quarta-feira, 14 de novembro de 2018

" JÁ LÁ VAI O TEMPO ... " ( escrito a 12 de Novembro )




Já lá vai o tempo em que eu ficava "jururu" no dia de hoje !
Sorumbática, nostálgica, apreensiva ... triste mesmo.  Triste, porque mais um ano se esgotara, mais uma esquina tinha sido virada, mais encurtado tinha sido o caminho ... E tudo isso me angustiava a ponto de querer apagar, se pudesse, este dia, do calendário.
Não apreciava felicitações a propósito,  fazia por esquecer a data, já que a achava uma pirraça da vida que põe o tempo a comandar os nossos destinos, num desafio perfeitamente desigual, injusto, e contra o qual não há armas que detenhamos.
Amanhecia desgostosa, parecia carregar um peso e um desânimo absurdos.
Repetia para mim mesma uma frase que sempre ouvi ao meu pai : " Os dias são todos iguais ... Nós é que temos a audácia de achar alguns diferentes dos outros !"
O meu pai chegou a esquecer a data do seu próprio aniversário, pela pouca importância que lhe atribuía...

Uma vez, na porta da escola, uma aluna ... já adulta ... a propósito de mais um dia que findava, disse-me, em jeito de despedida : " mais um dia !... "
Escutei esta doutoral afirmação, e retorqui-lhe : " ou menos um ... "
Olhou-me de alto a baixo e com um certo ar de comiseração, não desarmou e contra-argumentou de imediato : " p'ra si talvez menos um ... para mim, seguramente mais um !... "

Fiquei a pensar na coisa, e o espectro da inevitabilidade do transcurso demasiado rápido do tempo, caíu-me em cima.   Cá estava ... eu afinal, pensava bem ... Por cada ano que passa, é menos um que temos para viver, neste corredor sem marcha atrás ...  Que triste, isto !!!

E o meu aniversário, como outras datas igualmente marcantes do calendário, pesavam-me chumbo !  Como poderiam as pessoas ficar eufóricas, felizes, alegres ... só porque mais um ano havia passado ??!!

Mas isto, já lá vai o tempo !...

Hoje, olhando à minha volta, e com a inevitável maturidade que a vida nos confere, percebi que daqui em diante, prefiro fazer contas de somar e não de subtrair ...
Percebi que nada disto faz sentido, já que a "foice" poda a esmo, sem lógica ou determinação ... e não são os anos vividos que nos garantem o "bilhete" de ida  para já ou para mais tarde, antes ou depois de ... como se houvesse uma escala a ser respeitada ... uma seriação a cumprir-se ... um determinismo macabro a sentenciar-nos ...
Percebi que o que importa é que estou por aqui, é que acordo em cada manhã, olho o céu azul ou os castelos de nuvens, e espreito o sol descarado ou tímido, à minha espera ...
O que importa é poder andar se não der p'ra correr ... é poder sorrir se não der p'ra gargalhar ... é poder dormir no embalo dos meus lençóis ... e sentir o afago de uma noite em paz ...
O que importa é poder respirar e sorver toda a saúde de que disponho, mesmo que de quando em quando, uma dorzinha aqui ou ali, me lembre que estou viva !
Percebi como é delicioso abraçar todos os que amo.  Rir, mas também chorar ou emocionar-me com todos os amigos ... Perto ou longe ... sabê-los lá ... sempre !
Ter a bonomia da aceitação.  Ter a paz da compreensão.  Ter a generosidade da partilha.
Percebi que caminhar custa ... que a vida é um parto difícil, mas que nos deposita no colo a felicidade e a alegria  de um  renascimento diário !  E sem isso, não teria a menor graça ou sabor !...
Percebi que mesmo com desencontros, mágoas ou dissabores, nada chega à segurança e ao conforto daqueles em cujas veias corre o nosso sangue.  E que ainda que não no-lo digam ... sempre são e serão nosso porto de abrigo ... nosso farol no nevoeiro, nosso esteio no futuro !...
E que  há futuro ... enquanto  eu quiser !  E que  há  esperança  e sonho enquanto  eu  acreditar !
E que esse sonho tem a dimensão do aqui e agora.  Não importa que seja pequeno, próximo, modesto ...  É o sonho que HOJE eu sou capaz de sonhar !  É o MEU sonho, simplesmente !...

Já  lá  vai  o tempo  em  que  o 12  de  Novembro  tinha  a  cara  de um bicho- papão na minha vida ...

Hoje, estou grata a essa vida que me ensinou ( quero acreditar que não tardiamente ) o valor exacto da sua essência, o milagre  magnânimo de poder envelhecer saborosamente, sem sustos, exigências ou tormentos.  O privilégio de me sentir abençoada pelo que foi, pelo que é ... e sem ansiedade sobre o que será ...
Agradecer à vida a capacitação, a inteligência e a humildade de saber receber e acolher no coração, tudo o que ela me vai oferecendo ...

E que em vez de me sentir amarga e escurecida na alma, possa abrir todos os dias a janela de par em par, e maravilhar-me  com todas as cores, embriagar-me com todos  os cheiros, extasiar-me com todos os sons, como se fossem grinaldas de rosas, enfeitando o meu coração !...               
     ... porque eu fui, sim, muito abençoada !

Anamar

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