraternidade, empurra lá p'ra frente, leva ao limite do lamber das chamas ...
E penso neste planeta, casa-mãe-berço, que nos acolhe e que o Homem gratuita e inconsequentemente destrói, em nome da única coisa que lhe faz sentido ... o dinheiro e o poderio ...
Na maior indiferença, irresponsabilidade e leviandade, continua a eleger para os seus destinos, criminosos, bandidos, arrogantes, ignorantes, omissos e maquiavélicos ...
E a Natureza, destino perfeito que nos foi legado, é agredida, vilipendiada, trucidada ...
E o clima adultera-se, as temperaturas alucinam, os degelos ameaçam, as estações inexistem, as águas subirão, a desertificação prenuncia uma morte anunciada para muitas zonas do planeta ... Paraísos extinguir-se-ão, espécies desaparecerão para sempre ... E um dia, nada restará para contar !!!
35ºC dentro de casa !
Deixem-me ficar com a paz deste poema, com a frescura destas imagens ... com a esperança de um sonho que eu inventei !...
Anamar
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