Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
quinta-feira, 2 de março de 2017
" OS NINHOS "
"Os ninhos "
Os passarinhos tão engraçados,
Fazem os ninhos com mil cuidados
São para os filhinhos que estão para ter
Que os passarinhos os vão fazer !
Nos bicos trazem coisas pequenas,
e os ninhos fazem de musgo e penas
Depois, lá têm os seus meninos,
Tão pequeninos ao pé da mãe.
Nunca se faça mal a um ninho,
À linda graça de um passarinho !
Que nos lembremos sempre também
Do pai que temos, da nossa mãe !
Afonso Lopes Vieira
As andorinhas iniciaram a sua faina no beiral lá de casa ... contei ontem.
Revimo-las com sorrisos nos rostos e enternecida admiração. Afinal, auspiciam tempos felizes e promissores aos lares hospedeiros que escolhem.
A minha mãe, com 96 anos à beira de serem cumpridos, tem uma idade mental quase permanente, talvez de uns 5 ou 6. A demência progressiva que lhe tolda a mente e o raciocínio, transformou aquela mulher decidida, capaz, viva e independente, num simulacro de gente.
Transformou-a numa criança de tenra idade.
Neste momento, a minha mãe adora os patos da lagoa, fala e trata indistintamente os animais com a pieguice e a ingenuidade protectora de uma criança, infantiliza todas as suas posturas e todas as suas conversas.
Já me martirizei demais por tudo isso. Já me angustiei e rebelei demais contra o destino.
Mas como p'ra tudo o que é irremediável, e que ainda por cima se arrasta temporalmente, devemos encontrar estratégias de convivência por forma a defendermo-nos psicologicamente, também eu deixei de chorar, de me amarfanhar, de me revoltar, até mesmo de querer entender.
É simplesmente assim, nada se pode fazer além de lhe falar com a máxima doçura, aceitação e paciência.
Os diálogos parecem tirados de um jardim infantil.
Por isso lhe conto vezes sem conta quem é quem, na nossa família tão pequenina. Por isso lhe repito os nomes de cada um, desde os pais, ao marido, às netas, bisnetos ... ao meu próprio, e lhe reavivo quem ainda vive, quem já partiu e todos os pormenores referentes à sua vida actual e pregressa.
Por isso lhe fiz, a seu pedido, um esquema com todas as personagens que a atormentam, quando não consegue lembrar ...
E ri, quando diz que "já fez o trabalho de casa" ao ler e reler essa folha ...
E ri, quando me pergunta : "Filha, então tu és o quê, meu ?"... E fica eufórica quando a esclareço.
"Ah.... agora já sei que és minha filha ! Já não me engano mais !"....
Também se fascinou com a chegada das andorinhas.
Dizia-me hoje que elas haviam voltado porque sabiam que ali iam encontrar as suas casinhas.
Adora ir, na cadeira de rodas, ao terraço ver as sardinheiras em flor ( que a extasiam ), e o avanço dos ninhos em laboriosa construção.
E então do nada, surpreendentemente, com ar de menina levada de bibe e ardósia, começou a declamar-me, sem erro, as primeiras estrofes deste enternecedor poema de Afonso Lopes Vieira, que aprendera na escola, que fazia parte do seu Livro de Leitura e que por momentos a transportou a um passado longínquo e difuso, espantosamente claro, que a deixou tão feliz !
E eu nem sei bem descrever o misto de sentimentos que me tomou ... Estupefacção, ternura, alegria e tristeza ...
Como a mente humana é insondável e como os mecanismos mentais que norteiam o Homem ao longo da sua existência, fogem ao domínio da nossa compreensão e capacidade de entendimento !
É como se houvesse sempre dentro de nós, um eco que persiste e nos coexiste através dos tempos, rumo à Eternidade !
Por momentos, a minha mãe voltou a ser menina outra vez !
Anamar
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