domingo, 21 de agosto de 2022

" QUINZE ANOS NÃO É COISA POUCA ... "

Hoje é mais uma data especial.  O Kiko completa os seus quinze anos !

Já muito escrevi sobre o Kiko, o terceiro irmão de uma equipa espaçada de três em três anos.
Quer isso dizer que a Vitória acendeu dezoito velinhas, o António vinte e uma e o Kiko então, as tais quinze que referi.
Assim, 2022 é o ano em que todos eles completaram datas importantes nas suas vidas, datas carismáticas e seguramente inesquecíveis.  Teria sido engraçado que a mãe tivesse completado o meio século ... mas não, ainda lhe falta um ano.

Ouso afirmar que sobre o Kiko já disse tudo, ano após ano, quando chega este vinte de Agosto e de longe o parabenizo.  Pois é sina ... caindo em época de férias fora de Lisboa, nunca festejo com eles estas efemérides.
E mesmo com o transcurso do tempo, aquilo que distingue o Kiko de hoje do Kiko de há já largos anos atrás, respeita apenas às alterações físicas inerentes à adolescência instalada.
Cresceu imenso no espaço de um ano apenas, encorpou como costumamos dizer, ganhou músculos que começam a definir-se, e espanto meu  ( não sei porquê, afinal ), a voz começou inevitavelmente a mudar !
Engraçado que tive exactamente a mesma surpresa quando foi a vez do António.  Ontem, à meia noite, quando o dia vinte abriu a pestana, lá estou eu a telefonar, para lhe dar o meu primeiro beijinho de felicitações.  Sempre  tenho  esta  mania  com  todos  eles ... fazer  o  quê ?!... 😂😂
E lá me apareceu o Kiko com respeitosa voz de homem ... ihihih
Levo  sempre  um  soco  no  estômago,  pois  é  então  que  a  realidade  nua  e  crua  me cai  à  frente :  o tempo já passou, depressa demais, e os putos já são gente grande a fazer-se à estrada !
Esta inevitabilidade da vida, este retrocesso impossível dos anos sempre me deixam então nostálgica, apreensiva e balançada ...
Mas nada a fazer.  Haja saúde, paz, alegria ... que a vida se faça mansa, que os sonhos e os projectos se vão concretizando, que os esforços desenvolvidos vão valendo a pena e que por aqui vamos estando, os que por aqui têm a sorte de ainda estar, pois mesmo um pouco afastados, nunca verdadeiramente o estamos no coração uns dos outros !

De resto, o Kiko continua a ser aquele miúdo feliz, alegre, sempre sorridente e bem disposto, aquele puto desinibido, resolvido e rodeado de um clube de amigos de todas as faixas etárias ... aquele que exprime um carinho e uma preocupação muito especiais comigo, que o levam a envolver-me no seu abraço enquanto me pergunta : " E a avó como está ?"

O Kiko vai iniciar o décimo ano e escolheu a área da Economia.  Brinquei com ele ontem, exortando-o a estudar muito, bem e depressa, pois careço de um gestor financeiro à altura, para endireitar os meus  inexistentes aforros ... 😁😁
Soltou uma gargalhada ... "pois é, a avó anda sempre em viagem !"...

Este, é o Kiko !

Anamar

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

" O SOL QUE ME FALTA ..."


 

Escrevo muito pouco, muito menos e  muito pior .  E sei exactamente o porquê disso.

Percebo-o claramente, quando me leio há anos recuados.
Não que eu não tenha o que dizer, não que eu tenha deixado exactamente de "sentir", não que eu desvalorize as minhas ideias ... Que, contudo, sempre foram muito mais direccionadas para o sonho, para a utopia, para as construções imaginárias criadas dentro de mim do que para a dureza da vida real, verdade seja ( essa, bastava-me olhá-la, afinal ... porque estava sempre ali à minha volta, se para lá eu  desviasse os olhos ... )
Talvez assim fosse, por defesa, talvez como necessidade, talvez simplesmente por pureza de alma.

É que, e essa a diferença abissal entre o que era e o que é, a minha disponibilidade para a emoção tem vindo a embotar-se com o transcurso da vida.  A minha capacidade de sonhar, de pintalgar a realidade com as cores generosas de outros tempos, entrou em franco declínio, como se a minha "caixa de aguarelas" tivesse secado.
A minha necessidade permanente de paixão e deslumbramento pelo que me rodeia, está asténica, carece de vitaminas no espírito e no coração ... e o amorfismo que caracteriza hoje a minha visão da vida, o cinzentismo até com que avalio o que me cerca,  retira-me a capacidade, a vontade e até a aposta de pôr no papel o tanto com que dantes eu lotava a alma ... Como se o clímax orgástico da escrita me tivesse abandonado !
Como se a minha ingenuidade de criança, aquela capacidade fantástica com que conseguimos tão facilmente abraçar o mundo na concha do nosso peito, se tivessem extinguido.  Como se a bonomia e a fé com que olhava as coisas, os espaços, os outros, tivessem estiolado e morrido inevitavelmente, como terreno devastado pelo fogo.

Sinto uma "falta de espaço interior", um vazio ( não sei se consigo traduzir fielmente o que isto seja ), uma falta de compaixão, de tolerância, um excesso de indiferença e um desaprendizado do enamoramento, do êxtase, e da aposta necessários à vida.
Não sei se existe um desencantamento objectivo, uma desilusão perante o caminho que percorro.  Não creio ser  propriamente consequência de insucessos, tropeços ou decepções, este meu estado de espírito.  Não são cicatrizes re-inflamadas, ou maleitas crónicas, não sei se é impaciência ou até egoísmo, talvez. Não creio que sejam problemas mal ou incompletamente resolvidos, embora afinal todos carreguemos um pouco disso mesmo, fruto dos destinos.  Não sei se é um cepticismo ou uma desaposta, como se já não valesse muito a pena enfrentar esta roda dentada e voraz que dia a dia nos vai engolindo.  
Não sei se aceite que é simplesmente a inevitabilidade do envelhecimento ... Será ??!!

A garra, a inconsequência, a gaiatice ... a irreverência, o atrevimento, a coragem ... o desafio e a força de agarrar a vida pelos cornos, sabendo que essa era a nossa escolha ... o meter a cara, o saltar a baia, o pular do rochedo  ( mesmo que de olhos fechados ) ... a utopia em suma, o seguir em frente achando que vale a pena, lutando para que valha a pena ... parecem ter-se perdido no tempo, sucumbido ao acomodamento dos anos ... a um cansaço que por vezes julgo absurdo.
E são determinantes da vida.  E são o oxigènio para se continuar respirando.  E são a poção mágica para se conseguir ainda manter o emaravilhamento, a força p'ra começar o dia por cada dia que amanhece, a receita pra se perceber o real valor de se estar vivo.
É essa lufada de esperança, esse sopro vital, esse cocktail vitamínico  ... essa chama de vela bruxuleante que parecem ter-me abandonado e deixado à minha sorte ...
E sinto uma raiva, uma fúria e um desgosto por não conseguir sacudir as penas e voar de novo, como aquela ave que se refrescou numa poça de chuva ... como se o afundamento no lodo sôfrego dum pântano fosse inevitável e me sorvesse para o seu interior sem que eu resista ... ou como se a cerração das "nieblas" fosse a armadilha que a vida me deixou na curva da estrada ... 

E não escrevo ... escrevo pouco e muito pior ...

Talvez se trate simplesmente de não possuir em mim a convicção de Picasso, a força anímica e o virtuosismo dos génios e sonhadores ... e me tenha remetido simplesmente à vulgar, comum e insípida "mancha amarela" !...
 


Anamar

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

" O TAL SÓTÃO ... "




Sensação estranha.  Muito estranha mesmo.  Uma sensação de circular por um espaço abandonado, escuro, desactivado, em que a poeira, a ausência de luz, a falta de circulação abundante de ar, o remete a um espaço meio moribundo.
Parece-me ter devassado um ambiente sonolento, ter entrado num sótão, numa cave, numa arrecadação pardacenta, bafienta e húmida ...

Tudo isto porquê ... pergunto-me ?  Porque experimento, aparentemente do nada, este surpreendente estado de alma ?
Percebo que uma série de coincidências ou situações meio paralelas convergiram para me fazer sentir assim :
uma amiga de há algum /razoável tempo, sem que contudo sejamos de contacto absolutamente estreito, "desapareceu-me" dos radares, inexplicavelmente, eliminando todas as tentativas de contacto através dos dois únicos números telefónicos que possuo, o dela própria e o da filha.  Não sei morada nem outra forma de aproximação, além da que tem funcionado entre nós.
O telefone estabelece a ligação, assume um estado de linha ocupada e desliga-se subitamente.
Trata-se duma pessoa com uma saúde frágil, sobretudo a mental, o que me acresce uma maior inquietação ainda ...

Também de uma familiar, aliás a única familiar que ainda tenho no Alentejo, já bem idosa e paciente de Alzheimer, nada sei, faz imenso tempo.  Sempre fomos como irmãs, no bem-querer.  Relações complicadas criadas por um filho, pessoa muito mal formada e inqualificável, inviabilizaram praticamente a comunicação existente.
A doença que lhe retirou toda e qualquer possibilidade de autonomia, cavou, por outro lado, um fosso inultrapassável e injusto entre nós as duas.  Assim, infrutíferas são as tentativas de contacto.  
Parece que já se fechou portanto também, a porta daquele lado ...

Hoje confrontei-me, como toda a gente, pela notícia do falecimento do Jô Soares. 
Vale o que vale, não era nada meu, nunca o vi sequer ao vivo e a cores ... contudo, este êxodo de figuras públicas que por isso, são sempre um pouco "nossas",  dado que atravessaram connosco uma época à qual também pertencemos, sempre me deixa com uma sensação desconfortável de orfandade.
Fizeram parte das nossas histórias, povoaram o nosso quotidiano, emolduraram duma ou de outra forma, as nossas realidades.  Habituámo-nos ao seu convívio ... e já foram tantas !!!
Por isso, parece que foi só mais um que fechou a porta e arrepiou caminho também ele ... apenas antecipando-se ... nada mais ...

Há pouco resolvi percorrer este meu espaço, acedendo a outros blogues e a outros conteúdos que de quando em vez gostava de seguir, em tempos idos.
Nada de muito exaustivo ... cinco ou seis blogues cuja leitura e conteúdos apreciava.
Pois bem, todos eles exibiam postagens que remontam a mais de cinco anos atrás ...
Não mais voltaram a ser mexidos !
A Covid rebentou de facto com tudo, e esta sensação de abandono reflecte bem o desinvestimento e a desmotivação dos seus autores.
De alguma forma, este é o sentimento que gradualmente tenho vindo a auscultar em mim própria, o que aliás se reflecte no tão pouco escrito nos últimos tempos.
Um dia destes, pressinto que encerrarei definitivamente o espaço que me acompanha há já catorze anos.

Relatei quatro situações que não sendo coincidentes me transmitem o mesmo tipo de sentimentos.  Uma sensação de portas a serem fechadas, uma sensação de ampulhetas a esvaziarem-se nas vidas, de silêncios e dormências a instalarem-se, de estradas com fim de linha a  chegarem-se mais e mais ...
Uma sensação de já não pertencer integralmente a isto por aqui, de o prato da balança  já  pesar  mais daquele  lado  que  deste ... de  qualquer  dia  já  ser  quase  somente  uma  estranha !...
Um desconforto de já não entender bem os valores, não saber já os códigos ou os requisitos p'ra viver com satisfação.  Um não saber já descodificar as linguagens e entender os sinais que me cercam ... Uma ausência crescente de sensação de pertença por cá ...
Uma falta de oxigénio, do "meu" oxigénio que me permita inspirar até bem ao fundo ...

E daí o cansaço, o desinteresse, a imperícia para viver dia após dia, como se na verdade eu esteja a mexer-me apenas no limbo de uma fronteira hermética e cerrada ...

Anamar