segunda-feira, 25 de agosto de 2025

" VERDADE OU MENTIRA ? "




Enviaram-me ontem um texto/comentário ao meu último post, aqui do blogue.
Era um texto bem escrito, sem dúvida, mas cuja linguagem não identifiquei como pertencente a alguém conhecido, alguém cuja forma de expressão, me fosse familiar.
Afinal este blogue, sendo publicamente aberto, raramente cria pontes de comunicação com a autora, neste caso eu ...
Há anos atrás, quando eu ainda era bafejada por paciência, curiosidade, até gosto empático por quem eventualmente estivesse do outro lado, dava-me ao trabalho de satisfazer o meu ego, vendo os milhares de leitores que se davam ao trabalho de aqui vir. Existe uma ferramenta que já esqueci, que isso permite. 
Eram muitos, como se vê no ainda presente contador de acessos, provenientes dos cinco cantos do mundo.  Alguns, de sítios tão improváveis, que eu me maravilhava com essa constatação.  Costumava dizer para mim própria que de facto há portugueses em todo o buraco do Universo ...
Acresce que este blogue é muito particular nos conteúdos dos posts, já que não persegue nenhuma linha de pensamento definida, é totalmente aleatório e livre, abordando aquilo que me ocorre, quando ocorre, anarquicamente exposto, aliás, um pouco à minha imagem e semelhança ...
Neste momento escrevo cada vez menos e consequentemente essa instabilidade retórica também dissuade, ou pelo menos, não prende literalmente o leitor, obviamente ...

Mas confesso que o conteúdo texto me aguçou a curiosidade, e a generosidade do mesmo também estimulou o meu lado narcísico ... ( afinal todos temos um ) ...😁
Assim, procurei saber através de quem mo enviou, a origem do mesmo.

Ora bem, que decepção, desilusão ou balde de água fria, como queiram, pela cabeça abaixo !...
Simplesmente ( e parece que infelizmente tudo isto é simples e "normal" nos tempos que correm ... ), o texto fora escrito, em cima do teor da minha exposição, "O desapego", por uma "entidade" fantasma que de imediato me desasou a alma ... a bendita da Inteligência Artificial !
Juro-vos ... nunca me dei bem com fantasmas, nunca gostei ou sequer tentei deixar-me ser manipulada por nada nem ninguém ... mas ainda assim, GENTE !  
Agora, por uma entidade abstracta, difusa, ténue, esvoaçante, cuja "cara" nunca tive o grato prazer de enfrentar, uma coisa absolutamente estranha que tem apenas dois desideratos em relação a mim ( um deles mostrar-me que efectivamente o meu prazo de validade certamente está esgotado, sendo que o outro é deixar-me em permanência a sentir que piso ovos ) ... é algo que senti duma violência absolutamente atroz, como se eu terçasse armas contra um inimigo invisível, incorpóreo, fantoche, com uma dimensão que não se compadece com a pequenez da mente humana ...
A sensação de insegurança, a perda das linhas separadoras entre a verdade e a mentira, a mágoa de não se poder nunca mais saber que dois e dois são e serão até ao fim dos tempos ... quatro ... deixa-me mais perdida ainda, num mundo onde pareço cada vez já menos pertencer !...

Dirão que me armo em "velho do Restelo", dirão que padeço de um ataque de estupidez sem tamanho, dirão que já mofo e que já tenho um pé mais p'ra lá do que p'ra cá, e que repudio e desconheço a necessidade da evolução, do progresso, do avanço...
Nunca instalei o Chatgpt nos meus veículos de comunicação, de informação, de divulgação do que quer que seja.  É que para mentirosos, aldrabões e com "criatividade" exacerbada, já me chegam aqueles, de carne e osso, com quem tenho que conviver diariamente ou que a vida se encarregou de atravessar no meu caminho ...

Desculpem o desabafo, mas senti no meu íntimo mais uma traição ou brincadeirinha maliciosa, do "pseudo-progresso", com que nos bombardeiam a cada canto ...
Verdade ?  Mentira  ?  Como rastrear cada coisa que nos chega às mãos ?  
Verdade ou mentira, como ter a certeza, qualquer dia, que na minha cama não é o Jonas que dorme coladinho a mim, mas um Garfield ranhoso qualquer, criado pela bendita IA ??...

Anamar 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

" DESAPEGO ... "



"Quem se deserda antes que morra, devia levar com uma cachaporra !"

Julguei que isto não existia.  Só ouvia este ditado à minha mãe.  A minha mãe sempre teve expressões que eu acreditava advirem do regionalismo da linguagem.  O Alentejo usa termos e particularidades linguísticas que nunca ouvi a mais ninguém ... mas ela também era perita em neologismos que fui assimilando sem demais preocupações, e que acabei incorporando no meu expressar do dia a dia.
De quando em vez dou comigo a soletrar palavras, frases, ditados ... sei lá ... e depois pergunto-me : " mas isto existe mesmo ??  As pessoas dizem ou expressam-se assim ?"...
Alguns, pesquiso no google, lá, onde se encontra quase tudo, e acho ... às vezes até acho.  Outros, nem mesmo aí , e já não tenho hipótese de lhe "re-perguntar", porque ela já partiu há muito !...
É quando penso quanto tempo eu já perdi na minha vida !...

Pois é, mas este ditado com que iniciei o meu post, afinal existe mesmo ... e o seu sentido talvez também se entenda facilmente.  
Só que o desapego deverá ser a essência norteadora do ser humano, e ele, o ditado, recrimina esse mesmo desapego, apelando sim, à manutenção das nossas coisas, dos nossos valores, dos nossos sonhos até, para sempre, enquanto por cá andarmos ...

Afinal, em que ficamos ?? Afinal, em que fico ??

Vivo só com os meus dois gatos.  Amiúde, falo deles.  Acompanham-me dia e noite.  
Eles, o lugar onde vivo há mais de cinquenta anos, os mesmos objectos, as mesmas fotos, os mesmos livros, a mesma música ... os meus escritos, e depois uns pequenos baús guardadores de memórias.  Memórias de tempos, de momentos, de pessoas.
De uma concha, uma pedra, uma haste floral seca, um tufinho do pêlo do meu primeiro gato que já partiu há muitos e muitos anos, dois ou três miosótis que acompanharam o meu pai, sobre a lápide do cemitério, um guardanapo de uma qualquer esplanada da vida, um bilhete de cinema com uma data inscrita, uma frase largada por alguém num pedaço de papel rasgado no momento, um cheiro impregnado num farrapo qualquer, nunca entretanto lavado ... uma peça de roupa vestida ... ou despida, numa dada ocasião ... de tudo existe religiosamente guardado !

E guardei, guardei, guardei...
Às vezes ... poucas vezes, por carência, buscava-os em tardes de nostalgia, pensando que me sentiria melhor, mais confortada ao revê-los e senti-los.
Desatava-lhes as fitas de cetim que os fecham, olhava-lhes longamente os interiores e repassava cada pedaço, cada coisa, cada objecto, como se os acariciasse, os embalasse nos dedos e no coração ... 
Depois repunha-os de novo no fundo dos baús.  
E de novo os fechava, de novo lhes fazia o laço de fita e de novo os guardava exactamente nos mesmos sítios, como se ali repousasse uma espécie de sacrário inviolável ...
E ficava pior, sempre ficava mais amargurada, mais infeliz, mais triste, como se aquele património emocional e afectivo que estivera nas minhas mãos, pudesse trazer-me de novo consigo, em tempo real, tudo o que cada coisa representava, e pudesse devolver-me nem que por instantes, a ilusão de uma esperança revivida ... E afinal voltava a ir-se, deixando-me apenas um vazio atroz e doído, maior ainda.
Mais pobre, mais defraudada, mais expoliada  ... injustamente confrontada com a realidade, outra vez ...

E pensava : vou ter que dar um destino a tudo isto.  Essa tarefa só a mim respeita, e não suporto a ideia da inviolabilidade não vir a ser respeitada ... não suporto a ideia da devassa, porque todos aqueles pequenos nadas, são muito, porque foram parte integrante da história da minha vida.

Esta ideia tem-me perseguido, mais e mais à medida que os tempos vão indo.  E sempre adio, pois dói muito alienarmos o coração e a alma, é como se estivéssemos a rasgar-nos um pouco, a deitarmos fora pedaços de nós.

Ontem, num ímpeto, abri a gaveta onde guardei durante quase vinte anos o meu enxoval de lingerie. É verdade que as peças já me não servem, nem servirão nunca mais, é verdade que nele gastei rios de dinheiro, é verdade que ele era lindo, com peças de sonho, como os sonhos que vivi com elas.
E olhando a minha filha, disse-lhe : " Leva, se quiseres ... é tudo teu !"
E pra dentro de mim, eu segredei ao coração espremidinho, enquanto uma lágrima teimosa descia : "Eu fico com as memórias e com os sonhos que elas encerram !"...

Sensação estranha, muito estranha aquela que hoje me toma ao olhar a gaveta praticamente vazia.  Afinal pareço começar a desapegar-me, rumo a uma meta que nunca se sabe quando será !
Mas também não tenho, de facto, muito tempo a perder ...

Anamar