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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

" EU NÃO DEIXO O VELHO ENTRAR !... "

 


Esta é a resposta que o admirado nonagenário actor Clint Eastwood deu ao cantor country Toby Keith, quando lhe perguntou qual era o seu segredo para se manter activo e brilhante, na sua idade.
"Quando me levanto todos os dias não deixo o velho entrar "

O meu segredo é o mesmo desde 1959 : mantenho-me ocupado.  Nunca deixei o velho entrar em casa.  Tive que arrastá-lo para fora, porque o cara já estava confortavelmente instalado, me dando um pé no saco a toda a hora, não me deixando espaço para nada além da nostalgia.

Você tem que se manter activo, vivo, feliz, forte, capaz.
Está em nós, na nossa inteligência, atitude e mentalidade.  Somos jovens com independência.  Você tem que aprender a lutar para não deixar "o velho entrar."
Aquele velho que nos espera, parado e cansado na beira da estrada para nos desanimar.
Não deixo entrar o velho espírito, o crítico, hostil, invejoso, aquele ser que perscruta o nosso passado para nos amarrar com queixas e angústias remotas, traumas revividos, ou ondas de dor.
É preciso virar as costas para o velho fofoqueiro cheio de raiva e reclamações, sem coragem, que nega a si mesmo que a velhice pode ser criativa, determinada, cheia de luz e protecção.

Envelhecer pode ser prazeiroso e até divertido, se você souber usar o tempo, se estiver satisfeito com o que conquistou e se continuar tendo a ilusão, acrescenta Clint Eastwood, uma lenda com dez nomeações para os Óscares, dos quais ganhou quatro estatuetas, todas elas depois de já ter ultrapassado o limiar dos sessenta anos.  A isso se chama "não deixar o velho entrar em casa " ...

Essas palavras atingiram o cantor country Toby Keith tão profundamente que o inspiraram a compor a música " Don´t let the old man in ", dedicado ao lendário actor.

Nota : Tradução brasileira 


Clint Eastwood é desde sempre uma das minhas referências na sétima arte, primeiramente como actor, depois como realizador ou director cinematográfico.
Com ele sonhei em variadas películas, das quais guardo memórias inesquecíveis. Filme estrelado por ele, era garantido que seria assistido por mim. Era uma época em que, por razões particulares, eu estava extremamente desperta e era frequente espectadora semanal de uma sessão de cinema.
Era programa, eu diria que quase obrigatório, dos sábados após o jantar, até mesmo em sessões da meia noite. Depois de um jantarzinho simpático e feliz, rumava quase sempre a uma das nossas salas de espectáculos em demanda do filme já previamente escrutinado durante a semana e eleito para encerrar o dia.
Foi uma altura em que, mercê da assiduidade, eu estava completamente entrosada na programação semanal em exibição.
Hoje, pouco vou ao cinema. Estou totalmente por fora do cine cartaz por sala, na nossa cidade.
Os actores que ainda ocupam lugar na minha cabeça e coração, são aqueles "monstros" cujos nomes tenho marcados dentro de mim. Quase todos já ultrapassaram o seu culminar apoteótico ... quase todos são "lendas" que preencheram, com as histórias que me contaram, dias felizes da minha vida ...
Eastwood foi um deles, um "grande", um enorme senhor, detentor dum talento que ainda hoje, já nonagenário o torna um ícone, uma figura mítica, um expoente inalcançável nesta arte que nos leva ao sonho, que nos aligeira os dias, nos subtrai, quantas e quantas vezes, ao cinzento desinteressante e cansativo de realidades pouco compensatórias e gratificantes ...
Invictus, Gran Torino, Cartas de Iwo Jima, Million Dollar Baby, Mystic River e o inesquecível e maravilhoso As pontes de Madison County, foram películas vistas e revistas que sempre me empolgam e preenchem por cada vez, como se da primeira se tratasse ...

Clint Eastwood é uma personagem absolutamente incontornável, multifacetado e completo. Dez indicações para os Óscares, das quais venceu quatro, é a única pessoa nomeada para melhor realizador e melhor actor numa mesma película.
Lúcido, capaz, objectivo, mantém uma performance invejável para os seus já vividos noventa e três anos, sendo inolvidavelmente uma honrosa referência para a sétima arte mundial.
O seu segredo, parece resumir-se a uma mente laboriosa e ocupada, que se recusa a parar, a uma nunca considerada desistência, a um foco permanentemente perseguido, a uma criatividade incessante, a uma aposta e uma assertividade espantosas bem como uma alegria irresistível de viver e de sonhar ... em suma , um empenho e uma vigilância para "não deixar nunca, o velho entrar "!!!
Absolutamente admirável, fantástico e fascinante !!!

A propósito de Eastwood, lembrei outra figura igualmente ligada ao mundo da magia e do sonho, desta feita brasileiro, um ícone novelístico, um actor igualmente carismático, que também completará em Março próximo, 94 anos ... Lima Duarte cuja vida parece ser muito idêntica à de Clint Eastwood.
Também ele não se entregou ao inevitável desgaste dos anos, também ele recusou sossobrar às inevitáveis limitações da escorrência do tempo, também ele continua, tanto quanto se conhece, a ocupar o seu cérebro, a exercitar as suas capacidades físicas, a viver intensamente numa fazenda que possui perto de S. Paulo, mergulhado na natureza, onde se refugiou definitivamente, aquando da pandemia de Covid.
Ali, usufruirá seguramente de excelente qualidade de vida, viverá uma existência saudável, partilhada com os seus cavalos, cães, as suas infinitas memórias e a paz inerente a uma vivência plena, realizada e feliz ...
Ali, certamente continuará a considerar-se útil, importante na vida dos seus e da sociedade, e provavelmente até continuará a alimentar e a regar as suas fantasias, já que o sonho comanda a vida !...
Também ele fechou , obviamente, a porta a que o "velho" pudesse entrar !!!...

Anamar

domingo, 21 de maio de 2023

" É isto assim ... "

 


Nesta tarde insípida, em que o sol que foi brilhando sumiu por detrás de nuvens indefinidas e informes que encimam este céu que também já não é azul, uma outra vez estou sentada frente à janela de sempre.
Donde se avista o casario incaracterístico, também ele insípido como a tarde que se fez, donde se olham  pores de sol de belezas invulgares, donde as histórias da minha vida sempre desfilam ao sabor das memórias ... sinto nos últimos tempos uma estranheza para comigo mesma, que me desconhece frente aos meus próprios olhos.
Parece ter ficado muito lá para trás alguém que sendo eu, se perdeu numa curva de estrada dobrada, sem volta ou retrocesso.
Não sei de mim, não me encontro mais, sou um corpo sem invólucro conhecido.  De palpável sobrou apenas um desconforto imenso, como se eu ocupasse uma cápsula indevida, uma fatiota desajustada, vivesse um ar irrespirável...
Não me sei explicar.  Não me entendo mais, apenas arrasto um cansaço absurdo entediante e desinteressado.  Como se estivesse ébria, narcotizada, doentiamente sonolenta ... anestesiada mesmo, sem capacidade reactiva, sem alento ou vontade.

Pergunto-me se estarei doente, fisicamente falando, porque doenças da alma sempre as arrasto ao longo da vida.
Análises feitas, busca não sei bem do quê, sem vislumbre de coisa nenhuma. 
À minha volta, um emaranhado de situações exaurem-me as forças e a vontade, coartam-me as reacções.  Anseio pela hora do sono como de remédio milagroso para este fatigante mal estar crónico, este desinteresse generalizado pela vida, esta indiferença e imobilismo face a tudo o que me rodeia.
Em suma, estou farta de mim mesma ... e não consigo mexer uma única peça, neste xadrês doentio e sufocante ...

O Chico, companheiro de todas as horas há mais de década, adoeceu, também ele de maleita crónica que o acompanhará pelos tempos em que por aqui ainda andar.  Uma diabetes descontrolada e limitativa inviabilizou-lhe o que de mais precioso os gatos têm ... uma liberdade, uma agilidade motora, uma capacidade e uma alegria de vida inesgotáveis. Arrasta-se, mais do que anda. 
O Chico já não me espera à porta tentando esgueirar-se até à escada, já não "se mete" com a vassoura, desafio provocante que o atormentava irresistivelmente, já não se espreguiça ao sol junto às vidraças, porque simplesmente as não alcança.
Agora, o mundo do Chico é por certo mais imaginado do que real, e o seu horizonte feito das paredes que lhe confinam os espaços.  O Chico vive no chão, vive das nesgas de azul que cá debaixo se divisam olhando para cima, e com os raios de sol dançarinos que ousam atravessar os lugares onde passa o tempo deitado ...
O Chico é um simulacro de si próprio ! 
A escuridão debaixo da cama é guarida segura, e lá passa muito tempo do seu dia.

Num hospital, uma colega e amiga de toda a vida aguarda apenas exalar o último suspiro para finalmente ter alguma paz ... supomos nós. 
Também ela que sempre conheci como uma mulher lutadora, vertical, impoluta, de um trato humano fantástico com toda a gente, sempre sorridente e bem disposta, com um rosto aberto, fresco, amigo, soçobrou à doença maldita das últimas eras.  
E ela que sempre foi o que eu chamaria um "espírito de luz", seja lá isso também o que for, é não mais que um pequeno e frágil farrapo humano, vegetal, silente, morta em vida, à espera da compaixão do destino ou de quem distribui as horas, os minutos e os segundos a cumprir, para expiarmos as nossas faltas ... 
E é então que uma e outra vez se me coloca a problemática do acesso à morte medicamente assistida, e o direito de que todo o ser humano de posse das suas faculdades mentais deveria dispor para nestas situações limite, decidir do destino a cumprir pelo seu próprio corpo.
É duma violência atroz assistir-se a esta degradação arrastada, crescente e irreversível dum ser que já desistiu, que já se desenganou, que claramente conhece o seu próprio quadro clínico e que perfeitamente, enquanto ainda teve capacidade de observação e análise, soube o que escolheria se pudesse : partir em paz dum mundo de que se encontra totalmente desligada já, onde inclusive a sua dignidade como ser humano já sucumbiu sob a avalanche incontida dum tsunami impiedoso !
O acesso à expressão livre da sua vontade, de poder fazer do seu corpo o que legitimamente entender, é-lhe ainda vedado na sociedade hipócrita em que vivemos, em que falsos moralismos e pseudo-princípios religiosas, condicionam o livre arbítrio de cada um, ainda que de posse das suas faculdades mentais.
Acordo de noite e pressinto por perto a asa negra e monstruosa da morte, o seu peso rondando, e olhando o relógio, formulo o desejo de que o calvário que vive, pudesse ter terminado.
Este peso na mente e este sufoco no coração não me estão a fazer nenhum bem ...

Tudo isto é excessivamente doentio, tenebroso, esgotante.  Tudo é demasiado cinzento e obscuro, e tudo isto me confere um estado de espírito insalubre que estou a custar a gerir.

Na mata a vida é pujante.  O verde e o colorido das flores explode em cada canto.  As abelhas retornaram e azafamam-se na recolha dos pólens, as aves, de criações recentes, inebriam nos gorgeios aprimorados e as borboletas de variadas cores, volteiam pelos caminhos.
Tudo continua exactamente como tem que continuar, porque não há razão ou motivo para a Natureza estremecer por mais que o ser humano o faça.
Olho as árvores, algumas imponentes, altaneiras, de troncos atestando a sua já respeitável longevidade, que desafiam os céus, subindo mais e mais as suas copas e projectando-as por forma a que o sol as abrace.  Ali estão, a pé firme, porque o seu destino assim o determina.
Olho-as e penso ... o que são dez ou quinze anos no percurso de vida duma árvore ?
Quando eu por ali já não passar, quando os meus olhos já as não olharem, quando as veredas se esvaziarem da minha presença, eu, que conheço cada recanto daquela mata ... ainda assim elas ali continuarão, talvez com mais folhagem por cada ano, projectando mais sombras nos caminhos, talvez com mais ninhos nas ramagens por cada Primavera que se anuncia, talvez continuando a cantar a canção doce da brisa que sussurra ao passar. 
Os gatos da colónia ... outros gatos por certo, continuarão com vida mansa na segurança do abrigo.  Os patos ... outros patos, perpetuarão as gerações que ali nidificam.  Os cães de quem lá vai, continuarão a tomar banho nos tanques ... porque todos gostam, e não precisam sequer de se passarem a palavra ...
Tudo como tem que ser, porque não há nenhum motivo para que o não seja ...

Enfim, quem me ler perguntará do protagonismo que me confiro ... da importância que me atribuo, da soberba com que falo e da prosápia com que me coloco no mundo ... como se eu fosse  alguma  coisa mais  do  que  um  ínfimo  grão  da  poeira  daquelas  veredas  que  tanto  amo !!!

Anamar

Nota : Este post tem estado a ser escrito, sem finalização, já há tempo razoável !

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

" NESTE CINZENTO DA TARDE ..."

 


O tempo empalideceu.  A Natureza perdeu as cores vibrantes dos dias estivais.  O céu uniformizou em cinzento, sem definição de nuvens, sol ou sequer rasto de aviões que procurassem destinos, nem caminhos de passarada em demandas desconhecidas.  Nada !  Uma monotonia paisagística, numa chuva anunciada que teima em não cair...
Está um tempo de silêncio e aconchego, de intimismo e interioridade.  Um tempo que nos deixa de melancolia atrás dos olhos, um tempo que convida a balanços pelo percurso da vida, num recuo nostálgico, doído às vezes, pela sucessão dos dias que já foram.

Brevemente aniversario e o desconforto que sinto com isso, perturba-me mesmo.  Parece um "nonsense", uma infantilidade, uma "não questão", em última análise, qualquer coisa absurda e sem explicação lógica, até pela incapacidade que temos de fazer parar ou regredir o tempo.
Portanto trata-se de uma pura perda de energia considerar ou valorizar essa questão, até pela sua inevitabilidade.
As pessoas ditas "normais" contestam esta reacção, sorriem com olhar complacente como quem diz :"Coitada ..." ou então insurgem-se e veementemente acreditam que me podem mudar de lado, quando, elevando a voz, dizem superiormente :" Disparate ! Anos de vida são bênçãos, poder contá-los, um privilégio !..."
São as mesmas que vêm com aquelas doutas teorias que as rugas são aprendizagem, que cabelos brancos, peles a cair, dentes a faltarem, ouvidos a endurecerem ... histórias inalienáveis de vida ... Quanto orgulho por poder exibi-las !...

E se calhar, têm razão, mas em mim baixa uma tristeza de caixão à cova que acaba levando sempre a melhor, ainda que tente racionalizar, ser objectiva e realista.  Acho que é uma "marca" de fabrico deficiente, que nasceu comigo e comigo há-de partir ...😀😀
Mas tenho um truque que utilizo quando dá, não para apagar o dia no meu calendário, mas para o distrair e me distrair com ele : viajo, fujo para longe, de preferência, onde inviabilize o quanto possível a profusão de simpatias de que normalmente sou alvo ... os telefonemas, sobretudo !
Assim, são já alguns os anos em que essa data ocorre, duma forma mais ou menos feliz, em alguns cantos longínquos do mundo, porque dessa forma tudo se torna mais impessoal, frio e distante emocionalmente ...
Este ano também irei ... fazendo ficticiamente regredir o calendário, do Outono para o pino do Verão, outra vez ...

Entretanto, nesta modorra sonolenta, neste silêncio e nesta paz lá fora, aqui dentro os meus gatos dormem, a música doce toca a meu lado ... nem um pássaro se atreve no firmamento, e eu reflicto sobre o texto de António Lobo Antunes, lido há pouco  ...

Acho que hoje ele é que teve a culpa ... 
Afinal também a mim começou a apetecer-me voltar mais cedo para casa ... 😌😌

"A VELHICE
(Por António Lobo Antunes)
Devo estar a ficar velho: as Paulas Cristinas têm mais de 20 anos, os Brunos Miguéis já vão nos 15, as Kátias e as Sónias deram lugar a Martas, Catarinas, Marianas. A maior parte dos polícias são mais velhos do que eu. Comecei a gostar de sopa de Nabiças. A apetecer-me voltar mais cedo para casa. A observar, no espelho matinal, desabamentos, rugas imprevistas, a boca entre parêntesis cada vez mais fundos. A ver os meus retratos de criança como se fosse um estranho. A deixar de me preocupar com o futebol, eu que sabia de cor os nomes de todos os jogadores do Benfica (…). A desinteressar-me dos gelados do Santini que o Dinis Machado, de cigarrilha nas gengivas achava peitorais.
Se calhar, daqui a pouco, uso um sapato num pé e uma pantufa de xadrez no outro e vou, de bengala, contar os pombos do Príncipe Real que circulam, de mãos atrás das costas como os chefes de repartição, em torno do cedro. Ou jogar sueca, com colegas de boina, na Alameda Afonso Henriques de manilha suspensa no ar, numa atitude de Estátua de Liberdade. Quando der por mim, encontro o meu sorriso na mesinha de cabeceira, a troçar-me, num copo de água, com 32 dentes de plástico. Reconhecerei o meu lugar à mesa pelos frasquinhos dos medicamentos sobre a toalha, que me farão lembrar as bandeiras que os exploradores antigos, vestidos de urso como os automobilistas dos tempos heróicos, cravavam nos gelos polares.
Devo estar a ficar velho. E no entanto, sem que me dê conta, ainda me acontece apalpar a algibeira à procura da fisga. Ainda gostava de ter um canivete de madrepérola com sete lâminas, saca-rolhas, tesoura, abre-latas e chave de parafusos. Ainda queria que o meu pai me comprasse na feira de Nelas, um espelhinho com a fotografia da Yvonne de Carlo, em fato de banho, do outro lado. Ainda tenho vontade de escrever o meu nome depois de embaciar o vidro com o hálito.
Pensando bem (e digo isto ao espelho), não sou um senhor de idade que conservou o coração de menino. Sou um menino cujo envelope se gastou."


Anamar

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

" OUTONICES "


 
Na mata os pássaros já pouco se ouvem.  Por certo, alguns demandaram paragens quentes para os meses que se avizinham.  As árvores e arbustos pintalgam-se das cores da época, ou simplesmente despem o que ainda vai ficando dia após dia,  resistindo ao vento ou à brisa que corre os caminhos e as veredas.
O chão de todos os trilhos está atapetado de um manto fofo de folhas secas, esquecidas pela aragem, e que nos estala debaixo dos pés, à passagem.

Dezembro espreita na curva da estrada.  O Natal vem ao nosso encontro em passadas largas, pressurosas  e impacientes ... Em suma, estamos naquela quadra que me confrange e a qual pularia nos destinos do calendário, se o pudesse !
É interessante, porque se trata de um sentimento que eu sei partilhar com muitas outras pessoas, talvez mais do que as que pudéssemos suspeitar.  Efectivamente, é um período de momentos difíceis, sobretudo quando se vivencia uma faixa etária já não muito promissora, e em que aquilo que mais povoa o nosso espírito, são memórias idas.  
Atravessamos estes dias quase sempre lembrando.  O passado é a época da vida que mais nos acompanha, pois o presente nem sempre nos gratifica e o futuro é um pouco uma miragem, lá longe no deserto das emoções.
Os sonhos já não vão cabendo muito nos nossos corações, pois o tempo útil adiante, afigura-se-nos  um doseador parcimonioso.  Então, pouco mais deveremos perseguir, do que a ideia velha de um "carpe diem", simplesmente !
Os lugares vazios já são muitos, nas mesas, nas casas, nas conversas, nos risos ... nas histórias ...
Sempre à nossa revelia, por isto ou por aquilo, as vozes vêm sentar-se à nossa beira, preenchendo os silêncios doídos.  E queiramos ou não, os nossos, todos os que nos escreveram a história, perduram presentes nas nossas vidas !
É quando pensamos no tanto tempo que perdemos ou desperdiçámos alienando quantas vezes as  suas companhias, como se tivéssemos à frente todo o tempo do mundo para as usufruir e desfrutar.
Quanto do que deveríamos / quereríamos ter dito, se silenciou nas gargantas ... porque não fomos capazes, porque não soubemos ... porque não valia a pena ... porque não tivemos tempo, na voragem louca dos dias !...
Quantos afagos, mimos ou carinhos sufocámos ao nascerem ... quantas palavras, soluços ou desabafos secámos, não dissemos ou escutámos ...
E não é nada disso.  Nunca foi nada disso !... 

Esta viragem do tempo, este encerrar do que foi, seguido de um reabrir do que virá, difuso e nebuloso no devir, sempre me deixa nostálgica, saudosa, ansiosa.  Esta época de recolhimento e de balanço obriga-me a regressar à concha, a remeter-me ao silêncio pacificador, a aninhar-me num limbo protector onde adormeço em paz !
É uma espécie de tempo de transe em que reabilitamos as doçuras que vivemos, em que embalamos as recordações que ficaram, em que repovoamos as noites com a sorte de conseguirmos repegar os rostos que nos habitaram, sentindo o calor das mãos, o afago dos abraços ou os beijos das cumplicidades e dos afectos ... Até que acordemos outra vez ... ou que adormeçamos um dia, na eternidade !...

"Eu sei que é Outono e o meu espírito amarelece sempre com as folhas, as mesmas folhas que cobrem por inteiro os antigos caminhos" ... mas tudo isto é também VIVER !...

Anamar

domingo, 28 de fevereiro de 2021

" NO TEMPO DOS NINHOS ..."


A Primavera anuncia-se pelos quatro cantos da mata.  Os dias solarengos, de um sol doce e manso, têm aquecido, e tudo quanto é planta acordou do sono letárgico do Inverno e começou a abrir os pequenos borbotos verdes que  numa espécie de passe de mágica, desenham incipientes os primeiros projectos de folhagem.

É impressionante o ritmo biológico com que tudo desenvolve num curto espaço de tempo, como se a Natureza tivesse pressa em fazer-se presente de novo.
Os pássaros, igualmente, andam numa afobação que se percebe, e cantam saltitando de galho em galho .  Afinal é época de acasalamento, época de ninhos e arranque familiar.

É inevitável que recue no tempo, ao tempo em que aqui por casa se apostava na observação desse milagre.  
As miúdas eram pequenas e eu queria mostrar-lhes a maravilha da vida animal, a renovação das espécies, os ciclos da vida das aves, o respeito por tudo e todos os que dividem o planeta connosco..
Sem outro tipo de animais em coabitação, vetados por quem assim o entendia, os pássaros eram, por assim dizer, os mais acessíveis de poderem dividir um apartamento connosco, sobretudo tendo na altura ainda espaços abertos, com varandas não fechadas, coisa que viria a acontecer mais tarde.

Por isso, depois do "milagre" das transmutações do bicho da seda, nas suas metamorfoses  espectaculares, depois de ter havido peixes em aquários portadores de maternidade, para que a multiplicação pudesse operar-se com as condições necessárias, passou-se à criação de canários e periquitos, em viveiros mandados construir para que tudo ocorresse na perfeição.
Tratavam-se de uma espécie de armário com várias divisões lado a lado.  Cada uma dessas células familiares podia ou não, comunicar com a vizinha, mercê dum anteparo removível, e tinha um tabuleiro inferior  com areia, p'ra facilidade de limpeza.   O dito armário possuía  portas à frente, que se fechavam  para protecção das aves contra a frieza destas noites ainda nada seguras. 
Cada "apartamento" tinha os respectivos comedouros, bebedouros, banheira e suporte para a colocação dos ninhos na altura certa.  Nada faltava.
Procedia-se então à aquisição das várias espécies de aves, ao Sr.Joaquim, que sendo criador, vendia junto ao jardim.  
E havia-as lindas e variadas.  Os canários "mosaico", os "cobre", os amarelos mais comuns, os laranja quase vermelhos, os que no cimo da cabeça possuíam uma espécie de chapeuzinho de penas ... os brancos ... Todos grandes "tenores", sobretudo !!! 😁😁
Os periquitos que mais palravam do que cantavam, ostentavam colorações fantásticas, entre os azuis, verdes, amarelos, brancos e cores mistas.

Depois, bom, depois era acompanhar diariamente os rituais de acasalamento.  
Primeiro deixávamos que se escutassem, nos chilreios dos machos particularmente afinados e cortejantes, na conquista da parceira.  Depois juntávamos os casais por "habitação", colocavam-se os ninhos e providenciava-se-lhes sisal ou desperdício, para que as fêmeas, passado algum tempo,  iniciassem a laboriosa missão da confecção dos mesmos.  As canárias começavam então a procurar com frequência o cestinho já devidamente acolchoado, até que, numa bela manhã, o primeiro ovo surgia no fundo.  
Ao ritmo de um por dia, a postura fazia-se então, e começava o choco.  Para evitar a disparidade de dias entre os nascimentos, os ovos retiravam-se e colocava-se em seu lugar, um ovo falso até ao fim da postura, que podia ir até 5 ou mais ovos.
A fêmea pouco de lá saía para que os ovos mantivessem o calor que lhes disponibilizava, e frequentemente o macho ajudava à sua alimentação.

E era uma ansiedade constante.  Será que ... será que ??

Por volta de treze, catorze dias de incubação, os ovos eclodiam finalmente, e os filhotes totalmente despidos de penas, eram  dependentes em permanência, do calor constante de um dos progenitores e bem assim, do seu fornecimento alimentar.  
Depois ... bem, depois era o desenvolvimento normal de qualquer ser vivo, dia após dia, até ganharem o colorido das penas, a independência do voo, a autonomização dos pais ...
O milagre da Vida a repetir-se, sempre com o mesmo fascínio e encantamento !!!

As minhas filhas rejubilavam com cada coisa nova a que assistiam, com o pedacinho da Natureza, desta forma trazida até elas !  Sobretudo a mais nova, que até hoje é fascinada por tudo o que respeita à Vida nas suas diversas formas, com um respeito profundo pela "Mãe" que nos acolhe e aconchega durante a nossa passagem pela Terra !

Hoje deu-me p'ra lembrar tudo isto !...
Porque é quase Primavera, porque os pássaros nos brindam com os seus  concertos maravilhosos, porque a Natureza generosa se engalana de novo ... porque a esperança de que tanto precisamos, é verde também, como a folhagem luminosa que começa a despontar no azul dos dias ...

... e porque a menina que nos seus seis ou sete anos  se encantava  com  a sabedoria do Universo, completa amanhã já quarenta e três, e tem uma filha com três, a quem tenta transmitir todas as lições aprendidas !  
A Teresa é aquela menina que "acaricia" as flores  que nunca arranca nem pisa, acarinha os animais com quem se perde em longas conversas, e é incapaz de maltratar qualquer um ...

O tempo dos ninhos já foi ... Resta-me hoje uma terna memória e uma saudade infinita, também daqueles que todos nós éramos, então !!!...

Anamar

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

" BALANÇO "





Ontem foi o último domingo do ano.  
Esgotam-se os derradeiros dias de um ano que todos, mas todos, querem  absolutamente 
esquecer. 
Mas ironicamente, contudo, é o ano que jamais será esquecido nas nossas vidas, apesar de no seu saldo, ele não contar, ele surgir como uma entidade irreal, estranha, invisível ... não vivida !  É um ano de perda, um ano de desperdício, uma fraude injusta nas nossas existências !
Eu dificilmente consigo descrever o que sinto dentro de mim, neste deve e haver das contas que o tempo tem comigo.  Sinto-me ludibriada, enganada, espoliada ... porque se um ano na vida de qualquer mortal, é seguramente uma fatia jamais desprezável, na minha faixa etária, esse mesmo ano, tem um factor de ponderação substancialmente mais elevado ... Afinal, a estrada a percorrer, é uma gota de água do caudal que por nós já passou. 
E nestas contas, nem sequer é necessário fazer futurologia.  É assim !  Todos o sabemos !!!

Entretanto ontem começou também, a vacinação nacional contra a Covid 19 !  
É por isso, para Portugal ( porque o timing desta abordagem difere de país para país ), um dia absolutamente histórico, mais um a fazer história, em todo o calendário da pandemia !
Abrem-se as expectativas ( pesem embora todas as ressalvas a propósito ) de que estejamos a passos próximos de vencermos o flagelo que há quase um ano se abateu sobre o planeta Terra, de que possamos poupar desta forma e com esta protecção, muitas e muitas vidas ainda, de que a normalidade das nossas existências, ainda que gradualmente, possa  vir  a  retomar-se,  para  reganharmos  o  direito à  paz,  à  esperança e a um  novo  amanhã !

Tudo o que se vive é estranho, é incerto, é precário, e o sentimento que melhor está definido dentro de mim, é de insegurança.
Insegurança no dia a dia a todos os níveis, sanitário, económico, familiar ... como se um nó, dentro do meu peito, que me oprime e tira o ar, nunca mais se desatasse.  Susto, não por mim, que levo uma vida quase de eremita ... mas uma imensa preocupação em relação ás minhas filhas e netos, e uma angústia mesmo, em relação a familiares distantes que não voltei a ver, cujas visitas por razões prudenciais deixaram de ser consideradas, sequer ... 
Preocupação em relação a amigos e conhecidos que constituíam o nosso núcleo de convivência, e dos quais deixámos de ter notícias, porque vermo-nos deixou de ser questionável, já que as rotinas desapareceram e as coincidências de horários, eventualmente nas compras que fazemos, são perfeitamente aleatórias, improváveis, e mero fruto de um acaso mais feliz, simplesmente !
Assim, ilhámo-nos totalmente, e nos centros urbanos, que já em situação normal isolam e afastam as pessoas - lugar de muros e não de pontes - onde ninguém sabe de ninguém, onde os afectos ficam além das portas fechadas, onde cada um se entrincheira na tentativa de minorar os riscos pessoais de contágio ... o que cada um vive dentro de si, é dramático e angustiante.
Não há vida social, ou esta restringe-se aos contactos inevitáveis. As tecnologias "desdobram-se" para mitigar essa lacuna, como se houvesse mensagens, ainda que visuais, chamadas telefónicas, tele-chamadas ou breves "assomos" a distâncias nunca inferiores a dois metros, que conseguissem envolver-nos a alma ou embrulhar-nos o coração com a doçura, o amor e a alegria com que a ausência de um afago, de um beijo, de um toque, há meses e meses e meses ... os orfanou !...

E mais um ano chega ao fim !
A solidão pesa-me, largada numa ilha de dúvidas e incertezas, de perguntas a que ninguém responde, de sonhos liofilizados na espera de um horizonte palpável que os reabilitasse, na busca de um refúgio seguro, de uma escora sólida, de um molhe protector de tempestades de maior devastação ...
O cansaço é o sentimento mais real que me descortino.  O cansaço e a descrença nos tempos vindouros. A descrença na minha real capacidade de reunir forças para continuar a remar neste alto mar sem ventos a favor.  Dúvidas sobre a minha sanidade não só física mas sobretudo mental, que como um pano esfiapado já não costura os buracos que vai abrindo ...

Tanto se aprendeu no espaço de um ano !  E tanto se aprendeu, porque muito se viveu, muito se sofreu ... e é no sofrimento, afinal, que o ser humano sempre cresce ...
Que o calendário dobre a página com bonomia, com compaixão, com temperança ...  
Que volte a plantar p'ra florescer ... e não seque, p'ra estiolar ...
Que não nos roube o chão p'ra pousarmos os pés, e não empurre para longe os retalhos de azul que tentam espreitar no nosso céu ...
Que não nos leve as aves, e elas possam alegrar os nossos ouvidos despertos ...
Que não endureça os nossos corações e neles possamos continuar a cultivar a esperança, o carinho e o amor ...
Em suma, que o novo ano que está mesmo aí a chegar, nos traga de volta a Vida, e leve p'ra bem longe a Morte que 2020 não se cansou de semear !!!

Anamar

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

" SÓ O TEMPO ... "




Voltou a apetecer-me ouvir Enya, imperiosamente.
Companheira foi de muitas tardes intermináveis, entre letras, telhados, céu e gaivotas dispersas na aragem ... entre paredes de um quarto deserto e silencioso, pensamentos e memórias, quando eram estas que acompanhavam os meus dias e me perseguiam dormindo comigo na mesma cama ...
Há tempos que a não escutava, que não ouvia nostalgicamente o timbre celestial da sua voz.  Há tempos que me não deixava ir indo, na aragem dos fins de dia, entre meio aos pingos de chuva tamborilando na vidraça, solta e livre como os pássaros que rasam a visão dos meus olhos, ou seguem sem rumo aos horizontes de uma serra que não diviso, mas só adivinho na linha do firmamento distante.

Mas é quase Natal, as temperaturas desceram, o céu escureceu e o desconforto envolve-nos.  O vento ruma pra longe as últimas folhas do plátano, que se despe de dia para dia.  Os tons são agora doces, intimistas, quentes ... São cores de solidão, de silêncios, de lembranças ...
São tristes estes dias. À nossa volta tudo pesa, tudo nos carrega de penumbras, cansaços e angústias.
Tempos difíceis estes que atravessamos, mais de morte que de vida.
Hoje, dia do feriado religioso da Imaculada Conceição ... o "meu" dia da Mãe de toda a vida.  Dia dos primeiros cartõezinhos, dos primeiros rabiscos em desenhos sigilosos para se tornarem surpresa no dia seguinte.  As surpresas possíveis, à medida das nossas idades e da ausência de alguns escudos que fossem, nos bolsos de cada um ... 
Mas sempre eram recebidos com a emoção de uma lagriminha que escorria no rosto da minha mãe, enquanto me sentava no colo e me beijava ...
Hoje, graças ao Estado de Emergência que se vive, continuamos confinados sem possibilidade de circulação desde as três da tarde às cinco da manhã.  Depois de novo, da uma da tarde às cinco ... e assim, dia após dia, num forcing desesperante de redução de número de infectados, de doentes em intensivos e óbitos ... para que o SNS não sucumba e para que daqui a uns dias se possa fingir que é de novo Natal !!!

Hoje, se não há neve lá fora, enganam-me. Porque sinto o frio gélido do desconforto das perdas, aqui, bem pertinho do meu coração.
Perdas de ausências ausentes, e perdas de ausências presentes.
Os dias que se vivem levam pra longe tudo e todos, como o vento que sopra além da janela.  Arrastam de nós, muitos daqueles que compunham a nossa existência ... As pessoas não se vêem, não se encontram ... não se sabem ...
Que será feito de ... ?  Morreu ?  Adoeceu ?  Foi p'ra longe, p'ra destinos mais seguros ?  Auto-exilou-se ?  Está a viver ?  Está a sobreviver ?  Pessoas idosas com quem conversávamos, com quem nos cruzávamos ... casais de que só encontramos um ... a dureza de realidades que nos desfilam à frente !...
Amputação de afectos.  Medos. Jovens engaiolados, numa idade em que as asas lhes crescem e os sonhos florescem ...
O cansaço progride, avança, penetra as paredes, adentra-nos as casas, agiganta-nos o silêncio, entrecortado às vezes pelo sinal das notificações do telemóvel que já nem vontade temos de visualizar, responder, ler ...

Temos as "pilhas" no fim.  Temos gasto o manancial de bonomia, de esperança, de paciência.  Já mal nos suportamos, temos a contemporização e a tolerância nos limites, estamos intempestivos e quase explosivos com tudo e com todos os que nos cercam ... Eu, sinto-me assim, e sinto a minha saúde mental perigando, pois o abandono, o isolamento, a indiferença e o encolher de ombros que me tomam, como se pouco já interessasse o que quer que seja, são formas de uma fragilidade emocional e de um desequilíbrio psicológico preocupantes ...
Cada vez mais, busco o isolamento, o silêncio, a introspecção, como se eles fossem uma capa de chuva que vestida, se me colou no coração e não ouso despir nunca mais !...

Lá fora chove.  O céu escureceu e fez-se noite, apesar de serem apenas pouco mais de cinco horas de uma tarde de desconforto e desalento ...
Até quando ?  Quem sabe ?  Ninguém sabe !  Só o tempo o dirá, só o tempo sempre tem respostas ...
Enya garante-o ... "Only time" ...  

... se ainda por aqui estivermos ...

Anamar

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

" DESFRALDANDO MEMÓRIAS "

 



Já não escrevo há muito tempo.  Por um lado, tenho estado dedicada a uma tarefa que aprecio particularmente - a correcção visual das fotografias tiradas na viagem aos Açores, já lá vai mais de um mês ( o tempo voa !... ), por outro porque me sinto meio seca por dentro, atrofiada mesmo, sem absolutamente nada para dizer, ainda que rumine o tempo todo, saltando de estados de alma em estados de alma, de emoção em emoção, de sentimento em sentimento ... ingloriamente !

Hoje, um assumido dia de Outono, daqueles doces, mansos, silenciosos ... em que o sol se envergonha até de brilhar, lembra que neste ano tão especial, também  nesta quadra em que tradicionalmente vivemos o "último Verão" do ano, o S.Martinho ... tudo se ficou pela metade ... nem bem carne, nem bem peixe !

"No S.Martinho vai à adega e prova o vinho" ... 
No liceu, há uma eternidade parece, num tempo sem tempo ... sempre neste dia, a Celeste que aniversariava e elencava o Conselho Directivo, levava para a sala dos professores uma cesta com castanhas acabadas de assar, e uma garrafa de água-pé.  
Quando chegava o intervalo grande  e regressávamos das salas de aula, lá nos esperava essa surpresa que passou a fazer parte de um código de afectos, ano após ano.  
A Celeste já partiu há muitos.  À escola também já não vou há demasiados.  Desses tempos ficaram as memórias, gratas, apesar de tudo.

Amanhã aniversario eu.  E se detesto ter de fazê-lo,  particularmente este ano tudo me é mais difícil de digerir ...
Há exactamente um ano, eu havia de ter uma festa surpresa em Ho Chi Minh ( antiga Saigão ), no Vietname, oferecida pela agência de viagens com a qual me deslocara em passeio nesta época, com a intenção de me afastar daqui neste dia.  
Foi emocionante e divertido, porque tive a honrar-me com a sua presença, todos os companheiros de viagem, bem como a guia que nos acompanhava. 
Ouvir cantar os parabéns lá tão longe, abrir o bolo de anos numa terra tão distante de Portugal e de todos os meus ... assim, de surpresa, sem que o suspeitasse ... receber um lindíssimo ramo de rosas antes do jantar, ocorrido num barco fantástico, fundeado na baía e totalmente iluminado, ter a festa abrilhantada com a animação local, sempre tão sensível e delicada como o são todas as manifestações artísticas orientais ... foi um gratificante e inolvidável acontecimento !

Há dez anos atrás, no difícil pra mim ano de 2010, pelos mesmos motivos, aniversariei em Bali, onde me refugiei, também lá do outro lado do mundo.  
Viajava absolutamente só, e fui também agradavelmente surpreendida, por parte do hotel onde me alojava, com uma festa  de comemoração do meu aniversário.
Aí, no meio de uma infinitude de línguas e de rostos, o transversal  Happy Birthday  tomou o lugar do nosso "Parabéns", cantado que foi, em uníssono por todos os presentes.
Foi portanto também, um carinho acrescido naquela solidão que me envolvia ...

Há vinte anos ... no carismático ano 2000, de mudança de século e de milénio, quando eu festejava igualmente o encerramento de mais uma década na minha vida ... nova festa, à minha revelia.
Desta feita, aproveitando a minha ausência em viagem pelo Brasil com a minha mãe, na realização do que era o seu grande sonho, os que cá ficaram, prepararam-me um evento absolutamente indescritível. 
Na Golegã, local escolhido, uma quinta ancestral albergou uma festa p'ra mais de cinquenta amigos que me homenagearam, vindos de lugares tão variados e distantes, como o Alto Minho ou o Alentejo.
Amigos que há muito não via, outros mais próximos e presentes ... amigos que caminharam comigo desde a escola, o liceu, a faculdade. Amigos de sempre !  Amigos de vida !
Houve fados de Coimbra, discursos, muito riso, muita festa, comida espectacular, serviço com pompa e circunstância ... tudo previsto e calculado nos mínimos detalhes, sobretudo pela minha filha mais velha que é exímia e completa nesse tipo de coisas .

Este ano, outra década que cessa.  Número redondo outra vez, nos anos que caminham comigo neste percurso destinado.
Este ano, de todos estes, seguramente o mais particular, o mais estranho, o mais inesquecível !....
Só que, desta feita pelas piores razões.
Será certamente lembrado como um penoso ano não vivido, um ano a mais no nosso cômputo existencial e um ano a menos na ampulheta real das nossas vidas !
A pandemia continua a ceifar vidas, esperanças, sonhos e projectos.  Continua a grassar a eito, indiferente a tudo e a todos, semeando dor, angústia e ansiedade.  Adoecendo as pessoas, matando aos poucos, por fora mas sobretudo no âmago dos nossos corações e da nossa alma. 
Este ano não tenho nada a festejar, num ano que é p'ra esquecer .  Não tenho presente a pedir, porque o que eu queria não me pode ser oferecido ... a dádiva de uma vida com a normalidade que precisamos !...
O reganhar da esperança e do sonho, arredados que estão destes meus dias cansados !...

Por toda a mata os cogumelos de Outono eclodiram com as primeiras chuvas mais a sério.  As pedras dos caminhos já escorregam com os musgos que despertam. 
Não há borboletas.  Cumpriram o seu ciclo de vida, e foram ...
Os pássaros silenciaram e já pouco saltitam entre os galhos despidos das últimas folhas douradas que ainda persistem ...
A mata, como a vida, parece entrar em hibernação.
O corrupio inexorável do tempo ... indiferente e impiedoso !...

Anamar

domingo, 20 de setembro de 2020

" DIVAGANDO ... "

 


O Outono está a chegar ...

De mansinho bate-nos à janela, e entrará pela porta principal dentro de três dias.  O equinócio de Outono, ao virar da esquina, fez-se já manifestamente presente  nestes últimos dias ...  A chuva chegou com ameaça de borrasca considerável, as temperaturas desceram, o céu cobriu-se de nuvens e o sol amarelou na tonalidade, amansou e tornou-se doce e envolvente, como só este sol de fim de estação o sabe ser ...

Apesar de já nos despedirmos de um Verão fugidio e distante, vivido pela estranheza de tempos que não entendemos, fica-nos no coração o sentimento de uma injusta despedida, de uma sentida partida, de alguma coisa que não chegámos a experimentar ... de iguaria a que nos subtraíram, antes mesmo de podermos saboreá-la ...
Alcançámos claramente o ponto de não retorno, que tudo tem, na existência humana ... 
Na Natureza também !
Breve a hora mudará, os dias ficarão mais curtos e a noite descerá mais cedo.  De novo as nossas vidas se remeterão ainda mais ao confinamento entre paredes, onde os silêncios, a solidão  e os momentos de intimismo nos confrontarão mais e mais connosco mesmos, numa introspecção, num solilóquio e numa imersão emocional equilibrante e gratificante, neste vórtice enlouquecido e esgotante, que experimentamos por cada dia que vivemos ...

O Outono é um período de pausas, de avaliações, de sonolências.  É um período de adocicadas sensações, como se, tal como a Natureza, abrandássemos a marcha, desacelerássemos todo o nosso metabolismo emocional, corrêssemos as cortinas p'ra deixarmos o coração pairar numa luz apenas coada e ténue, numa luz difusa e aconchegante, de toca que se prepara para a hibernação reparadora.
Tudo à nossa volta se pinta em cores de quentura boa, em sons de sesta anunciada, em embalo de colo materno ...
É a Vida a preparar-nos para o que vem.

O Outono é a melancolia duma tela de Monet, a envolvência duma partitura de Vivaldi, ou simplesmente o sabor generoso dos arandos, dos diospiros, das romãs, dos mirtilos e framboesas , das amoras silvestres ... dos marmelos e de todas as compotas que hão-de tornar mais doces e vívidas,  as memórias das avós e tias doceiras da nossa meninice ...
O Outono é o laranja, o ocre, o vermelho, os castanhos e os dourados esmaecidos, da folhagem que já atapeta praças, alamedas e jardins ... com a chegada dos primeiros ventos mais castigadores ...
É o aroma que trepa no ar, quando as castanhas desejadas, estralejarem no assador ...
E é também os musgos e os líquenes que amarinham os troncos na mata, e a caruma que resmalha quando os nossos pés se perdem pelos caminhos da serra ... 

... a lembrarem que é Outono outra vez !...

Anamar

terça-feira, 16 de junho de 2020

" MAIS UM DIA SEM HISTÓRIA "



Dia sem história, modorrento e arrastado. Dia daqueles que não levedam, que não levantam, quais claras em castelo sem fôlego.
Ontem, dia de aniversários. Dia destinado a festa, alegria e disposição. Jantar mascarado, naquele ritual fantasmagórico de chegada ao restaurante.  Cumprimentos de longe, de leve, sem compromisso, sem beijos ou abraços.  Resta a bebé, que dorme o sono dos justos sem saber que colo ou que peito a aninha ...
Tudo estranho, eufemisticamente desenhado como jantar de família, porque o calendário mandou ... a vontade não tanto !
Hoje, esbarro em mim própria, embrulho-me nas pernas, por astenia de vontade.   Encalho nas letras que se negam a formar palavras, menos ainda frases, ideias e histórias ...
Desperdiço tempo.  Levo os dias a desperdiçar os dias, neste arrastar de tempo sempre igual.
Tempo engelhado, enrugado, enrodilhado, envelhecido de esperado, tempo cansado de sonhado em vão.  Tempo sem história já !  Maculado do ranço acumulado ou dos sonhos vazios ...
Tempo escrito com histórias reinventadas, para ver se é menos inglória a jornada ...

Mais um dia com o sol a disparar rumo ao horizonte ... com pressa de chegar, porque a travessia de oriente a ocidente, é longa e desesperançosa.  Daqui a pouco é noite !
Já não há histórias que pintem de azul os dias, e de estrelas as noites.
A caminhada é insípida e sinuosa.  Labiríntica e sem rumo, como as estradas no deserto que rumam a lugar nenhum, embora sempre haja um oásis na cabeça de cada homem !
Puro engano ! Atrás de cada duna, há só mais uma duna, e nunca se chega ao fim da eternidade, e as miragens sempre atentam nas esquinas das areias ...

Cansaço.  Canseira.  Saturação.  Tempo inóspito rumo ao Verão, que se abeira sem água que nos dessedente.
As rosas já floresceram.  Os jacarandás pintalgam de lilás e mel as pedras da calçada.  E tudo foi em vão, porque a cidade não se acendeu com a alegria de sempre.
As vozes que nos povoam as noites desertas já não falam do amor embrulhado em laço de fita, as gaivotas que voam por aqui, já perderam o rumo das falésias distantes ...
E só há uma imensa e pesada solidão !...

Anamar

quarta-feira, 10 de junho de 2020

" TEMPO DE RECUAR "




Hoje foi dia de recuar no tempo ... e voltar no tempo, nunca dá coisa boa !

Sentia-me totalmente desocupada, num daqueles dias que cirandamos sem destino, nem que seja no habitual périplo caseiro, mexendo aqui, abrindo ali, olhando acolá, com todo o tempo do mundo à nossa frente.
Depois de mais uma noite mal dormida, quase uma noite não dormida, mercê do disco partido que adquiri, e que dá pelo nome de "gata surda a miar pela casa fora, ininterruptamente pela madrugada" ... fui caminhar com sacrifício acrescido, pois parecia-me antes, estar a cumprir uma penitência e não propriamente a usufruir de um tempo lúdico ... tal o estado "desgraçado"  a que me sentia votada.

O meu rumar lá atrás começara já durante a noite, num dos "intervalos" em que até consegui sonhar ... Os sonhos, é sabido, umas vezes lembramos, outras não ... desta vez fiquei com farrapos na memória.
Ainda assim, era um sonho meio baralhado ( como aliás convém a qualquer sonho que se preza ... 😃😃😃 ), pois remontando a factos pertencentes a quinze, dezasseis anos atrás, incluía anacronicamente a minha gata no enredo ...
Percebe-se claramente porquê.  É que enquanto eu tentava dormir e até mesmo sonhar, ela continuava a "serenata" no corredor, paredes meias comigo ... Só pode ter sido isso !!!

Almocei e vim dar volta a uma gaveta cujo conteúdo precisava  reavaliar.  De lá pingaram então memórias, em que há muito não mexia e que já nem lembrava estarem por ali.  Documentos escritos, fotografias ... enfim, algumas das coisas que sou perita em manter comigo.
Quando um dia eu for em viagem de ida, muito trabalho terá quem cá fica para "encaminhar" para o "arquivo morto", como diz a Lena, o tanto que guardo em caixas e caixinhas, sacos e dossiers que na verdade só a mim respeitam ...
Ou então tenho que me cultivar o sentido do desapego, atempadamente, para ainda de cabeça feita, conseguir cortar os laços afectivos e emocionais que me prendem a tão valiosas e inestimáveis insignificâncias na minha vida ... e dar-lhes eu, o destino que então entender !
Não será fácil, conhecendo-me como me conheço ...

Essas incursões pelos idos de dois mil e pouco, mais não foram do que uma espécie de reencontro com aquela de quem tenho uma infinita saudade, e com tempos que nostalgicamente me assomam à mente e ao coração : a que eu era então, a vida que eu detinha e as histórias da minha história, nesses anos transactos !
Ultimamente dou por mim ( nesta escorrência temporal que parece ter-nos estagnado as existências ) em romagens absurdas, em buscas inglórias da minha silhueta, da energia criativa de que dispunha, dos sonhos que me invadiam e me faziam sentir viva, da força impulsionadora que me guiava ... até do meu sorriso ...
Ultimamente, nesta vida atordoada que é a nossa realidade actual, arrasto dias insipidamente iguais, sou uma sombra descolada de um corpo, que meio vivo meio morto, vai percorrendo tempos sem definição, rumo ou norte.  Sinto-me pardacenta, baça, sem luz e sem brilho no caminho.  Sinto-me sem vontade ou decisão, como as palavras que não saem de línguas entarameladas ...

Olham-se as fotos, perscrutam-se os olhares, avaliam-se os sorrisos ... relembra-se este e aquele episódio, fazemos rewind das histórias, reabrimos as emoções ... e parece que repegamos o passado e o arrastamos ao presente, nem que seja por brincadeira, por saudosismo ... apenas por pirraça, como se isso pudesse consolar-nos, acrescentar-nos ou compensar-nos, pelo menos !
Mas nada disso é verdade.  Nada disso acrescenta, afinal, um pingo que seja de sonho, à inevitabilidade do transcurso inexorável do destino de cada um ...
... simplesmente porque o tempo não recua nunca !!!

Anamar

domingo, 23 de fevereiro de 2020

" POR AÍ ... "





Tarde ensolarada de mais um Carnaval ...
Aí está uma época do ano e uma efeméride que sempre detestei.  No meu senso de humor não encaixa ter que me "divertir" quando o calendário assim o decide.
Mas hoje o dia foi absolutamente generoso com os foliões, com temperaturas de franca Primavera, embora ainda tenhamos um mês de Inverno pela frente.

O Carnaval é sobretudo para as crianças  que, seja qual for a fatiota que lhes inventem, ficam felizes e eufóricas, na magia de uma personagem encantada.
Relembrei inevitavelmente os anos aqui em casa, com duas para mascarar, nos tempos em que ainda não existia a panóplia de oferta extremamente variada, criativa e baratinha, propiciada pelas lojas dos chineses e afins.
Os fatos de então, eram confeccionados ( o que era uma bela de uma chatice ), ou alugados, o que obviamente não era para todos os bolsos.
A escolha não tinha muita margem de variação ( sempre se tentava que no ano seguinte se retomassem os modelitos já passados, com a inerente resistência por parte de quem os envergaria ... 😃😃😃 ).
Havia que rentabilizar o mais possível o trabalho e o capital ... ( rsrsrs ).  Assim, a minhota, a sevilhana e as fadas, eram coisa certa e segura ...
Depois passava-se à epopeia de vestir, de pentear adequadamente e de maquilhar.
Enquanto que uma das minhas filhas desejava, suportava e participava mesmo, na "construção" da figurinha, não reclamando e prestando-se a todas as facécias necessárias (cabelos ripados, palha de aço na cabeleira para segurar a peiñeta, e imobilidade quase total para que a pintura saísse a preceito ), a outra quase tinha que ser manietada para lhe conseguir fazer qualquer coisa.  Fugia, não queria, esquivava-se o mais que podia.  Era um cansaço e uma prova de esforço, conseguir sair incólume de tal odisseia !
Hoje, tem uma filha com idade para as mesmas tropelias.
E também a mãe "corta um dobrado" para a convencer, quase ingloriamente, a deixar pôr a bendita fatiota e prender as asas de borboleta, ou a bandolete das antenas no alto do cocuruto ... o máximo permitido ... ( rsrsrs )

Nessa altura, o Carnaval ainda tinha sabor a vida, a brincadeira, a boa disposição.
O tempo passou.  Os mais velhos ignoram as palhaçadas da época.  Dezoito, quinze e doze anos conferem-lhes o "estatuto" de gente muito crescida e séria ...
Resta a "pitorrinha" de pouco mais de dois anos e meio, com quem, como disse, o sucesso não parece ser muito !!!

Eu agora ando assim.  Não sei se serei só eu ( penso que não ), para quem a vida se norteia por revivalismos de tempos passados, ou por uma afobação sentida e urgente, de esgotar tudo aquilo que ainda possa, enquanto possa.
Uma vida feita "às pressas", como se fosse acabar-se amanhã ... e uma vida de lembranças e recordações, boas e más ... sempre gratificantes, porque o são da minha história.
A fragilidade da existência, a efemeridade da mesma, a precariedade dos tempos e a corrida vertiginosa dos dias, assustam-me e pressionam-me.  As vinte e quatro horas voam, literalmente.  Levanto-me tarde, é certo, o que consequentemente as encurta.  Mal tenho aqui o sol a inundar-me, frente à janela, já daqui a pouco estou a descer os estores, porque o céu  laranja lá longe no horizonte, me anuncia que mais um dia está a findar ...
Nada disto é obviamente saudável.  Nada disto deveria ser condicionante das nossas vivências diárias.  Afinal a vida segue indiferente, angustiemo-nos ou não.  E tudo será o que tiver que ser, quando tiver que ser !...
O mundo é cada vez mais um lugar perigoso de se viver.  Viver, é cada vez mais uma condição humana, exponencialmente de risco elevado...

Cerca de duas mil e quinhentas pessoas morreram já, com a pandemia que se alastra indiferente, neste barco de casco disfarçadamente roto, que é o planeta.  O medo instala-se e grassa.
Não adianta, dizem.  Sabemo-lo bem !  Afinal, como estancar ou refrear  num mundo de globalização, a circulação permanente, incontida e fácil das pessoas e dos contactos ?!
Assim, a juntar às incertezas que se vivem, inerentes às dificuldades experimentadas por todas as realidades existentes a nível pessoal, familiar e social ... a juntar ao horror dos conflitos generalizados, das guerras instaladas, dos ódios, da fome e das perseguições ... a juntar às mais disfarçadas agressões a que o ser humano é sujeito em permanência ... à constatação angustiante indiferente e doída da degradação do planeta, vítima do descaso e da loucura de alguns ... a juntar a tudo isto, digo, como se um castigo viesse redimir tanta ignomínia, como se se fizesse um qualquer acerto de contas no Universo ... como que um cerco se fecha, e as doenças acrescidas àquelas que já nos fustigam, amarguram-me, intranquilizam-me, assustam-me, e apavoram mesmo os meus dias ...

Não  será  preciso tanto, dirão.   Afinal,  para  se  morrer  basta  estar  vivo ! - Velhíssima  máxima ...

Nos últimos dias têm partido figuras públicas que, por o serem, não nos passam despercebidas.  Indivíduos que também escreveram, à sua maneira, a História do nosso país.  E, apesar de para mim representarem apenas isso ... o facto de deterem em si, o protagonismo do enriquecimento da nossa realidade nas mais variadas áreas, culturais, sociais e políticas, com o contributo que nos legaram ... sempre me sinto empobrecida, nostálgica e interrogativa com o seu desaparecimento ... como se o mesmo fosse um processo contra-natura, despropositado e ilógico ...
Afinal foram meus contemporâneos, são meus "conterrâneos" e responsáveis também, por um acréscimo e uma valorização integral dos meus conhecimentos, da minha personalidade ... da minha individualidade enquanto gente, aqui e agora nesta Terra !...

Bom, não alongarei mais a escorrência dos meus estados de alma ...
Hoje tratou-se tão somente disso mesmo ... um mix aleatório, um fluir solto, desconstruído, sem elaboração prévia ... sem linha ou estrada previamente decidida.
Simplesmente uma torrente a esmo  pelo meio dos escolhos que me atormentam, das interrogações que me coloco, das perguntas insolúveis, das respostas silentes às dúvidas audíveis ... Exactamente como me foram chegando ...
Por aí ...
Não mais ...

Anamar

domingo, 16 de fevereiro de 2020

" REGRESSO ÀS ORIGENS "





Fui ao Alentejo.

E o Alentejo está lindo neste fim de Inverno, início de uma Primavera que já se apruma a chegar.
Tem chovido alguma coisa e a Natureza que é frugal, desponta em força, exuberantemente verde, prometendo para breve, o multicolorido das flores que começam a anunciar-se pelos campos fora.
Os pássaros chilreiam, em tempos de acasalamento. E volteiam, em afobação de ninho.
A vida brota, o ciclo reinicia-se e aquele chão generoso não se esquiva nunca.
As cegonhas empoleiram-se,  geração após geração, no ninho que as viu nascer, agora que notoriamente já não emigram para o norte de África.  O clima, a garantia de satisfação das necessidades alimentares e uma segurança nas vidas, fixa-as na paz de habitações colectivas, em verdadeiros "condomínios"  pelos postes de alta tensão acima, à beira das estradas.
Depois, o gado pastoreia placidamente e é uma paz para a alma ouvir-lhe os chocalhos, o balido das ovelhas, o ladrar dos cães ... a brisa que perpassa leve e solta pela charneca ...
e  os sinos dos campanários longínquos, dando as horas numa lentidão arrastada, numa paz modorrenta, como as sombras doces e longas, projectadas por um sol manso e também ele meio dormente ...
E o silêncio ... aquele silêncio que é e não é, que se se escuta e adormece, em cumplicidade com as memórias e com a presença "ainda", dos que já partiram mas que sempre estão por ali ...

E lá estão as gentes, as vozes cantadas, a solicitude nas respostas, se uma pergunta lhes é feita ... Sempre ... como sempre, ao longo dos tempos ...
Encontrei os mesmos velhos, na ociosidade da pirisca esquecida no canto dos lábios, nos bancos de pedra do largo da Matriz ...
Velhos do asilo, a maioria ... que procuram conforto no calor dos raios do sol, e paz na certeza do reencontro diário ...
Senti-lhes as mesmas conversas lentas ... as mesmas de há cem anos.  As mesmas de toda a vida.  De todas as vidas ...

E aquela terra, não nega que é a minha terra, deserdada que estou na cidade impessoal.
O sangue fervilha logo que os cheiros, os sons, as cores e o olhar  ( que de repente ganha asas e espaço para se alargar além-horizontes ) descomanda e ciranda livre e solto, como eu o era, nos tempos de pai, mãe, avós, tios e primos ...
Todos já foram indo, abrindo caminho ao que há-de ser, quando for ...

E as pedras da calçada  ainda falam de mim.  Mesmo que as tranças já não existam. Mesmo que da casa mãe, só existam as paredes iguais, esvaziadas e silenciosas, sem alma ... porque são outras, as mãos que a detêm ...
E as histórias também, porque essas, são perenes, porque são histórias de Vida !

O largo, dos jogos da macaca, das brincadeiras de roda, da "linda falua", das  covinhas  dos berlindes ( tampas dos pirolitos mantidos no fresco do poço, revestido de avencas verdes e frondosas, para adoçar as refeições ) ... está lá, intocável, parece.
É um largo de memória e saudade !...
Da loja do Zé Marovas, com a exposição de tudo quanto lá se vendia  pendurado em pregos, na rua, parede fora, desde as pás de lixo em zinco, às vassouras, aos alguidares de vários tamanhos, às panelas, às pequenas alfaias agrícolas, escadotes, canas e pincéis para a caiança, tintas, cal  e tudo quanto a necessidade exigisse ... só existem os pregos, e portas e montras entaipadas há muito ... numa parede de velhice e solidão ...
A barbearia do Zé Francisco, lugar de amenidades, encontros e novidades da terra, também já foi.
A senhora Teresa, das miniaturas em barro para as brincadeiras da raparigada, partiu há muito.
As senhoras Capitoas, frente à casa da avó, onde os queijos frescos, de alavão pessoal, e o almeice que fazia as delícias da minha mãe ... são também uma lembrança distante, apenas.
A menina Sofia e a irmã, solteironas, austeras regentes escolares  já então aposentadas, muito respeitadas e vivendo duas portas abaixo ... sempre paravam pela janela ou pelo postigo ... E havia que serem cumprimentadas, à passagem.  A educação assim o impunha ...
A igreja da Saúde,  igreja das missas do Galo pela mão da avó  embiocada no xaile dos dias solenes, na gélida madrugada dos Natais ... continua a "desvendar-me"  com nitidez, a luz clara do altar, o incenso do turíbulo, o som dos cânticos ecoando, e a imagem do Menino cujo pezinho beijaríamos à saída. "Vejo" tudo claramente ... enquanto a lembrança mo deixar ...

E as horas foram indo ...
Breve, a torre do castelo daria as horas do regresso.  E deu.
Lá longe, a cidade de sempre, nos lugares de sempre, com as pessoas de sempre ... na vida quase sempre igual, requeria que eu voltasse ...




Anamar

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

" E A PRIMAVERA AINDA DEMORA A CHEGAR ... "




O ano começou há exactamente uma semana .  É um recém-nascido peremptório, teimoso e cheio de artimanhas.
Veio carregadinho de vontades imperativas, sem dar cavaco a ninguém.
Prometo que não vou falar daquelas frases "kitsch", tipo  "uma nova página a ser escrita",  " vêm aí 366 novas oportunidades ", "o tempo passa sozinho, mas és tu que viras a página" ... " meta para 2020 : ser feliz! " ... e bla bla bla ... tipo receitas do Pantagruel ...
Irrita-me o vazio de frases feitas e irrita-me a bonomia de mão passada pela cabeça ... deixa lá, vai ser melhor, não desistas dos sonhos, depois da tempestade vem a bonança ... basta acreditar ... e etc, etc, etc ...  Tudo lindinho, tudo fofo, tudo iluminado ... com os corações pseudo plenos de paz na Terra, amor e boa vontade !
Como se tudo fosse exactamente assim ... como se a vida, o tempo, a nossa existência fossem exactamente bombons  embrulhados  em pratas coloridas ...

Acho que estou gradualmente a perder a capacidade do sonho.  A capacidade do acreditar.  A capacidade da esperança.  E tudo isto é grave ... é mesmo muito grave !
A estrela do presépio não assomou por aqui.  Não  me ensinou caminhos,  e  o  meu "deserto" está mergulhado na profunda escuridão de todos os desertos, onde só o firmamento vive ponteado de fogachos longínquos, alguns  inexistentes, apagados e mortos ... à semelhança de muito, do tanto que inventamos.
A sua luz ficou lá atrás dos tempos e das eras ...

Entra ano, sai ano, correm horas, dias e meses, no desfiar implacável de amanheceres seguidos de ocasos.  Ilusoriamente acredita-se que tudo será privilegiadamente diferente, só porque  o  calendário ( essa invenção de mau gosto ), deixou pingar a sua última página ...

Um Inverno, agora generosamente solarengo, pintalgado de azuis e laranjas, enfeita-nos os dias, promete-nos alvoreceres auspiciosos.
Não faço intencionalmente previsões.  Não desenho metas ou pinto cenários, obviamente.
Vou só vivendo ... tão simplesmente.  Vazia ... ou melhor, esvaziada de ilusões.  Acho que essas, feneceram, tombaram quais folhas caducas, das árvores de finais felizes, que se despem impiedosamente, rumo ao sono retemperador e intimista da estação que vivemos.

E a Primavera que ainda demora a chegar ...

Anamar

domingo, 22 de dezembro de 2019

" NEM SÓ OS PÁSSAROS ... "



Só os pássaros passam as redes das escolas desertas, onde os risos soltos das crianças não ecoam, neste período de silêncios escolares ...
As portas estão cerradas, as relvas desabitadas e os bancos das merendas sozinhos e tristes ...
Os pássaros, nos seus voos de liberdade sempre passam fronteiras, sempre vencem distâncias e vão além dos muros. 
As folhas dos Outonos que já foram, atapetam de ocres queimados o chão molhado das chuvas persistentes.  As azedas, as macelas e outras vivazes, festejam em explosão de alegria os verdes das alcatifas com que a Natureza  forrou as terras sedentas ainda há pouco.  As águas derramadas dos céus encastelados foram bênção prazeirosa e potenciadora da floração das espécies de Inverno.

Na mata também só há silêncios.  Os habitantes não se vêem.   Só se ouvem.  Continuam a saltar por entre os galhos.  Abrigam-se da intempérie nas árvores de folha perene.  Lá terão os ninhos, por certo.
A Natureza despiu-se.  Só os musgos e os líquenes trepam os troncos, enquanto que os cogumelos selvagens ponteiam o chão, e as primeiras bagas começam a despontar ...
A solidão ... uma solidão, um abandono e um desconforto parecem pairar, e ombreiam com o meu sentir.  Os silêncios estão-me por dentro e por fora, como se a alma e o corpo iniciassem uma hibernação providencial ...

E há uma paz.  Só a busca daquela paz me leva para os caminhos enlameados.  Me leva para as veredas desertas, na certeza de que nem vivalma anda por ali.  As pessoas fogem  do cinzento, das sombras, da escuridão mesmo, que fecha os dias antes de tempo.  As pessoas fogem do silêncio ... do que parece ausência de vida ...
Eu, não.  Eu vou por lá ganhar um banho de tranquilidade, de equilíbrio, de contemplação, como se fosse uma purga da civilização que se impõe.  Como se fosse uma fuga ao que deve sentir-se e viver-se agora ... ainda que se não sinta ... Só porque é Dezembro, só porque é Natal ... e outro ano tudinho novo a escrever-se, abre o livro ...
Eu vou por lá beber, respirar, empanturrar-me de Natureza ... porque é a única fiável, certa e segura que me envolve.  A única perfeição que nos coexiste, neste minúsculo ponto do Universo ...
E o conforto que experimento não se descreve.  É uma masturbação infinita na alma, e uma faxina retemperadora no coração !

Acho que estou a tornar-me eremita.  O ser humano cansa-me mais e mais.  A capacidade de emaravilhamento, de sonho, de identificação, de plenitude, de êxtase ... neste momento só a encontro no diálogo que estabeleço com os seres irracionais que me cercam. 
Sinto-me feliz e em paz com a ternura dos gatos que vivem comigo.  Sinto-me preenchida e leve, quando persigo o voo das gaivotas frente à minha janela.  Respiro até ao âmago de mim mesma, no cimo de um penhasco, no alto de uma falésia.  Converso com os ouriços dos castanheiros, e silencio ao escutar os avanços e os recuos das marés, nos areais açoitados pelas ondas alterosas ...
Escuto a brisa leve que perpassa, e respeito a força dos vendavais que ordenam ...
Fascino-me com os acordes da música que toca dolente aqui ao meu lado, com a doçura da tarde que se pôs ...
E aí sim ... sinto-me um pouco feliz !...

"Só os pássaros passam as redes das escolas desertas, onde os risos soltos das crianças não ecoam, neste período de silêncios escolares ..."

O meu pensamento livre  voa com eles  além das redes, além dos muros e das paredes, além das convenções, do certo e do errado,  das memórias, da nostalgia que me toma ... numa troca muda de palavras com o silêncio do meu quarto !...



Anamar

sábado, 9 de novembro de 2019

" VOU "




Mais um Novembro no calendário.
Nasci nele e no entanto é um mês que me atormenta um pouco.  Transmite-me um misto de emoções difíceis de descrever.  Vira-me p'ra dentro de mim mesma, recolhe-me às cinco da tarde, como o dia que se encerra ...
E fala-me, fala-me de tempo e de passados.  Que coisa chata !
Novembro tem datas e memórias que saltam da profundidade do existir e escarafuncham-me a alma. Ainda que eu não queira.
Plantam-se-me na cabeceira como um vaso de cardos a atormentarem-me o sono.
Como uma mosca impertinente e invasiva, Novembro não respeita o aqui e o agora. Sendo que o aqui e o agora é o que vem depois do existir, em tempos que foram meus ...
Agora tudo parece demasiado impessoal e distante ...
Há escorrências do coração que não se estancam.  E quando nos pensamos apaziguados ... não é nada disso.
Novembro tem datas demais !
Novembro  tem  as  saudades  que  tombam, tantas  como  as  folhas  do  Outono  que  o aninham ...

E vou embora.  De novo vou buscar lá fora, longe das rotinas das coisas e das pessoas, num anonimato ou clandestinidade cómodos, uma tranquilidade e um distanciamento que os lugares e as memórias me não permitem por aqui.
Esta demarcação temporal dos anos, neste corrupio vertiginoso sem parança, lembra-me a cada momento da efemeridade da condição humana.  A celeridade com que os meses nos desfilam no calendário, a precariedade de certezas e seguranças, fazem-nos sentir a cada momento, com uma fragilidade sem tamanho, como se caminhássemos em arame sem rede protectora.
E a passagem dos anos, e as limitações que acarretam em termos de saúde física e mental, consciencializam-nos para a certeza de que os prazos de validade se nos escoam por entre os dedos, e  de que estamos mesmo a cumprir simplesmente um ritual de passagem ...

Vou p'ra outro mundo, outras civilizações, outras gentes e outros costumes.  Vou lá para os lados onde o sol nasce, onde os cheiros dos trópicos e o calor de dias com outras cores, nos afagam a alma.
Vou para uma terra com palavras que não conheço, com sabores que desconheço e com um desapego e uma espiritualidade que sempre me tocam.
Vou buscar silêncios ... talvez.  Vou buscar ecos nesses silêncios.  Vou ao encontro da genuinidade dentro da simplicidade.
Vou recarregar a alma, no conforto do reencontro comigo mesma, imergindo em multidões de seres.
Vou olhar as cores, beber a brisa adocicada das terras quentes, afundar a alma no azul transparente de águas mansas e escutar os sons.
Vou ... porque há tanto mundo a conhecer por aí ... e eu só tenho uma vida.  Uma vida curta, mas uma ânsia desmedida !...
Vou ... talvez simplesmente, em busca de mim mesma !...

Anamar

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

" INSATISFAÇÃO "




Estou aqui em voltas e mais voltas, sem que jorre sequer um assunto, um tema, algo interessante para escrever.
Dispensei uma amiga com quem iria tomar café, na expectativa reconfortante de que, aqui no meu canto, seria seguramente bafejada com alguma ideia medianamente aceitável.  Qual quê ... sinto-me vazia por dentro, ou melhor, sinto-me esvaziada de conteúdo.
Crise de criatividade, consciencialização da desimportância objectiva do que escrevo, ou desinteresse  mesmo ?
E no entanto precisaria escrever, já que, fazê-lo, é uma catarse que me é vital.

Parece que já escrevi tudo o que tinha a escrever, nos tempos em que só me restava o espaço sufocante de permeio a estas quatro paredes, que por vezes se agigantavam.  Aqui, no sossego e na solidão do meu quarto.
Nos tempos em que os meus gatos eram as figuras importantemente silenciosas na minha vida, em que a minha gaivota esvoaçava por aqui, pousava perto, e piscando os olhinhos, me trazia notícias lá de longe, da orla costeira onde as águas batiam nos rochedos na maré baixa, e em que o seu vai-vem embalava e adormecia a alma ... nos tempos em que cada por-de-sol, com toda a sua singularidade, me fazia sonhar, na nostalgia da partida ...
Nos tempos em que a música, doce e lenta, escorria incessantemente e me aconchegava ...

Parece  que essa  "eu",  não  existe  mais.  Parece  que  essas  memórias  estão  a  ser  engolidas pelo tempo,  parece  que  o  mundo  à  minha  volta  se  descaracterizou  inapelável e doídamente ...
Chego a ter saudades desse tempo que foi.  E no entanto, não era um tempo fácil ... não era sequer um tempo feliz !
Estranho tudo isto !  Estranho, o ser humano ... ou se calhar, simplesmente estranha apenas eu, nesta insatisfação magoante que me tortura e despeja por dentro.
Parece que então, havia um norte que eu perseguia, um objectivo que me motivava, um foco que me justificava a caminhada.
Nada disso percebo, neste momento.  Nada disso percepciono neste timing da minha existência.  Parece que não há muita coisa que me valha a pena, ou me preencha.  Parece não existir de facto muita coisa que me dê asas, ou me sirva de bordão ...
É um marasmo que me inunda.  É uma angústia que não explico, que me toma.  É uma melancolia morna que me envolve ... São as cores outonais que me pintam o coração ...

Talvez nada importante.  Não sei.  Talvez nada que me "autorize" a sentir assim, nesta espécie de ingratidão com a vida.  Afinal, continuo viva por aqui, continuo com saúde e com os problemas que eventualmente as pessoas encaram, sem excessiva preocupação, felizmente.
Olhando à minha volta, sei exactamente que poderei chamar-me e sentir-me privilegiada !

Mas, fazer o quê ?...

Não consigo, por mais que racionalize, fazer valer a pena a vida que detenho.  Excesso de burrice, seguramente, utopia para a qual já não tenho idade, miopia formal face ao desenrolar dos dias ...
E sei-os a passar vertiginosamente.  Sei que cada minuto desperdiçado e não valorizado, é um minuto inglória e irreversivelmente delapidado.
Há quase ano e meio que a minha mãe partiu.  Incrível !  Parece ter sido ontem ...
Há quase dois anos e meio que a Teresa nasceu.  Igualmente incrível !  E de tudo fala, e tudo conversa e interage de uma forma rica e desinibida.
Ainda ontem o António usava fraldas e dançava ao som da "Joana come a papa ", e já entrou para a Faculdade.
E daqui a pouco, aniversario.  Um ano mais que não me interessa nada, e que vou procurar ignorar, longe daqui ...
E assim por diante !...

Como folha tombada num riacho serpenteante por entre as pedras, que vai encalhando pelo caminho ... como fiapo de algodão largado no vento que sopra ... como nuvem perdida no firmamento, que se faz e desfaz ... ou barco sem vela ou remo, longe do cais ... assim me sinto eu, sem rumo, bússola, norte ou motivo ... amodorrada que estou, numa onda pardacenta que não coa a luz !...

Anamar