quinta-feira, 28 de setembro de 2023

" VIAJAR ENTRE VIAGENS "

 


Parece uma coisa meio absurda ... Afinal, viajar entre viagens é o quê?

Já tive um post totalmente escrito, pronto a publicar, e eis que num passe inesperado de mágica, foi o mesmo "comido" pelas tecnologias que não domino o suficiente, das quais não me defendo e me exasperam profundamente !
Golpe rude para quem já anda a escrever tão pouco, tendo em conta que o que havia a explanar a propósito, sucumbiu no que fora escrito ...
Incapaz de refazer aproximadamente o texto elaborado, a fúria subsequente zerou-me toda a capacidade de o retomar.
Assim sendo, com algumas semanas de permeio vou hoje tentar deixar aqui, certamente apenas um simulacro da abordagem que havia feito, não mais !  Sempre assim sucede quando se perde qualquer coisa que até nos havia satisfeito razoavelmente ... Tudo o que se tente posteriormente, não atinge a fasquia desejada !

Ora bem, "viajar entre viagens" é o que normalmente mais faço, quando ao chegar de uma acabadinha de fazer e da qual venho invariavelmente sempre plena e feliz, recomeço da estaca zero, que é como quem diz, recomeço a pensar no próximo destino ...😁😁, que poderá pertencer simplesmente ao domínio  do  real  ou  ao  dos  sonhos ! O gozo  é  o  mesmo !... 😃
É um período de tempo, mais ou menos longo, dependendo dos condicionalismos, e em que tudo é permitido.
É um período de lazer absoluto, em que tanto posso pensar numa viagem futura com muitos dígitos, como numa mais modesta ... pela simples razão de que nesse timing, não existindo disponibilidade económica absoluta e obviamente nenhuma ... tudo se resume portanto a uma mera diversão.
Sonhar é gratuito, inventar também, "passear" pelas propostas tentadoras das agências, idem ... analisar, esquematizar, recolher informação sobre lugares apetecíveis, sem compromisso ... sempre me levam por aí fora, sem limites ou barreiras, a "viajar" sem sair do sofá.
Leio a propósito, busco a propósito, escolho, planeio, defino estratégias ... itinerários fascinantes, paisagens únicas, paragens aliciantes e irrepetíveis, melhor altura do ano... chego a analisar o clima mais propício para o efeito ...
Enfim ... divirto-me e deixo o espírito ir, ir, como aquela ave rumo ao horizonte ... E eu, com ele !...

Sou um espírito inquieto.  Sentir-me confinada a um espaço, a uma rotina, aos dias que se repetem, aos mesmos rostos, às mesmas conversas, à mesma realidade - afinal todos temos inevitavelmente as nossas - deixa-me neurótica, desanimada, entristece-me, cansa-me, satura-me.  
A vida vivida nas cidades, com os muros, as casas, o betão, sem escapatórias ou alternativas, os ruídos desinteressantes e fastidiosos como companhia, as casas encavalitadas em edifícios de gente maioritariamente desconhecida e indiferente, isola-nos, larga-nos mergulhados em nós mesmos, apenas em nós mesmos.
O casulo que acabamos por construir à nossa volta, creio que por defesa, porque na verdade os dias são vividos num mergulho doentio não aberto ao exterior, mas num vórtice concêntrico de silêncios e desinteresse, passa a ser um reduto estranho em que nos fechamos, e não mais ...
E nada disto nos dá saúde, sequer alegria.  Nada disto nos ilumina os dias, ainda que das janelas se perscrute um céu azul e se adivinhe um sol generoso lá fora ... Porque cá dentro as luzes vão sendo reduzidas e outonais ...

Lembro que o meu pai, viajante de profissão, qual pardalito de ramo em ramo, que não considerou nunca a hipótese de ficar em trabalho fixo na sede da firma ( apesar da mesma se sediar em Lisboa e esta ser a sua cidade de coração ), quando teve que parar mesmo ( passando a ir diariamente para o escritório resolver apenas questões contabilísticas, burocráticas e enfadonhas ), entristeceu, desinteressou-se gradualmente de viver, envelheceu, perdeu todo o gosto pela existência e passou simplesmente a arrastar-se, em cada dia que começava.
Parecia um prisioneiro sem cela, um pássaro de asas cortadas em gaiola aberta ... O seu olhar perdeu o brilho, ensimesmou, silenciou por dentro, começou aos poucos a cortar laços de comunicação à sua volta ... definhou e partiu, não muito tempo depois ...
Em suma, o meu pai deixou simplesmente, sequer, de poder "viajar entre viagens" ... e esse era o seu oxigénio ! 

Parece uma coisa meio absurda ... Neste momento acredito ser uma característica genética... talvez uma questão de sobrevivência !
A  interpretação  alternativa, é  que  não  estarei  bem  de posse das  minhas  faculdades  mentais ! ... 😁😁😁

Anamar

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

" ÁFRICA "

 



Identifico-me com África ... identifico-me profundamente com África !...

Talvez por ter nascido numa geografia de traços comuns com aquele continente, me sinta numa espécie de "regresso a casa" quando ali chego.
Trata-se duma terra sem horizontes, uma terra avassaladoramente sem limites ou contenções, onde a palavra liberdade se encaixa na perfeição.  
É uma terra de silêncios, onde a música que ecoa dimana apenas da brisa perpassante ... quando a há.  
Tudo o mais são os trinados das aves de ramo em ramo, ou a linguagem dos animais na savana.  Tudo o mais é o bafo sufocante que emerge do chão, aquele chão ocre ou sanguíneo, agora que, sendo seca a época, a água inexistente não pôde acordar o verde da mata.

África é a natureza pujante. É um cântico à existência.  É um hino à Vida.
As coisas são simples, porque são genuínas.  Porque África é verdade!
O desprendimento, o desapego, a humildade, a inexistência de exigência face à vida que se detém, a alegria de simples fruição do que os dias nos concedem, são lições de vida a aprender diariamente ...  nós, os que filhos da época do estrago e do desperdício, numa sociedade de consumo feroz, sempre queremos mais e em que a palavra insatisfação ocupa quase sempre o nosso quotidiano.

A paisagem repousa a alma, quando os olhos se perdem na imensidão da terra que alcançamos.  
As acácias erguem-se garbosamente solitárias contra o céu.  Os animais, das aves aos répteis e a todos os outros que povoam o território, convivem no respeito pelas leis da sobrevivência.  Matam p´ra comer, acordam ainda os alvores do dia se não prenunciam, dormem sestas nas sombras abençoadas ou pastoreiam sem descanso nas planuras a perder de vista.
As hierarquias são respeitadas, os clãs definidos, as relações familiares inquestionáveis.  A protecção aos mais fracos e vulneráveis, aos mais jovens e inexperientes, e aos doentes ou incapacitados, são garantidas pelos grupos, liderados pelos machos alfa ou pelos anciãos respeitáveis.
Os cheiros da terra, do capim seco, as árvores esquálidas e esfíngicas em recorte na paisagem, os pôres e nasceres de sol na fogueira laranja do alvorecer ou na mornidão da dormência da tarde, com a sua magia ímpar transportam consigo uma energia primordial de útero materno. 
 
Não é à toa que, cientificamente, a "terra natal" do Homem moderno parece coincidir com a região a sul do Zambeze ( norte do Botsuana ), área de salinas que albergou um imenso lago, o qual pode ter sido o nosso lar ancestral, há duzentos mil anos ...

Tudo é autêntico em África. As etnias respeitam as origens, continuam vivendo nas normas e costumes.  A pobreza é avassaladora, a alegria também.
O calor abrasador não impede os jogos e as brincadeiras das crianças descalças, no chão de terra batida, em convívio pleno com os animais que ciscam em coabitação.  O ranho desce-lhes à boca, as roupas já sem cor definida, às vezes desajustadas no tamanho, quase sempre com rasgões e buracos alegram-lhes os dias.  A escola vive-se na tribo, ensinada pelo mais letrado da aldeia, aprendida nos bancos de madeira, debaixo da acácia que sombreia ...
Os meninos de África são únicos.  Os seus sorrisos tímidos de inocência e deslumbramento iluminam-lhes os rostos e denunciam-lhes a pureza da alma ... 
A nós, inundam-nos os corações e tactuam-nos a mente "ad eternum" ...
Por tudo isto, o Quénia ficará comigo para sempre !...

Anamar