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quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

" PEQUENOS / GRANDES TESOURINHOS "





Este tempo gélido embora ensolarado que nos remete para o aconchego de casa, encaminha-nos por vezes, para actividades nem sempre previsíveis.  Entre ler, passar e repassar a visualização de fotos de arquivo, até ao vasculhar mais exaustivo do computador em busca de esquecidas memórias, fiquei-me hoje perdida por vídeos que testemunham eventos, momentos ou circunstâncias que, já com alguma longevidade, fazem parte indestrutível da história da minha vida.
Verdadeiros pequenos / grandes tesourinhos que nos adoçam a existência !...
 
Não direi tratar-se de efemérides absolutamente felizes, ou totalmente feliz aquilo que reportam. Trazem-nos contudo, momentos que foram inteiramente felizes aquando foram vividos e partilhados.
Um deles, a reportagem do casamento da minha filha, já lá vão vinte e dois anos.  O outro, o baptizado do António, meu primeiro neto, juntamente com o necessário baptizado em simultâneo da tia, a minha filha mais nova, para que a mesma "amadrinhasse" o primeiro evento, passando desta forma de tia simplesmente, a madrinha do rechonchudinho menino então com quase quatro meses.

Ambos os eventos decorreram em Viseu, o primeiro na Igreja da Misericórdia dessa cidade e o segundo numa outra igrejinha menor, cujo nome não retenho.

O casamento, com total pompa e circunstância, desenhado ao pormenor nos mínimos detalhes pela noiva, teve de vida cerca de dois anos apenas, e o bebé nascido em Agosto de 2001, "assistiria" à separação dos pais, já pelo Natal desse mesmo ano !

Pode perguntar-se, uma vez que se adivinha muito de dor e sofrimento em todo este aparente conto de fadas desfeito ... castelo ruído em tão curto espaço de tempo, por que então eu reincido, masoquistamente parece, em ocupar tardes ociosas, a rever e a deleitar-me com imagens que talvez não acarretem memórias muito doces ??!!

Pois bem, além de me deliciar efectivamente, vendo e revendo uma e outra vez todos os pormenores, os mais ínfimos,  totalmente concebidos e gerenciados pela protagonista principal, revejo, bem ali pertinho de mim ( parece ), tantos rostos, tantas vozes, tantos gestos, tantas histórias que de longe se tornam próximas outra vez !
E porque a ilusão é meio caminho andado para a felicidade, como me sinto feliz, revendo tantos que já partiram e dessa forma regressam momentaneamente ao meu convívio, tantos a quem os vinte e dois anos projectaram da infância à idade adulta, e tantos outros  ( então ainda remoçados pela idade que detinham mas também pela alegria que se desfrutava ), e que hoje ocupam a galeria sénior à qual também pertenço !

São muitos os que já nos deixaram.  Chegam a ser dezenas.  Esses, partiram mas ficaram gravados nos nossos corações e na nossa memória "ad eternum" !   Esses, hoje, são apenas uma saudade que dói ...
Histórias inacabadas, vidas que seguiram cada uma nos seus trilhos, rotas que eram cruzadas, se interligavam e que se desviaram definitivamente ... amizades e amores que se interromperam ...
Tudo por ali passa, no visionamento de cada imagem, no olhar cada sorriso, no escutar de cada gargalhada ou na partilha de cada pedaço de conversa ...

E percebendo os caminhos que pareciam obviamente abertos e não o foram, e olhando a imprevisibilidade dos destinos daí em diante, vendo a efemeridade dos tempos desenhados e incumpridos no que pareciam rotas certeiras ... claramente entendemos como a vida faz e desfaz, brinca e judia com tudo e todos ... dá e tira ... promete e não cumpre ... sem que nada possamos fazer, a não ser continuar sempre a sonhar, a tecer ilusões e castelos de nuvens de algodão, quais carneirinhos soltos nos céus, que sempre nos levem mais além, no sopro da aragem !...

A isso, chama-se esperança renovada !...

Anamar 

domingo, 13 de dezembro de 2020

" LAREIRAS ... "

 




Hoje estou de lágrima fácil.

É um daqueles dias em que elas se achegam sem pedir licença, por isto mas também por aquilo.  Por tudo mas também por nada.  Dia de nó grudado na garganta, em que o peito espremido pesa e aperta ... dia de um céu carrasco aqui mesmo por cima, sem chance de clarear.

Esta altura do ano, estes dias que se vivem perto do Natal, já por si, em situação normal sempre nos mexem.  Este ano, por todas as razões, parecem dias definitivos !
São sensações estranhas, as que vivencio.  A incerteza, a angústia e o medo, são palavras gastas a povoarem diariamente as nossas vidas.  Gastas de serem ditas ... gastas de serem pensadas ... gastas de serem sentidas ...
É como se tudo se percebesse mais precário do que nunca, como se tudo se sentisse mais debilmente seguro do que nunca, mais frágil do que nunca !
É um período inevitavelmente pressentido como de encerramentos, de revisão, de balanço.  É um fecho de ano, é um fecho de ciclo, é também um fecho de vida ... de mais uma fatia de vida vivida.

Estou junto à lareira.  Estou só, ou melhor, estou povoada apenas pelos meus, e pelos meus pensamentos.
O silêncio crepitante da lenha que arde, o bruxulear das chamas que desenham fantasminhas na escuridão da chaminé, e o vai-vem do fogo que dança como quer, é alguma coisa tão introspectiva e minha, que não permite intrusão ou devassa.
Comparo-o ao chega e parte das ondas nos areais desertos, incontidas e indómitas.
Comparo-o ao balanço ondulante das searas maduras nos campos da minha terra, quando o braseiro silencia e aquieta a vida, como berço embalado para a sesta ...
A lareira tem esta magia de me adormentar o olhar, de me acalmar o corpo e de me deixar a mente e o coração soltos e livres, pássaros vagueantes fora deste mundo ...

Tive várias lareiras na minha vida.
Umas, falam-me. Outras, não.  Umas têm histórias que me contam, outras só me aquecem e iluminam.

A lareira da minha infância, de ponta a ponta, naquela chaminé de fundo de cozinha, com as paredes de metro, com o fumeiro dependurado em estendal bem por cima das nossas cabeças, com a cadeira de buinho juntinho ao madeiro, para que o meu pai trabalhasse nos dias de férias natalícias, lá ficou naquele Alentejo de antanho ...
Será  que  ainda  existe, naquela  casa  onde  já  só  vagueiam  os  tantos  que  por  lá  passaram ?!...
Foi a lareira primordial. A lareira regaço, colo e sonho ... Guardou em si o conceito de família  mais próximo, que alguma vez tive ...
Foi a lareira que só me ficou na memória, mas que ainda não me trazia memórias, porque eu as não tinha, as não podia ter, já que elas são apenas as pegadas dos anos que vivemos.  E então, eu ainda não tinha anos suficientes vividos ...

Depois, houve a lareira mais à frente ... lareira de serões na Beira, que se estendiam pela noite dentro, quando  todos  já  dormiam,  e  apenas  eu  velava  pelas  últimas  brasas  do  luzeiro ...
Era uma lareira tão minha, aquela !...
Era um tempo de muito silêncio, de muita solidão, em que nas chamas que dançavam frente aos meus olhos, desfilava vezes sem conta todo o filme da minha vida.
Todos já dormiam, a sala semi-obscurecida, recebia  quase só a luz e o calor intimistas daquela paz que se sentia ... As horas passavam e a vida ia-se fazendo ...

Houve depois outras lareiras.  Essas, contam-me até hoje, histórias muito bonitas da minha História ...
Aplacaram o frio não sentido, das madrugadas gélidas do Gerês, de Monsanto, de Monsaraz, de Marvão ... de Évora ... Iluminaram rostos afogueados pelo calor que irradiavam, e pelo calor que os corpos e os corações irradiavam também.
Eram lareiras cúmplices, silenciosas e ouvintes.  Eram lareiras-testemunho. Narravam contos de paz e esperanças, sonhos sonhados entre as ginjas quentes de Óbidos e um bom tinto de Geia ...
Foram lareiras idas, mas lareiras omnipresentes...
Basta fechar os olhos, e elas estão lá, nos mínimos detalhes, nas palavras que se soltaram, no cutucar das brasas que não ousavam apagar-se ...
Lareiras de dias felizes, de frio transformado em ondas tórridas de calores promitentes ... Lareiras que afinal o tempo apagou e que a vida ousou levar para longe.  Lareiras extintas.  Que já não existem ... 

Nem eu  sequer tenho a certeza que algum dia elas me aqueceram a alma !!!

Anamar

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

" AO SABOR DO SONHO ..."

     


Os dias já fazem diferença.  São agora sete e meia de uma tarde ensolarada de sol a pino e calor infernal, e o lusco-fusco já se anuncia.
Lá longe, o horizonte totalmente vermelho de fogo, prometendo a continuação de uma canícula fora de prazo, já escondeu o sol ... há algum tempo.
É bem verdade que daqui a dez dias o Outono está aí.  Mais um, de mais um ano que caminha em passo estugado para o seu fim.
Não tarda é Outubro, não tarda é Dezembro ... não tarda é Natal !  Bolas ... e foi-o ainda ontem !...

As aulas já começaram, as escolas já estão na azáfama habitual, dos miúdos, dos professores e claro, dos pais da criançada que inevitavelmente anda a reboque.
As férias, mesmo para os que as gozaram tardiamente, não têm já muito tempo útil para serem usufruídas.  De um momento para o outro, o tempo atmosférico vira inesperadamente.  Nunca se sabe quando nem porquê.
Em Portugal estamos com temperaturas bem acima dos 30º C, tradicionalmente impróprias para um Setembro a beirar o equinócio de Outono, e na vizinha Espanha, a zona de Valência foi surpreendida por chuvas torrenciais que já provocaram inclusive, perda de vidas humanas ...
Isto não se entende, cada vez mais somos surpreendidos com uma meteorologia louca, com manifestações inesperadas e assustadoras por incontroláveis, obviamente.
E o "outro" garante que alterações climáticas, são sonhos de mentes atontadas ... quando, atontado, alucinado, cretino e criminoso é o próprio !...

Os gelos derretem, as águas sobem, os furacões varrem os continentes, com intensidades inimagináveis, as espécies naturais entram em ruptura e posterior falência, por alteração dos seus habitats.  Há já muitas que se extinguiram do planeta que era a sua casa.
Há países de cota ao nível do mar que desaparecerão, bem antes do previsto, não há tanto tempo assim ...
O Homem maltrata e maltrata-se ...

E eu ... bom, eu  quero ir  ver as auroras boreais no Ártico ... Antes que se acabem ... nunca o sabemos ! Quero ir rever a vida dos samis, na sua terra.  Quero ir olhar, sentir, cheirar e nunca mais esquecer, o branco da Lapónia, o frio dos gelos que um dia, a breve prazo tudo leva a crer, deixarão de ser perpétuos.
Quero viajar puxada pelos huskies nos trenós, encosta abaixo, quero cheirar as coníferas, dos pinheiros aos abetos, os líquenes e os musgos, e ver as renas ruminantes à espera do Pai Natal !...
Quero por um cesto no braço e apanhar as bagas na floresta ... os mirtilos, os arandos, os morangos e as framboesas silvestres, os lingonberries e os cogumelos ...
E quero imaginar que para trás do que o horizonte me deixa, e onde a floresta se adensa e cerra, no negrume da noite e no silêncio absoluto, o uivo do lobo se fará ouvir ...
Quero mergulhar as mãos no gelo e senti-lo com o respeito que se tem por uma Natureza genuinamente simples e selvagem ...
Quero olhar o céu estrelado, escurecido de lua nova e extasiar-me com as "luzes do norte", que tenho esperança, se acendam para mim, inesquecivelmente !...

Se tiver saúde, vontade, e continuar a ser capaz de sonhar ... breve, breve, lá estarei !
Há sonhos, na vida, que devem mesmo ser realizados !  Afinal ... só temos uma ... não é ?...




Anamar

domingo, 18 de agosto de 2019

" TENHO PRESSA !... "





Agosto já dobrou o meio.  Setembro espreita, com o reinício da vida habitual.  É a época das ruas se voltarem a encher com a miudagem a caminho das aulas, é altura das estradas se voltarem a encher de trânsito em horas de ponta, porque o grande regresso já foi, e a normalidade das vidinhas de sempre, é retomada.

Entretanto o tempo atmosférico tem sido muito pouco generoso neste Verão descalibrado e meio louco.  Dias pardacentos com calor doentio, névoas e neblinas dissuasoras da orla marítima para quem aprecia as águas que eu considero sempre geladas, vento e mais vento, chuvas súbitas depois de um dia solarengo, várias estações no mesmo dia ... Tudo à molhada, sem se perceber muito bem afinal, em que época do ano estamos ...
Hoje o dia está coberto de nuvens que a meteorologia chama tecnicamente de "quebrados", sem que eu perceba muito bem o que isto quer dizer.  Aqui e ali, há rasgões por onde espreita um azul de céu limpo por detrás, e está modorrento.  Quando digo modorrento refiro um tempo "amachornado" dizia a minha mãe ( adulterando o vocábulo "amadornado" ... esse sim, existe no léxico português ), mas que significa, meio "trovoado" ... outra expressão de um amigo meu ... Abafado, sonolento, parado ... Está assim a Natureza.
As pessoas dizem ... "parece que vem lá trovoada, o que era bom, para limpar" ...

Limpar, precisava eu o resto dos miolos que me sobram ...
Constato que não demora é Natal, e ainda ontem o foi !
Constato que como nunca, o tempo se esfuma e se esgueira por entre os nossos dedos, sem que consigamos agarrar sequer, um minuto da sua corrida.  Impressiono-me, particularmente este ano ( mas parece que de ano para ano piora ), com a celeridade com que estamos a chegar ao nono mês de 2019 ...
E angustio-me.  Parece que quero fazer tudo a correr, parece que quero viver tudo a correr, parece que quero alcançar vivências da forma  mais plena e gratificante possível, do futuro que me está destinado.
Tenho consciência absoluta da precariedade da vida do ser humano, e mais ainda da fatia com qualidade, que a mesma me possa ainda dispensar.
O que nos rodeia impõe-nos pensar nisso mesmo.  O que vemos à nossa volta, no círculo de amigos e conhecidos, na terra em que vivemos, no mundo que pisamos ... leva-nos a ter pressa, aquela pressa que sinto dentro de mim e que me sussurra ao ouvido, que distrair-me não posso, dar-me ao luxo de desperdícios também não ... alienar sonhos, por simples que sejam ... menos ainda !
É urgente viver, aqui e agora, este e todos os momentos ... antes que acabem ...
Lembro aquele menino, frente a um gelado tamanho XL, que saboreia com pressa e sofreguidão ... porque ele está ali, a derreter à sua frente ! ...

Em Novembro irei passar o meu aniversário fora de Portugal.  Lá longe, distante de premências, angústias, aquelas realidades do dia a dia, nem sempre felizes, que nos derrubam por aqui ...
E ... "longe da vista ... "  o resto, já sabem...
E já faço olhinhos, não muito tempo depois, a outro destino que adivinho carismático, sonhador e certamente marcante e indelével : uma viagem à Lapónia, em busca da terra do Pai Natal.
E antes que se acabe ... porque qualquer dia, com as alterações climáticas absurdas e agressivas a que o planeta está sujeito ... não mais teremos as estepes geladas do Ártico, as coníferas em floresta cerrada, os musgos e os líquenes, os passeios de trenó puxados pelos huskies  e pelas renas, as bebidas quentes e confortantes nos paradores, e com sorte, o céu aceso pelas seguramente inesquecíveis auroras boreais !...

Desejo ter saúde e sorte para cumprir estes desideratos.  Como sabem, eu sou um espírito inquieto.  Sonhos não me faltam.  Sempre estou, e não estou por aqui ... Espiritual  e mentalmente, não tenho parança !
Afinal, tanto mundo p'ra conhecer, com tão pouco tempo para o fazer !...
Tenho pressa !...




Anamar

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

" SONHOS SONHADOS "




Estamos naquele tempo em que o plátano das traseiras se traveste das cores doces de um Outono-Inverno dormente e sorumbático, que nos aconchega.
As folhas verdes já são minoria, quase um achado encontrarem-se.  Os ouros e os ocres avermelhados imperam, em folhagem que se precipita a formar tapete no chão desta praceta, hoje silenciosa.
É domingo, o céu cinza plúmbeo impiedoso aqui por cima, está de um uniforme impávido e sereno.
A chuva precipita-se copiosa, alguns pombos cortam em pressa o firmamento e as gaivotas que recuaram, dançam nas ondas da aragem.
Para lá, onde o céu beija o mar, adivinho um desalinho alteroso ...
Por isso, elas buscaram terra segura.

Aqui, impera uma total ausência de som que me perturbe.  Os gatos dormem e ressonam mesmo, neste dia de desconforto.
À minha frente, o incaracterístico casario desgovernado e ao meu lado, companheira de demasiadas horas de silêncios e solidão, Énya embala-me com o seu inconfundível timbre, em melodias que conheço de cór.

Um dia mais que se abeira do fim.  A escuridão começa a cerrar-se ... e ainda não são cinco da tarde !

Interrogo a vida e o que é vivê-la.
Interrogo esta inépcia inata que tenho para o fazer.
Interrogo esta insatisfação dolorosa de mãos demasiado vazias perante ela.  Como se por entre os dedos me tivessem  fugido o sonho, a vontade e a fé ...
Interrogo esta incapacidade de nortear estes meus rumos sem rumo ... Com menos rumo que o das gaivotas aqui por cima ... que parecem não tê-lo.
Interrogo a lógica de uma existência que simplesmente se arrasta no escoar dos dias.  Pergunto-me como será ... e apavoro-me com o que está por vir ...

E o tempo escoa e submete-me.
E vergo-me perante os seus desígnios inapeláveis.
O pântano, o atoleiro, a areia indefinida e movediça  retiram-me a fé, a coragem e a força de mover as pernas e andar ...
Atordoo-me como numa estrada desconhecida, sem fim ou destino, cansada ... perdida sem itinerário.
Como se simplesmente devesse seguir, penitente ...

Por que não sou simplesmente uma pessoa comum, se sou uma pessoa simples no viver ?!
Por que me rebelo e não me conformo com o percurso tépido que a vida me disponibiliza ?!
Por que me maltrato inventando sonhos maiores do que a realidade mo permite, num desassossego inveterado ?!

Sonhos simples, contudo ... Sonhos justos, acredito ...
Sonhos de linguagem modesta, mas feitos de pequenos / grandes farrapos de emoções.  Feitos de linguagens de amor, de gestos límpidos, transparentes e quentes.  Sonhos pintados das cores envolventes e aconchegantes das doçuras outonais.  Sonhos vazios de solidões,  plenos dos afectos que sempre pairam  nos gestos cúmplices, nas palavras não ditas e só sentidas, nos sorrisos que nos enrubescem as faces, porque enleiam as batidas dos corações ... quando estas se partilham ...

Sonhos e mais sonhos ... apenas sonhos ...  Simplesmente sonhos sonhados !

Anamar



sábado, 6 de abril de 2013

" BELEZA PURA " - palavras para quê ?

Hoje, sem nenhum preâmbulo, além de vos convidar a relaxar sonhando ... contemplem estas maravilhosas imagens ...

Nem tudo tem que ser a preto e branco, aqui, neste meu espaço


Anamar


sábado, 23 de março de 2013

" SE EU FOSSE ... "



Hoje, se eu fosse pássaro, "desensarilhava" a cabeça de debaixo da asa, sacudia as penas, punha as duas patas naquele galho, inclinava a cabeça de lado ( sabem como os pássaros olham ? ) ... dava balanço, saltava no espaço, naquela mata verde, e perdia-me de ramo em ramo ...

Hoje, se eu fosse pássaro, decretava que já chega de Inverno lá fora  e cá dentro do meu coração, porque o céu estrebucha pelo meio dos farrapos das nuvens teimosas, para ostentar o seu azul, e o sol muito envergonhado ( por ter deixado a chuva tombar em hecatombe na noite passada ), esforça-se para nos convencer que é Primavera ...
E bolas, é Primavera  mesmo !!!...

Ela chegou este ano, muito nos bicos dos pés ... porque o Inverno bravo, não há meio de deixar o posto.
Tocou as campainhas das dedaleiras em flor, desceu as cortinas roxas das glicínias, em chuva perfumada, engalanou os ipês, com todas as cores que imaginamos e com aquelas que nem sequer sonhamos.
Deixou que as cerejeiras e as amendoeiras celebrassem o pecado da luxúria, porque efectivamente ninguém lhes resiste, quando todas "prosas", assomam pelos campos, a atrair descaradamente as abelhas ...
E nem as borboletas, que lhes competem nas cores, ficam indiferentes ...
Ordenou que os perfumes se misturassem, e criassem uma nova fragrância inebriante, que o nosso olfacto nunca experimentou, tocou os címbalos dos campanários, todos os sinos, sinetas e guizos dos pastoreios em eco na planície, e pintou e repintou com o vermelho-sangue das papoilas, com o branco e amarelo das macelas, com o roxo das lavandas, o azul do alecrim e o dourado das giestas, que não tarda nada, explodem  provocadoramente,  com  a  mania  que  são  as  rainhas  da  minha  charneca  toda  ela  em  flor, como  disse  Florbela ...

Hoje, se eu fosse um menino,  "desunhava-me" a dar força ao balancé da Vida, e ia fazê-lo subir tão alto no céu, que de lá, eu veria o Mundo, de certeza.
O Mundo todo, para cá e para lá.
E a Terra ia ficar pequenina, muito pequenina, por debaixo do meu "pássaro voador" ...
E ia balançar, balançar, porque o cansaço nunca iria chegar, já que o sol iria ficar preguiçoso para dormir, e não ia haver pai nem mãe, que me fizessem ir dormir também ...

Hoje, se eu fosse um floco de neve, das montanhas brancas, ia acordar, espreguiçar-me estonteado, com os olhos a piscar pela luz do sol a pino, despia rapidamente o casaco de arminho que me cobrira há tempo demais, e ia escorregar num escorrega de brincar, pelos troncos dos pinheiros, dos abetos, dos castanheiros, e ia olhar todas as bagas vermelhas, laranjas e indigo, que pendem dos ramitos ...

Hoje, se eu fosse jovem outra vez, pegava no chapéu de fita, colocava-o nos cabelos soltos, agarrava de braçada a  ceira  de vime pousada na entrada, e partia pelos campos, a catar os medronhos, os mirtilos, as amoras, as framboesas, e todos os frutos silvestres que nem sonhamos ... os ouriços dos castanheiros, as tâmaras  maduras das tamareiras , as boquinhas de lobo, as madressilvas que desperdiçam perfume a esmo, as "chagas de Cristo", os "copos de leite" bravios ... e claro ... ramos e ramos de mimosas ... até que não pudesse mais com o carrego ...

Hoje, se eu fosse Mulher, ia tirar a roupa que me prendeu demais, pelo longo tempo cinzento e frio, ia despir os pés para que eles pudessem sentir a dureza da areia molhada da beira-mar, ia soltar as madeixas ao vento, e ia correr na babugem das ondas .
Hoje, se eu fosse Mulher, ia rebolar-me no verde das algas que atapetam os rochedos da maré baixa, e no verde do musgo que forra o chão das matas, lá da serra.
Ia abrir-me na flor, que desabrocha e mostra as primeiras pétalas coradas, como o meu rosto afogueado.
Ia dar-me, como as corolas dão o seu suco doce e húmido, ao bico dos colibris, ou ao beijo atrevido dos abelharucos ...

Hoje, se eu fosse anjo, teria presumivelmente uma coroa de boninas nos caracóis dourados, duas asas pequeninas nas costas, umas bochechas rosadas, e o riso inconsequente de todos os querubins, empoleirados nas nuvens que ladeiam o Criador ...

E aí, se eu fosse anjo, ordenaria que mesmo sendo Primavera, e embora este Mundo tivesse que acordar ao som das minhas trombetas ... eu jamais acordaria deste delírio gostoso, que por instantes me transportou numa viagem de sonhos, sem pagar bilhete, sem sair do mesmo lugar, e sem sair do torpor embriagante, que me fez acreditar que a Primavera já tinha chegado, afinal !!!...


Anamar

domingo, 11 de novembro de 2012

" ZIZI NO PAÍS DOS SONHOS "


A mãe incumbira-a de, logo cedinho, apanhar medronhos na floresta junto à casa, na hora em que eles ainda estão orvalhados, e a cor, é por isso mais intensa ...

Zizi pegou no cestinho, colocou a touca sobre os cabelos soltos, e embrulhou-se o melhor que pôde na capa de lã, porque os medronhos se apanham no Inverno, e estava um frio de rachar !
Transpôs o umbral da porta, e no galho do azevinho junto à janela do seu quarto, como sempre, lá estava o passarinho azul, que ela tão bem conhecia.

O danadinho sempre a acordava cedo, e não queria saber do frio que fazia lá fora.
Mas hoje, Zizi tinha que apanhar as bagas vermelhas, para a tarte do lanche que a mãe queria confeccionar ... por isso, apenas lhe lançou um sorriso ensonado e tomou o atalho, no meio das ervas ainda brancas da geada da noite, que começava a derreter, ao sol fraco que espreitava.
Já andavam borboletas por ali.
Nem se percebia porquê ;  as poucas flores coloridas que existiam, sempre eram tímidas na exuberância, porque afinal era Dezembro, e as borboletas também têm frio ...  "E nem uma capinha usam !", pensava Zizi com os seus botões.

" D. Formiga Rabiga " já andava a cirandar ...  Não havia tempo a perder ... bem diferente da cigarra, que já àquela hora, enchia o peito a cantar, sem nenhum pudor da preguiça que a invadia. 
Os cogumelos tinham obviamente os seus "chapéus de chuva" abertos ...  Eles é que eram espertos ...  e o primeiro ouriço-cacheiro  espreitou-a,  na  volta do caminho.

Tratava-se da Pimpinela, uma mãe, de ninhada bem escondida, mas que sempre se deixava ver, a Zizi.
Parou para lhe perguntar pelos bébés em crescimento, e convidou-a a esticar as pernas, acompanhando-a aos medronhos.
Sempre poderiam conversar com mais calma.           
Zizi nunca entendeu, por que Pimpinela tinha um casaco tão agreste a cobri-la.  Que coisa !!!...
Antes, o sobretudo fofinho de Salomão, o coelho branco que perdia horas a brincar com ela .
Pelo menos podia fazer-lhe festas,  e  dar-lhe  beijinhos,  enquanto  lhe  contava  os  seus  segredos ...


"Miau miau" ... eis o Bigodes, um gatalhão malhado que vivia pelas moitas, mas que sempre era atraído ao cheiro dos petiscos da cozinha da quinta, e só não violava a porta, porque a D. Cremilde não era de modas, e  tinha atrás dela, uma vassoura apta a funcionar em qualquer emergência ...


Mas Zizi dividia com o Bigodes, uns miminhos trazidos à surrelfa do cozinhado, sem que a mãe sequer sonhasse ... e por isso eram grandes amigos.
Juntou-se também, nessa manhã, à Pimpinela, ao Salomão e à menina, na rota dos medronheiros ...

Uns passos adiante, empoleirado no ramo mais alto do pinheiro bravo, já de olhos fechados, no princípio do seu sono, estava D. Ramon, o mestre mocho, que sempre medeava as questões dos habitantes da floresta.
 Abriu e fechou um olho à passagem da comitiva, e quedou-se de novo no seu repouso.
Afinal a noite terminara há pouco, e o sol já aí estava, para o encandear...


Plim !...
Zizi levou a mão à touca, já que a cabeça estava por baixo, quando uma castanha caída do ouriço, a apanhou em cheio ...
Zacarias  não  pôde  deixar  de  se  rir ( no  tronco  em  que  se  empoleirava ), com o susto da menina.
Zacarias começava a primeira refeição do dia.
Um esquilo que se preza, tem que alimentar-se, e encher a despensa  diariamente ... não pode dormir em serviço !...

Mas medronhos ??... Também não se lhe dava apanhar alguns. Seria afinal fruta fresca no seu "frigo-bar"...
E pulando p'ra frente e p'ra trás, resolveu acompanhar a turma da colheita.

Zizi estava cada vez mais feliz ...
Mas ... estava faltando alguém, e ela não percebia porquê ...
Que era feito do Sebastião, o ratinho dos bosques, que estranhamente se dava bem com a Pimpinela, com o Salomão, com o Bigodes, com o D. Ramon  (imagine-se ! ), e com o Zacarias ??!!
Teria adormecido até mais tarde nessa manhã??   Estaria a ficar preguiçoso ??
Só que Sebastião, na noite anterior, tinha comparecido à festa na clareira do bosque, como sempre preparada pelo melro, pelo pintarroxo, pelo rouxinol e pelo pintassilgo, que  a ofereciam antes de partirem, já que o frio lhes tolhia as cordas vocais, e era impossível viver sem cantar!
E para a festa eram  convidados  todos os animais da floresta, e só terminava, quando o cuco entrava em cena, para cantar os doze "cu-cus" da meia noite, hora a que a lua já ia bem alta, e se cansava de dar luz àquela  "gente" .
Como a dos pirilampos não era suficiente, a escuridão instalava-se, e cada um deveria recolher a casa ...

Então Zizi lembrou dos medronhos, do sol que também já ia alto no céu, da mãe que a esperava  para fazer a tarte, do tempo que passara entretanto ... e com todas as borboletas dos campos a rodopiarem ao seu redor, pediu aos amiguinhos que a ajudassem ... e começou a apanhá-los ...
E repentinamente, o despertador tocou feito um  realejo, e a menina dos cabelos soltos, touca na cabeça, capinha para o frio e cestinho no braço ...  a menina dos medronhos, que tinha um passarinho azul, um ouriço-cacheiro, um coelho branquinho, um gato malhado, um mocho sábio, um esquilo traquina, um rato ... e muitas, muitas borboletas fora de época, como amigos ...  percebeu que crescera, que o cabelo não era mais solto, que não vivia há muito, no meio daquele bosque da sua infância ...
Percebeu que a D. Cremilde já não fazia tartes de medronhos para o lanche, simplesmente porque não havia mais D. Cremilde ...
Zizi percebeu tudo, até mesmo que a Zizi que fora, também já não existia ...

... Por isso entristeceu ... e chorou !!!...

Anamar

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

" ENLOUQUECI DE VEZ ... "



O tempo virou cá com "uma pinta" !...

Num dia estava eu esbaforida com calor, a "trabalhar para o bronze", naquela liberdade de corpos nus, cabelos soltos, gaivotas na areia ... e no seguinte, trovejava, chovia de noite ( e dava-se bem por isso ), e a temperatura começou a obrigar-nos a pensar que não é lá muito adequado talvez, ir para a rua de alcinhas, a brincar que ainda é Verão.

E não adianta querer resistir, e fingir que o sol tem o brilho e o calor de antes, e que aquelas nuvens lá ao fundo, são só as nuvens da minha vida, e nada têm a ver com o tempo atmosférico.
O sol arrefeceu, nesta "era glaciar" que começou a instalar-se lá fora, sem dó nem piedade, e que dentro de mim já se instalou há muito, ou é mesmo vitalícia !  Muito mais garantida que as reformas dos políticos ... que nunca falham !

Que fazer??

Eu até sei ... emigraria, fugiria atrás do sol.
Bastava segui-lo quando ele se põe, e não o largar mais.
Evitava esta tremenda injustiça, de por cada dia, ter que anoitecer !
Para quê?  Serve a quem, o escuro ??
Só se for aos gambuzinos, ou a quem queira esconder-se de um delito inconfessável ... e aos gatos, é verdade ... que assim se tornam todos pardos !
Os morcegos ... pois é, esses e as corujas, também gostam mais da noite.
Mas eu,  como tenho o meu lado "lunar" perenemente garantido, dispensava-a cá fora .

Já perceberam que disserto displicentemente, como quem passeia numa "Harley",  por uma estrada sem trânsito, ou seja ... deixando-me ir, se calhar apenas deixando-me ir ao sabor do passeio, pelo meio de campos planos, verdes, dourados, salpicados das cores de todas as flores que existem.
O vento, não chegava a sê-lo.  Seria só uma brisa leve, a refrescar-me o coração.
Pássaros havia-os em bandos, em formações geométricas e disciplinadas, determinados em encontrar um destino qualquer, lá longe ;
ou então endoidavam, brincando de rasar os verdes, subindo quase ao infinito, para se lançarem a pique, como os acrobatas fazem quando se soltam das mãos do parceiro, e o nosso coração cai a pique com eles ... para no último momento, ficarem presos pelos pés ... quando nós já quase morremos de susto !

E sol ... Claro que esse passeio era num dia bem iluminado, com aquele sol que parece prometer mundos com ele, que parece transportar na sua luz uma coisa que não sei o que é, a que chamam felicidade, e com que os meus contos infantis obviamente terminavam  : "  e foram felizes para sempre " !...

Esses  finais, sempre tive esperança de vir a compreender mais tarde, e pensava na altura : " Sou muito pequenina para perceber esta parte, mas depois vou entender bem " !

Por que raio contam estas coisas às criancinhas ? Por que é que nos começam a "engrupir" desde cedo ???

É  certo  que  deve  ser  o  correcto, porque geração  após  geração,  a  " Branca de Neve ",  a  " Cinderela " ,   " Os três porquinhos ",   a   " Princesa da Ervilha ",  a  " Carochinha e o João Ratão", a " Alice no país das Maravilhas ",  o "Gato das Botas " e os outros todos, continuam a pé firme.
Dá ideia que querem que fiquemos lá atrás, imbecilizados, a viajar por ali.
Muito melhor, que percebermos que afinal ao crescer, é que nunca entenderemos mesmo, a frase final das histórias, e que os berços de embalo param de baloiçar, as fadas e os príncipes são invenções,  duendes e gnomos bonzinhos não há, bruxas sim, gigantes e monstros das masmorras assombradas, avançam para nós todos os dias, e que o Silvestre ... o gato simpático e sempre enganado pelo ratinho espertalhão ... come-o mesmo, como faz qualquer gato que se preze !...

Claro que cada conto tinha uma "moral" .
Já na primária, a professora perguntava : " Meninos ... qual a moral desta história " ??

Aí está outro logro !  Porque esse conceito também acabou .  As histórias hoje, são absolutamente amorais, para não dizer imorais, que assim é que estaria certo !
Aliás, hoje não há histórias  sequer,  pura e simplesmente !
O nosso imaginário infantil com que resolveram  rechear-nos as mentes, desde que começámos a pôr os pés no chão, seria razão mais que suficiente para fazermos uma queixa na APAV, ou um telefonema para a linha protectora dos maus tratos infantis ...

Enfim, desculpem .   Vou parar de insanidades.  Isto é nitidamente já, falta de serotonina ou dopamina, porque o sol está de malas feitas, e eu não tenho dinheiro para fazer as minhas, e ir com ele, apesar de lhe ter pedido que me fizesse uma reserva para a viagem, mesmo em classe económica.
Por isso é que o meu imaginário hoje, não é o que me impingiram .   Cresci, e vim parar a uma "selva" antipática,  para  a qual  não me tinham prevenido.
O meu imaginário hoje não é infantil, é senil, e como todas as fantasias, jamais passará disso, vocês  verão !

Mas sonho ( porque no seu preço, o Gaspar não vai poder tocar ), sonho à borla, à revelia da Troika, sem impostos ou cortes, que hei-de morrer no país do sol, da lua sempre cheia e provocadora, do mar, com as algas, os corais, as conchas, os búzios, as areias doces e douradas ... e as sereias pelas madrugadas ... O país do céu azul, das florestas e pradarias, das planícies e dos picos de neves perpétuas,  das flores e dos pássaros multicores ... da música e da dança ...  num lugar onde haja um coração com o meu número, e uma alma maior ainda ...  Um país de cascatas, e rios mansos com peixes vermelhos ... onde finalmente eu tenha razões para sorrir, rir ... gargalhar insanamente ... e onde a minha história possa terminar  justamente com a velha frase das historinhas que me contaram há tantos, tantos anos : " ... e foi  feliz para sempre !... "

Anamar

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

" POEMA DE AMOR "



Ama quem te saiba ouvir e entender a tua linguagem ...

Ama quem saiba rir contigo, e quem saiba também secar-te as lágrimas quando caírem.

Ama quem saiba passar contigo tardes infindáveis, serões sem horas, a conversar de tudo, por tudo e por nada, e o nada é importante, e é tudo ... porque o conversaste ...

Ama quem se deixa embalar na mesma música que tu ...

Quem se emociona e saiba extasiar-se, só porque o sol vai adormecer no horizonte laranja, lá longe ...

Ama quem adore a beleza de todas as flores, mas aprecie a singeleza das silvestres, daquelas que nascem nas pedras, nos muros, nos troncos, e não foram semeadas por ninguém, e não são regadas  por ninguém, que não a Natureza, mãe de todas elas ...

Escolhe quem goste de dançar contigo na chuva , saiba perder-se na sua melopeia embaladora, e saiba escutar o mar pelas madrugadas, em todas as marés ...

Ama quem, como tu, ame todos os animais, tenha compaixão por todos eles, e lhes conheça o verdadeiro valor, dedicação e afecto ...

Ama quem deixe o sonho voar livre, junto com aquela gaivota que voa de asas esticadas, na brisa da tarde, até lá onde a vista não divisa mais ...

Ama quem gosta dos espaços sem horizontes que os limitem ;   mas também do alcantilado das serras, das falésias, das escarpas ... das pedras sem história, por terem uma história que não finda nunca ...

Ama quem saiba dar-te as mãos, entrelaçando forte os dedos, como se com isso quisesse mostrar-te que segura o Mundo para ti ...

E também quem saiba simplesmente silenciar contigo, perscrutando apenas as batidas de corações,  em  simultâneo ...

Fica com quem saiba sempre olhar a lua cheia, da tua varanda, e acredite que nela há olhos que se encontram, e corações que se juntam ...

Prende  só  quem  souber  que  estás  a  prendê-lo  com  o  teu  olhar  ( porque  o  lê  e  o  conhece ) ...
... e não  com  amarras  ou  algemas !...

E guarda dentro de ti, quem souber os mistérios e os segredos do teu corpo, porque os tem guardados dentro do seu ... Mais ninguém !!!

Ama quem gosta de brincar na areia, como criança outra vez, e quem fica feliz e te ache linda, só porque o vento ousa despentear o teu cabelo, e isso te faz lembrar as mãos sábias que muitas vezes já o despentearam ...

Ama quem saiba estreitar-te ao peito, e o peito seja quente, da fogueira que o incendeia, só porque tu estás perto !   E quem deixe repousar a tua cabeça cansada, no seu regaço doce, como barco em porto de abrigo ...

Ama  quem  saiba sonhar  longe, ainda  que sejam sonhos infantis e pouco prováveis ... mas sonha !...
Ama quem acredita que esses sonhos deixarão de ser sonhos, e um dia, já velhinhos, vão transformar-se em realidades à luz da lareira acesa ...

Não precisas sonhar o belo, o sublime, o irreal, o utópico, o que é mentira ... porque isso passa, e as perfeições  e  as obras de arte, só existem, mortas, nos museus, em telas pintadas ou estátuas esculpidas ...

Mas não esqueças ... ama ... sobretudo ama, quem tenha força, coragem, determinação, para sempre, em qualquer momento, lutar por ti, sofrer por ti, querer o teu ser junto de si, e que jamais seja capaz de esquecer ou abandonar os sonhos sonhados e partilhados um dia, lá atrás, pelos dois !!!...



Anamar

sábado, 14 de julho de 2012

" A CAIXA DE PANDORA "



Longe, já estou longe, mas subi ao paraíso ... sem dúvida.

Se há lugar na Terra que seja um paraíso, esse será com certeza, Samaná !

Não vou repetir o que sempre experimento no privilégio de dias "fora do Mundo", nos destinos que habitualmente escolho.
As cores, os cheiros doces, os sons, sejam do mar que "brinca" de bater na areia, sejam dos pássaros que noite e dia se fazem ouvir, sejam dos ritmos envolventes e bamboleantes do Caribe ...
Tomar o pequeno almoço ao ar livre, "embrulhada" em verdes ( que nunca pensei houvesse tantos ! ), com o gorgolejar de água a escorregar entre pedras, com o calor ainda ameno das sete da manhã, com Enya ( imagine-se ) a presentear o meu dia ... bom, se isto não é o paraíso, o que o será então ???

E para merecer isto, apenas existo !!!

Ao contrário das outras noites em que tenho dormido placidamente, como recompensa das seis horas que sempre já me encontram na praia, para caminhar sem tempo, algumas horas em silêncio, do que pode ainda chamar-se madrugada ( apesar de a luminosidade ser tanta que dificilmente o acreditamos ), e pela tarde até o sol dormir no mar lá ao fundo ... nesta, tive um sono persistentemente agitado, que me perturbou com um pesadelo absolutamente vívido.
Tão vívido, que lhe lembro ainda todos os pormenores, o que não é vulgar, como se sabe.
Sei que acordei e o retomei em insistência assustadora.

Sempre sou premonitória nos sinais da Vida, sempre os entendo exactamente como isso ... sinais !...

A seguir àquele sonho, continuar a ser surpreendida por Enya, a mulher cuja voz mais me repousa o coração, acredito ser isso mesmo, um sinal destinatório !

Lembro que se tratava de um desmoronar.
Não o desmoronar de um edifício, o desmoronar de terras ou de qualquer outra avalanche.
Era o desmoronar da minha vida, mesmo ...
Vida material, é verdade, coisas, objectos de que vivi rodeada, e a que me ligava um laço afectivo ;  e era feita por pessoas que a atravessaram, embora não lhe pertencessem directamente, perfeitamente identificadas, que como que ensandecidas, numa demência que se denunciava como vingança, raiva, quase ódio, o faziam.
E degustavam o que provocavam !  Saboreavam como uma espécie de ajuste de contas, isso mesmo, o sofrimento que me infligiam, maquiavelicamente.
Lembro que não era a perda dos bens materiais, físicos, objectivos em si,  que me molestava, mas o que alguns deles me representavam, afectiva e emocionalmente.
Era como se fosse a minha vida do coração, que se derramava como uma enxurrada que se ia, se perdia num vórtice destruidor.

Sonho estranho, num local improvável de o ter ... se os sonhos obedecessem a alguma probabilidade.

Que para eles arrastamos as nossas realidades, é óbvio, faz sentido.
Normalmente são preocupações, ansiedades, sofrimentos, ou mesmo alegria, felicidade que experimentamos nos nossos dias, que continuam a povoar-nos, agora já no domínio do sub-consciente, ao longo das noites.
E aí, os fantasminhas brincam à solta e mesclam-se como querem, constroem e desconstroem coisas, mais ou menos lógicas umas, aberrantes, outras.
Algumas que parecem deixar-se "ler", outras que são absolutamente surrealistas e inexplicáveis.

A interpretação dos sonhos é mesmo uma questão do domínio da psicologia, das ciências da mente, do hermetismo de todos os "conscientes" que possuímos.  E querer fazê-la, leigos que somos na maioria, um atrevimento e uma presunção sem tamanho.
Até porque temos tendência a "lê-los", de acordo com o que nos sugestiona, de acordo e como consequência de vivências que nos perturbam, pela positiva ou pela negativa, como se se tratasse de exercícios de senso e linearidade espantosos.

O que é facto, é que psicanalistas,  parapsicólogos,  psicoterapeutas, em suma, os especialistas em nos "escarafunchar" por dentro, recorrem a eles como ferramenta de diagnose e terapia, o que nos leva a concluir que o "saco dos sonhos" é uma "caixa de Pandora", de onde pode sair o " X " de muitas questões !...



Anamar

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

" ELES NÃO SABEM NEM SONHAM ".....


Hoje acordei meio "desconchavada" ...

Sabem quando se acorda com uma sensação incómoda de uma tristeza que vem não se sabe bem de onde, vem lá do fundo dos sonhos, daqueles que nos fizeram companhia de noite??!!...

São meio "safados" esses sonhos !

A gente deita-se, "programa-se" para sonhar com isto ou aquilo, que seria "baril", e pimba ... trocam-nos as voltas, azaram-nos a noite, com "filmes" completamente diferentes.
Personagens que não chamámos, cenários que inventámos e se calhar nunca vimos ... deixam-nos uma sensação estranha de insatisfação e  desconforto.
E ainda por cima, deixam a sensação, e põem-se "a milhas" !
Queremos fazer reprises, tentar perceber aquela "gaita", e eles já foram ...

Porquê acordar assim??

Não sei, não faz sentido, é bizarro e não temos com quem refilar !
"Pufft" ... evaporaram-se no espaço, e a gente que se amanhe com a tal sensação de coisa não resolvida, mal resolvida, que a noite não nos conseguiu resolver ...

Os  "sonhos de dia", são mais fiáveis, mais compinchas !!!
A esses, só vamos se nos deixarmos ... ir ... claro !
Esses, às vezes são um pouco controláveis, mesmo para os mais inveterados que nem eu, que estou sempre muito mais no mundo deles, que no nosso, tão insatisfatório !

Mas a esses conseguimos apresentar-lhes o sinal de stop, o cartão vermelho, se não nos agradam, se tentam driblar-nos ou manipular-nos a vida, feitos "filhos da mãe" !
A esses só aderimos se formos "crentes", ingénuos ou teimosos !

Às vezes, com muita sorte, conseguimos convencer um  "sonho de dia" a passar a ser um  "sonho de noite" ... e aí, é um paraíso, porque pelo menos acreditamos estar a vivê-lo, durante as horas do aconchego ...
A "droga" depois, é o acordar !!!

Revemos quem partiu, quem está longe, quem queremos abraçar, quem queremos que nos estreite ao coração ...
revemo-nos a brincar outra vez no pátio da escola, a namorar com todos os amores que afinal ainda não estavam no "banco dos suplentes" ...
podemos nascer outra vez, ser o espanto da nossa "paróquia" ... sermos o máximo, a viver o que nunca julgámos possível ...
tudo à séria ... tudo de carne e osso ... tudo ao vivo e a cores ...
Entramos no país das maravilhas, pela mão de fadas e duendes !
Invertemos a marcha do tempo, a nosso belo prazer, e de repente ... passamos a acreditar, que a noite se fez dia, num passe de mágica !!!...

Mas também podemos fazer o inverso ;  brincar com um  "sonho de noite", arrastá-lo até de madrugada, de mansinho, para não o espantar, e tentar convencê-lo que de dia é que é bestial !! E que de dia é que ele nos daria um jeitão ...

É mais difícil ... mas não impossível ... e se o enganarmos, excelente !! ...

Eu, que não sou totalmente "aparafusada", acontece-me  ter que saltar da cama a meio da noite,  para por no papel, aquela composição que "escrevi", arrumadinha, no sonho com que estava ...
escrever aquele poema ou aquela dedicatória do livro, que estava a sair tão bem rimada ou tão eloquente ...
ir a correr resolver um exercício de matemática (quando era estudante), só porque em sonhos, aquele "estrupício" que me queimara ingloriamente os neurónios, de repente teve um final feliz, bem simples, mesmo ali debaixo do meu nariz ... em sonhos ...
E também , encontrar saída, para tanta estrada, "sem" ...
E encontrar soluções para objectivos apenas esboçados ...
E sufocar-me de energia e entusiasmo, só porque era exactamente aquele o rumo que teria que ter dado já à minha vida, e ainda não o havia divisado !!...

Esses são os  "sonhos de noite", que ainda têm algum préstimo ; porque na verdade, normalmente brincam connosco de gato e rato, e  "defraudam-nos"  noite após noite, porque são apenas isso ... sonhos de  " não valer a pena", "sonhos de enganar" !!!...

E depois ... também há a ausência de sonhos !!!

Esse, é o "buraco negro" da nossa existência, seja de dia, ou seja de noite !... Aí , é uma desgraceira só !!!...
Porque, como sabem, "o sonho comanda a vida", e um Homem sem eles, não sabe nem imagina, a pobreza do seu existir, a aridez dos seus dias, o imobilismo a que condena o Mundo, que deixará de "pular e avançar", segundo o nosso imortal Gedeão !!!

Mas, sejam  "sonhos de dia" ou  "sonhos de noite", não devemos esquecer de facto, o sentido da charada ...
  
     ..."FÁCIL É TER UM SONHO !...  DIFÍCIL É SONHAR" !!!...


Anamar                   

domingo, 22 de janeiro de 2012

"E A MINHA TERRA LÁ TÃO LONGE !"...

"Em Janeiro, vai e sobe àquele outeiro ... Se vires verdejar, põe-te a chorar ... Se vires terrejar põe-te a cantar"!

No meu Alentejo, e com este Janeiro pródigo em dias claros de céu limpo e sol brilhante, de certeza já "verdeja" !

Desafio-vos a interpretar mais um dos ditados, dos noventa anos da minha mãe .
Às vezes penso que devia escrevê-los ... Qualquer dia acaba-se!

Bom, eu por aqui e na minha vida, vejo muito mais "terrejar" que outra coisa.
Cá estou, na janela onde o sol ainda bate, cá estou a fumar outro cigarro ( devo estar a candidatar-me a mais uma dor de cabeça ), cá estou com o meu "farrusco" reguila lá em baixo, de olhões virados cá para cima ( estou a achar que ele já me adoptou companheira de solidão ), o plátano e as "minorcas" vizinhas, continuam desoladamente despidas ... e no céu provocantemente azul, a minha gaivota "baldou-se" !
Afinal, para gaivota, isto ainda é tempo de época balnear ... na boa!

O meu Alentejo deve estar lindo !
Os verdes que despontam, os ocres e os castanhos da terra ainda sem frutos, as oliveiras, sobreiros, azinheiras, do meu imaginário, por lá continuam ... Breve, breve ...o dourado das mimosas engrinaldará a paisagem.
Nunca me "deixaram" ter uma mimosa, quando podia !  E eu adoro a cor, a singeleza e o aroma das suas flores !
De certeza, mais dia menos dia,  as cegonhas estarão  a regressar. Os postes eléctricos, o cimo da copa das árvores ... alguma chaminé de um monte perdido, as aguarda !

                                                                                                  

Agora, os campos enchem-se de azedas, murtas, giestas, rosmaninhos e alecrins a anteciparem a Páscoa ... mas ainda de boninas, dentes de leão, chupas-mel, dedaleiras, lírios, boquinhas de lobo, urze ...talvez papoilas ...
Tudo grátis, tudo extraordiariamente oferecido, por uma Natureza esbanjadora e generosa !

Que saudade, de quando, de braçada as trazia p'ra dentro de casa ... de quando o cheiro das "maias" inebriava o ar, e nos fazia crer que a Vida era assim, exactamente assim ... simples, fácil, leve !

Ou será mais saudade da que eu era ?? ...
Ou melhor, saudade mesmo, acho que era dos sonhos que eu tinha, isso sim  !...

Hoje, o betão sufoca-me ...
Hoje, a ausência de horizontes lá longe, onde até a construção me escondeu a Pena, impedindo-me de sonhar ... deixa-me mais desfalcada, mais vazia ...
Hoje, com este sol que mendiguei aqui de cima  ( e já está a querer desaparecer por detrás das barreiras em que o Homem o confina ), com um vazio estranho a tolher-me, e uma solidão a amarinhar-me ... fui inevitavelmente lembrar o meu Alentejo,  o "útero" com que a Vida me presenteou, a "casa" onde sempre gosto de chegar, o "ninho" onde me enrosco, em dias assim, como o de hoje, em que só verdejou e floriu na minha imaginação !!!...


                               
                                                                            
                                           
Anamar

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"OUTRA VEZ E SEMPRE" ...



Outra vez e sempre ... o Mestre !

Pessoa, Alberto Caeiro ... "Poema do Menino Jesus" ...o poema mais poema alguma vez escrito!

É Natal, é tempo de "Menino Jesus", mesmo que seja só no nosso imaginário.
Jesus feito menino, como Pessoa o escreveu, como Bethânia o disse, é um Deus menino, muito mais menino que Deus!

É uma criança, igual entre as iguais ... É humano e é divino ...
Brinca, chora, ri, deslumbra-se e faz tropelias ... ouve histórias, adormece e tem sonhos !
Salta, corre, colhe as flores dos Homens e com elas fica igual a eles!

Desperta em nós o desejo de o pegar, de o ninar, de o acarinhar...
Uma criança...simplesmente!!!

Porquê surpreendermo-nos ??!!
Afinal, cada criança é muito mais Deus que muitos Deuses!

Outra vez e sempre
, o Mestre que tudo entendeu, e que num, se fez em muitos, transbordou de magia, de ternura, de sabedoria, como se ele próprio fosse menino outra vez!!!...

Anamar

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

" O DELÍRIO QUE ME ASSALTA - NATAL 2011 "

               EDUARDO GALEANO - 3 de SETEMBRO de 1940

Eduardo Hughes Galeano (Montevidéu, 3 de Setembro de 1940) é um jornalista e escritor uruguaio.

É autor de mais de quarenta livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem géneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História.

Galeano nasceu a 3 de Setembro de 1940 em Montevidéu, numa família católica de classe média, de ascendência europeia.

Iniciou a sua carreira jornalística no início da década de 60 como editor do Marcha, influente jornal semanal que tinha como colaboradores Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Foi também editor do diário Época e editor-chefe do jornal universitário, por dois anos.
Em 1971 escreveu a sua obra-prima "As Veias Abertas da América Latina".

Em 1973, com o golpe militar do Uruguai, Galeano é preso e mais tarde forçado a exilar-se na Argentina, onde lançou Crisis, uma revista sobre cultura.

Em 1976, com o sangrento golpe militar liderado pelo general Jorge Videla, vê o seu nome colocado na lista dos esquadrões de morte e, temendo pela vida, exila-se em Espanha.

Em 1985, com a redemocratização do seu país, Galeano retornou a Montevidéu, onde vive até hoje.


O direito ao delírio ... o direito à utopia ...

Ainda há esperança para quem sonha !...

A minha gaivota voltou, regressou neste Outono beirando o Inverno, que está por dias.
Regressou de asas soltas, planando na aragem da tarde.
Veio dizer-me que apenas se afastou por uns tempos.  Afinal, as gaivotas também têm direito a férias, porque liberdade e sonho, eu acho que as gaivotas têm demais !...

Eu, bem, eu por aqui estou, com pouco sol lá fora e cá "dentro".
Uma das minhas "velas" acesas, penso que se consumiu. O pavio já não se ilumina por mais que tente, por mais que eu insista ... vá-se lá saber porquê !

Tenho estado a "remoer" sobre os presentes de Natal, aqueles que o figurino determina, com crise ou sem ela ... e já decidi ...
...a vocês vou oferecer uma prenda linda, recheada dos meus delírios, das minhas utopias ... do meu Presente ... atada, claro, com um laço de sonho, que pode ser azul como o céu de Bali ... ou verde, se preferirem, da cor da relva acabada de regar ...
Ou da esperança ... que também é verde !

Lá dentro, bem acondicionadas vão aquelas coisas em que acreditei a vida toda, quando eu ainda era criança num corpo de mulher-madura.
Vão os projectos que delineei, ponto por ponto, naquilo que eu achava que era Vida.
Vão as metas e os horizontes que fugiam sempre que deles me aproximava, a brincarem de esconde-esconde comigo, pensando que os apanhava ...

E também vão os rostos ... tantos rostos que coleccionei para a minha caixinha de brinquedos.
Estão lá todos ... uns mais em baixo, outros mais em cima, para que abrindo a caixa, logo os veja ... Como se eu os não visse sempre que durmo, e precisasse para isso de a abrir !!!...

As esperanças também seguem ... e não só no laço ! Porque eu sou uma inveterada sonhadora, daquelas compulsivas, que sonham de noite, mas sonham muito mais de dia (olhando as nuvens que desenham carneirinhos no céu, para nos enganarem, a pensarmos que são novelinhos de algodão, e que se lá pusermos o pé, são fofinhos, como o tapete de lã de casa da avó ...)

E a fé ... aquela coisa que se chama "acreditar", mesmo quando não há em quê ...

Na minha encomenda também vão olhares ... olhares doces de meninos que brincaram comigo e que eu julgava que eram da minha roda ...

E mãos, aquelas mãos que eu jurava que sabiam abraçar, estreitar, aquecer, segurar ... nortear ...

Ombros ... ombros também !...  Porque os ombros sempre serviam para deitar a cabeça em dias de cansaço, quando até a minha gaivota me abandonava.

Ah ... é verdade ... (como ia esquecendo !!) ... corações, pois ...
Sem corações, como teria vida o meu presente??!!  E eu quero oferecer-vos um presente vivo, com sangue a pulsar nas veias, com "calor" a dar-lhe cor ... para que seja meu ...

Depois, terá que ser uma prenda repleta de sorrisos, porque lágrimas temos demais por aqui, e sorrisos são sempre permitidos no mundo do delírio e da utopia, sempre se enquadram no mundo dos loucos ...

Mágoas e dores, não mando. Há demais !  Vulgarizam os presentes.  São iguais por todo o lado e em todo o lado, e o meu tem que ser diferente !

Cansaço também não. Estamos todos cheios, não é??!!  Não vou massacrar-vos com isso, ainda que fosse gratuito !

Desejos? ... Ui ... isso daria pano para mangas!...
Gostava, mas não posso!!  Semeei-os há pouco, nos vasos da minha mansarda ... e olhem, ainda nem sequer começaram a dar flor, quanto mais, frutos !!...
Terá que ficar para o ano, prometo !...

Sonhos também envio, em quantidade doseada.
É que, quando eles se quebram é o diabo ... amachucam tudo, e são especialistas em cavar sulcos no rosto (pelas lágrimas que deslizam), e cicatrizes no coração, coisas que nos fazem um mal danado !...
Se se perdem...."aqui d'el rei quem nos acode"... Cria-se um desassossego de tal ordem, que de imediato nos desce um nevoeiro cerrado pela alma adentro... normalmente sem cura !...

Finalmente coloquei num cantinho bem discreto, AMOR, muito amor, porque tenho para dar e vender ...
Só que tem que seguir discretamente, por ser um bem tão cobiçado, tão desejado, tão raro ... Corria o risco de me violarem o embrulho antes de vos chegar às mãos!...

Bom ... espero que esteja a contento, a minha fraca lembrança deste Natal ...

Podia recheá-la ainda de carinho, de muito afecto, de azevinho acabado de colher na Regaleira, de saudade das águias altaneiras de Marvão ... ou simplesmente da pessoa que fui e não sou mais ...
Podia embriagá-la com a ginginha de Óbidos ou com o branco gélido da Estrela, os frios agrestes do Gerês, ou os calores da Jamaica ...
Podia entremeá-la com danças de roda dos dias felizes ... como a torta doce de amoras, da infância, no Alentejo distante !...

Em vez do laço ser azul ou verde, também podia ser vermelho, da paixão pelo passado, pelo presente e também pelo futuro, que não descortino mas amo ...

Lembrei-me de a mandar em correio azul ... mas optei por usar como estafeta a minha gaivota, que continua a perambular junto à minha janela, a tentar redimir-se pela ausência ... e a tentar fazer as pazes comigo ...
Acho que assim chegará segura, e chegará mais depressa, porque vai nas asas da Liberdade e da Fantasia ... e essas, não pagam portagens, não têm engarrafamentos, nem fronteiras a tolhê-las ... são como o sol que garantidamente temos no Verão, e como a chuva que garantidamente nos visita nos Invernos ...

Anamar

quinta-feira, 2 de junho de 2011

SONHOS



Depois de velha consegui um milagre na minha vida : apaixonar-me pela VIDA...

Coisa aparentemente impensável no meu caso, reincidente que sou em desgraça, militante que sou no negativismo, aficionada mais ainda por uma boa "auto-novela" melodramática...

Pois hoje, não sei se por este Verão presenteado, não sei se porque a "viagem", mais uma dentro da "viagem", está por aí mesmo, dou por mim a sorrir, mais por dentro que por fora, é certo (não fossem chamar-me "maluquete"), mas ainda assim me aflora aos lábios um ténue sorriso que acho não ser "amarelo"...

É certo que de hoje a um mês já terei ido, já terei vindo ou melhor, devo estar a "voar" aqui por cima a esta hora; mas a minha bagagem humana, o meu recheio do coração deve vir seguramente mais enriquecido, mais recheado, eu serei uma pessoa mais e mais afortunada, seguramente...
Os locais, as pessoas, outros céus e outros mares, outros verdes e o amarelo de um outro sol, terão dado mais uma risca ao meu arco-íris, por certo!

Realmente, por cada dia em que acordo respirando, e apesar de claudicar muitas e muitas vezes, em que à minha revelia o pensamento voa p'ra longe e o olhar o mostra, traindo-me...concluo que de facto a minha existência é uma bênção que me é presenteada pelo tal "Arquitecto", que tão bem arquitectou tudo isto.
Todos os dias há cada vez mais um valer a pena espreitar esse mesmo dia, exaurindo-me, exaurindo-o até à exaustão.
As pessoas, todas, as boas e as más, diferentes umas das outras, sempre acrescentam, nunca diminuem o nosso enriquecimento pessoal, o nosso estar, a nossa dimensão interior!

Nos anos que levo de VIDA...e nessa matéria acredito ainda não ter atingido a adolescência (não quero esclarecer mais por que o digo), angariei e estou rodeada de facto, por uma caixinha de Pandora, qual arquinha de brinquedos, de afectos, sonhos, também mágoas, também dores, esperanças e desejos...
Dela, ao abrir a tampa, saltam o polichinelo, o cavalinho de baloiço, a pipi das meias altas, o sapo Cocas e o monstro das bolachas...
Sempre me desafiam para a dança de roda, sempre me querem levar para o País das Fadas, para o País das Maravilhas, por onde ainda anda a Alice, com a Princesa da Ervilha tão delicada, a queixar-se da ervilha a molestá-la, por debaixo do colchão!!
O Gepeto e o Pinóquio, a Cruela e os seus 101 cachorrinhos também vêm para esta orgia, que sempre termina numa bebedeira de vida, no país do sonho, em que de menina-mulher, me torno apenas menina...

E poderá haver melhor nesta Vida, que ser apenas menina??!!...

Anamar

domingo, 15 de maio de 2011

"30 ANOS DEPOIS..."


30 anos depois o "rei" continua vivo na Jamaica...

Bob Marley morreu há exactamente 30 anos e até hoje, o "rastafari" mais carismático daquelas terras, o ícone musical do raggae, dança-se em cada terreiro, em cada praia, debaixo daquele sol abençoado, em cada "dance-café"....ecoa no embalo daquele mar sem ondas, que é apenas berço de ninar !

O rei da liberdade, da "paz e do amor", continua adorado, inviolado, venerado pelo seu povo.
Os seus temas..."One love"..."No woman no cry"...sobem-nos até à alma...
Com eles, hoje "voltei" à Jamaica, para concluir dentro de mim, que ainda terei que voltar à Jamaica...para lá das asas do sonho, para lá da força da vontade, para lá da ilusão que "aquela Jamaica" continue ali...a Jamaica de 2006 continuando à minha espera!!!...

Sei que não é nada disto!

Sei que eu hoje já não sou "aquela".....sei que a Jamaica hoje...também não!...
Mas o "rei" ainda é o mesmo, a sua voz continua a arrepiar-nos o coração!  No "Rick's cafe" todos os dias, muitos, estarão ao som e ao ritmo inesquecível do raggae, a dançar, a fumar "marijuana" e a ver o sol...aquele sol incrível, do laranja ao roxo....a tombar de mansinho na linha do horizonte...

Em "Martha Bréa", o "Ray"...o rastafari mais emblemático ...ao sabor da corrente, continuará rio acima e rio abaixo, a navegar naquela jangada!
Será ainda a jangada onde eu me passeei? O marulhar das águas nas ramagens silenciosas terá ficado suspenso até que eu regresse?

A Terra continuará a dar os únicos frutos que o homem pode usufruir, porque os rastafari sabem que Jah, o seu Deus, não lhes permite violar a natureza pródiga...apenas aceitar a sua pujante generosidade!...

E a paz da tarde abençoada pelo cair do calor implacável, os cheiros dos trópicos, a nudez e a leveza dos corpos, a dolência que os envolve e o ritmo bamboleante...tornam Marley, tornam a Jamaica, um local só MEU!!!!....

Anamar

domingo, 24 de abril de 2011

"OUTRO" 25 DE ABRIL.....



O meu país de Abril virou Inverno!
O meu país de esperança e cravos rubros
virou sonho, virou nuvem, virou mágoa...
O meu país azul aqui tão perto!

A canção de "ninar" não se ouve mais...
Hoje as mães de Abril não têm pão...
O meu país de Abril virou Inferno,
e não há já, quem diga "NÃO" !...

O meu país de esperança e cravos rubros
está a parir dores, injustiças, solidões...
O sonho já sonhado estiolou,
Até de Abril, se calaram as canções!...

Virou sonho, virou nuvem, virou mágoa,
A gaivota não voa mais no nosso céu!
Pobre gente, pobre terra de diáspora,
que hoje nada tens que seja teu!!...

O meu país azul aqui tão perto
E tão longe que parece que o inventei
Os cravos não existem, não perfumam...
Mas juro, que nele um dia acreditei!!

O meu país de Abril virou Inferno!...
O meu país de esperança e cravos rubros...
Aqueci-o, embalei-o junto ao peito...
Mas perdeu-se ... mesmo estando aqui tão perto!!!....

Anamar