terça-feira, 7 de dezembro de 2021

" CATARSE "

 


Dezembro caminha a passos largos para o fim.  Frase repetida neste epílogo de mais trezentos e sessenta e cinco dias, não demora, decorridos.
Se eu me ler, ano após ano nesta época, correrei o risco de me ver repetida em cada página, em cada parágrafo, em cada pensamento ... Consequentemente, em cada estado de alma e em cada sentimento, o que obviamente significa que não consigo melhorar no olhar que deito à vida e ao mundo, ano após ano !
Sempre a nostalgia ... sempre a melancolia ... sempre a exacerbada preocupação e angústia crescente com aquilo a que chamam de "futuro" ...

Noutro dia, no cabeleireiro, local privilegiado e vocacionado para se ouvir de tudo e de todos mesmo sem pedirmos, uma cliente lamentava-se pelo facto de, tendo sido uma pessoa "cheia de vida" como dizia, dinâmica, cheia de vontade, de sonhos e de projectos, quando completou setenta anos a sua vida ter sofrido um volte-face  de cento e oitenta graus.  Parece que o avesso da sua existência relegou o direito da mesma para um inesperado esquecimento ! 
Não sei se há marcos particulares na evolução do ser humano, mas como todas as máquinas, mesmo as mais supimpas, de marcas consagradas, a certa altura, de repente, às vezes sem anúncio prévio, começam a claudicar e a dar sinais de mudança, de grandes mudanças, com frequência.
Parece instalar-se uma desaceleração, um atrito notório entre as "peças", uma dificuldade "respiratória" na engrenagem ... e é aí que estes sinais se tornam assustadores nas mensagens que passam.
E num belo acordar, num belo adormecer, ou em plena luz do dia, de repente percebemos as limitações que de subtis passaram a evidentes, percebemos as dificuldades, o esforço, a desmotivação, a falta de energia ... isto, pressupondo não haver razões mais drásticas para preocupações ...
E é quando a caminha nos aninha com doçura, é quando o calor do édredon nos sabe a útero de mãe outra vez, é quando aquela letargia de não urgência se anuncia ... que percebemos definitivamente que envelhecemos ... Não há mais como negar, não há como escamotear nada ... e o saudável seria encarar este estado de coisas, sem demais mágoas ou angústias !
De que adianta termos pena de nós mesmos, que adianta tentarmos fazer de conta, acharmos que talvez não seja nada disso ... mentalizarmo-nos de que lá no fundo, ainda reside em nós aquela miragem de super-mulher ?!

Poissss .... Não adianta, de facto.  Só que eu não consigo travestir-me do que não sou !
Estou a ter uma postura muito errada, destrutiva e derrotista face à inevitabilidade da vida, sendo que de inteligente, isso nada tem ... eu sei !
Tendo a isolar-me, guardo pouca paciência para o encontro e para o diálogo, o convívio quase sempre me maça.  Não tenho pedalada pra sonhos ou projectos. Já não aposto em nada, quase em nada.  Vivo como que apenas em manutenção ... do que existe, do que tenho, do que constitui a minha vida dia a dia.
Dou por mim a pensar ... "o pavimento está tão feio já ... havia de o substituir ... " E logo a seguir : "ai não.  Já não vale a pena.  Fica até ao fim !" 
Ou : "Roupa nova ?  Pra quê ?  A que tenho chega bem.  Afinal só tenho um corpo e neste momento pouco daqui saio ! "
E oiço a Lena que vibra com pequenas grandes coisas ... a máquina de limpar os vidros ... esta linha de cremes para o rosto ... aquela decoração para a muito longínqua / futura casa de Janas ... E penso : Ela já não vai tirar partido daquilo.  Afinal, os anos que chegam, cada vez menos ajudarão alguém que já se diz cansada, agora, no presente de que dispõe.  
Mas ela não perde o entusiasmo, mantém o foco, não desanima ... é positiva, talvez tenha uma postura construtiva, porque sendo intrinsecamente generosa e disponível, a Lena centra-se pouco em si, sai dela e vive em função dos outros. Não cultiva o paradigma obsessivamente negativo que me destrói !
Deve ser esse o caminho !  Será por aí a solução !
Declino convites, reencontros para um simples café, com pessoas que estiveram muito perto de mim há anos atrás.  Não quero que me vejam hoje.  Não quero que me olhem com aquela comiseração com que constato o declínio em outras pessoas.  Não quero que sorriam com aquela hipocrisia conhecida e digam : "Estás óptima !  O tempo não passa por ti !"... e lá por dentro : " Meu Deus, o que o tempo faz às pessoas !"  - buscando nos arquivos da memória aquela que eu era ... aquela que eu fui !
Não suporto essa dolorida injustiça.  Porque temos que nos degradar, e não partimos de uma vez, quando chegar a hora ?!  Porque temos que ficar decrépitos e oferecer de nós, espectáculos menos dignificantes ?! Porque temos que atravessar a tragédia de nos tornarmos meros simulacros do que fomos ?!

Sou uma revoltada com tudo isto !
E depois penso:  "Ridículo este meu sentir !  Tantas pessoas que só quereriam ter a saúde que pareço deter, sem demais exigências !!  Tanta gente que apenas sobrevive, nesta sociedade feroz que não se compadece, tanta gente que luta desde as madrugadas, em dias que pegam com dias, e em que até para dormir pouco tempo sobra,  gente que trabalha precariamente para subsistir apenas, para assegurar os mínimos do futuro familiar ... Sem demais concessões, sem demais benesses, sem demais gratificações !
E eu a conceder-me direito a privilégios ... como se eu fosse alguém ... como se eu merecesse algum desígnio especial nesta selva diária em que simplesmente passamos nos intervalos da chuva !
Estou a ficar alucinada ... estou mesmo a ficar louca !!!...

Anamar

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