Identifico-me com África ... identifico-me profundamente com África !...
Talvez por ter nascido numa geografia de traços comuns com aquele continente, me sinta numa espécie de "regresso a casa" quando ali chego.
Trata-se duma terra sem horizontes, uma terra avassaladoramente sem limites ou contenções, onde a palavra liberdade se encaixa na perfeição.
É uma terra de silêncios, onde a música que ecoa dimana apenas da brisa perpassante ... quando a há.
Tudo o mais são os trinados das aves de ramo em ramo, ou a linguagem dos animais na savana. Tudo o mais é o bafo sufocante que emerge do chão, aquele chão ocre ou sanguíneo, agora que, sendo seca a época, a água inexistente não pôde acordar o verde da mata.
África é a natureza pujante. É um cântico à existência. É um hino à Vida.
As coisas são simples, porque são genuínas. Porque África é verdade!
O desprendimento, o desapego, a humildade, a inexistência de exigência face à vida que se detém, a alegria de simples fruição do que os dias nos concedem, são lições de vida a aprender diariamente ... nós, os que filhos da época do estrago e do desperdício, numa sociedade de consumo feroz, sempre queremos mais e em que a palavra insatisfação ocupa quase sempre o nosso quotidiano.
A paisagem repousa a alma, quando os olhos se perdem na imensidão da terra que alcançamos.
As acácias erguem-se garbosamente solitárias contra o céu. Os animais, das aves aos répteis e a todos os outros que povoam o território, convivem no respeito pelas leis da sobrevivência. Matam p´ra comer, acordam ainda os alvores do dia se não prenunciam, dormem sestas nas sombras abençoadas ou pastoreiam sem descanso nas planuras a perder de vista.
As hierarquias são respeitadas, os clãs definidos, as relações familiares inquestionáveis. A protecção aos mais fracos e vulneráveis, aos mais jovens e inexperientes, e aos doentes ou incapacitados, são garantidas pelos grupos, liderados pelos machos alfa ou pelos anciãos respeitáveis.
Os cheiros da terra, do capim seco, as árvores esquálidas e esfíngicas em recorte na paisagem, os pôres e nasceres de sol na fogueira laranja do alvorecer ou na mornidão da dormência da tarde, com a sua magia ímpar transportam consigo uma energia primordial de útero materno.
Não é à toa que, cientificamente, a "terra natal" do Homem moderno parece coincidir com a região a sul do Zambeze ( norte do Botsuana ), área de salinas que albergou um imenso lago, o qual pode ter sido o nosso lar ancestral, há duzentos mil anos ...
Tudo é autêntico em África. As etnias respeitam as origens, continuam vivendo nas normas e costumes. A pobreza é avassaladora, a alegria também.
O calor abrasador não impede os jogos e as brincadeiras das crianças descalças, no chão de terra batida, em convívio pleno com os animais que ciscam em coabitação. O ranho desce-lhes à boca, as roupas já sem cor definida, às vezes desajustadas no tamanho, quase sempre com rasgões e buracos alegram-lhes os dias. A escola vive-se na tribo, ensinada pelo mais letrado da aldeia, aprendida nos bancos de madeira, debaixo da acácia que sombreia ...
Os meninos de África são únicos. Os seus sorrisos tímidos de inocência e deslumbramento iluminam-lhes os rostos e denunciam-lhes a pureza da alma ...
A nós, inundam-nos os corações e tactuam-nos a mente "ad eternum" ...
Por tudo isto, o Quénia ficará comigo para sempre !...
Anamar
1 comentário:
África é fascinante, selvagem e primária.
África:
Perigosa, bela e sedutora.
Matar é um valor normal, afinal os Homens são também animais.
Conheço mal o continente, vivi uma guerra, afinal as guerras são uma constante de África.
Entendo o seu fascínio pela natureza.
Já pensaste em ir viver para lá ?
Jonas
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