sexta-feira, 31 de julho de 2015

" AQUELE AGOSTO ... (memórias idas ... ) "



Era assim ...

Chegava  Agosto, e o destino estava traçado !...
Iríamos  enfrentar  a  Nacional  nº1 ( ao  tempo, a  autoestrada  era  só  uma  esperança  remota )  !...
Uma odisseia e tanto !

Nada, que umas sete ou oito horas não resolvessem ! Isto, se a praga dos camiões TIR, não se plantasse bem  à nossa frente na estrada ... Aí, o pára-arranca seria  inevitável, e o tédio da viagem, crescia.

Nada, que nos livrasse de cinco, seis ou mais paragens, distibuídas entre  o xi-xi, o pão caseiro da Benedita, os panados com arroz de tomate malandrinho do Manjar do Marquês, as especialidades doceiras de Penacova, e mais as pausas  p'ra um cigarro fumado  e os músculos desentorpecidos ...

Nada, que evitasse sermos  massacrados cem vezes, com a pergunta recorrente e desesperante :  "Ainda falta muito " ??!!

Carro atulhado ( parecia o "camião das mudanças" - dizia o pai ), um calor exasperante, a raparigada no banco de trás, dividindo ao milímetro o espaço.
7 e  3 anos, não davam paz a ninguém. Discussões, gritaria, puxões de cabelos, choros e ofensas, exigiam permanente  necessidade  da  interferência  da  mãe, a  pôr  ordem  nas  hostes ...
Sem alternativa, depois de esgotados todos os jogos possíveis, todas as cantorias imaginárias, vistos todos os livros de histórias, e sem que o sono desse tréguas ... depois de todas as  tentativas de entendimendo, com uma guerra desenfreada das almofadas, e já semi-despidas, as pestinhas eram silenciadas, em desespero  de  causa,  com  a  arma indiscutível  de  uns  quantos  oportunos  tabefes, distribuídos a eito ... acerta  aqui,  acerta  ali !!!

De nada adiantava lembrarem o rio, que corria lá no finzinho da terra . Nem os "alfaiates", que planando adormecidos sobre a água fresca, provocavam gritinhos de pirataria entre a miudagem menos habituada a nadar no meio deles ...
De nada adiantava lembrarem a pilhagem das maçarocas de milho, nos milheirais dos vizinhos ... que nunca da avó, claro ...
Ou as uvas, que já maduras enfeitavam os muros do caminho, a prometerem doçuras gulosas para o lanche ...
De nada adiantava lembrarem a brincadeira sem fim, descalças na terra, os "bolinhos" feitos  com a farinha das galinhas, desviada à surrelfa, para "venderem" nas quitandas do sonho ...
De nada adiantava degustarem por antecipação, os jogos de cartas, ao sete e meio, ao burro deitado e em pé ... que  a mãe  haveria  de  deixar,  contra  os  horários  da  cidade,  debaixo  da  tileira,  na  mesa  de pedra, e  os  meninos  todos  do Vau  em  roda,  chilreando de felicidade !...

De  nada  adiantava ... porque  a  maldita  viagem  era  uma  Via  Sacra, que  nunca  mais  tinha  fim !

"Ainda falta muito" ???
"Quantos  quilontros" ?  - dizia  a  mais  mindinha, com  língua  de  trapos  pouco  desembaraçada ...

Era assim, Agosto !
Eram os grilos, as bicicletas, as amoras, as abóboras para retalhar e fazer carantonhas ... e tudo, tudo o que ficaria a ser lembrado o ano inteiro !
Era a Júlia, a Rita, o Rui, o Alberto e o João, amigos que o serão até morrer !

"Venham almoçaaaaarrrrr .... "- gritava a mãe na porta da cozinha.
Vá-se lá saber por onde as crias andavam !!!....

O martírio da viagem já ficara para trás.  Valeram  a pena as traulitadas, os berros e as promessas de castigos, logo esquecidos pela mãe...
Valeram a pena, porque era  Agosto ... e  aquele Agosto ... acontecia só uma vez no ano !!!

Anamar

Sem comentários: