" A saudade é uma tatuagem na alma ... Só nos livramos dela, perdendo um pedaço de nós " ... diz Mia Couto.
A saudade é uma raíz que se afunda, é um espinho que se encrava, sobre o qual a pele se refaz, cobrindo-o, fazendo de conta que não existe mais.
Mas ele continua lá ...
Vai sumindo à vista, mas não dorme nas profundezas do terreno encontrado.
E enquista. Forma um corpo estranho com o qual temos que conviver, dolorosamente ...
Buscam-se panaceias para atenuar o incómodo, usam-se mezinhas para aplacar a dor. Mas não adianta, ele continua lá ...
Acordamos com ele e dormimos com ele !
Assim é a saudade.
Tem dias em que dói mais, tem noites em que não nos dá tréguas. Como um fantasma, deambula, vai, vem, judia da nossa angústia ... mas instala-se ... como o espinho ! Implacavelmente !
É uma tatuagem, de facto. Extirpá-la, se fosse possível, arrancar-nos-ia um pedaço. Amputar-nos-ia na alma, a nossa essência enquanto seres humanos !
Mas acredito que não.
A saudade persiste. Mesmo o tempo, a arma poderosa que aparentemente tudo resolve, a não arranca de dentro de nós.
Então, tentamos sobreviver-lhe. Fingimos até para nós mesmos, que a ultrapassámos e encontramos mil justificações para a erradicar do nosso coração ... procuramos argumentos objectivos, pragmáticos, racionais, que justifiquem não sofrê-la ...
Mas como um ladrão de emboscada, salta sempre quando menos esperamos, da primeira esquina, e impõe-se-nos, invade-nos, devassa-nos e retira-nos a esperança de viver.
Como uma recidiva de doença grave, é cada vez mais agressiva, cada vez mais destrutiva, espantosamente agigantada, como que reforçada pela incubação dentro de nós ...
Como continuar adiante ?
Como readquirir a normalidade possível ?
Como reaprender, uma e outra vez, a caminhar ?
Como fazer de conta uma e outra vez, que nos tornaremos imunes à devastação, ou que iremos inteligentemente saber viver com ela, geri-la nas nossas emoções, exorcizá-la, sobreviver-lhe, tomando nós as rédeas dos sentimentos ?!
Como acreditamos que finalmente temos dentro de nós, argumentos de vida mais e mais poderosos, válidos e determinantes ?!
Como se os sentimentos admitissem regras, disciplina ou canga !!!
E os anos passam e vulnerabilizam-nos em escalada.
E em vez de nos termos tornado hábeis e ardilosos, prevenidos e couraçados face às intempéries ... não !
Parece sim que ficamos mais desprotegidos, mais expostos, menos defendidos ... menos capazes de a enfrentar.
A experiência, afinal, não nos ajuda, a inteligência também não, as manhas dos caminhos nunca servem para a vez seguinte ... e o cansaço, o cansaço real, esse, não se compadece nunca !...
E aos "trancos e barrancos", como um puzzle a que faltam inexoravelmente peças, vamos indo ...
ou confundindo-nos, pensando que vamos ... sem que afinal nunca abandonemos o mesmo lugar ... simplesmente !...
Anamar
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