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quinta-feira, 13 de julho de 2023

" AS PROFUNDEZAS DO NOSSO EU ..."

 


O ser humano é de facto uma máquina extremamente complexa.  Não me refiro, obviamente aos seus contornos físicos mas sim à impenetrabilidade da sua mente, da sua psique, daquele "mundo" hermético e inacessível que é o seu eu interior ... onde o alcance, o conhecimento e consequentemente a compreensão e descodificação, de tão impenetráveis, eu diria serem uma impossibilidade, mesmo para os especialistas entendidos na matéria, independentemente de disporem ao dia de hoje de infinitas ferramentas e metodologias desafiadoras, testadas e largamente ensaiadas.

De facto, o "eu" interior de cada um é um universo tão avassalador e escuro, que até à própria compreensão escapa.

Não sou estudada nessa área, não tenho conhecimentos seguros no domínio científico que me confiram qualquer grau de conhecimento ou autoridade que me permitam pronunciar a propósito.
Só tenho a informação do que vou lendo, associada a uma curiosidade pessoal, preocupação e interesse de pesquisa de auto-conhecimento, um interesse profundo em analisar procurando entender, em mergulhar sempre mais fundo para explicar determinados padrões comportamentais que reconheço em mim.  Um interesse genuíno e legítimo de "me" auto-conhecer, afinal ... 

Ao longo da vida, quase sempre me impressiono por exemplo, com inexplicáveis posturas de recorrência, aparentemente incoerentes e indutoras até de sofrimento repetido, mas que assumo teimosamente, como se houvesse um qualquer determinismo de vida que me comanda e contra o qual eu não tenho capacidade de enfrentamento.  
Apesar de as identificar, é como se no meu "computador" mental existisse impressa uma matriz emocional condicionante do meu comportamento ... um registo algoz que me pressiona, me empurra, dele eu fosse refém ... ele sim, com ascendente sobre a minha mente e a minha vontade, contra o qual eu perco a capacidade decisória, a força interior e o livre arbítrio ... 
Duma  forma absurda e ridícula ... como se eu fosse refém ou marioneta desse "mundo" das profundezas !...

Porque razão se repetem recorrentemente os mesmos erros, como se os perseguíssemos?
Porque razão agarramos os mesmos paradigmas posturais, fazemos as mesmas escolhas desastrosas, como se cultivássemos um masoquismo estranho e doentio do sofrimento ?!  Sabendo-os não obstante, erráticos !...

Exemplifico :  Porque razão, no meu percurso afectivo, o perfil de homem e ligação que sempre persegui e onde me refugio gratificantemente, corresponde a uma personalidade que já demonstrou não me fazer feliz?!
Contrariamente, duma forma racional, o perfil que teria toda a potencialidade para me trazer estabilidade e paz, é desprezado por mim.  Sempre !
E como tal, já se imagina o resultado prático das coisas.

O mesmo se passa com uma das minhas filhas. Parece ter uma tendência mórbida para o insucesso emocional e afectivo.  Busca, busca e não chega a lado nenhum, ou seja, privilegia escolhas que, à partida, ela já sabe só servirem para lhe encrencar a vida.
Reflecte, analisa, percebe claramente onde erra o caminho, não consegue afastar-se o suficiente para, usando de algum pragmatismo e frieza de cabeça, corrigir a mão e enveredar por outro trilho.
Desperdiça sempre, o que ( pelo menos do ponto de vista analítico de quem não está directamente envolvido ), lhe valeria a pena em detrimento de uma realidade cujo filme já conhece, que já visualizou vezes demais, que sabe sobejamente, a fará infeliz.  
Mas a atracção do abismo parece ser mais forte que tudo, e é manifestamente "suicida" ...

A mim, de certa forma isso foi explicado por uma psicóloga em consultas de psicoterapia.  Passo a expor :
Fui filha de um pai idoso.  Quando nasci o meu pai tinha 48 anos.  Viajante de profissão, foi, ao longo da vida, uma figura distante, "fugidia", alguém que eu via de quinze em quinze dias, alguém que não estava fisicamente, desde que comecei a ter consciência da vida.  
Era portanto alguém que nunca estava no imediato, cuja segurança e protecção nunca poderiam por isso, serem providenciadas em tempo real.  
Vivendo com a minha mãe exclusivamente, a qual assumia toda a responsabilidade da minha educação, foi-me incutida a incerteza do meu pai viver até à minha independência e autonomia.  Hoje, com a longevidade do ser humano, esta ideia não faz muito sentido, mas estamos nos anos cinquenta ... Sempre pairou, portanto, a ameaça do afastamento forçado da figura paterna, que consequentemente nunca foi segura e certa.  O meu pai era a figura masculina que na minha vida, entrava, saía ... digamos que perpassava por ali, como um "homem em fuga"...
Pois bem, psicologicamente o ser humano regista, fixa o paradigma de "homem" e tenta repeti-lo para si, ao longo da vida.
Pareceria que eu deveria escolher para mim, exactamente o oposto deste perfil que me fazia sofrer, ou seja, homens que me estabilizassem, com quem eu contasse, que fossem certos e seguros, homens que pela sua postura "presente" sempre me equilibrassem por me reduzirem as angústias e as incertezas ... Mas não !  
Ao que parece, eu busco nas figuras masculinas a repetição do que tive ... ou seja, as minhas grandes relações, sempre foram homens com um elevado grau de impossibilidade, alguém não certo, não disponível, alguém com quem eu nunca poderia contar até à exaustão, alguém que verdadeiramente nunca fosse "meu" e com quem eu na verdade jamais contaria a cem por cento !...
Isto, em detrimento de tudo o que afinal tornaria tão mais simples a minha existência, a tornaria teoricamente mais gratificante e preenchedora, na minha vida emocional e afectiva !

Mas eu estou numa faixa etária em que apenas reflicto, analiso, concluo ... e verdadeiramente já não me molesto com nada disto.  Foi assim, teve que ser assim ... pelos vistos há explicação científica para as coisas ...
Agora, ver alguém nosso a destruir-se com uma "maldição" titânica, em que apesar de todos os esforços, destrinças e alertas, continua a deixar-se atolar em profundezas inóspitas e escuras, como se num pântano mergulhasse, é desesperante e destruidor !!!

Anamar

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

" TINHA QUE SER "


Parei de escrever no início do mês.  Assim o atesta a data do meu último post. 

Verdade seja que estive fora duas semanas, o que a juntar a preparativos de ida e depois da reinstalação na chegada, faz p'ra lá de um tempão.  Por isso, a juntar à já de si escassa inspiração e ausência de factos que pudessem agitar as águas por aqui, não tenho tido aquele "assento" como costumo dizer, para escrever fosse o que fosse.

Mas chegou o dia no formato e com o "desenho" desejável para a reassunção daquela paz, daquela introspeção, daquela interioridade que convidam ao silêncio dum quarto na semi-obscuridade de um único candeeiro aceso, onde apenas tamborila a chuva miúda na janela frente a mim, e onde a música relaxante de um CD de clássica, me confortam e aninham.
Beethoven, Schubert, Schumann, Mozart ... desfilam doce e lentamente, enquanto as palavras descem ao teclado e a tela do monitor se compõe.
Uma verdadeira tarde sonolenta, com o horizonte fechado além dos prédios mais próximos, um cinzento cerrado e um silêncio que eu diria absoluto, parecem dizer que tudo dorme lá fora ...

Estamos numa época do ano em que a "hibernação", a ausência aparente de vida, o intimismo que se respira dentro e fora de nós, nos remete para um aquietar das emoções, dos impulsos, dos sentimentos.  É mais um período de passividade do que de actividade.  É mais um período de reflexão, de análise, em que somos mais espectadores de nós mesmos do que actores e construtores de novos caminhos.
O Natal espreita já, melancólico, tristonho como eu sinto todos os Natais, silencioso e despojado como cada vez mais os vivencio.  A turbulência, a agitação, o brouhaha das festas cada vez menos me motiva.  Apetecia-me afastar-me dos lugares, das pessoas que me são indiferentes, de quem faz apenas número e cumpre calendário, apetecia-me ficar apenas com os que me aquecem a alma, com o silêncio das memórias, com o calor com que elas preenchem o gélido dos vazios deixados nos dias e nos tempos ...

Por estes dias tomei uma decisão há muito adiada e que se arrastava ano após ano, por tibieza de vontade, por saudosismo e por falta de coragem mesmo.  
Custo muito a desligar-me das coisas, não pelo seu valor material ( a esse não dou qualquer importância ), mas porque cada coisa é uma história, cada coisa é uma pessoa, uma palavra, um momento ...
Cada coisa tem o cheiro próprio do instante, tem a luz do que foi vivido, tem o som do que foi dito ... tem a gargalhada, o suspiro ... a lágrima que escorreu ...

Escancarados os roupeiros, despendurado o recheio de cada cabide, olhada com a indiferença e o distanciamento possíveis cada peça, procurando despi-la da emoção que lhe estava agarrada, da representação que configurava, foi a vez de dizer um basta e de separar definitivamente o que ficou no coração e na alma e o que cada trapo representou.
Isto estava comigo há catorze, há 15 anos ... isto foi usado nesta e naquela circunstância ... isto está associado a ... e por aí fora ...
Chega !  Não vale a pena esta espécie de flagelo à memória, este mau-trato a mim própria !  Definitivamente, o tempo foi, passou, foi o que foi e não é mais.  E este "grude" fétido, empesteado e doentio, tem que ser banido, raspado da minha pele e da minha memória.  Chegou a hora de exorcizar os meus "fantasmas", de acabar com esta intocabilidade, este "respeito" absurdo, como se estivesse a cometer o crime de violar uma espécie do santuário que todo aquele guarda-roupa religiosamente conservado, representou ... Tudo isto é louco demais, anormal demais ... doente demais !...
Mas acabou !
A página virou, a esquina dobrou, o livro fechou-se ... para sempre !!!  

Às vezes é preciso tomar decisões radicais nas nossas vidas e expurgar de nós mesmos muita coisa que nos dói  mas de que, pela significância assumida, não nos foi fácil, atempadamente, fazer o corte.  
Felizmente um dia a razão fala mais alto e a lucidez acaba por imperar. Afinal nada é eterno ... nada persiste para sempre !!!

Anamar

quinta-feira, 18 de junho de 2020

" FESTA DA AMIZADE "



Nesta anormalidade quase já normal que vivemos ( já nem conseguimos surpreender-nos com nada ... ), resolvi desafiar duas amigas, daquelas de toda a vida.
Amigas, meio amigas quase irmãs, de quarenta, cinquenta anos ... por aí ... daquelas que a vida nos oferece de bandeja, no virar de uma esquina, num qualquer acidente de percurso ... Que chegam, e depois nunca mais partem das nossas vidas !
Até porque nós nem íamos deixar ... era o que faltava !!!

Não podemos nunca esquecer que os amigos são a "família" escolhida, e são eles que, quando os nossos ancestrais vão partindo, nos ficam à cabeceira ...
São eles que nos escutam, quando os acontecimentos que nos atravessam o caminho, nos tentam derrubar ... são eles que nos limpam as lágrimas e nos dão colo, se os desgostos nos invadem e amarfanham ... são eles que nos amparam quando parece não haver luz nenhuma nas estradas a percorrer ... e o cansaço nos atormenta ...
Mas é também com eles que dividimos as alegrias, que rimos, brincamos e partilhamos momentos que por serem tão especiais, se tornam eternos ...
E foi um desses momentos, a tarde em que confraternizámos ontem.

Desafiei duas amigas, dizia eu, a fazermos um almoço juntas, num local que conheço e que sei seguro, com respeito por todas as regras do desconfinamento, na preservação da segurança individual de cada uma de nós.
Em torno de um caril de gambas com frutas, de um copo de branco bem fresquinho e de umas farófias tão inexpugnáveis quanto as muralhas encasteladas das fortalezas mouriscas, nem demos pelo tempo passar, tão animada era a conversa, tanta a necessidade de nos contarmos como estamos a viver todo este pesadelo, como tentamos superar as dificuldades que parecem ser cada vez maiores, tanta a cumplicidade que advinha de uma partilha de histórias que foram as nossas, e vividas tão de perto ao longo dos tempos ...
Os assuntos fluíam naturalmente, porque a linguagem era a mesma, a forma de estar e sentir também, as inquietações identificadas e conhecidas, as angústias partilhadas sentidas da mesma forma ...
As nossas actividades profissionais eram comuns, e como tal, reabrir o baú das recordações, foi gratificante, doce e saudoso ... mas também divertido e mesmo hilariante !
Porque lembrar as histórias, os momentos, os episódios ... até as pessoas que já partiram ... nos aquecia o coração ... nos levava numa viagem de regresso lá atrás, a tempos e a vivências inalienáveis e inesquecíveis ...

A tarde passou, por isso, muito rápido.
Resolvemos, para registar este encontro tão particular e feliz, fazer uma selfie de recordação pela reabertura da vida, pela saída da clausura total e pela esperança em melhores dias.
E na celebração que chamámos de Festa da Amizade, jurámos para breve, a repetição de outro "programita"  assim divertido ... porque a vida é curta e nunca sabemos até quando nos deixarão andar por aqui !...



Anamar

terça-feira, 5 de março de 2019

" NO REINO DO FAZ DE CONTA ..."





Carnaval cinzento, com alguma chuva miúda mas incómoda e aragem desabrida, contrariamente ao tempo que se tem feito sentir nas últimas semanas.  Está mais para quarta-feira de cinzas do que p'ra terça gorda ... O próprio tempo a brincar, ao que parece, ele mesmo, com os foliões !

Nunca gostei desta quadra meio ilógica e aparvalhada.  Desde miúda, fase da vida de riso fácil, folia desejada e inconsequência óbvia, nunca apreciei essa determinação calendarizada, de rir, brincar, disparatar e ser irreverente, só porque "é Carnaval e ninguém leva a mal " !
A busca de nos passarmos por um "outro" que não somos, de nos enfiarmos debaixo de uma pele que não é nossa, de fazermos de conta gratuitamente que agora é a hora de estar feliz e divertido ... nunca foi a "minha praia".
Em criança, inevitavelmente a minha mãe sempre me mascarava.  Era uma questão "institucional".  E sempre, da mesma coisa.  Ou era de sevilhana, ou de minhota ou de camponesa da Serra d'Ossa, em cujas faldas ficava a vila onde havia nascido.  Eram as indumentárias existentes à época, ainda assim, emprestadas por uma madrinha rica que podia dar-se ao luxo de as haver adquirido.
E todos os anos, os Carnavais tinham para mim, portanto, o mesmo "rosto".
Era uma chateação ter de me prestar a tais atribulações de vestimenta, penteado e maquilhagem, só para vir à rua fazer um pequeno desfile.  Não dava para o trabalho.  Acho mesmo, ou melhor, tenho quase a certeza de que a minha mãe se divertia com isso, bem mais do que eu ...

Os anos passaram e foi a minha vez de ser mãe.
Carnaval existe todos os anos, a tradição, incoerentemente parece meter-se dentro de nós, as famigeradas farpelas atravessaram os tempos e continuavam a pé firme ( com alguma picadela de traça na lã das indumentárias ) ... e as minhas filhas, igualmente sem entusiasmo excessivo ... foram as próximas "vítimas" !...

Ainda não existiam lojas de chineses, com toda a panóplia interminável de trajes de tudo e mais umas botas ... a  um  preço  baratinho  baratinho,  fazendo  jus  ao  descartável  da  coisa ( até para que não nos entediemos por repetições enfadonhas ) ... e portanto, a sevilhana, a minhota ou a camponesa da Serra d'Ossa  baixavam ao terreiro, e eram de novo, as opções viáveis.

A minha filha mais velha, desde sempre coquete e vaidosinha, adorava as peripécias.  Não reclamava dos puxões de cabelo a cobrir a palha de aço com que lhe arranjava volume para que a "peineta" não caísse, suportava quase sem pestanejar, a maquilhagem a rigor onde não faltava um sinal postiço e sensual na bochecha, colocava a mantilha com preceito e as castanholas nas mãos, não se agitava muito para não perigar o "boneco", e desfilava com toda a pose e compenetração devidas à circunstância.  E parecia não se enfadar.  Adorava a coisa !
A outra, desde sempre mais maria-rapaz, amofinava-se com tudo aquilo e não descansava enquanto não se desparamentava.
Resumiam-se portanto a curtas e rápidas incursões pelas mascaradas, as tentativas inglórias que eu fazia para que ela se divertisse.
Se divertisse ... achava eu, esquecida que parecia estar dos meus "padecimentos", na curva do tempo  ...
Idas a corsos, desfiles e afins, ocorreram algumas poucas vezes, e ainda assim nunca por iniciativa pessoal.

Hoje, acho que nem sequer já os netos mais velhos se mascaram.  O António, nos seus quase 18 anos, sempre muito contido e formal, penso que só em bébé a mãe o terá levado à certa ...
A Vitória, quase com 15, naquela fase chata e incontornável de uma adolescência espartilhada e controladora, deve achar toda esta transgressão um "non sense" para o que não tem paciência ... aposto ...
Resta o Kiko ... Por acaso não perguntei, mas talvez ele, com os seus onze anos, galhofeiro, super bem disposto e em constante brincadeira ... ele que leva a vida num permanente Entrudo ... talvez ele tenha optado por um qualquer boneco caricatural da sociedade actual, para se travestir. É o seu estilo preferido ...

Agora é a vez da Teresa.  Essa, com vinte e um meses, ainda não disse nem sim nem não ... Mas tanto quanto pude ver, não reclamou ou sequer tentou  tirar  as asas e a saia de uma borboleta linda, com que festejou a quadra, na escolinha.  Espantosamente, nem arrancou da cabeça, como faz impacientemente com os ganchos do cabelo, a bandolete que compunha o traje.  E parecia bem compenetrada do seu papel, rua adiante ...

Bom, isto está mesmo quase a terminar.  Amanhã começa a época cinzenta e descolorida do calendário.  A Quaresma, vivida nos preceitos religiosos, fecha as portas à desbunda, à irreverência e ao "pecado" dos excessos ora cometidos.  Entra-se na penumbra, na reflexão e na penitência.
E a loucura destes três dias em que estranhamente o ser humano se transfigura, se camufla, se omite atrás de uma máscara, ansiando o que não é, não foi e eventualmente nunca será ... a alucinação global, em que mergulhados tudo se nos permitiu, está a findar.
"Se a vida são dois dias e o Carnaval, três", houve que dar vazão aos desvios, aos excessos e às transgressões que se permitiram atrás de um disfarce.

No calor do Rio, ao que vi, a liberdade permitida da quadra, foi instrumento que se usou não só para a festa, a folia e a alegria solta do povo, mas também para homenagens e  protestos.
Felizmente, a manifestação de uma consciência social, a dizer no sambódromo o que não pode ser dito neste momento, a lembrar o que é arbitrário e perseguido, a despertar o que está silencioso e censurado, eclodiu e desceu à Sapucaí e ao mundo, mostrando os desmandos de uma sociedade silenciada, manietada, discriminada e ameaçada !

Em Veneza, o carisma barroco do seu Carnaval, "clean", civilizado, com a habitual "politesse", desfilou para turista ver ... como sempre !

Por cá, as sátiras sociais nos variados Carnavais do país, nos carros alegóricos, nos cabeçudos, matrafonas, zés-pereiras, não pouparam à tripa forra as figuras públicas na berra, passíveis de serem ridicularizadas e denunciadas. As "charges" políticas e sociais não poupam ninguém.
Aqui também, o cariz social  subrepticiamente aproveitado para se dizer o que depois se calará ...


E amanhã, a máscara ... esta ... ( não a de todos os dias ), cairá definitivamente, arrumando-se por mais um ano ... Afinal, foi mais um Carnaval que passou !...




Anamar

domingo, 24 de fevereiro de 2019

" UM FUTURO AMIGO DOS IDOSOS ..."




Caminhando pela mata, num domingo primaveril, desocupado e leve, reflectia eu, no silêncio aconchegante do verde que me envolvia, sobre um artigo que li recentemente no Jornal "O Público", respeitante a um tema que inevitavelmente, em situação normal, nos tocará a todos : o destino que o futuro mais ou menos remoto, dará às nossas vidas.

Quando eu ainda leccionava ( numa escola que foi da vida inteira, com um corpo docente praticamente estável, também da vida inteira ), de quando em vez, meio a rir meio a sério, nos intervalos ou nos "furos", em torno de uma mesa ou num dos sofás da sala dos professores, calhava vir, a sacramental conversa de circunstância : "um dia havíamos de ir todas para o mesmo lar.  O que é que acham ?  Ia ser divertido.  Íamos lembrar as histórias  por que passámos, íamos falar dos assuntos que nos interessam, íamos ter tardes intermináveis de tertúlias infindáveis, e serões à lareira, de risos e memórias, de partilhas e cumplicidades.
Cada um, de acordo com as suas capacidades, motivações e gostos, seria uma mais valia para o grupo.  A confiança e a amizade fariam o resto ...
E claro, íamos ter infinitas embirrações, manias, discussões e "caduquices" !!!  Já pensaram como ia ser animado ?  Bem mais animado seguramente, do que o que provavelmente se desenhará no nosso horizonte, de acordo com os figurinos actuais ..."
Ríamos, dizíamos uma outra laracha a propósito, encompridávamos  o pensamento pelos tempos vindouros, como se dessa forma pudéssemos espreitar adiante ... E pronto ... não passava disso mesmo !

É que,  "esse dia" surgia ainda remoto nas nossas vidas.  Era um cenário considerável, mas tão distante na verdade, nas nossas mentes, que não nos causava qualquer apoquentação real !
Afinal ainda faltava tanto para nos aposentarmos, tanto para envelhecermos, tanto para sequer equacionarmos a necessidade de nos colocarmos essa questão !
Éramos jovens, podíamos tudo, atravessávamos a idade de produzir em pleno, éramos profissionais denodados, mães e pais de filhos ainda pequenos, em idade escolar alguns, menorzinhos outros ... e esse assunto vinha e ia com a leveza de uma preocupação que a bem dizer, ainda não o era.
Conformava simplesmente, uma espécie de brincadeira com que nos experimentávamos.

Contudo, o tempo passou.  E como passou rápido !
Alguns de nós também já passaram do mundo dos vivos, e de outros, vamos sabendo com frequência demais para nossa mágoa e tristeza, que se encontram injustamente em vidas precárias, já sem qualidade ou esperança.
E de repente, parece que esquecemos que haveria um dia em que o "tal dia" nos ficaria mesmo mesmo ao virar da esquina.  E chegamos a surpreender-nos ... nem chego a perceber bem porquê !...

E o nosso devir está aí.  O passado, o presente e o que será o futuro, parecem ter-se sentado rapidamente na nossa mesa, parecem ter ocupado um lugarzinho na nossa cabeceira, por cada manhã que despertamos ...
Os filhos estão criados e criam outros filhos. As casas paternas ficaram imensas pelos espaços vazios que albergam.  O nosso tempo individual também se agigantou.  Os projectos são tão relativos quanto o tempo de que teoricamente disporemos.  E finalmente, não poderemos ignorar ou fingir que não percebemos, que o tal dia se aproxima a passos largos.
Há que delineá-lo, então.  O futuro que ainda tivermos, convém que possamos nós mesmos, defini-lo.
Pelo menos, eu penso assim.  O que eu quiser, dentro do que eu puder, exijo que me caiba a mim decidir.

É aí que se prende o artigo que referi e que posto abaixo, da autoria da jornalista Alexandra Campos do jornal "O Público" e que deixo à vossa consideração.

Em Portugal, esta solução para o destino sénior, poderá ainda classificar-se de uma miragem, creio. Contudo, parece começar a dar os primeiros passos, e parece-me também ter a simpatia e a adesão da maioria das pessoas eventualmente abrangíveis, no futuro.
Não acredito que possa vir a considerar-se com expressão social, já na minha geração, infelizmente.  Seria utópico nisso acreditar.
Pesando embora a sensibilização geral favorável a este modelo de futuro geriátrico, esbarra-se objectivamente, como sempre, em todo o tipo de obstáculos materiais, institucionais, políticos, legais, económicos e até culturais, que na verdade, do ponto de vista prático, serão barreiras muito difíceis de ultrapassar num país de parcos recursos e de carências múltiplas aos mais variados níveis.
Levará tempo até que Portugal se torne de facto, um país "amigo dos idosos" !

Mas que seria tão simpático que dele pudéssemos usufruir ... lá isso, seria !!!



ENVELHECIMENTO -    Jornal  "O Público"   - 22 de Fevereiro de 2019

Vamos envelhecer juntos? Cohousing dá os primeiros passos em Portugal

A “habitação colaborativa sénior”, uma “espécie de república”, mas com regras e serviços de apoio partilhados, pode ser uma alternativa aos lares de idosos e à fatalidade de os mais velhos viverem sozinhos.
                                                      Alexandra Campos 


Na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto apresentaram-se vários modelos de Cohousing 

Kerstin Kärnekull tem 75 anos mas parece ter menos dez. Há um quarto de século que a arquitecta sueca escolheu viver no primeiro projecto de cohousingdo no seu país, uma experiência de habitação “colaborativa” para a “segunda metade da vida”. 
Localizado em Estocolmo, o Kollektivhuset Färdknäppen inclui 43 apartamentos com um a três quartos, uma pequena cozinha e um espaço comum com 350 metros quadrados, onde os amigos se encontram. “Quando envelhecemos, não há nada mais importante do que estar com outras pessoas”, enfatiza.

No Färdknäppen, há turnos para preparar refeições, há turnos para fazer limpezas e há turnos para toda uma série de tarefas. E todos colaboram. É “uma escola de democracia”, sintetiza. Nesta comunidade com 56 pessoas entre os 53 e os 93 anos, cerca de dois terços são mulheres. 
A já longa experiência tem corrido bem. Mesmo aquela ideia feita de que viver em comunidade acaba com a privacidade é um mito, assegura a arquitecta. “Tive um amante durante cinco anos e ninguém percebeu”, graceja.


Kerstin esteve nesta sexta-feira na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto a descrever, perante uma plateia maioritariamente grisalha, como funciona o seu projecto de cohousing, como evoluiu o conceito — que surgiu na Dinamarca nos anos 70 do século passado, e como esta opção de vida revelou ser a mais acertada no seu caso. “Dizem que se ganha 10 anos por viver num lugar como este”, afirma, jovial.
A arquitecta partilhou a sua experiência na conferência internacional “Cohousing em Portugal — Viver Sustentável”, que foi organizada pela associação Hac.Ora Portugal Senior Cohousing, uma associação sem fins lucrativos fundada em 2018 e que é liderada pelo ex-presidente da Câmara Municipal do Porto Nuno Cardoso.

Uma “espécie de república”

O ex-autarca está convencido de que a “habitação colaborativa sénior”, uma “espécie de república”, mas com regras e serviços de apoio partilhados, é a alternativa aos lares de idosos e à fatalidade de os mais velhos ficarem a viver sozinhos quando não têm retaguarda familiar e não lhes resta outra hipótese. “Já há lares de idosos que são fantásticos do ponto de vista físico. O problema é que a institucionalização faz-se muito tarde e as pessoas chegam muito dependentes. O ambiente acaba, assim, por ser sempre um bocado deprimente. E não há soluções para os séniores mais activos”, lamenta.


Exemplos de habitação partilhada

Em Portugal são poucas as iniciativas conhecidas de cohousing, mas há uma em Águeda, já com meia dúzia de anos, fundada por uma instituição particular de solidariedade social, "Os pioneiros", que, em 2012, criou uma “aldeia sénior”, hoje com 18 idosos, que vivem num aglomerado de pequenas casas, com o apoio de profissionais.

Mas há vários projectos a germinar. A Santa Casa de Misericórdia do Porto (SCMP) tem dois: um que passa pela recuperação e reabilitação de "um antigo bairro destinado a mulheres viúvas" e outro, "um núcleo muito restrito", a instalar num imóvel da instituição, dentro de um ano e meio. 
"Poderá revelar-se uma boa aplicação prática deste modelo e servir para provar à população que é possível", explicou o provedor da SCMP, António Tavares, na conferência desta sexta-feira, no Porto.

Em Lisboa, segundo Paula Marques, vereadora da autarquia, há um projecto com este espírito que já tem dois anos: um equipamento "intergeracional" instalado no Bairro Padre Cruz, que inclui "creches e espaços de acompanhamento de jovens" no rés-do-chão e residências assistidas nos andares de cima, apenas para idosos com autonomia. 
O projecto foi promovido pela Câmara Municipal de Lisboa e é gerido pela Santa Casa da Misericórdia da capital.
No encontro, Guilherme Vilaverde, da Fenache (Federação Nacional das Cooperativas de Habitação Económica), adiantou que já se está, com algumas cooperativas, a idealizar vários projectos, mas é preciso "legislação e financiamento".

Mas se alguém pensa que este é o renascer de comunidades hippies está enganado. “Esse movimento está ultrapassado”, afirma Cardoso. 
No cohousing cada família tem garantido o seu espaço pessoal, mas não existe apenas um modelo. Esta é “uma ideia de liberdade”, cada grupo “vai definir as suas regras”, apesar de também haver projectos de cohousing institucional, até para os mais jovens, diz. 
Tendo em conta o acelerado envelhecimento em Portugal, os idosos são, porém, a prioridade. 
Outros países europeus já entraram há muito tempo na corrida e Espanha está neste momento “a fervilhar de projectos”.

Mas se o cohousing vem “ampliar o leque de oferta habitacional” e contribuir para a “regeneração urbana e para a sustentabilidade ambiental”, ainda carece de enquadramento legal em Portugal, afirma o ex-autarca que foi recebido já pela comissão parlamentar para a lei de bases da habitação, onde quer que este modelo venha a ser contemplado.

Num país de proprietários

Ainda júnior em Portugal, a habitação partilhada já tem longos anos em vários países. 
São muitas as iniciativas de cohousing, como demonstrou Sara Brysch, arquitecta e doutoranda da Co-Lab Research na TU Delft (projecto holandês), que explicou que este conceito é “bastante flexível”. Pode resultar em cooperativas de residentes, em grupos de construção (caso da Alemanha), em soluções de cessão de uso (caso de Espanha).
Também a propriedade dos espaços pode ser privada, colectiva, cooperativa ou então poderá optar-se pelo arrendamento cooperativo (modelo que predomina na Suécia). A ideia é ter casas ou apartamentos independentes (equipados com todos os serviços essenciais de uma habitação, com quartos, casa de banho, cozinha/kitchenette, zona de estar) e um espaço comum partilhado, com sala, cozinha, lavandaria e, eventualmente, quartos para convidados.
A arquitecta deixou claro que o cohousing  “não é uma comuna, não é um condomínio fechado, não é uma cooperativa de construção nem é co-living, porque o modelo mais comercial não inclui a participação dos residentes”. E, frisou, é essencial assegurar a criação de parcerias, financiamento e envolver autarquias.


Em Portugal há um obstáculo: somos um país de proprietários (75% das famílias compraram as casas onde vivem). É uma questão cultural, mas que pode ser ultrapassada. 
Ainda temos energia e este é o modo de vida que nos interessa”, atesta a economista Luísa Bernardo, que seguiu com interesse a conferência. “Nós somos potenciais vendedores das nossas casas”, diz, lembrando a frase de uma mulher que optou por este modelo: “Disse ao meu filho: eu é que vou sair de casa."

Anamar

quinta-feira, 14 de junho de 2018

" TINHA QUE SER ... "




As minhas "miúdas" aniversariam no próximo 15 de Junho, sexta-feira !  Mania das mulheres sempre terem destas originalidades ... 
Com tantos dias do ano, espaçadas de treze anos, entenderam que o 15 de Junho seria delas !  Excentricidades femininas ... eu diria !...
Significa isto, que enquanto que a Vitória completa os seus catorze anos ( à beirinha de entrar numa idade mais responsável, séria e complicada da vida ... acho ), a Teresa inicia-se nestas andanças de apagar velas, ou vela ... mais propriamente... coisa que ainda não domina.

Desta forma, as minhas duas netas resolveram complicar-nos um pouco mais a vida, porque se uma já quase quer ir à discoteca, ter o jantar com os amigos, numa incipiente abordagem nocturna ... a outra, tem a noite como imprópria para qualquer evento ou comemoração, nem que seja apagar a sua própria vela, porque essas horas se coadunam mais, para chupeta na boca, rabugice de sono e ó-ó na almejada caminha.

Assim, a logística destas coisas fica quase irresolúvel !

Juntar as comemorações, juntando a família e os amigos, seria uma ideia.  Contudo, vem a revelar-se como um feito épico... uma impossibilidade inultrapassável.
Para ajudar à festa, uma vive separada da outra pelo Tejo de permeio.  Margem norte, margem sul, com todo aquele  "emocionante", rápido e fácil acesso à ponte, que todos conhecemos, com dificuldade acrescida ao fim de semana ... e com dificuldade mais acrescida ainda, neste tempo beirando o Verão, com o pessoal sedento de praia, mergulhado que tem estado há tempo de mais, na metereologia desanimadora e pouco generosa  que se tem feito sentir ...

Por isso, nesta minha família de meia dúzia de "gatos pingados", tudo parece tornar-se sempre, gozadoramente provocador e difícil.... se não, mesmo impossível !
Discute-se  ( parece-me que sem qualquer sucesso ), o "onde", o "quando", o "como" fazer para congregar interesses, conciliar vontades, enfim levar a bom porto o que efectivamente seria engraçado entre as primas ... poderem, desde já e vida fora, vivenciar em partilha com todos nós, a comemoração dos seus nascimentos.

Não sei se é o ser humano que é difícil de ajeitar, se aqui se trata sumariamente da confirmação de que não há de facto, coincidências ...  É  que, com mães complicadas na forma como encaram as coisas, duma maneira sempre espartilhada,  musculada e irredutível, cada uma na sua "intocável" óptica, sem lugar a contemporizações, sem corações p'ra grandes cedências e acertos  entre si, ou as raparigas um dia tomam conta da coisa, ou destas "moitas" não sairá "coelho" ... estou em crer !
É muito cedo para isso, mas penso que a "décalage" temporal entre elas, não irá mesmo viabilizar o alcance desse desiderato, haja em vista que quando a Teresa tiver a idade que agora a Vitória tem, já esta provavelmente é mãe de filhos ...
Isto sou eu, a pensar !... ( rsrsrs )

Assim, estamos de novo encalhados num beco aparentemente sem escapatória.  E se vislumbrámos, lá longe, uma luzinha  promissora  por entre as nuvens encasteladas que por aqui persistem em passar, o que nos animou o coração e encheu a alma de auspiciosa esperança, logo o negrume do céu volta a descer e a envolver a nossa realidade, impedindo a concretização do que seria um passo importante na vida de todos nós : a aproximação das "margens" ...

Portanto, estou em crer que ainda não são as minhas "miúdas", desta feita, a conseguirem  pegar a ponta do novelo para o desemaranhar, a conseguirem colocar bom senso na cabeça dos adultos, a conseguirem tornar uma "família" numa família de verdade !!!...
E é pena !

Talvez um dia possam vir a perceber, a importância de certas coisas na vida !...








Anamar

sábado, 2 de junho de 2018

" UM CASO DE JUSTIÇA "





Nas minhas deambulações por aqui, abrindo, lendo, relendo ... deparei-me com uma enorme falta minha, perante quem me lê, embora involuntária.
Essa falta exige-me, obviamente, uma retratação e consequente pedido de desculpas.

A página deste blogue onde publico cada texto, exibe em rodapé um item referente aos comentários que cada um queira apor no mesmo.  Sempre olho e quase sempre leio "sem comentários". 
Até porque quando alguém comenta, entendia eu, que deveria ser ali expresso, como algumas, poucas vezes acontece.

Bom, lamento e sempre entendo que a parca interacção entre quem me lê e mim própria, se deverá por certo, ao fraco interesse ou qualidade do que vou postando.
"Paciência"... digo-me, porque sendo eu uma mulher de dialéctica, de tertúlia, de opinião, sempre mantenho alguma expectativa em relação ao feed-back que gostaria de ter.
Mas as pessoas, apesar de visitarem o Filosofices ( o que fica registado ), não são obrigadas a opinar nada, mesmo que o fizessem, como quase sempre acontece, de forma anónima.

Ora hoje, "bisbilhotando" outras insuspeitas funcionalidades do blogue, verifiquei que afinal constam efectivamente, registos de variados comentários, ao longo dos tempos, aos quais, pareço não ter respondido,  sugerindo uma postura incorrecta e desadequada da minha parte. 
Uma deselegância sem tamanho, porque prezo todas as opiniões, mesmo as divergentes, e sempre aprecio os diversos pontos de vista que tornam o ser humano múltiplo e singular.
Fiquei, digamos que pasmada, e de mal comigo mesma.

Apresto-me portanto a pedir aos meus leitores, as mais sinceras desculpas por esta minha "distracção" /ignorância, que parece reflectir sem que o seja, um desinteresse, um descaso, uma profunda incorrecção da minha pessoa.

Não foi esta, claramente a minha intenção !

Mas porque a defendo, acho que a justiça está sempre em tempo de ser reposta !

Agradeço-vos a todos, peço-vos uma vez mais a generosidade da vossa compreensão e tentarei daqui para a frente, manter-me atenta, ser mais cuidadosa e agradecida !

Anamar

sábado, 4 de abril de 2015

" OS APÁTRIDAS "





Isto de não se ter terra, tem que se lhe diga !...
Nestas alturas, Natal e Páscoa, época de êxodo do pessoal, isso dá cá uma gastura !...

Viver na grande cidade, sobretudo na capital, confere-nos um estatuto  injusto de "orfandade".
Até as cidades de província, sobretudo do interior, sendo agregados populacionais menores, são menos impessoais, menos incaracterísticas, menos anónimas, mais aconchegantes ... mais regaço e ninho!

Por outro lado, estou crente  que quem nasceu e viveu a sua vida, exclusivamente na capital, será um devoto inveterado do seu chão, sentindo-o  como de facto o é, o único "colo de mãe" que conheceu.
Acaba por estabelecer raízes, laços e cordões que vêm do útero telúrico.
Não anseia logicamente outra realidade, não sente outras necessidades ou premências ... Não conheceu outra terra, de berço.  E a gente ama o que conhece !

A questão coloca-se em quem, tendo nascido no interior, nele criou os seus mais antigos e profundos laços relacionais, nele implantou afectos, nele vivenciou as primeiras emoções ... e depois, fruto do percurso da vida, migrou para a capital, e aí se radicou.

Verdadeiramente, este indivíduo é um indivíduo de fronteira, é um desalojado ... é um "sem terra" !...
E depois, é também um ser desmembrado, dividido, amputado, de alguma forma ... Porque, muito embora toda a sua realidade se processe na grande metrópole,  quase sempre o coração permaneceu por lá, as memórias também, e a saudade continua arreigada àquela terra, de onde, fruto das circunstâncias, foi extirpado !
E sempre  o  seu imaginário mais embalador, para  lá o remete ...

Lá, era a casa dos avós ou mesmo dos pais idosos ...
Lá, era o "paparico" da tia velha, que jurava nos engordaria, aquando da nossa estadia  ...
Lá, ficaram as brincadeiras irreverentes, a época auspiciosa das férias, os amigos, que por serem os primeiros, o eram de coração e para toda a vida ... Os primeiros namoricos ... a emoção do primeiro beijo aceso ...
Lá, eram os dias grandes e ensolarados, a liberdade da rua ... lá, era a sensação da borboleta solta, voejando de flor em flor ...
As  memórias  mais  doces, normalmente  as  da infância e  da  juventude, prendem-se  claramente por lá ...

A vida real, dura e sofrida, a vida adulta, à séria, implacável quase sempre, com os seus inerentes e óbvios desencantos e dificuldades, as responsabilidades pesadas que nos ajoujam ... instalaram-se mais tarde, na grande cidade que nos acolhe.

Esse indivíduo apátrida, vive portanto entre duas referências, dois mundos, duas memórias distintas !
E sempre que pode, quando pode, responde ao chamado do coração.
E o êxodo inicia-se.
É assim nos Natais, é assim nas Páscoas, quase sempre no Verâo !...

Lisboa esvazia-se, e há uma exuberância na migração, uma alegria provocatória e contagiante, uma expectativa infantil, em cada família, em cada pessoa, à medida que os quilómetros da estrada se vencem, e o torrão natal se aproxima !
À medida que o céu de Lisboa nos fica pelas costas ... e o ruído do trânsito incómodo, se substitui pelo zumbido dos insectos, pelo pipilar das aves, pelo sussurro afagante da brisa campestre, à tardinha ... pelo marulhar manso da ribeira !
Pela proximidade  antevista dos rostos queridos, das conversas que se hão-de ter, das gargalhadas que se hão-de soltar, das novidades que se hão-de trocar ...
Somos portanto reais emigrantes, dentro da nossa terra ...
A ansiedade é sem dúvida a mesma !  A felicidade, também !

Mas  depois há ainda uma terceira realidade, a mais doída e a mais dramática de todas.
Respeita  àquele em que nos tornámos, quando  naquela terra que era a nossa, que nos esperava sempre, nos acolhia e aninhava ... já só existe um vazio de doer ...
A família já partiu faz tempo ; os lugares, com o passar dos anos, descaracterizaram-se, já os não conhecemos ;  as casas que foram "nossas", detentoras dos nossos sonhos e ilusões,  foram alienadas, ou já não têm pedra sobre pedra ... e os amigos que lá fizemos, mercê da passagem irrevogável do tempo, do afastamento e da realidade da vida, parecem-nos estranhos ...
A cumplicidade  que nos unia não a sentimos mais ... não com aquela força mobilizadora, que parecia nenhum vento ser capaz de abanar ...
Restaram as imagens esfumadas nos olhos, os sentires já difusos no nosso coração ... as memórias e as recordações felizes, que agora doem ...
E uma lágrima teimosa que espreita, e um nó na garganta que sufoca ... Não mais !

A vida não nos deixou  nenhuma margem ...

Não vale a pena engrossar nenhum êxodo ... porque não temos sequer para onde o fazer !...
Ficamos ... mas ficamos tristes, quietos no nosso canto, a vê-los partir ...  É como se afinal, nenhum pedaço de terra, tivesse sobrado para nós !...

Tristemente, tornamo-nos assim, no  mais "apátrida" entre os apátridas !...



Anamar

segunda-feira, 25 de março de 2013

O " DESTINO " IRREMEDIAVELMENTE INFIEL DO " MACHO "...



Estava aqui a reflectir com os meus botões, e o que reflecti não acrescenta nem retira nada  a tudo quanto seguramente é do domínio de todos, nem mesmo tem um pingo de originalidade na história dos "géneros", transversalmente à Vida,  tenho a certeza, !

Resultou a minha reflexão de um facto algo insólito,  que reporto como hilariante, que me fez sorrir ( já que não sou de riso fácil ), e que deve ter deixado alguém  talvez "atrapalhado", ou pelo menos "um pouco lixado" ... se é que os homens se atrapalham com coisas destas ... o que duvido !!!

E prende-se ao facto de, pelas 8 horas da manhã, me terem caído no telemóvel, duas mensagens que não me eram dirigidas, e que por desígnios do destino, ou porque o diabo está por vezes atrás da porta, o emissor das mesmas, teve o azar de ter disparado erradamente.

A pessoa que emitiu as mensagens é minha amiga, tem uma vida familiar construída equilibradamente, com filhos em idade escolar, inclusive.
É o tipo de "chefe de família" - puxando agora este chavão em desuso, mas que acho que se apropria aqui lindamente, para que percebam o que quero dizer - absolutamente certinho, cumpridor de horários, dedicado, preocupado ... em suma, eu diria tão exemplar, que incapaz de " partir um prato",  ou  "meter a pata na poça ".
Pois bem, as mensagens foram disparadas em hora de distração ... e como vos disse, erradamente ...
Azar dos azares !!!

Nada importante afinal, estou certa !  ( Eu é que ainda me esforço para acreditar no Pai Natal !!... )

Foi então que comecei a repassar na minha mente, como numa espécie de "rewind", o perfil de miríades de homens que conheço, que conheci, com quem convivo, uns mais amigos que outros, uns mais proximamente que outros, uns na categoria de conhecidos, outros nem tanto.

E realmente ... voltei a sorrir ...  Só sorrir !
E pensei com algum desânimo : " De facto, pobre da mulher que acredite que pode acreditar ( desculpem a redundância ) no parceiro,  que com ela divide este planeta " !!!...

Não vou pormenorizar, não vou sequer enumerar, não vou concretizar ( não vem à colação, embora na minha  cabeça  tivessem  desfilado  dezenas  de  perfis  todos com  rosto,  na maioria ... apenas  referidos  por  outrém ... alguns ).

Na  realidade, o  "bicho-homem"  não  resiste  a  sossobrar  aos  seus  desígnios  de  "macho", de "animal-macho" ...
Isso,  sobrepõe-se a tudo ...
Ao razoável, ao aconselhável, ao "direito", ao correcto, ao justo, ao certo, ao honesto, e se calhar ao coerente e digno ( e ficaria aqui a enumerar razões, que não esgotaria ... )
É um impulso, uma "pulsão sexual" irresistível,  uma necessidade de afirmação de virilidade, talvez uma insegurança,  que de quando em vez o assalta e tem que ser reforçada,  para o equilibrar e tranquilizar ... Sei lá !!!
Sei,  é que  se  lhe impõe uma estranha necessidade de desligar uma "cabeça" !...

É característica de género, só pode.  Não tenho dúvidas !...

No domínio dos humanos, com a carga moralista que sobre nós se abate, obviamente essa questão é imediatamente rotulada de infidelidade, de depravação, de safadeza, de mau-caracterismo !...
Eu tenho um amigo, que diz  que o Homem é intrinsecamente  polígamo, e que é "contra-natura" ter uma só mulher.  Por essa razão nunca casou .  Teve e tem relações mais ou menos longas, ao sabor do seu bem-estar, e pronto !  Salta  "de galho em galho", até que  "o tigre que existe nele", sossegue, como diz, a sorrir !!!
Esse, ao menos é coerente, ou frontal, ou realista ...
A maioria  tenta camuflar.
Sabe que essa postura é fortemente refreada de facto, pela moral judaico-cristã vigente e ainda não liberalizada, que nos espartilha, apesar da abertura cada vez maior da sociedade, e da "tolerância" progressiva da mesma, aos costumes ( que deita diariamente abaixo "tabus" e inibições ).
Como tal, hipócrita e cinicamente, tenta dar uma de "bom menino", "enquadrado" e " inocente" ... e depois ...  engana-se  nos "sms" ... ou  deixa  "rabos  de  fora", encontrados  sem grande  esforço  pelos  mais  atentos !!!... ( rsrsrs )

Noutras civilizações, noutros povos norteados por outras determinações morais e religiosas, esta questão fica diluída ;  não é sequer considerada.
A poligamia pode ser aceite como normal.
É normal o sultão ter várias mulheres nos haréns. As tribos índias, os aborígenes e outras etnias, vivem com partilha "pacífica" de fêmeas.
Muitas civilizações orientais e africanas, alicerçam-se em células poligâmicas, também.
Os muçulmanos permitem-no.  Os budistas, não sendo uma religião, mas uma filosofia de vida, aceitaram a poligamia, bem como o hinduísmo e  o judaísmo conviveram com ela, enquanto que o mormonismo  a pratica.

Entendo como prova de que  a componente genética é determinante, o que se observa  com toda a clareza no reino animal.
Sabemos que quase todas as espécies, se configuram em células encabeçadas pelos machos dominantes, os machos-alfa, que têm o privilégio de escolherem e congregarem à sua volta, um sem número de fêmeas, garantes da sobrevivência e continuidade  da espécie, simplesmente.
Obviamente que no reino dos ditos irracionais,  não há regras religiosas ou morais, condicionantes ou castradoras  das posturas de vida e convivência.
Consequentemente, o que impera e determina, são portanto exclusivamente as características  naturais, genéticas, "selvagens",  na verdadeira  pureza do termo.

E imagino ( ainda a sorrir ), no início deste meu texto, os homens que me lerem,  a "torcerem-se", eles sim com um sorriso amarelo, e a dizerem :
"Como se, e em particular na actualidade, a Mulher não fosse tanto ou mais predadora que o Homem, e como se a "ética" feminina neste momento, chamemos-lhe assim, não fosse exactamente igual " ?!...

Contudo, refuto  parcialmente  esta análise, visto que continuamos a viver  numa sociedade ainda claramente machista, e a conduta prevalecente, é, como sabemos,  a de permissividade em relação à prática masculina.
Por isso acredito que, estatisticamente por aqui, tal como na savana africana, continuamos a ter o "leão dominante", a escolher o naipe feminino em que reinará !...

Lá, como cá !...
E  tudo isto adveio  afinal,  do equívoco de alguém, hoje pelas oito da matina ... ou da "irremediável" condenação à  infidelidade do "macho",  coitado !!!...

Anamar

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

" ACABA POR SER DE PRAXE "

Mais um 14 de Fevereiro, sobre que não queria escrever.

Tão simplesmente porque é mais uma das tais datas do calendário, "metida a calçadeira" ( como diria o Carlos ), pelo Homem ( e que por isso mesmo, enjeito ), mas também porque não tenho nenhum motivo especial para festejar alguma coisa que está em vias de extinção, afinal ... o AMOR !

O amor que deveria ser natural, espontâneo, sentido, íntimo, simplesmente vivido sempre ... e não lembrado apenas hoje, "porque sim" ...
O amor que se prestigia neste 14 de Fevereiro, é uma "fatia" particular desse sentimento muito mais universal e abrangente, o amor entre os seres humanos  ( que não existe ), o amor do Homem para com os seres das outras espécies ( que não existe ), o amor do Homem pela Natureza ( que não existe ), o amor do Homem pelo Planeta que habita, a sua casa, o seu ar e o seu chão  ( que não existe ) ...

Hoje celebra-se o amor entre os géneros ... o amor homem - mulher, o amor entre casais, indistintamente ligados por qualquer laço.
Hoje vive-se, ou apela-se a viver-se o amor carnal, o amor dos sentimentos, o amor das cumplicidades, dos pequenos segredos, dos inconfessáveis mistérios ...
Hoje, doura-se a "pílula", compram-se as rosas vermelhas, programa-se ( cada vez menos, por razões óbvias ), um evento especial, alinda-se uma mesa com uma que outra vela, tudo muito vermelho, simbolizando uma paixão acesa, que por vezes nem pálida está, e finge-se ... muitas vezes também só se finge que se está feliz, enormemente feliz, exuberantemente feliz, irremediavelmente feliz !...

Daqui a uma semana as rosas já murcharam, e já estão sobre o "cadáver", como as montureiras das flores secas, dispensáveis e maçantes, sobre as campas, por alturas da missa de sétimo dia ...
O chamado "lixo", também sobre os afectos !...

Estou particularmente azeda ... Nada de novo, certo ??   Nada a que vocês não estejam já habituados ...
E já oiço vozes erguerem-se : " Irra, que esta fulana é intragável !...  Puxa, que osso duro de roer "!...
Pois é ... esqueci o que é o "encanto"  possível da Vida !
Esqueci como é ser agradavelmente vivente, por aqui !  Esqueci e desinteressei-me um pouco ...
O meu GPS avariou, e portanto estou há muito perdida no emaranhado dos destinos a trilhar ...
Mas isso agora não interessa nada !...

Ontem deram-me o endereço de um site da Net, que cada vez mais me fez repensar os valores que realmente norteiam o ser humano,  cada vez mais me mostra como tudo é plastificado nos dias que correm, cada vez mais me fez reflectir, como o ser humano está cada vez menos humano, mais robotizado, mais artificializado, menos "gente" ...

É um site criado, creio, por psicólogos, e que funciona como uma espécie de agência matrimonial dos tempos modernos.
Uma espécie de "rede social", com encadernação de luxo !
Alegando-se que nos tempos que correm, as exigências  profissionais e a vida corrida das pessoas, lhes indisponibiliza crescentemente a possibilidade de encontros, de conhecimentos e ainda mais de acertos nesses conhecimentos ... alegando-se que a praticidade da coisa e o facilitismo da mesma, seriam uma grande ajuda ( porque tempo também é dinheiro ) ... alegando-se que em milhares de perfis com que nos cruzamos, a estatística de sucesso é mínima, obviar-se-ia a tudo isso, criando uma espécie de base de dados com perfis psicológicos, que trabalhados, permitiriam descobrir compatibilidades entre indivíduos com fortes possibilidades de acerto, como par afectivo.

Muito interessante ! ...

Perfis psicológicos masculinos de um lado, feminimos de outros, e o computador a fazer o resto ...
Pessoas, cuja probabilidade de alguma vez se encontrarem, sequer se conhecerem nesta vida maluca, seria nula, ali, bem à mão, ou bem ao pé ... à distância de um "clique" do rato !...
Portanto, consultada esta lista telefónica informática, estas páginas amarelas de um hipotético "amor programado", não se perde tempo, desencanta-se o príncipe ou a princesa encantados, num piscar de olhos, como um coelho a sair de uma cartola !!!
Como se vê, tudo bem "cool", bem "clean", bem de acordo com os tempos de hoje, em que não há tempo, para se ter tempo, nem para amar !...

Por tudo isto,  o S. Valentim coitado, nem ele sabe nem sonha, como tem os dias contados !
Ele, e todo o "circo" à volta do seu "halo" mágico, de fazer reviver pelo menos anualmente, esse tal de AMOR com contornos cada vez mais "demodés", cada vez mais descartável, cada vez mais desvalorizado e esquecido,  e  que  afinal  se  tem   muito   mais  à  mão  de  semear,  do  que  seria  imaginável ... e  desejável  ( digo eu ) !!!...

Anamar

sábado, 3 de novembro de 2012

" O EMBALO DE IEMANJÁ "



"Amarantine"...... lança  Énya  aos  meus  ouvidos ... "love,  is  love,  is  love !"...

Por  que será que me apetece falar em falsidade ??

A falsidade, um dos sentimentos mais preversos e mesquinhos do ser humano, penso.
A falsidade pressupõe disparidade, entre quem ela se estabelece.
Pressupõe que alguém mente, e por isso é falso, e que alguém é enganado, porque não teve capacidade para se defender dessa mentira.

E normalmente essa incapacidade defensiva, resulta da boa-fé, do acreditar, da ingenuidade, até muitas vezes, do amor que une as partes envolvidas, ou melhor, que liga uma das partes envolvidas à outra, obviamente ... apenas.

A falsidade é uma constante da Vida, infelizmente.
O ser humano é ignóbil e monstruoso muitas vezes, e também muitas vezes em seu benefício, sem se dar conta dos "estragos" que causa !
É uma postura comodista sem dúvida, muitas vezes estudada, trabalhada, calculada, o que a torna mais maquiavélica, o que lhe confere um diabolismo desumano !

Usa-se falsidade em relações pessoais, profissionais, sociais, políticas, afectivas ...
Eu diria parecer ser afinal, um "motor de mobilidade" na vida humana, o que é de facto, triste, muito triste !...

Sobre a falsidade nas relações afectivas, já fiz sobejas abordagens por aqui, desde os primórdios deste meu espaço.
Mas, porque é algo que me mexe, me incomoda e me confunde, sou por vezes levada a insistir, por ser um tema que, para a forma como me posiciono na vida, se me impõe, até porque infelizmente, com ele "topo" em recorrência, não o entendo, não o acho necessário em nenhuma circunstância, nem o aceito.

A  falsidade neste domínio chama-se "traição".   E pessoas que atraiçoam, não merecem sequer experimentar a confiança, o amor e a dedicação de quem traem.

A traição é um punhal que se enterra nas costas de alguém, quando esse alguém está exactamente "de costas", sem nenhuma capacidade defensiva.
É portanto um acto de cobardia pura.
É postura de quem não tem frontalidade, coragem, verticalidade, de quem não se pauta por transparência, verdade e lisura.

Trai-se gratuitamente, e para nada  ...  Apenas se acarretam dividendos nojentos, para quem trai, e dor, mágoa e inferno, para a alma de quem é traído !
Penso que é das maiores, e mais destrutivas afrontas que um ser humano pode infligir a outro !

Para trair, um lobo veste a pele de cordeiro, uma meretriz veste a pele de donzela, um vilão mascara-se de "bom rapaz " ...
É uma técnica perfeita de dissimulação e camuflagem ;  lembra a serpente que no deserto espera a presa, de tocaia, aguardando apenas a hora de "dar o bote" ;  ou então, quando a atrai, por técnicas de sedução e mentira.  Quando se dá conta, o veneno mortal já foi inoculado, e nada mais há a fazer ...
Lembra a aranha, cuja teia é um  "véu de noiva" que cintila ao sol, diáfano e prometedor, e onde imóvel e silenciosamente  espera,  que o próximo insecto enrede nela se enrede ...

A traição começa quase sempre por um método de sedução, um processo de maquilhagem ... É uma forma perfeita de "travestismo".
Assenta na confiança adquirida, no envolvimento que se estabelece, no canto da sereia que embevece os ouvidos do pescador, em alto mar, no embalo de Iemanjá, nos corações que arrasta com ela, para as profundezas dos oceanos ...

E depois, não serve rigorosamente para nada ...
É um caminho ínvio e dolorido, que só beneficia, acredito,  mentes doentes e perturbadas, que nem conseguem ter a percepção, da destruição que provocam no seu semelhante ...

E assim se dilaceram  corações, e assim se "matam" pessoas, e assim se aniquilam,  muitas vezes irreversivel e cobardemente, seres mais fracos, menos ardilosos, menos defendidos ...  seres que enjeitam estas formas de vivência com o seu semelhante, seja em que vertente for, sendo que,  muito mais magoada, se o for na vertente emocional, que é dos principais, senão o principal pilar de sustentação do ser humano !...

                                  
 
Anamar

segunda-feira, 13 de junho de 2011

"OH VIDINHA !!!...."

O ser humano é complicado!

Parece viver mais facilmente em situações conflituais do que em aparente acalmia. Contra mim falo, sobretudo contra mim  falo!...

De facto, eu tenho uma remota tendência a não me movimentar muito bem naquilo que me é oferecido em "bandeja de prata", comparativamente ao que tem custos penalizantes para mim.
Parece que as coisas que me têm sabor, devem vir envoltas em sangue, suor e lágrimas...e mais, é tudo aquilo que não me vale a pena, que me vale a pena!...

Oh pobreza!!! Que gosto eu tenho em "avacalhar" a minha vida tantas e tantas vezes, sem lhe dar pelo menos de quando em quando, uma lufadazinha de ar fresco para que ela respire...sem a deixar "tirar o ar" até ao fundo!!!
À conta disto, e duma forma negligente, quantas e quantas vezes deixo passar o "comboio" da vida, sem que o tome na estação adequada.

Mas ainda há pouco eu lia uma crónica do meu jornal de sábado, que sempre compro (sobretudo para ler os artigos desassombrados de uma jornalista colaboradora do mesmo) e em que ela referia exactamente isso.
O ser humano deprecia o bom e privilegia o menos bom, quiçá o medíocre, nesta falta de pragmatismo que aliás é a "minha cara".
Eu sou assim...e depois choro as "pitangas"...sempre choro sobre o leite derramado!!!
E nunca aprendo, raramente aprendo...essa, a parte pior da coisa, mostrando-me ser uma aluna relapsa, a quem pouco falta acontecer, para perceber que talvez não devesse ter ido "por ali"!!...

Na vida, como na circulação do dia a dia....De facto, eu sou um espanto!
Quando ao volante do carro, seguindo num percurso que não domino, me surgem hipóteses alternativas de itinerário pela frente...é certo e sabido que sempre escolho o errado....e costumo dizer a brincar, que o remédio p'ra esta falta de "pontaria", seria sempre contrariar o palpite "bichanado" ao meu ouvido, por vozes das profundezas!!!! Eheheh
Se é pela esquerda que estou tentada a ir.....JAMAIS....o certo mesmo é seguir pela direita...porque a esquerda certamente não me conduzirá a bom porto!

Não sei se este tipo "anómalo" de característica é tão generalizado quanto estou a tentar passar, ou se sou apenas uma "avis rara" na coisa, embora eu conheça uma mão cheia de pessoas com esta postura.

Deverá ser, isso sim, apanágio de gente confusa e indefinida, indecisa das suas vontades, céptica nos seus creres, com pavor de errar (errando já....).
Em suma....realmente gente complicada que nem eu!!!....

Vá lá ter uma pontaria assim "nos quintos dos Infernos" !!!!....

Anamar

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O "ALTER-EGO"




Revi ontem um clássico da sétima arte: "Instinto fatal", com Michael Douglas e Sharon Stone.

Qual é o homem que não lembra o "célebre" cruzar de pernas da bela Sharon, o que aliás renomou o filme, não tanto pelo conteúdo?!...
"Tá bem"...aceito! A trama também não está mal urdida!...
No fundo trata-se de  um thriller "requintado". Mas não foi essa a razão por que me tocou a campainha do sótão...

Sharon enquadra uma figura polémica, enigmática, com uma personalidade dúbia que tem o poder de baralhar, trapacear, pôr a cabeça à roda...
Ela é e não é...ela parece, mas talvez não seja, ela é um dois em um, encarnando um "alter-ego", que é a pedra de toque no filme, e prendendo os espectadores até ao fim, para que descodifiquem (se forem capazes), quem matou quem, e porquê...

Qual "Belle de Jour" - Catherine - Sharon - alicia os amantes, não se permite ter para com eles nenhum outro sentimento que não seja o físico e o carnal, e com uma frieza e um distanciamento premeditados, numa patologia obsessiva-compulsiva e quase delirante, elimina-os em crimes hediondos...
Ou talvez não...
essa, a duplicidade explorada no filme, no jogo de esconde-esconde feito pelo realizador sobre os espectadores.

Foi Catherine quem cometeu os crimes, foi Roxy, foi Lisa??... Quem, afinal??

É o de menos!!...

Pensei de imediato numa outra película que vi há tempos atrás, nos écrans da capital, com Jodie Foster como protagonista, a qual mereceu a minha análise que deixei registada num post escrito então. Chamava-se ele "A estranha em mim"
Jodie Foster representava sumariamente a figura de uma radialista, com uma vida de inteira normalidade, a qual é sujeita a uma situação traumatizante extrema, que lhe desvia a existência de cento e oitenta graus.
Absoluta e definitivamente marcada, assume posturas em consequência, que ela própria não reconhece.

Quando lhe é perguntado "como se sai de uma situação tão traumatizante", quanto a por si experienciada, ela responde amargamente : "Não se sai!..."
E quando lhe perguntam como é viver depois de tudo, ela  responde que não se vive..."sobrevive-se"!!...

As abordagens que fiz, têm em comum, o desencadear por razões patológicas ou situações de traumatismo físico ou psicológico, de um outro "eu" que provavelmente existirá dentro de cada um de nós, devidamente acorrentado , espartilhado, enquadrado por fronteiras ou comportas.
Uma vez desencadeada a manifestação desse "alter-ego", o indivíduo em causa poderá assumir comportamentos, atitudes, personalidades, posturas, até provavelmente irreversíveis e irreconhecíveis...

Talvez seja por algo deste tipo, que a sabedoria popular diz: "Ninguém diga: desta água não beberei!"...

Eu defendo, e já o disse em círculos próximos, que qualquer pessoa será capaz de qualquer coisa ; tudo depende das circunstâncias, dos antecedentes, do contexto, da vivência por que passou, da "tempestade" a que foi sujeita, em suma, do traumatismo que experimentou ou que lhe infligiram!

Daí em diante esse indivíduo, afinal esse "outro" indivíduo, terá respostas sociais, familiares, profissionais, ininteligíveis ou inesperadas até, numa duplicidade personalística, por todo o conflito interior que o afrontou.
A sua vida não é mais vida, é sobrevida;
Esse indivíduo não se permite restabelecer conexões de emoções ou afectos, por medos, necessidade de defesa ou sobrevivência!
Penso que essa "dupla personalidade" adquirida ou mesmo a assumpção de uma "outra" personalidade, uma vez estabelecida, não serão princípios morais (?), sociais ou outros, que a conseguirão impedir de se manifestar.

Não sou psicóloga, não tenho formação nessa área.
Falo por sensações/percepções. Falo por análise. Falo por conclusão.
Provavelmente sou inconsequente e assustadoramente atrevida!...

Desafio-vos para que opinem....
Se estiver errada, que mo digam. Ficaria grata!!...

Anamar

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"CHEGA UM MOMENTO..."

Arrumando a minha desarrumada secretária, em que não mexia desde que a minha vida profissional mudou, (parece que com medo de que remexendo toda aquela papelada desenterrasse alguma coisa indesejável para a minha mente), decidi que andava por aqui "lixo" a mais (no meio dele, só cartas de bancos com extractos, e aquelas coisas assim, que sempre pensamos conferir, guardamos para depois, e nunca mais lhes pegamos....eram vinte e três...), e que urgia que ordenasse minimamente todo aquele caos instalado.

Encontrei, a seguinte frase, acho que escrita num e-mail que a Conceição me enviou, e se efectivamente assim foi, data do início de Julho do passado ano:

"Chega um momento na tua vida em que efectivas quem é importante para ti, quem nunca o foi, quem não é mais e quem o será para sempre"

A Conceição, colegas que o fomos profissionalmente tantos e tantos anos, dias divididos, noites divididas, e que foi necessário afastar-me da Escola talvez, para lhe conhecer a real sensibilidade, mercê, hoje sei-o bem, da sua natural timidez e humildade...apanágio das pessoas realmente superiores!

De facto a vida de todos nós, pretende-se que seja de um crescimento e de uma maturação em que forçosamente, mais cedo ou mais tarde, separaremos "o trigo do joio", o valor relativo das personagens das nossas existências.
Há amigos ou conhecidos de infância, que juraríamos poder colocar no rol daqueles que sempre nos iriam ser indispensáveis, e que afinal perdemos pelo caminho...e há personagens determinantes, inexpugnáveis como as muralhas dos mais altos castelos, rijas e inquebráveis como o aço, em que curiosamente só "tropeçámos", quando a adultícia ou o Outono já começam a tomar conta das nossas vidas...e se calhar exactamente por isso.

Com maior rigor, maior nível de exigência, com critérios provavelmente mais apertados, com menos "rosa" na cabeça, mais clarividência, menos sonhos ou castelos de cartas...a ingenuidade obrigatoriamente mais perdida pelos atropelos dos anos...levam-nos a seriar, a excluir, a optar...a decidir...

E aí deverão ficar até ao fim dos nossos dias, os que passarem no crivo desta peneira de afectos, porque esses serão certamente os que valeram a pena, os merecedores...

Mas deveremos fazer um esforço para que outra forma de análise, encapotada pelas emoções e afectos, não nos tire a clarividência necessária à isenção nas escolhas, para que saibamos distinguir o "lobo mau" na pele do "capuchinho vermelho"...para que, nas encruzilhadas de um caminho quantas e quantas vezes difícil de trilhar, tenhamos ao nosso lado, aqueles, que se for necessário nos estenderão sempre uma mão de ajuda, ou nos matarão a sede quando a canícula nos asfixia...

Serão esses que nos darão o privilégio de serem nossos companheiros de jornada, nossos partilhadores de agruras, nossa sombra abençoada quando o sol tisna, nosso ombro e nosso bordão...

Penso que, mais cedo ou mais tarde, esse momento de escolha chegará para todos nós...e a real importância de cada um para nós próprios, será, como a douta frase diz, na verdade, EFECTIVADA!!...

Anamar

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"UMA NOVA VISÃO SOBRE AQUELA MATA...."

Às três da tarde o dia fechou.
Sobre Sintra o céu estava tão negro, que sugeria aquelas reportagens do National Geographic sobre tufões ou furacões.
Pensei: "quando começar a chover, desaba uma torrente diluviana lá de "cima".

Ainda não tinha feito a minha caminhada diária e agora hesitava seriamente se sim ou não me faria ao caminho.
Tinha a meu favor as calças de caminhada supostamente impermeáveis, o "chuvasqueiro", que como o nome indica, é um corta-vento, corta-chuva...corta qualquer coisa (pelo menos comprei-o como tal), e como ainda não chovia e eu precisava mesmo partilhar-me com a Natureza, com o isolamento, com os meus pensamentos, resolvi meter-me ao caminho...

A poucos metros de casa e alguns pingos de uma chuva não forte, mas contínua, já se faziam sentir.
Eram talvez três e meia, e a luminosidade do dia levava-nos a crer estarmos já próximos da noite.
Pensei: "como será atravessar aquele bosque que certamente estará deserto, com esta chuva ininterrupta, este silêncio profundo, com o cerrado das árvores e arbustos a tornar ainda mais misteriosas todas aquelas veredas?..."

A chuva era copiosa e sentia as calças a gelarem-me as pernas, o corta-chuva muito frio, embora estivesse crente que ele não estaria a deixar passar a água para dentro.
Do capuz escorria-me água para o rosto, e quentes, mesmo, só tinha os pés.

O bosque estava efectivamente deserto e silencioso. Não vi vivalma, não cruzei ninguém, e até a passarada habitual, devia ter-se protegido na folhagem.
Na ausência de sol, as flores estavam fechadas, as azedas amarelinhas que atapetam o chão haviam cerrado as suas campânulas.
Apenas das mimosas, agora a florescer, pingava água de cada cacho.
Com mais um pouco de sol e calor, e tê-las-emos transformadas numa explosão de ouro e aroma intenso, naquela mata.

Foi estranho, foi diferente, foi de uma solidão absoluta aquele caminho.
Apenas a chuva fria desabava sobre tudo.
Mas gostei...não me arrependo de ter ido. É na realidade uma terapêutica para a alma, a partilha com a Natureza, esteja chuva ou esteja sol, é um multivitamínico tomado como curativo das mazelas do coração!...

Só teve um senão, a minha caminhada de hoje...É que ao chegar a casa e tirar a roupa, constatei que de impermeável, nada daqueles trajes tinham, o que significa que desde o cabelo até à roupa interior não era frio que eu sentia...era mesmo a roupa a deixar-se passar pela chuva!...
Assim sendo, não sei se poderei reincidir...

Anamar

sábado, 1 de janeiro de 2011

"O AÇÚCAR DA VIDA"

Os pacotes de açúcar da Nicola, que nos dão em alguns cafés para adoçar o galão e a vida, trazem frases desgarradas, de autores anónimos e avulsos.
Aquele que acabei de pôr no galão diz: "Um dia quebro a rotina", e tenho outro na mesa, para a bica, que diz: "Um dia...serás meu".
Por baixo de todas estas frases em complemento, está sempre: "Hoje é o dia!" - e depois é feita a propaganda ao café Nicola, claro.

Quero "fazer" um pacote meu, neste primeiro dia de Janeiro, em que começa a desfolhar-se o livro de mais um ano;
No "meu" pacote de açúcar, eu poria: "Um dia serei feliz!"...e depois viria a parte boa da coisa, que era o tal complemento em perfeição: "Hoje é o dia!"
Eu colocaria: "Hoje é o primeiro dia..."para não ser demasiado gananciosa.
Tenho sempre medo de desejar ou pedir em grande...
A minha mãe, é que toda a vida, diz, a brincar, quando aniversaria: "Eu só peço um ano de cada vez e não mais, senão depois não sou atendida!"...

Ontem foi um dia rocambolesco.
Como vos disse, já tinha reequacionado cem vezes se ia ou não ia ao tal restaurante dos meus amigos, passar o ano.
E comecei, aliás, fui começando, ao longo de todo o dia, a desistir aos poucos...
Aí pelas seis da tarde começou a chover, e eu pensei: "Que bom, a chuva é que me vai resolver o problema, pensando no que fora a noite anterior em termos de temporal. Jamais me meteria à estrada assim...
Mas era uma chuva miudinha, quase uns salpicos. Sobre Sintra, que vejo da minha alta janela do 7ºandar, via tudo carregado, e eu dizia em surdina para mim própria: "Chove, chove, chove...."
Mas a chuva não se condoía.
A certa altura, consciencializei que DEVIA, mas "não era capaz de ir", e pronto, com chuva ou bom tempo, não iria.

Vesti o pijama, pus água no saco de água quente, meti-me na cama. Trouxe para a cabeceira, não um, mas dois comprimidos dos que costumo tomar ao deitar (havia que apagar mesmo), e dado que eram pouco mais de sete horas, ainda fiquei a ver televisão (não me perguntem o quê, tão longe a minha mente estava, frente ao desfilar das imagens).
Tinha previsto, lá pelas dez horas, enfiar os comprimidos e dormir.

Mas o Cazé, o meu amigo do restaurante voltou a falar-me...(já o tinha feito a dizer que havia bom tempo e nem sombras de chuva, quando lhe telefonei a comunicar a minha desistência); desta vez fez-me uma espécie de ultimatum. "Estou a ligar-lhe, por ordem da Zé (a mulher)....o que é que está aí a fazer, ainda? Continuo à espera! Continua sol!..."

Eles são um casal super agradável, ele é um brincalhão e um bem disposto, e sei que são meus amigos, até porque acompanharam algumas fases "menos favoráveis" da minha vida.

Perante a ternura daquele telefonema, disse-lhe: "Olhe, já estou na cama! Só vocês para me tirarem daqui!"...

Acho que, se calhar, precisava daquele empurrão. Acho que a minha "veia" de vitimização, ainda a não consigo por vezes, ultrapassar sozinha. Penso que sou demasiado masoquista e que se calhar, queria ter hoje, para contar, que desgraçadamente ficara só, dormira às nove da noite, como uma donzela abandonada!!!...

Nem pestanejei mais, dei um pulo da cama, vesti-me num ápice, (de facto não chovia), peguei no carro e segui para o Magoito.
O restaurante estava cheio, com um grupo de senhoras que depois saíram, ficando por nossa conta, e quando digo "nossa conta", digo, os donos, eu, um casal brasileiro de Natal, super simpáticos e depois ainda um outro casal, também amigo deles que veio só para tomar uma bebida e tertuliar com o pessoal.

Bem, lareira acesa, ambiente intimista, fizémos a meia noite, saudámos o novo ano, com as passas, o champagne, muitos abraços e beijinhos, muita esperança, muita alegria por estarmos juntos, muita brincadeira...

Abençoei aquele telefonema e fiquei feliz pelo facto de ter ido. Acabei por me alhear de muita coisa, de afastar de mim aquela tristeza, que feita urubu já planava por cima de mim, para atacar a carniça, e ri e conversei como há muito o não fazia...

E percebi que preciso muito de "me trabalhar" ainda, e que a frase que eu escreveria no pacote de açúcar, só se alcançará, se começar a contrariar muito do negativo que cultivo em mim, mas que eu sei que cultivo, como forma de chamar a atenção dos outros, para me darem o cólo que necessito para viver....

Bom Ano para todos vocês!...Sejam felizes se puderem e souberem!...

Anamar

domingo, 12 de dezembro de 2010

"DIA........?"

Só consigo saber a data, porque no lobbie do hotel, todos os dias, com pedrinhas brancas está diariamente "escrita" a data.

Tenho claramente a sensação de que fui "chamada" a Bali...
Não sei explicar muito objectivamente, mas a reflexão que estes dias me têm permitido, o respeito e a admiração por este povo, o ar que por aqui passa, num fluxoduma energia tão positiva, são inenarráveis.
Penso que seguramente não irei a mesma na minha vida interior, nas minhas opções de vida, no trilho que percorrerei.
Penso que neste silêncio (porque segundo se diz na "Ilha dos Deuses", a forma privilegiada de comunicação é o silêncio), tenho repassado o filme da minha vida e tenho-o reprotagonizado vezes sem conta.
Um ancião falou-me: "Assenta bem os pés no chão, pensa com o coração e não com a cabeça, porque tu és uma mulher intrinsecamente boa e vais ser feliz..."

As pessoas pouco mais têm do que uma exuberância natural em tudo, ou seja, uma exuberância nos elementos (vulcões, tsunamis, sismos, furacões), e uma  exuberância duma vegetação plantada a esmo pelo Senhor da Terra, da água que abunda por todo o lado, pelo absurdo da beleza indescritível das flores, borboletas, aves...

Para além dissotêm um segredo inestimável: têm a doçura que emana da terra, da música, do som do vento nas caninhas de bambu suspensas, do teclado destes instrumentos subtilmente melódicos.
Têm uma voz absolutamente doce, uma postura de uma discrecão, humildade e afabilidade que não se definem, sempre, mas sempre.
Um sorriso ou um riso aberto para todos, conheçam ou não, seja ou não pessoal do staff do hotel, ou gente anónima da rua.
São comoventemente educados e delicados, vivem de bem com a vida, na maior precariedade que se imagine, não parecem andar, mas pairar, são puros de alma e perfumados de coração, como as flores de Bali, que sempre trazem na cabeça

Não me perguntem porquê, mas sempre me vem à cabeça que a flor de lótus ou o nenúfar, foram aqui "inventados", porque as raparigas de Bali, não são mais que nenúfares que dançam, andando...

Anamar

"DIA 3 OU DIA 4..."

Começo um pouco a perder a noção do tempo.
Sei que é 12 de Novembro, sei que ontem me telefonou a Cláudia, para que a minha mãe me falasse, mas penso que por uma questão de logística temporal, apenas...sei que hoje pelas 6h da manhã me ligou a Catarina, do outro lado do Mundo, o Brasil, dizendo que lá, pensava ela, seria ainda dia 11...Estes fusos horários brincam connosco de esconde-esconde, de dia e noite...

Confesso que também estou um pouco perdida...sei que hoje às 6h fui presenteada com o meu primeiro presente de aniversário....uma baratona do tamanho de um elefante, que teimava em não me deixar o cabelo e o pescoço...isto, para lá das centenas de mosquitos, em nuvem, que curiosamente e exclusivamente nessa noite, em toda a estadia, mesmo depois do "fumigamento" diário dos quartos, resistiram em bando, pelo quarto, nessa noite...

E pensei... (depois da barata): "Cá estão eles, os sessenta...tão depressa chegaram!...
Mas depois pensei:: "o meu pai foi embora com noventa anos, a minha mãe, está a meses de os fazer"...ou seja, nessa óptica, teoricamente teria um terço de vida à minha frente....
Agora, que terço?
Nota-se bem de ano para ano a quebra nos reflexos diários: é o equilíbrio que não se faz tão seguramente, é a agilidade que claudica, é a altura do levantar o pé do chão mal calculada (e o resultado, três trambolhões que já dei no precário tempo que estou cá)...é o tolerar o calor e o sol directo com muito menor capacidade doutras épocas, é o pedir do corpo ao sono depois da quebra do almoço...comparando com as 6h da manhã em que na República Dominicana, eu já estava na praia, há anos atrás, cheia de frescura para começar a aspirar os cheiros, os sons ou o silêncio...
Agora, a cama ainda mos pede para dormir mais um pouco e fico rabugenta se o não faço...

Esse o problema; é que os dois terços vividos qualitativamente na vida, não têm, não terão nada a ver, com o que virá a seguir...
Dou por mim a verificar vezes sem conta onde coloquei coisas de responsabilidade, dou por mim a esquecer momentaneamente onde as pus...e a apavorar-me não lhes "perca o norte".
E se perder o norte do que vivi para trás?
Isso dizia-me a Lena noutro dia, expressando o receio que tem de esquecer recordações e com elas identidade, óbvio...
Eu também acho que nada haverá de mais ingrato na vida, do que esquecer o bom e o mau que ela nos deu...os rostos, as pessoas, os momentos, os felizes e os que o não foram...porque há coisas que diariamente sentimos já, entrarem num nevoeiro que se adensa...

Mas afinal, a Vida continua a pregar-me as suas "partidas";
Há dez anos atrás, numa data perfeitamente carismática, também fui surpreendida, absolutamente surpreendida, por uma festa inesperada, surpreendente e incontável, preparada pela minha família...
Hoje, dez anos volvidos e com eles, volvidas tantas e tantas coisas, incluindo a família, planeando vir quase clandestinamente para este recanto do planeta, quase nas antípodas, onde a data passaria despercebida (essa a ideia), eis que sou de novo surpreendida com uma festinha preparada pela gerência do hotel, com direito a bolo de anos com velas e tudo, mesa personalizada e decorada com flores e a colocação de uma coroa simbólica na cabeça e um colar de flores ao pescoço, no meio do "happy birthday to you" cantado por vozes, diria, de todo o mundo, dos hóspedes que jantavam na sala cheia....

Bem, pensei...vou ter que agradecer tudo isto no meu inglês muito, muito precário, infelizmente, e vou ter uma vez mais, eu sim, que parabenizar a VIDA, que tantas vezes tão mal trato, pelo facto de estar viva e ser tão abençoada com momentos tão surpreendentes como este, que nos fazem extravazar o coração, parecendo não caber mais dentro do peito...

Anamar