quarta-feira, 22 de novembro de 2023

" INDEFINIÇÕES ..."

 


Quase em tudo na minha vida, queimei etapas, atropelei timings, acelerei processos.  Ou seja, quase em tudo na minha vida, meti as mãos pelos pés numa pressa e numa ânsia de rapidamente virar esquinas e ver mais além, de chegar rapidamente aos horizontes, só para ter mais horizontes, para que o tempo não se gastasse antes dos meus sonhos se consumirem.
Corro atrás do tempo, sempre, sou escravizada por ele, tenho a angústia da falta dele para cumprir os desígnios que persegui e persigo.
Por sorte do destino, ou dos acasos de vida, não me tenho dado mal.  Pergunto-me às vezes, como ?

Sou uma incoerência nata, sou uma utopia além da conta.
Agarro o tempo, mas não aproveito o tempo !  Estranho, isto !...
Nunca usufruo o momento.  Nele, já me angustio com o que vem a seguir, nele, eu já sinto saudade do que ainda não foi ...

Guardo contudo, religiosamente, as sobras, que é como quem diz, as memórias.  Essas já não têm para onde se perder.  Pertencem ao arquivo indelével da mente e do coração.
Nelas me espanejo em dias de repouso, quando o cansaço é muito e a tristeza me toma conta.  Então, entro nelas, como se de um "país de maravilhas" se tratasse, no espanto e no êxtase.  Percorro-as de frente para trás e de trás para a frente, num deleite único e inalienável.  É como se entrasse num mar sem ondas, doce e quente, como as águas de lá longe que busco quando posso ...
São espaços de interioridade, vedados, privados e únicos.  E re-experimento as emoções, as angústias e as mágoas, mas também as alegrias, as conquistas e as realizações.
Mas depois farto-me.  Termino a visita, saio pé ante pé e fecho a porta de novo, até uma próxima, até que um outro dia me amanheça a vontade louca de descer às caves das lembranças e verifique, com alívio, que elas ainda por lá estão.
Às vezes quero remexê-las, tirar-lhes o pó, mudá-las de prateleira, segundo a vontade de lhes pegar ou não.  Outras, abro e franqueio a entrada, simplesmente ... espreito pela talisca da porta entreaberta e nada mais.

E o tempo continua.  Sempre continua ...

E de igual forma me envelheço a correr.  Dei por mim, sem remédio, de um dia para o outro, entre momentos que não preciso, a ficar definitivamente envelhecida.  E espanto-me como não me apercebi, como de repente morreu uma e no seu lugar nasceu outra, que é, de certa forma, uma estranha em mim.  Não sei como foi, não sei quão distraída ou dispersa eu estava que não enxerguei a mutação a ocorrer.
Deve ter sido nos tempos em que deixei empoeirar os sonhos por já não valerem a pena, em que deixei de acreditar em estrelas, nasceres e pôres de sol no meu céu, em que perdi a inocência das grandes descobertas, e em que perdi a vontade de ter vontade de sorrir ...
Possivelmente foi isto.  E nisto, não se volta atrás, nunca se volta atrás, pois o caminho de regresso perdeu-se no nevoeiro.

O desconforto toma-me.  É como se vivesse dentro dum fato que não é meu, dentro duma pele que não me pertence, dentro de uma entidade que não me assenta e desconheço.
Olho-me no espelho e pouco identifico da que fui, busco no avesso e não encontro o rascunho.
E zango-me.  Zango-me com o espelho por não me ter avisado, e garanto a mim própria não voltar a cruzar quem integrou a película que chegou ao fim.
Adoro pessoas resolvidas.  Vou morrer sem o ser.  Mas há pessoas que vivem com certezas, que sabem exactamente com toda a tranquilidade as escolhas que devem fazer, que certificam com igual tranquilidade os caminhos que já pisaram, as lutas que dirimiram. 
Adoro gente sem equívocos, esclarecida, decidida, clarividente ...
Logo eu que sou um poço de interrogações, uma montanha de dúvidas, um trabalho por terminar, uma reflexão por fazer !...
E insatisfaço-me comigo mesma,
Para quando uma pausa no conflito de histórias sem epílogo ?!
Para quando a paz que o fim da turbulência que me assola, me transmitiria ?!
Para quando o fim da inquietude da obra inacabada que eu sou ?! 

Anamar 

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