Caminhando pela mata, num domingo primaveril, desocupado e leve, reflectia eu, no silêncio aconchegante do verde que me envolvia, sobre um artigo que li recentemente no Jornal "O Público", respeitante a um tema que inevitavelmente, em situação normal, nos tocará a todos : o destino que o futuro mais ou menos remoto, dará às nossas vidas.
Quando eu ainda leccionava ( numa escola que foi da vida inteira, com um corpo docente praticamente estável, também da vida inteira ), de quando em vez, meio a rir meio a sério, nos intervalos ou nos "furos", em torno de uma mesa ou num dos sofás da sala dos professores, calhava vir, a sacramental conversa de circunstância : "um dia havíamos de ir todas para o mesmo lar. O que é que acham ? Ia ser divertido. Íamos lembrar as histórias por que passámos, íamos falar dos assuntos que nos interessam, íamos ter tardes intermináveis de tertúlias infindáveis, e serões à lareira, de risos e memórias, de partilhas e cumplicidades.
Cada um, de acordo com as suas capacidades, motivações e gostos, seria uma mais valia para o grupo. A confiança e a amizade fariam o resto ...
E claro, íamos ter infinitas embirrações, manias, discussões e "caduquices" !!! Já pensaram como ia ser animado ? Bem mais animado seguramente, do que o que provavelmente se desenhará no nosso horizonte, de acordo com os figurinos actuais ..."
Ríamos, dizíamos uma outra laracha a propósito, encompridávamos o pensamento pelos tempos vindouros, como se dessa forma pudéssemos espreitar adiante ... E pronto ... não passava disso mesmo !
É que, "esse dia" surgia ainda remoto nas nossas vidas. Era um cenário considerável, mas tão distante na verdade, nas nossas mentes, que não nos causava qualquer apoquentação real !
Afinal ainda faltava tanto para nos aposentarmos, tanto para envelhecermos, tanto para sequer equacionarmos a necessidade de nos colocarmos essa questão !
Éramos jovens, podíamos tudo, atravessávamos a idade de produzir em pleno, éramos profissionais denodados, mães e pais de filhos ainda pequenos, em idade escolar alguns, menorzinhos outros ... e esse assunto vinha e ia com a leveza de uma preocupação que a bem dizer, ainda não o era.
Conformava simplesmente, uma espécie de brincadeira com que nos experimentávamos.
Contudo, o tempo passou. E como passou rápido !
Alguns de nós também já passaram do mundo dos vivos, e de outros, vamos sabendo com frequência demais para nossa mágoa e tristeza, que se encontram injustamente em vidas precárias, já sem qualidade ou esperança.
E de repente, parece que esquecemos que haveria um dia em que o "tal dia" nos ficaria mesmo mesmo ao virar da esquina. E chegamos a surpreender-nos ... nem chego a perceber bem porquê !...
E o nosso devir está aí. O passado, o presente e o que será o futuro, parecem ter-se sentado rapidamente na nossa mesa, parecem ter ocupado um lugarzinho na nossa cabeceira, por cada manhã que despertamos ...
Os filhos estão criados e criam outros filhos. As casas paternas ficaram imensas pelos espaços vazios que albergam. O nosso tempo individual também se agigantou. Os projectos são tão relativos quanto o tempo de que teoricamente disporemos. E finalmente, não poderemos ignorar ou fingir que não percebemos, que o tal dia se aproxima a passos largos.
Há que delineá-lo, então. O futuro que ainda tivermos, convém que possamos nós mesmos, defini-lo.
Pelo menos, eu penso assim. O que eu quiser, dentro do que eu puder, exijo que me caiba a mim decidir.
É aí que se prende o artigo que referi e que posto abaixo, da autoria da jornalista Alexandra Campos do jornal "O Público" e que deixo à vossa consideração.
Em Portugal, esta solução para o destino sénior, poderá ainda classificar-se de uma miragem, creio. Contudo, parece começar a dar os primeiros passos, e parece-me também ter a simpatia e a adesão da maioria das pessoas eventualmente abrangíveis, no futuro.
Não acredito que possa vir a considerar-se com expressão social, já na minha geração, infelizmente. Seria utópico nisso acreditar.
Pesando embora a sensibilização geral favorável a este modelo de futuro geriátrico, esbarra-se objectivamente, como sempre, em todo o tipo de obstáculos materiais, institucionais, políticos, legais, económicos e até culturais, que na verdade, do ponto de vista prático, serão barreiras muito difíceis de ultrapassar num país de parcos recursos e de carências múltiplas aos mais variados níveis.
Levará tempo até que Portugal se torne de facto, um país "amigo dos idosos" !
Mas que seria tão simpático que dele pudéssemos usufruir ... lá isso, seria !!!
ENVELHECIMENTO
- Jornal "O Público" - 22 de Fevereiro de 2019
Vamos envelhecer juntos? Cohousing dá os
primeiros passos em Portugal
A “habitação colaborativa sénior”, uma “espécie de
república”, mas com regras e serviços de apoio partilhados, pode ser uma
alternativa aos lares de idosos e à fatalidade de os mais velhos viverem
sozinhos.
Na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
apresentaram-se vários modelos de Cohousing
Kerstin Kärnekull tem 75 anos mas parece ter menos dez. Há
um quarto de século que a arquitecta sueca escolheu viver no primeiro projecto
de cohousingdo no seu país, uma experiência de habitação
“colaborativa” para a “segunda metade da vida”.
Localizado em Estocolmo, o
Kollektivhuset Färdknäppen inclui 43 apartamentos com um a três quartos,
uma pequena cozinha e um espaço comum com 350 metros quadrados, onde os amigos
se encontram. “Quando envelhecemos, não há nada mais importante do que estar
com outras pessoas”, enfatiza.
No Färdknäppen, há turnos para preparar refeições, há turnos
para fazer limpezas e há turnos para toda uma série de tarefas. E todos
colaboram. É “uma escola de democracia”, sintetiza. Nesta comunidade com 56
pessoas entre os 53 e os 93 anos, cerca de dois terços são mulheres.
A já longa
experiência tem corrido bem. Mesmo aquela ideia feita de que viver em
comunidade acaba com a privacidade é um mito, assegura a arquitecta. “Tive um
amante durante cinco anos e ninguém percebeu”, graceja.
Kerstin esteve nesta sexta-feira na Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto a descrever, perante uma plateia maioritariamente
grisalha, como funciona o seu projecto de cohousing, como evoluiu o
conceito — que surgiu na Dinamarca nos anos 70 do século passado, e
como esta opção de vida revelou ser a mais acertada no seu caso. “Dizem que se
ganha 10 anos por viver num lugar como este”, afirma, jovial.
A arquitecta partilhou a sua experiência na conferência
internacional “Cohousing em Portugal — Viver Sustentável”, que foi
organizada pela associação
Hac.Ora Portugal Senior Cohousing, uma associação sem fins
lucrativos fundada em 2018 e que é liderada pelo ex-presidente da Câmara
Municipal do Porto Nuno Cardoso.
Uma “espécie de república”
O ex-autarca está convencido de que a “habitação
colaborativa sénior”, uma “espécie de república”, mas com regras e
serviços de apoio partilhados, é a alternativa aos lares
de idosos e à fatalidade de os mais velhos ficarem a viver sozinhos
quando não têm retaguarda familiar e não lhes resta outra hipótese. “Já há
lares de idosos que são fantásticos do ponto de vista físico. O problema é que
a institucionalização faz-se muito tarde e as pessoas chegam muito dependentes.
O ambiente acaba, assim, por ser sempre um bocado deprimente. E não há
soluções para
os séniores mais activos”, lamenta.
Exemplos de habitação partilhada
Em Portugal são poucas as iniciativas conhecidas de cohousing,
mas há uma em Águeda, já com meia dúzia de anos, fundada por uma instituição
particular de solidariedade social, "Os pioneiros", que, em 2012,
criou uma “aldeia sénior”, hoje com 18 idosos, que vivem num aglomerado de
pequenas casas, com o apoio de profissionais.
Mas há vários projectos a germinar. A Santa Casa de
Misericórdia do Porto (SCMP) tem dois: um que passa pela recuperação e
reabilitação de "um antigo bairro destinado a mulheres viúvas" e
outro, "um núcleo muito restrito", a instalar num imóvel da
instituição, dentro de um ano e meio.
"Poderá revelar-se uma boa aplicação
prática deste modelo e servir para provar à população que é possível",
explicou o provedor da SCMP, António Tavares, na conferência desta sexta-feira,
no Porto.
Em Lisboa, segundo Paula Marques, vereadora da autarquia, há
um projecto com este espírito que já tem dois anos: um equipamento
"intergeracional" instalado no Bairro Padre Cruz, que inclui
"creches e espaços de acompanhamento de jovens" no rés-do-chão e
residências assistidas nos andares de cima, apenas para idosos com autonomia.
O
projecto foi promovido pela Câmara Municipal de Lisboa e é gerido pela Santa
Casa da Misericórdia da capital.
No encontro, Guilherme Vilaverde, da Fenache (Federação
Nacional das Cooperativas de Habitação Económica), adiantou que já se está, com
algumas cooperativas, a idealizar vários projectos, mas é preciso
"legislação e financiamento".
Mas se alguém pensa que este é o renascer de
comunidades hippies está enganado. “Esse movimento está
ultrapassado”, afirma Cardoso.
No cohousing cada família
tem garantido o seu espaço pessoal, mas não existe apenas um modelo. Esta
é “uma ideia de liberdade”, cada grupo “vai definir as suas regras”, apesar de também haver projectos de cohousing institucional, até para os
mais jovens, diz.
Tendo em conta o
acelerado envelhecimento em Portugal, os idosos são, porém, a prioridade.
Outros países europeus já entraram há muito tempo na corrida e Espanha
está neste momento “a fervilhar de projectos”.
Mas se o cohousing vem “ampliar o leque de
oferta habitacional” e contribuir para a “regeneração urbana e para a
sustentabilidade ambiental”, ainda carece de enquadramento legal em
Portugal, afirma o ex-autarca que foi recebido já pela comissão parlamentar
para a lei de bases da habitação, onde quer que este modelo venha a ser
contemplado.
Num país de proprietários
Ainda júnior em Portugal, a habitação partilhada já tem
longos anos em vários países.
São muitas as iniciativas de cohousing,
como demonstrou Sara Brysch, arquitecta e doutoranda da Co-Lab Research na
TU Delft (projecto holandês), que explicou que este conceito é “bastante
flexível”. Pode resultar em cooperativas de residentes, em grupos de construção
(caso da Alemanha), em soluções de cessão de uso (caso de Espanha).
Também a propriedade dos espaços pode ser privada,
colectiva, cooperativa ou então poderá optar-se pelo arrendamento cooperativo
(modelo que predomina na Suécia). A ideia é ter casas ou apartamentos
independentes (equipados com todos os serviços essenciais de uma habitação, com
quartos, casa de banho, cozinha/kitchenette, zona de estar) e um espaço
comum partilhado, com sala, cozinha, lavandaria e, eventualmente, quartos para
convidados.
A arquitecta deixou claro que o cohousing
“não é uma comuna, não é um condomínio fechado, não é uma cooperativa de
construção nem é co-living, porque o modelo mais comercial não
inclui a participação dos residentes”. E, frisou, é essencial assegurar a
criação de parcerias, financiamento e envolver autarquias.
Em Portugal há um obstáculo: somos um país de proprietários (75%
das famílias compraram as casas onde vivem). É uma questão cultural, mas que
pode ser ultrapassada.
“Ainda
temos energia e este é o modo de vida que nos interessa”, atesta a
economista Luísa Bernardo, que seguiu com interesse a conferência. “Nós somos
potenciais vendedores das nossas casas”, diz, lembrando a frase de uma
mulher que optou por este modelo: “Disse ao meu filho: eu é que vou sair de
casa."
Anamar
Anamar
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