domingo, 31 de dezembro de 2023

" SEM PALAVRAS ... "

 


" Sou uma criança ... nascida para viver, não para morrer !... "

Não sei porque não escrevi, até hoje, sobre mais uma guerra devastadora no planeta. Um genocídio ... mais um, levado a cabo pelo ser humano desprovido cada vez mais de sentimentos de empatia, compaixão, fraternidade.  Uma guerra sem contenção ou fronteira, insensível, absurda, cruel, um conflito sem limites, totalmente radicalizado onde parece não haver mesmo cabeças a pensar, que dirá corações a sentir ...
Com a guerra na Ucrânia sem sinais de acalmia, com o ódio, a prepotência, a ganância, a total indiferença face ao sofrimento alheio a grassarem exponencialmente,  a observância do respeito pelos valores humanos é algo completamente ignorado.   
Por isso, a violência e todo o tipo de crimes de guerra são a realidade vivida por todos aqueles que resistem, e as imagens que nos chegam diariamente, são indescritíveis, terríficas, duma dimensão que nos questionam se são homens ou monstros que os praticam.
E são os mais vulneráveis e desprotegidos, velhos, crianças e até os animais companheiros das vidas, os que mais sofrem, perdidos que estão no tempo e no espaço, jogados aleatoriamente no meio de bombas, de mísseis, de drones ... no meio do inferno nem nos piores filmes de terror imaginado ...

Chegámos ao fim de mais um ano, a folha do calendário vira, lentamente, dos confins do planeta, varrendo fuso a fuso todas as terras, desde as mais perdidas às grandes e insensíveis capitais ...
Logo mais, será a meia noite por aqui.
O dia está triste, melancólico, enfadonho.  Cai uma chuva miúda pouco convincente.
As gaivotas pairam em voos erráticos neste cinzento uniforme de borrasca.  Gosto de as ouvir, gosto de as ver em bandos dispersos em gritos reclamantes, com o mar em tempestade na costa.
Eu estou profundamente melancólica e triste.  Olho esta manta de rasgões que é o Mundo à nossa volta, e não enxergo uma réstea de azul que aconchegasse ou iluminasse os corações ...
As pessoas, afobadas, têm urgência de se desejarem votos e votos de paz, saúde, felicidade, como se conseguissem aturdir-se com as bolhinhas do champanhe que mais tarde irá estoirar,  como se fizéssemos todos de conta que além das nossas fronteiras pessoais, tudo está e estará perfeito.
O tempo, o tempo magistralmente cantado por Drummond de Andrade, numa visão redentora, positiva e quase feliz, para mim representa uma implacável, infalível torrente impetuosa como as imagens que a televisão nos passa quando os tornados, as tempestades, assolam aqui e ali o planeta, semeando dor e morte.  Ninguém contém, ninguém refreia ... ninguém domina !!!  Assim é o tempo !...
Não consigo assumi-lo de outra forma, com outro rosto, com outro rumo ...

Este será o último post aqui no meu espaço, no ano que agora finda.  Em cima da mesa, todos os textos que escrevi, aguardam a vez de o encadernador os transformar em mais um livro, respeitando este a 2023, e onde se arquivam todos os pensamentos, todas as histórias, todas as emoções diversas que me assolaram ao longo dos últimos trezentos e sessenta e cinco dias.  
São o meu espólio pessoal que ficará para quando eu partir, ser dividido pelas minhas filhas, e que não é mais do que eco dos meus sentires, expressão das minhas dúvidas, angústias, mágoas ... mas também sonhos, esperanças, desejos ou vontades.  São reposição de tudo, tudo aquilo que é a minha essência, tudo aquilo que simplesmente sou eu, sem filtros ou máscaras ...
Muito pouco expressivo será o livro deste ano ... tão pouco escrevi ... tanto abandonei esta válvula emotiva de escape, na minha vida !!
Certamente, sinal de muita coisa, de muitos vectores acontecidos, de desânimo ... sobretudo de falta de vontade e de aposta !

Bom, e agora relendo tudo isto que escrevi, penso que sei exactamente porque o não escrevera antes.  
Dentro de mim experimento uma impotência atroz, um desespero e uma tristeza sem tamanho !  
Penso que de alguma forma sucumbi à dureza da realidade, à negritude das imagens, à violência dos sons, à dor das palavras, à crueza dos sentimentos, á incapacidade de acreditar no ser humano.  E desisti de escrevê-las !
As palavras soam-me vazias, curtas, incapazes, ocas, distantes ! 
Ouvindo este vídeo dos meninos de Ramallah, percebo claramente que não há uma só palavra, em nenhum alfabeto, que dita, dimensionasse com verdade, autenticidade e realismo a ausência do AMOR, que afinal será sempre a chave de tudo !!!

"SEM PALAVRAS", portanto !...



Vídeo -  Coro de Ramallah Friends School   ( 2023 )

Anamar


Nota :  Adiciono o vídeo com o poema declamado, de Drummond de Andrade




domingo, 24 de dezembro de 2023

" OUTRA VEZ NATAL "



Ontem 22 de Dezembro, o Inverno chegou.  
Por aqui eu diria que mais parece ter chegado a Primavera, tão risonhos andam os dias, lindos, solarengos, claros.  O céu insiste no azul, um azul diáfano, quase transparente e luminoso, as temperaturas não são severas e a aragem que esvoaça, apenas esvoaça, vaporosamente.
A mata apresenta-se totalmente verde com todos os cambiantes da cor, como se um talentoso pintor tivesse ido por ali aguarelá-la.  As azedas, descaradamente já pintalgam todos os tufos nos cantos e recantos dos caminhos, e os pássaros, lembrando Março, pipilam pelas copas, como se já estivéssemos no mês dos ninhos.  A natureza continua totalmente baralhada ... como não, os animais e nós próprios ?!

Entretanto o Natal espreita.  Vinte e quatro horas nos separam da noite da Consoada.
No ano que agora finda fui passá-la no sul do país com parte da minha família.  Este ano conto passá-la aqui por casa mesmo.  Prevejo uma noite muito pouco animada, pois os três que se sentarão juntos na mesa de Natal têm poucos motivos para festejar. Estamos todos numa faixa etária já meio descolorida.  Depois, as doenças que atormentam uns e os desgostos recentes que atormentam outros, fazem prever uma relativa boa disposição apenas, para o convívio.  Acho que no próximo ano vou implementar uma reviravolta neste estado de coisas, pois isto parece estar mais para velório que para uma confraternização que nos deixasse animaditos.
Ou então vou para o quente da cama, como se nada fosse, e faz de conta que estou encerrada para balanço ...
Afinal, como dizia o meu pai, parece ser um dia igual  aos outros todos ... 
Em viagem profissional, viajante que era, se estivesse mais afastado, por esse Alentejo fora numa época em que as ligações e os transportes não eram fáceis, chegou a passá-lo onde quer que estivesse, não vindo sequer a casa ... Outros tempos ... outras épocas !...
Hoje nada disto parece fazer sentido, pois tudo fica ao virar da esquina.

Com os dias conturbados que se vivem por esse mundo fora em que o Homem parece ter apenas como objectivo de vida exterminar o seu semelhante, eu diria que o Natal já só faz sentido para a criançada, a quem o Pai Natal, cortando os céus no seu trenó, de saco às costas com os ansiados presentes, ainda consegue criar uma ambiência onírica nas suas cabecinhas.
O planeta Terra tão mal cuidado, tão agredido, tão negligenciado, só pode mesmo queixar-se dos atropelos de que é vítima, num crescendo incontrolável. Apesar das pseudo-intenções de contenção dos desvarios provocados, em cimeiras, conferências, encontros, plataformas, movimentos cívicos, etc, envolvendo as altas esferas responsáveis das maiores potências mundiais, o sucesso alcançado nas negociações, é diminuto ou quase nulo.
Sempre, vergonhosamente os interesses económicos, os lobbies financeiros gananciosos e incontroláveis, se sobrepõem às intenções, aos alertas e às tentativas de reposição da sensatez nos posicionamentos mundiais.
A Covid seguida de uma inesperada guerra às portas da Europa, numa Ucrânia tão devastada já, uma nova guerra de desfecho imprevisível no Médio Oriente, mergulhada numa sanha sanguinária como já não esperaríamos ver em pleno século XXI, culminando num genocídio de populações encurraladas pela insanidade dos beligerantes ... atrocidades pelo mundo fora, crimes cometidos aleatoriamente duma forma inesperada sobre inocentes apanhados de surpresa, extremismos e fanatismos religiosos descontrolados levando a ódios e vinganças ... subtraem-nos toda a convicção que ainda pudéssemos ter de acreditar nos valores desta quadra e consequentemente na pureza de coração e na humanidade dos nossos semelhantes.

E este cocktail desalentador e "explosivo", culmina internamente, com um país esfrangalhado, mergulhado em acontecimentos políticos inqualificáveis, uma espécie de  barco  que  perdesse  o  leme e  que  navega  em  mar  alteroso  sem  rota  ou  porto  que  se  aviste ...
Um cansaço !!!

Com todos estes "retalhos" demasiado lúgubres e pesados, me despeço.  Afinal, hoje já é Natal outra vez !! ...

Anamar

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

" UMA LUFADA DE AR FRESCO "


Hoje acompanhei uma amiga de toda a vida a um cartório notarial onde ela foi fazer a escritura de um apartamento adquirido há cerca de dois meses. 
Tem ela talvez mais uns três anos que eu, e há tempos atrás essa mudança na sua vida seria impensável.  Ou talvez ela a não quisesse verdadeiramente questionar.
Tendo contraído poliomielite em criança, e tendo ficado com sequelas da doença, o que lhe conferia em permanência  algumas restrições motoras, sofreu, em acréscimo, um acidente grave fará exactamente um ano agora em Dezembro, com uma consequente lesão na coluna, que a atirou para uma recuperação longa e difícil, e uma perspectivação diferentemente obrigatória da sua vida futura, no dia a dia. 

A  Fatinha que sempre viveu exclusivamente com a mãe, teve uma vida com a normalidade possível.  Era e é totalmente autónoma, viveu em pleno a sua vida profissional até à aposentação, com sucesso absoluto e competência reconhecida, e depois da mãe ter falecido passou a aproveitar essa liberdade imposta, para viajar, com um grupo de colegas de profissão.
Sem dificuldades económicas, deambulou, de leste a oeste, pelo mundo inteiro.  Aproveitou portanto, o melhor que pôde, a disponibilidade que a vida lhe ofereceu.

Havia um senão.  A Fatinha viveu e vive ainda num prédio antigo, num segundo andar sem elevador, o que, se até aqui ia dando, melhor ou pior, para ir levando, depois da fatídica queda sofrida há um ano, as dificuldades aumentaram substancialmente, e ela passou a ter uma vida praticamente confinada ao espaço habitacional, limitada portanto na sua liberdade de movimentos.
As amigas insistiam que ela deveria encarar a sua realidade e mudar de casa o quanto antes, alertando-a para o normal avolumar das dificuldades face à implacabilidade do decurso dos tempos, o que parecia não fazer muito eco junto da Fatinha, ligada sobretudo emocionalmente ao espaço adquirido pela mãe e sempre com ela partilhado.

Até que,  um qualquer clique inesperado, fez eco na sua cabeça.  Acho que, da noite para o dia, decidiu que o rumo seria não pactuar com uma aparente negação da realidade, encará-la de frente e decidir a vida.  Assim o fez, e desencantou o imóvel à medida dos desejos em velocidade de cruzeiro.
Em dois meses, a Fatinha encontrou um apartamento fantástico, localizado num lugar de excelência, com todos os requisitos necessários e mais ainda.
E hoje foi então realizada a escritura do mesmo.

Fui buscar esta história, porquê ?
Porque, à minha frente estava uma Fatinha decidida, resolvida, com a felicidade de objectivos cumpridos, que alimentou sonhos e está a realizá-los.  Uma mulher que sempre aparentou ser dependente, até meio atrapalhada face à vida, com uma experiência pouco desenvolvida, já que sempre viveu com excessiva rede protectora enquanto a mãe foi viva, surge agora já neste timing  com disposição, vontade, confiança e fé ... sem fantasmas ou medos, parece ... pelo menos com a coragem necessária a iniciar mais um ciclo, ou a recomeçar uma nova estrada !
De alma aberta a novos sonhos !

Mexeu comigo este episódio, um destes dias explico porquê ...

Anamar

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

" IRRESOLÚVEL ... SERÁ ? "



Referi aqui vezes sem conta, como me isolo gradualmente mais e mais, numa indisponibilidade emocional para conviver, sair de casa, cumprir programas, espairecer ...
Argumentando uma real falta de paciência, uma intolerância óbvia para as trivialidades diárias, um cansaço para as minudências do dia a dia, afasto-me, silencio-me, remeto-me ao espaço confinante da minha casa, e consequentemente adio ou remeto para melhores ocasiões, encontrar pessoas, partilhar momentos, dividir conversas nem que seja simplesmente em frente a uma chávena de café.

Telefonar, só em "desespero de causa", ou seja, quando as escapatórias já não existem.
Não recuso nada, digo sempre sim a tudo, ou melhor, não me inibo de prometer qualquer coisa, só que ... sempre sem data marcada.
"Ah sim, claro, temos que tomar um café ..." , "vamos, afinal já passou tanto tempo ... ", "havemos de almoçar ... quando agora o tempo melhorar" ... etc, etc.  Tudo com a mais séria intencionalidade.  Quando prometo e me comprometo com a disposição, até tenho intenção de cumprir, e até pareço já saborear a pequena felicidade dessa promessa.  Só que, depois, desinvisto totalmente, e o passo seguinte é ou fazer-me de desentendida ou inventar uma súbita impossibilidade para me fazer presente.

Sinal de envelhecimento, disse-me assim de caras, frontalmente, uma conhecida que já não via há algum tempo e que é, ao contrário de mim, toda gaiteira.  Eu ri-me, achando que ela estava inteiramente certa.
Acho que o imobilismo que me domina, a inércia que me envolve e esta espécie de "paralisia" onírica, conduz-me a um estado de letargia muito pouco saudável.  Pareço atascada num lamaçal que me está a limitar na vida diária.
Deixei de me entusiasmar, deixei de me empolgar com o que quer que seja, estou remetida a um "silêncio" interior, a um torpor desmotivador, em relação ao mundo.  É como se estivesse numa hibernação emocional doentia, como se estivesse por aqui esperando apenas que o tempo passe.  E isso em termos de saúde física e mental não é positivo.
Faço esforço para interagir, à conta de não ter paciência.  Fico indiferente e pouco disponível face a quase tudo, num abandono patológico.  A verdade é que a realidade pouco me motiva ou entusiasma.  Notícias terríveis pelo planeta, que já não sei se é melhor conhecê-las, se não.  Que me martirizam e penalizam profundamente, sem remédio à vista, deixando-me com o peso da impotência ainda maior sobre o coração.
Até as viagens que não há muito tempo atrás sempre eram motor de arranque para eu ficar feliz, não conseguem alavancar-me para novos sonhos, desejos ou vontades.  Nada. Vibro, mas não como dantes me acontecia.
"Velhice" ... martela-me os ouvidos ...

Esta terra que habito está descaracterizada.  A Covid deu conta do convívio, da partilha, dos encontros entre as pessoas.  Deixámos de sair tempo demais, confinámo-nos em períodos demasiado longos, os espaços nossos conhecidos alteraram-se fisicamente, uns fecharam, outros vocacionaram-se de outra forma.  As pessoas, afastadas umas das outras não conseguiram reabilitar os hábitos, os laços, os interesses.  Morreu muita gente, outros saíram das grandes cidades e rumaram à terra, onde por vezes possuíam casa, deixámos de saber dos destinos de muitos ... e fomos ficando mais sozinhos.  Nós e os nossos novos esquemas de vida, numa readaptação às exigências dos tempos.  
Em suma, tudo mudou, muita coisa, irreversivelmente !
Eu entristeci ...

Não consigo engendrar uma estratégia remediadora que me impelisse para diante, que me iluminasse de novo os olhos, que me acelerasse as batidas do coração, que me tirasse desta podre zona de conforto e me restituísse o sorriso ao rosto.  Nada que me fizesse acreditar que a minha alma afinal ainda é jovem, ainda arrisca, que ainda ousa, como dantes... que ainda tem rasgos de loucura ... Uma estratégia que me faça de novo pular as baias, mergulhar no impossível sentindo-o possível ... que "me livre da morte em doses suaves" ...

O cansaço é progressivo, e vou ficando por aqui ...
Talvez, como diz Pablo Neruda ... irresoluvelmente, a "morrer devagarinho ..."

Anamar