As papoilas pincelam de vermelho os campos do meu Alentejo.
Alguém dizia que este ano, as há, em profusão. É toda uma mancha a perder de vista, daquele "sangue" escorrido na planície.
Enternece-me olhá-las. Recuo, revejo, sempre me emociono ...
As macelas pintalgam-nas, como num quadro de Van Gogh. E tudo quanto é flor deita a cabeça de fora ... É Maio e Maio não decepciona nunca !
Neste momento a minha vida vitamina-se quase só com os pequenos presentes, que a Natureza, generosa, me oferece.
Bebo sol, bebo a luz estonteante de um céu claro, oiço os pássaros, vejo as marés incessantes no seu vaivém, escuto a música celestial de tudo o que é belo e nos cerca. Sinto o vento passar-me no rosto, desalinhar-me o cabelo ... E só isso, já é uma bênção !
Deslumbro-me com o borboto que virou flor, com o tronco nu que se revestiu de farta cabeleira. Deslumbro-me com o cheiro das matas, da maresia, do pinhal ... do bosque ...
Tudo isso é um milagre oferecido !...
E não preciso de muito mais.
Aliás ... quase recuso a realidade circundante. A minha realidade actual, cinzenta, desinteressante, dura, mórbida. Uma realidade que marina entre a dormência e a morte. Um cheiro fétido a água parada ...
Cada vez mais a indisponibilidade que nos rodeia, inibe o extravasar da nossa torrente interior.
Cada vez mais, reprime a exposição dos sentires, das dores, das dúvidas, das angústias ... dos medos !
Como se, expondo-as, nos sentíssemos de repente, nus, frágeis, vulneráveis ... pequenos ! E não é suposto. Não é cómodo ... desejável !
O ser humano refugia-se então.
Recolhe às trincheiras da alma, encolhe-a, silencia o coração ... adormece a mente, como defesa.
Fecha hermeticamente, tudo para o que não há espaço neste mundo ... quase sempre !
E sofre sozinho. Padece anonimamente. Morre paulatinamente ... em pequenas doses !
Cada vez mais a indisponibilidade que nos rodeia, inibe o extravasar da nossa torrente interior.
Cada vez mais, reprime a exposição dos sentires, das dores, das dúvidas, das angústias ... dos medos !
Como se, expondo-as, nos sentíssemos de repente, nus, frágeis, vulneráveis ... pequenos ! E não é suposto. Não é cómodo ... desejável !
O ser humano refugia-se então.
Recolhe às trincheiras da alma, encolhe-a, silencia o coração ... adormece a mente, como defesa.
Fecha hermeticamente, tudo para o que não há espaço neste mundo ... quase sempre !
E sofre sozinho. Padece anonimamente. Morre paulatinamente ... em pequenas doses !
Olho para trás e tenho-me saudades.
É nestas circunstâncias, que pensamos em tanta coisa que não foi e poderia ter sido.
Porque a não sabíamos ... quase sempre. Também, porque se a soubéssemos, talvez a não acreditássemos ...
Por que não nos disseram que era p'ra dançar ao som daquela valsa de Strauss ?
Por que não nos disseram que era p'ra rir, rir muito ... gargalhar até cansar, quando o céu carregou e a chuva quente açoitou os corpos, naquela praia lá longe ?... Onde os cheiros são doces, onde o cruzeiro do sul se levanta, e onde a estrela polar se não passeia, no firmamento enigmaticamente escuro ?!
Por que não nos disseram que era para guardar religiosamente e com cuidado, o frio da neve do Inverno próximo, antes que o Verão chegasse e o apagasse, na vida ?
Por que não nos ensinaram a viver o exacto momento, único ... que era aquele e não outro ?
Por que nos deixaram deixar tudo pela metade, achando que haveria todo o tempo, inesgotável, para agarrar a outra metade ?
Quando afinal, o tempo foi fumaça que se perdeu e diluíu mais além !...
Quando o que era muito ... era tudo, se desfez como bola de sabão, de criança divertida !...
E assim vamos indo !
Assim vamos deixando esvaziar a ampulheta do destino.
Assim vamos pegando nasceres com pores de sol, deixando escoar pelo meio dos dedos, a areia da vida ... como se ela nunca fosse acabar.
Como se fosse indiferente, vivê-la agora ... amanhã ou depois ... como se ela fosse eterna e sempre nos esperasse a cada esquina !
Como se ela não esgotasse as braçadas de flores frescas, que p'ra nós colheu !...
Como se nós não esgotássemos, por cada dia, a capacidade de as agarrar, de lhes sentir o perfume ... de nos maravilharmos com a sua deslumbrante beleza !...
Efémero ... tudo demasiado efémero !
Tudo tão veloz que nem voo de colibri, que quase sentimos, sem ver !...
Tão vertiginoso quanto o bater de asas da borboleta, que nunca conseguimos alcançar!...
Tão louco quanto o vento que dobra a esquina, sem permissão ...
É Maio ... e Maio nunca decepciona !
Só a Natureza resiste. Só ela se repete, se renova, se recria ... se reinventa, imemorialmente nos tempos !
Anamar
E assim vamos indo !
Assim vamos deixando esvaziar a ampulheta do destino.
Assim vamos pegando nasceres com pores de sol, deixando escoar pelo meio dos dedos, a areia da vida ... como se ela nunca fosse acabar.
Como se fosse indiferente, vivê-la agora ... amanhã ou depois ... como se ela fosse eterna e sempre nos esperasse a cada esquina !
Como se ela não esgotasse as braçadas de flores frescas, que p'ra nós colheu !...
Como se nós não esgotássemos, por cada dia, a capacidade de as agarrar, de lhes sentir o perfume ... de nos maravilharmos com a sua deslumbrante beleza !...
Efémero ... tudo demasiado efémero !
Tudo tão veloz que nem voo de colibri, que quase sentimos, sem ver !...
Tão vertiginoso quanto o bater de asas da borboleta, que nunca conseguimos alcançar!...
Tão louco quanto o vento que dobra a esquina, sem permissão ...
É Maio ... e Maio nunca decepciona !
Só a Natureza resiste. Só ela se repete, se renova, se recria ... se reinventa, imemorialmente nos tempos !
Anamar
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