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sábado, 16 de julho de 2016

" E VOU POR AÍ ..."




Chega uma altura em que parece que não há remédio ...
E acho mesmo que se não fosse de outro modo, seguramente me nasceriam asas nas costas, e ainda assim, eu partiria !

Tenho uma alma por demais inquieta, tenho um espírito desassossegado, e as grades de gaiola não são para mim !
Coisa de genes, já o referi vezes sem conta.
O meu pai começou a morrer aos poucos, quando deixou de se poder perder por esses caminhos errantes, na sua profissão de viajante.
Ele era muito mais que um caixeiro-viajante.  Ele era um pardal saltitante por essas ramagens sem dono, livre e solto como a sua alma !

Eu herdei essa coisa de saltimbanco do destino. De insatisfeita de Vida !
E quando o sufoco se me apodera do coração, me tolda a mente e me perturba o sono ... eu sei que chegou a hora.  E sei também que há uma improbabilidade absoluta de continuar por aqui ...

E vou ali, e já venho !

Cerro as janelas, desligo o computador, despeço-me do sol e do céu que por aqui ficam, beijo angustiada o Jonas e o Chico que comigo dividem as vidas todo o ano ... penitencio-me por ter de o fazer, e peço-lhes que me aguardem ... Voltarei da rua num belo dia, e tenho a certeza que me saberão, mal o elevador pouse no patamar !..

E carrego comigo os sonhos sonhados, os desejos formulados, a imperiosa necessidade de ir por aí .
Carrego o sorriso rasgado da  menina a quem deram um presente.  Carrego o sabor de uma liberdade que me acaricia o coração.  Carrego a leveza da aventura adivinhada.
Parto de alma lavada e espírito desarmado.  Aberta a tudo o que os meus olhos possam enxergar, os meus ouvidos escutar ... mais do que respirando, sorvendo todos os cheiros, embriagando-me com todas as cores, extasiando-me com a luz, os sons e os sabores que a Natureza me possa oferecer !

Quero jogar o meu corpo nas águas cálidas e mansas.
Quero mergulhar na sombra da mata.
Quero perder-me nos pores-de-sol em fogo.
Quero silenciar-me no luar prateado de uma lua cheia que é sempre imensa, como imenso é o firmamento negro, pintalgado de todas as estrelas do universo.
Quero escutar o vai-vem das ondas que não chegam a sê-lo, e são apenas uma babugem rendilhada de véu de noiva, na areia branca.
Quero ouvir os pássaros no dealbar de cada dia e devassar-me com o adocicado gratuito de todas as flores e todos os frutos ...
E quero olhar o riso das crianças.  Afinal elas são todas iguais e todas diferentes, em todos os lugares do mundo !

Deixo a minha realidade quotidiana, por cá.
Deixo as minhas rotinas.  Os lugares que por serem de sempre, me sufocam.
Deixo os meus, de coração.  Com uma ansiedade enorme, é certo ... mas que terei que dissipar.
E vou  recarregar as energias, que nesta altura da minha vida, por todas as razões, estão exauridas.
Vou consertar o coração, porque também ele, o carece há muito.
Vou costurar a alma, esfarrapada que está, há tempo de mais.

E votarei. Breve voltarei !
Afinal, o  tempo não passa ... escoa como a areia por entre os dedos. Voa, como a brisa da tarde, que nunca se deixa prender ... foge, como o rasto da ave que perpassa rumo ao arvoredo !...

Deixo o meu beijo para todos.
Por cá, fiquem em paz, com tudo de bom nas vossas vidas !  E ... ATÉ  BREVE !...

Anamar

terça-feira, 16 de julho de 2013

" MONDADEIRAS DO MAR "



Quando a maré desce,  os pescadores descem às rochas.
Indistintamente, homens e mulheres catam no que o mar deixou à vista, o sustento para o dia, o peixe que arpoam e vendem, e as algas que secam e vendem para a Índia.

É assim Zanzibar ... é assim, África ...

Debruçam-se sobre o mar rasteiro, como as mondadeiras no meu Alentejo se debruçam sobre os regos das sementeiras, na altura das mondas.

Também aqui por cima, o sol é abrasador.
Também aqui, as mulheres se embiocam nos panos típicos dos seus trajes, em explosão de cor .
Também aqui protegem o rosto, como lá, nos campos de solidão.
Aqui, também os areais estão sós, e o mar não é um mar, é um lago de águas sonolentas, de todos os turquesas, azuis, verdes e prateados ... que dorme, como a dolência desta gente, que vive acocorada nas soleiras das portas, sob as copas das árvores, na beira das estradas ... onde haja uma nesga de sombra ... a qualquer hora !...

Dir-se-ia que África não vive, "modorra" ensonada, não esperando nada ... simplesmente !...



Anamar

sábado, 13 de julho de 2013

" INTERMEZZO"



Escrevi  muito pouco durante a minha estadia em Zanzibar.
Foram, aliás, umas férias, digamos, um pouco atípicas.
Dir-se-ia que entrei na modorra de África, e fui engolida por uma espécie de adormecimento do espírito.
Embebedei-me da beleza natural, atordoante, senti a displicência da despreocupação inerente a tudo o que me rodeava ... e fui deixando apenas, transcorrer o tempo.

Pela primeira vez  em circunstâncias idênticas, creio, senti-me dominada por alguma angústia.  As notícias político-sociais de Portugal caíam-me em cima, através do ciber-espaço, que sempre nos atropela, não nos poupa, e não nos deixa indiferentes em lugar nenhum do Mundo.
Como seria abençoado, piedoso, saudável mesmo, que nos deixassem esquecidos no outro lado do planeta, ignorando que a laranja tem duas metades !...
Mas cada vez menos, isso é possível !
E cada vez mais, as realidades que vivemos nos atropelam inapelavelmente, e conseguem desestabilizar o nosso "eu" interior.

Depois, confirmou-se o que eu estou farta de saber, e que toda a gente sabe : nós carregamos as "nossas coisas", que pesam arrobas, nós damos-lhes outros ares, nós damos-lhes banhos, que julgamos de felicidade imaginada ( ou sonhada ), e voltamos a trazê-las, mais pesadas, se possível ...
Arejadas, mas não limpas, lavadas mas não asseptizadas ... igualmente irresolúveis !!!...

E quando saímos da bênção que é, partilharmo-nos com a Natureza gratuita e livre, mergulharmos no "pote de vitaminas" que tudo aquilo é ... e regressamos às quatro paredes do nosso quarto, à colmeia  que  é  o  nosso  edifício,  à  "marabunta"  que  é  a  nossa  cidade ...

Quando o betão começa outra vez a elevar paredes, e a agigantar-se, fechando-nos os horizontes ...

Quando o sol começa a empalidecer, os cheiros a esmorecerem, as cores a acinzentarem ...

Quando o som do silêncio que nos sufoca nas horas de solidão, aumenta desmesuradamente os decibéis de volume ...

... percebemos que exaurimos o balão ansioso, das espectativas criadas, esvaziámos as reservas das ilusões cultivadas, gastámos até esgotar, a fé ( que na verdade o não chegou a ser ... sempre soubemos ) , e que tudo não passou de um "intermezzo" inventado, de uma frase largada entre parêntesis, de um daqueles sonhos efémeros, que acaba sempre, no melhor ponto da história !!!...

Anamar

sexta-feira, 12 de julho de 2013

" ÁFRICA"



Iniciei alguns, dos poucos apontamentos escritos durante a minha estadia no arquipélago de Zanzibar, com o texto que constitui o meu post anterior, que colhe e encerra a emoção dos meus primeiros momentos em África.

África ... um continente que não mais voltei a pisar, desde os meus vinte anos, e que por isso faz parte do meu imaginário de juventude.
Contudo, reencontrei a "velha" África, com o misticismo, a magia, o carisma, que não se descrevem. Apenas se sentem !

São  irrepetíveis  em qualquer outro lugar do mundo, todas as sensações, toda a emoção, todo o despertar de alma, que só ali se vivenciam ...
Não há outro local, onde os cheiros sejam aqueles, onde a terra que pisamos tenha o vermelho daquela, como o das flores das acácias, onde as cores tenham a intensidade que ali nos exibem, desde as da natureza selvagem e virgem, às dos panos, com que as mulheres se envolvem, da cabeça aos pés ...
Não há outro canto do planeta, onde a vida corra mansa, amodorrada na sombra dos coqueiros, dos embondeiros, dos baobás, das palmeiras, das acácias, das miríades de árvores, centenárias e generosas no aconchego ...

Lá, onde as areias são brancas e finas, como farinha nas nossas mãos, o mar tem todos os tons de turquesa, azul, esmeralda, verde, prateado,  que a mente humana nem concebe, e que nenhum pintor reproduz.
As águas são absolutamente transparentes e cristalinas.
Os fundos adivinham-se, e esses jardins submersos, encerram uma multiplicidade de cores, de formas e de vida, que nos extasiam !
Se a maré está baixa e os leva até lá longe, os pescadores, munidos de arpões, "catam", junto ao recife de coral, o sustento diário ...
Ou embarcam nos "dohws" ou nas "ngarawas", embarcações rudimentares e artesanais, com que, a poder da força dos braços, impulsionadas por um pau, ou com a tradicional vela triangular de Zanzibar, navegam à bolina.


As populações são paupérrimas, as condições de vida, coisa de verdadeira sobrevivência.
Vive-se da terra que tudo dá, vive-se do mar que tudo dá, vive-se com a alegria do sol quente, estampada nos rostos, sem ansiedades, ou inseguranças, com a postura de quem sabe, que a simplicidade e a sapiência da vida, se resume a vivê-la ... diariamente !...

A língua nacional é o dialecto "swahili", e a religião, vivida com o fundamentalismo que lhe conhecemos, é, obviamente, a muçulmana.
Ela condiciona a vida, os hábitos, os trajes.
A burka, a abaya, o khimar, o hijab, são permanentes na vivência feminina, desde a infância, e escondem rostos lindos de todas as idades

A cultura é polígâmica.
Cada homem tem relações maritais com várias mulheres, e de todas elas, tem todos os filhos que vierem.
A mulher é socialmente subalternizada.  O islamismo confina-a  a um lugar muito específico.
Ela é objecto de procriação, e garante da manutenção da  família.  Ela desempenha todos os trabalhos domésticos, familiares, e desce aos campos para os amanhar.
Também avança pelo mar adentro, na recolha de algas, para secar e vender, se as águas as oferecerem.

Zanzibar é a "ilha das especiarias".
O seu aroma picante e adocicado, impregna o ar, tempera os alimentos, magistralmente confeccionados,  conforta o espírito e desperta os sentidos.
Por ela os portugueses passaram e deixaram marca, na demanda da Índia, nos idos anos do século XVI.

E é numa praia deserta, olhando para o azul turquesa do oceano, que Zanzibar mostra todo o seu charme.
para nos apaixonarmos por esta ilha, cheia de mistérios, não é preciso mais do que isto !!!...


              "Karibu,  Zanzibar" !....  "Djambo !...



Anamar

terça-feira, 25 de junho de 2013

" ATÉ JÁ ! "



Estou sem tempo.
Hoje falta-me o tempo útil que me sobra quase sempre.  Aquele que me leva a pensar, maturar ideias, reflectir, sentir, balancear tudo ... demais ... exaustivamente.

Estou de partida, pois como vos disse, houve um dia lá atrás, em que me deu "a louca" ... lembram-se ?
Um dia em que senti aquela inadiável certeza, que teria que  "fugir" daqui, sem apelo nem agravo. Teria que levar os meus problemas a banhos ... teria que pôr o coração de molho, para o refrescar e apaziguar !...

E vou.
Vou para a  terra das especiarias, das areias brancas e águas cristalinas, vou para os mares cortados pelos "dhowas" ... vou para o calor quase equatorial ... onde se apela aos sentidos, seguramente.

Contar-vos-ei !

Por  ora,  vou  perseguir  esperançadamente, a convicção  de  Saramago :  "É preciso andar muito, para se alcançar o que está perto " !....

Tenho a certeza que ele sabia do que falava !!!...

Deixo-vos o meu abraço bem apertado ... e ... até já !!!

Anamar

segunda-feira, 25 de junho de 2012

" A MAIS BONITA FLOR DE HIBISCO "


 Afinal fiquei louca de todo !

Irrecuperavelmente insana, resolvi viajar durante alguns dias.
Este maldito espírito de cigana de vida, acho que o herdei do meu pai, que como já tenho dito, era viajante de profissão ... nómada de coração !
Estes "bichos carpinteiros" que nunca me largam, começaram a avolumar-se, a perturbar-me os neurónios, e depois, sabem como é ...   Como diz um amigo meu, "passou-se-me um pano vermelho" pela frente, e pronto, arrisquei a maluqueira de ir gastar o dinheiro que me faz falta ...

Mas também, eu sei lá se cá estou numa próxima ... e "candeia que vai à frente, alumia duas vezes" !!...

Vou como sempre à procura do sol, daquele sol que se tem feito regatear em Portugal, num tempo "nem carne nem peixe" ... pelo menos aqui por Lisboa.
Vou em busca de paz e de silêncio ... do marulhar da água em rebentação mansa nas areias brancas, do sussurro do vento nos coqueiros, do mar turqueza e do céu sempre azul, dos cheiros doces, dos corpos nus, da mornidão envolvente de uma natureza generosa e pujante ...

Vou ...  Vou porque sou viciada em, de repente, me tornar anónima no meio de muita gente.
Sou viciada em suspender a minha vida entre parêntesis, pendurando o destino durante uns tempos, para o ver melhor, de fora para dentro.

Vou para pensar ... vou para sentir ... vou para "ME" sentir, nas horas de silêncio, que são quase todas, e nos passeios aos nasceres e aos pores de sol, na babugem salgada a afagar-me os pés ... do outro lado do Mundo.

Vou impregnar-me da luz da lua cheia no coqueiral, sobre um mar escuro, apenas incendiado pela poalha estelar.

Preciso ir, porque comecei a respirar mal por aqui, comecei a sossobrar a um cansaço de alma, que tenho que curar, preciso curar ... e o mar lava, expurga, pacifica ...

Voltarei ... talvez mais retemperada de forças, determinação de vida, mais certezas, espero.

Até lá, deixo-vos como sempre, a minha herança . 
As minhas flores ( as que gostam mais, e as que gostam menos de mim ), a Rita, que levo no coração, sempre compungida pela solidão a que a voto ...  a minha gaivota, que agora já em estância balnear, teima em não me ligar nenhuma ...  e o meu "farrusco do fiambre" ... o gato preto de olhões doces, que me namora do terraço das traseiras.

Estes são os meus tesouros, porque são eles que dividem comigo as horas, as boas e as menos boas, são eles os espectadores das minhas dúvidas, angústias e alegrias.
São espectadores das minhas euforias em horas felizes, e só não me enxugam as lágrimas ( porque não sabem ), quando despencam ainda que eu não queira ...

Cuidem bem deles todos, por mim, por favor.

Prometo trazer-vos como gratidão, na corola da mais bonita flor de hibisco que encontrar ... uma Anamar renascida ... gostaria !!!...

Anamar

terça-feira, 29 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS XIII - "FÉNIX"

 5,30 h da manhã de 25 de Novembro de 2011

Ainda no hemisfério sul, no Qatar (Emiratos Árabes) - aeroporto de Doha - viagem a meio .... será?

Bom, pensara ter encerrado com o meu último post, as crónicas de férias.
Ainda assim resolvi escrever mais qualquer coisa, que sempre resulta da introspecção que me invade no meu último dia em qualquer sítio, na solidão dos aeroportos e aviões.

Saí de Denpasar pelas vinte e duas horas de ontem, quinta feira, aqui em Doha são cinco e meia da manhã de sexta, como disse, e em Portugal serão duas e trinta também de sexta, a iniciar-se, portanto ...
Uma confusão de horas, uma confusão de fusos ... Razão tem o Jonas que diz que na próxima vez que eu viajar, para saber "onde" me achar, vai comprar um relógio com dois fusos ... assim não tem erro ... rsrsrs

Sempre ao viajarmos deixamos pedaços espalhados pelo Mundo. O ser humano tem a capacidade mágica, de se dividir, dividir e sempre renascer inteiro ...
As nossas marcas ficam lá, onde estivemos, como pegadas na areia.

Pelos meus olhos já desfilou vezes sem conta, o filme da minha rotina diária em Bali ...
O levantar bem cedo, porque o sol sempre  nascia para mim já na praia, uma praia que a essa hora estava deserta, envolvida numa luz incrívelmente clara, brilhante ... uma luz de paz!
O silêncio que então se "ouvia", ponteado apenas pelo desdobrar daquela maré, que de tão vazia tornava o areal verde de algas, era também habitado, pelos trinados das aves, eternas madrugadoras em todo o lado.
Os cheiros doces dos trópicos, tão meus conhecidos, são muito mais intensos pela manhã, muitas vezes apurados por chuva que frequentemente cai durante a noite.

A essa hora a cadela triste também já habitava a praia, e quando eu chegava, achava que já era a hora das "migalhinhas" diárias e da água para a dessedentar.
Eu sempre ficava por ali alguns instantes, apenas a contemplar, apenas a glorificar, apenas a dar graças ... graças por tudo o que tinha bem na minha frente, graças por existir, graças por merecer viver tudo isso.
Os barcos na maré vasa, eram gaivotas poisadas na beira do mar, a essa hora ainda adormecidos, a deixarem-se embalar apenas pelo vai-vem de meio metro de água ...

Depois era a vez do computador, veículo de comunicação com todos os meus afectos deixados lá longe.
Alívio e alegria pelas boas notícias, espaço de conversas e dissertações também ...
Nunca esta maquinazinha mágica foi tão apreciada, desejada, indispensada ...

O pequeno almoço seguia-se então. Hora de sempre pensar na minha "amiga", que me esperava junto à espreguiçadeira.
Chegava, tratava de a presentear com as parcas migalhas da minha refeição, enchia a taça improvisada com água, e era chegado o momento do primeiro de inúmeros banhos diários.
Aproveitando a maré completamente vazia, sentava-me no fundo, em posição de ioga, de frente para o astro-rei, e absorvia toda a sua energia, de olhos cemi-cerrados, em ausência total de tudo e todos, deixando-me embriagar por tudo quanto me era disponibilizado, apenas pelo simples facto de estar viva! ...

Eram momentos místicos, muito caros, de reflexão, de introspecção, de análise, em que o pensamento se soltava de mim, e voava quase tão rápido quanto aquele pássaro que cruzava o firmamento.
Momentos de equilíbrio também, momentos de reorganização mental, momentos de reencontro comigo mesma.

E o dia fazia-se naquela rotina gostosa, modorrenta, preguiçosa! ...

E os dias seguiram-se, fugiram velozes ... Como sempre, o tempo esgotou-se rápido na ampulheta da Vida!

Em Bali, uma vez mais, ficou muito de mim.
Em Bali ficaram-me muitos afectos, muitos sonhos, muitos desejos (alguns realizados, outros não) ...

Aqui estou ... talvez mais pobre, por tantos pedaços em que me dividi ... seguramente mais rica, por renascida inteira, uma vez mais !!!...
                                                                   
Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS XII - "A CHUVA"

23 DE NOVEMBRO - Fim de férias

Bali despediu-se de mim da melhor forma possível!

Bali que me presenteara com uma lua cheia espantosa à chegada, alguns dias depois uma tempestade tropical pela noite dentro, com relâmpagos a rasgarem os céus e a acenderem dia na noite escura, voltou a oferecer-me hoje uma cascata de água, pelas onze horas da manhã.

O céu começou a ficar completamente coberto, com nuvens negras a adensarem-se, o sol recolheu, e um vento repentino e forte, de sul, começou a açoitar o areal.
O ribombar dos trovões a ouvir-se ao longe, foi-se aproximando à medida que aquele "chumbo" no céu, crescia mais e mais, como num tornado.
Nos espaços amplos e sem fronteiras, o som estridente da trovoada amplia-se e progride como uma onda, que rebelde avança e avança ...

Tão súbito quanto a chuva começou a cair, a praia ficou deserta, absolutamente deserta.
Eu e a cadela triste que adoptei ou me adoptou, fomos as únicas que não debandámos.
Ela aninhou-se como pode protegendo-se do vento forte, junto da minha espreguiçadeira ... eu, bem, eu recolhi para dentro do saco de praia tudo o que pudesse voar, e fui para o mar!...

Continuo sem perceber por que fogem tanto as pessoas, da chuva ... desta chuva quente e gostosa ...
A força com que nos afaga o corpo é uma carícia na alma!
A chuva é lasciva, tem um não sei quê de pecado, na forma como nos toca. É "magana" porque nos devassa, sem pedir permissão, mas ao mesmo tempo, é meiga e lava e expurga tudo o que de negativo carregamos.
É livre e solta como o vento, e louca como ele, também!
É um convite atrevido a uma dádiva do corpo semi-nu, ao seu afago!...

Deixei-me invadir por chuvas como esta, na Jamaica, em Sta. Lucia ...
Tal como hoje, deixei que me inundassem, provocadoramente ... deixei que me encharcassem completamente o cabelo e o corpo, como o suor numa noite de amor ... deixei que me envolvessem como num abraço cúmplice e desejado, libidinosamente me massajassem o coração e dessa forma, pudessem eternizar a sua recordação ...

Bom ... em Bali ouvi muita música, escrevi bastante, reflecti ainda mais .
Bali foi muito bom, até para me fazer crescer o desejo de voltar ao meu "ninho" e a quem me espera ... até para me fazer sentir que também entre nós e o "nosso mundo", há realmente um cordão umbilical ...

Afinal, sempre pertencemos a um qualquer pedaço de terra !!!...

Termino assim as minhas crónicas de viagem.

Novembro, Indonésia, Hemisfério Sul ... BALI ... a Ilha dos Deuses ou a Ilha do Amor ...

Anamar

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS - XI - "AFINAL...O MEU CHÃO É OUTRO!..."


E começa a chegar-me a nostalgia da partida ... a nostalgia da despedida.

Odeio despedidas, e mais ainda despedidas definitivas, como será esta minha aqui em Bali.
Este ano não resisti ... reincidi ... não é fácil que volte a fazê-lo! Afinal, tanto Mundo a saber ... tantas vidas a viverem-se por aí ... tantos outros mares e céus ... tantas luas e tantos sóis ... para tão pouco tempo de que disponho!...

Assim, começo já a olhar para tudo, com aquele olho comprido, qual câmara de lenta resolução.
Deparo-me "flashando" cada sítio, cada som, cada imagem, cada cheiro, lentamente ... como não querendo assustar a emoção!

As bagagens dos hóspedes que partem, no lobbie, a aguardar a chegada do transporte para o aeroporto, anunciam-me que daqui a três dias serei eu a esperar a longuíssima viagem até Portugal ... claro, mais penosa agora, por ser a partida.

Bom, mas terei que pensar, que lá no outro lado do mundo, espera-me a minha casa, a minha gente, a Rita, os meus amigos, a minha vida a fazer-se todos os dias ... até o frio de um Inverno a iniciar-se, que me acena "ninho" ...

Afinal, a gente pertence a um sítio, queiramos ou não ... e lá, começa tudo outra vez!

Nem tudo o que é bom é sempre bom ... nem tudo o que é mau, o é definitivamente.
O yin e o yang tatuado nas minhas costas, costumo dizer, não está lá por acaso. Foi lá colocado para me lembrar sempre, que a escuridão tem sinais de luz pelo meio, e a luz precisa da escuridão, para com ela contrastar e ser mais apreciada! ...
A vida é isto mesmo.
É esta dualidade a cada momento, a obrigar-nos a analisar, a valorizar, a relativizar, a ter esperança ...
Às tempestades segue-se a acalmia, um desgosto abate-se com o tempo e abre as portas a melhores dias, à dor sucede a alegria ... ainda que demore!!!

As duas faces da moeda ... o antagonismo sempre presente no espírito do Homem ... a sua inquietação, a sua insatisfação catapultam-no todos os dias mais e mais além ... o desafio da descoberta não o deixa parar ...

Esta é a dinâmica da Vida ...

Com ela se faz a nossa existência ... vive-se e morre-se ... chega-se e parte-se ... sempre ... todos os dias ... a um qualquer chão!!!

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS - X - "OS PUTOS"



Era um "bando de pardais à solta" ... eram os putos da Indonésia, que de vez em quando são donos das praias!!

Pelas sete da manhã, ou talvez antes, ao dirigir-me como todos os dias ao areal, deparei-me com uma praia repleta de criançada, uma praia pejada de risos, brincadeiras, gargalhadas largadas na brisa da manhã ...
As crianças de Bali tinham hoje uma espécie de "seu dia", cerimónia religiosa na fé hindu, seguida de uma descida ao mar, para se banharem, purificarem, "limparem" a alma ...

Que haverá para "limpar" na alma de uma criança??!!
Que haverá para purificar, no ser mais puro que existe??!!

Como pétalas de flores, aqui e ali, num ritual de liberdade total ... iguais às crianças de todo o Mundo!!
Estava mais bonita a praia, estava mais alegre, estava muito melhor do que horas depois, quando os turistas, gente de "para-quedas" aqui, a invadiram.

Faz-me imensa impressão, choca-me muito, aqui e noutros lugares do Mundo ... lembro Cuba ... lembro a Jamaica ... lembro Sta. Lucia, em que as gentes da terra, são como que varridas do seu chão, são como que banidas do que lhes pertence, e têm acesso apenas, a nesgas, como "guettos", em espaços bem discretos, onde a sua pobreza, a sua humildade, a sua exclusão não se tornem demasiado visíveis ... como se o país tivesse vergonha dos seus !

A discriminação social motivada sobretudo pelas dificuldades económicas,  pelas assimetrias sociais, é algo que me mexe profundamente.
Sempre que posso e no meu fraco inglês, troco palavras, conversas, brincadeiras, com as pessoas. Por aqui são raros os que se fazem rogados, dada a afabilidade, a doçura genética, estou em crer, que vem no "pacote" de se ser balinês.

Ontem encontrei e conversei longamente, com um puto da praia.
Corpo de homem, alma e riso de criança ... pureza nos olhos ...
Tinha almoçado arroz. Não percebeu quando lhe perguntei "com quê"??!!
Arroz ... simplesmente arroz ... para ele, óbvio! ... Ontem e todos os dias.
Fiz questão de lhe oferecer um hamburguer, em que, para o mimosear, coloquei ketchup, e perguntei de novo : "Gostas de ketchup?"
Nova pergunta desnecessária ... Percebi-o quando me disse : "É a primeira vez que como hamburguer ... é coisa para homem rico !"...
E disse-o simplesmente, inocentemente ... sem demais engulhos !...
Ficou assustado quando o levei a sentar-se comigo no bar de praia, que o hotel tem junto à piscina.
Assustado por ser "gente local" e eu, uma estrangeira!...
Assustado por ir comer de garfo e faca ...
Em Bali , a generalidade da população come com uma colher e com a mão. Disse-lhe que não se preocupasse e dei-lhe uma colher ...
Expliquei ao empregado que ele era meu amigo e um balinês ... e eu, uma estrageira que simplesmente respeitava e muito, as suas tradições e costumes !!...
Emocionou-se pelo meu cuidado ... Garante não esquecer nunca mais, que esteve num hotel, onde eu não me envergonhei de dividir a mesa com ele ... ele, que vive na praia e que come arroz todos os dias, na única refeição que tem ...

Como as vendedeiras do mercado...
Muitas, envergonhadas quando lhes peço para tirar uma foto ( não tiro sem perguntar ... não são peças raras em exposição ... ), agradecem muito , como se as tivesse favorecido .
Sempre humildes, com uma humildade que me dói, como me dói a subserviência de qualquer ser humano a outro, pelo facto de esse outro ter tido a sorte de nascer com uma "estrela na testa" !!!

O dia amanheceu alegre, esfuziante ...
As crianças de Bali tinham descido à praia ... Aqui também, os putos vão, aos tropeços, aprendendo a ser Homens !!! ...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS IX - A MEIO DAS FÉRIAS - 16 DE NOVEMBRO




Sempre fui assim ... que raiva !!!

Estou a meio e já estou a viver por antecipação o fim, prejudicando o entretanto ... perceberam, não ??!!
Nesta minha forma enviesada de ser, não consigo  realmente disciplinar-me nesta matéria.
Sofro para trás, sofro para a frente, não vivo o presente, afinal a única certeza que temos realmente para viver.

O dia amanheceu-me em teoria, promissor. Planeara ir ao mercado local, rever o ambiente, num espaço absolutamente privilegiado para observar as gentes da terra, os seus costumes e formas de viver ... conhecer melhor a Indonésia por dentro.
Para tal, às 5,30 h da manhã saltei da cama, para um dia que já se percebia ir ser ensolarado.
Decidi descer à praia primeiro, saudar o "rei" que despertava, ainda entre os laranjas e os arroxeados da madrugada a dissipar-se.
Aproveitei, claro, para fazer mais umas fotos (mania de eternizar num quadradinho, tanto do que nunca se consegue arquivar ... os cheiros, os sons, as sensações, o vento ou a chuva, o frio ou o calor ... a emoção ... as batidas do nosso coração ! ... Nada disso lá fica, afinal ; o único registo é o que estará dentro de nós, enquanto não se diluir nos tempos. )

Feliz que estava, por um golpe de azar, não sei que volta dei à máquina fotográfica, que consegui avariá-la, de tal forma que a objectiva se danificou. Bom, a sorte é ter outra, não tão boa, mas pelo menos dará para continuar a cobrir exaustivamente a minha saga fotográfica.
Claro que com tudo isto, a ida ao mercado ficou inevitavelmente adiada .

Mas, falava-vos eu , desta minha resistência a usufruir os momentos até ao fim, em tempo real.
Sempre os vivencio para trás ( e esses dão pano para mangas ), ou antecipando os futuros ( para esses sempre tenho uma forma angustiada de os recepcionar ).
Tanta gente já me chamou a atenção para isso. Eu própria, sei perfeitamente tratar-se de  uma forma errada de ser e estar, aliás, já o referi algumas vezes, aqui neste meu espaço, numa espécie de contrição.
Mas não consigo alterar este estado de caos e indisciplina mental, que se prende com uma forma nostálgica de viver os acontecimentos.
Penso que tem a ver com uma certa interiorização da mutabilidade de tudo o que nos cerca, da irreversibilidade do tempo, da incertitude da vida !
E do efémero que ela também é ! ...
Da sensação de que num dia a gente chega, e no outro vai embora, levando de facto, apenas o pouco ou o muito que experienciámos, aquilo que fomos recolhendo pelo caminho, escolhos ou flores, que importa ! ...
Foram o nosso existir, foram, como sempre digo, a bagagem da nossa viagem, o recheio da nossa sacola !

Convivo  mal com aquela ideia de pensar ser a última vez que estou num local, a última vez que vejo uma paisagem ... convivo mal com a certeza que depois de mim, tudo continua no mesmo sítio ... aquela árvore centenária a contar infinitos, aquele rochedo que o mar açoita, aquele arbusto que continuará a florir ... antes ou depois de mim !!...

Por isso fico nostálgica, quando aqui em Bali, tenho o privilégio de ter tido uma "full moon" a extasiar-me, o privilégio de ter sido visitada por uma tempestade tropical espectacular, ter um mar que acaricia os corpos, de quente que é ... ter os cheiros e os sabores conhecidos mas sempre renovados, ter as flores, as flores de Bali, fadadas para adornar os cabelos ... ter os sons que o vento faz a brincar nos bambus ... e partir, partir até um dia, partir até nunca mais ... partir até à eternidade !!...

Eu irei ... Bali permanecerá igual através dos tempos, tenho a certeza !!!

Anamar

Nota: Foto retirada da Internet

domingo, 27 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS VIII - "A LÓGICA DO QUE A NÃO TEM"

15 de Novembro

Uma pessoa transforma um momento numa vida, e uma pessoa transforma uma vida num momento ...

Reflectia sobre isto hoje na praia, enquanto os auscultadores do MP3 me impediam de ouvir a "algarviada" do pessoal do leste da Europa, ainda não percebi se da Rússia, Ucrânia, Moldávia, Roménia...sei lá o quê!
O que sei é que o registo com que se pautam é todo o mesmo.
Uma falta de saber estar, conversas aos berros, ausência de noção de limites, de direitos sobretudo.
Irritam-me particularmente ... e o hotel está infestado.

Bom, mas dizia eu que ouvia a minha música no recolhimento possível, ausente de tudo, apenas com o ventinho que corria felizmente e amenizava o calor insuportável que se sentia, apenas com o azul do mar e do céu, hoje sem nuvens.
Veio-me ao espírito então aquilo que supracitei.

De facto, na vida cruzamo-nos com pessoas que tiveram a capacidade de a marcar de tal forma, no sentido positivo ou negativo, que se instalaram como "eternas", ou seja, ainda que na estrada que percorremos a sua existência possa ter sido temporalmente insignificante, foram de tal forma "visíveis", que jamais as "deletaremos".
Essas pessoas conseguiram tornar pequenos instantes em eternidades, tão importantes elas foram para nós!
Sempre nos saltam das sebes que ladeiam os nossos trilhos, volta e meia, e nos acompanham por espaços, para novamente, por uma qualquer razão, voltarem, e voltarem e voltarem mais tarde.
Ficaram por assim dizer, "impregnadas" , tatuadas, e como diabinhos malandros fazem-nos negaças, em maroscas infantis,  à nossa frente, aparecendo e desaparecendo à nossa revelia!

Contrariamente, na nossa vida temos outras pessoas que tendo-a marcado temporalmente de forma significativa, não passaram disso mesmo ... um registo inevitavelmente temporal, apenas.
Essas pessoas existiram, estiveram em permanência, e um dia percebemos que reduziram toda uma vida, à duração de um só instante, dado o lugar insignificante que ocuparam no nosso coração e na nossa mente.
Essas pessoas, quando partem para outros caminhos, não nos deixam a marca da sua ausência.
Continuamos na estrada, independentemente de elas nos terem existido.
A sua recordação não nos deixa mossa ... a sua falta não nos deixa nenhum buraco no peito; o seu ombro não nos é preciso mais como apoio, a sua imagem lembrada, não nos sustem a respiração, nem nos acelera as batidas cardíacas!
Tornaram-se  rapidamente "invisíveis", inócuas, irrelevantes ...
São pessoas que não doem!!!

E perguntamo-nos como é isso possível,qual a lógica disso acontecer??!! ...

Bom, a lógica é exactamente a ausência de lógica nas coisas do coração e do espírito, no domínio das emoções e dos afectos.
Trata-se dum campo que sempre escapa ao nosso "controle", um campo que nos ultrapassa, um campo que independe do racional, do razoável ... do "humanamente correcto", e que dificilmente conseguiremos reverter.

É aqui que encaixa aquela frase feita, tão lógica essa sim, e tão real  : " A vida não se fará pelo número de vezes que respiramos, mas pelo número de vezes que paramos de o fazer " !!!...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS VII - "OS MENINOS DA PRAIA"




13 de Novembro .........17,15 h  na Indonésia ......... 9,15 h em Portugal

Decididamente o dia hoje trocou-me as voltas.
Amanheceu com chuva copiosa, um céu toldado, parecendo não querer abrir mais. Dissuasor de praia, embora o calor, logo às seis da manhã, fosse intenso.
Só que, de uma forma geral, chuva para as pessoas é sinónimo de "molha", insinua a busca de abrigo rápido, antes que mais algumas gotas nos caiam em cima.
Não percebo por que nos climas tropicais, onde o sol seca num ápice qualquer dilúvio, continuamos aqui a padecer da síndrome aflitiva da "molha" ...
Nós ... porque os autótones não têm de nenhuma forma, esses problemas.
Vê-se bem que combinam com a chuva e a chuva combina com eles, que combinam com a Natureza ... conhecem-se e miscigenam-se.

Depois, ao longo do dia, o sol fez negaças prometedoras de aparecer, mas tudo não passou de boato.
Ainda assim, mais algumas gotas tentaram "fazer-se à pista", mas recuaram...
O ar abafado com uma humidade elevadíssima instalou-se, numa abóboda cinzenta com laivos mais ou menos carregados. O ribombar dos trovões ouviu-se à distância, mas foi só ameaça também!

A meio da tarde, a praia despovoou-se ... Houve uma debandada geral e o silêncio e a paz, instalaram-se, felizmente.
Por vezes é cansativo estar a levar com conversas e mais conversas, em vários idiomas, decibéis acima do razoável, línguas arranhadas, agressivas algumas, frias outras ... mas sempre conversas ...
Gargalhadas cacarejadas, fungadas, gargalhadas de hiena, projetos de gargalhadas ... daquelas que ainda não têm saído e já recolhem ... enfim, tudo nos polui os ouvidos, queiramos ou não.

Resolvi ir andar a pé, areal fora à beira-mar, onde a areia está fresca, mas já consistente, para não cansar em demasia.

Os meninos de Bali, os meninos de Java, os meninos de Sumatra, são donos das "suas" praias quando o sol abranda, quando os turistas, donos do dinheiro,  afinal as desocupam.
Os meninos da Indonésia "fazem-se" nas areias, no meio de lixos trazidos pelas marés e não removidos, no meio dos barcos ancorados em dormência preguiçosa, no meio das algas da maré baixa ...
Andrajosos, sujos, paupérrimos, vê-se claramente ... mas ternos, doces, irradiando simpatia e acolhimento, como só esta terra sabe.
Uma bola na ponta do pé, sonhos na cabeça, liberdade na alma.
Riem, riem muito, esfuziantes de alegria brincam ... são bandos à solta, que se têm como irmãos.
Nunca recusam uma foto. Fazem "pose", verificam no fim a obra feita, e riem mais ainda, quando se vêem no visor da máquina fotográfica ... como se de um "coelho a saltar da cartola" se tratasse.

Não são só os meninos que vêm à praia.
Os autótones, sobretudo muitas mulheres, "ousam" descer à beira-mar, como se isso fosse privilégio dessa hora.
E tomam banho nas "suas águas" ... envergonhadas, tímidas, com sorrisos reprimidos à flor dos lábios.
E tomam banho sempre vestidas ; também elas de novo em bando, riem muito.
Não falam uma palavra de inglês, mas sorriem sempre ...

Um indonésio dizia-me ontem, quando me surpreendi pelo seu cumprimento afável a um turista desconhecido, que na sua ilha, as pessoas devem "dar-se", independentemente do retorno.
O importante é que no cumprimento, no sorriso, passe o seu acolhimento, a sua energia, o espaço do seu coração aberto, a dádiva do seu espírito disponível.

Fiquei a pensar em como nós, os ocidentais, os detentores da civilização, da cultura, do conhecimento, e claro, também do dinheiro, regateamos tantas vezes um simples bom dia, um simples sorriso a quem se cruza connosco.
Fiquei a pensar em como nos "encasulamos" no nosso "mundinho", em como nos achamos bem superiores, em como nos fechamos e levantamos muros e barreiras à nossa volta!

Talvez se a praia tivesse sido só o espaço que nos deixassem quando deixassem, se uma bola tivesse sido só o nosso sonho ... se só o mar e o céu tivessem sido o nosso Mundo ... a nossa filosofia de vida fosse outra ..
Talvez aprendêssemos a dar valor ao bem que faz um bom dia generosamente oferecido, ou a um sorriso "desarmado" espontâneamente desenhado e distribuído ...
Talvez aprendêssemos a viver melhor ... como os meninos de Bali !!!

Anamar

sábado, 26 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS V I - "12 de Novembro ... agora mais à tarde"



Que pressa em começar o dia ! ...

5 horas da manhã e de olho arregalado, a cama parecia ter pregos.
Resolvi saltar e vir espreitar o sol que despertava, numa praia deserta, numa maré que de tão baixa permitia que se andasse quase a perder de vista.
Os barcos, claro, todos poisados no verde das algas, pareciam gaivotas em terra, em dia de tempestade.

Estava ótimo para se caminhar à beira-mar, lá onde as águas se desfazem mansamente, a fingir que são ondas.

É aí que se encontra gente da terra, rostos diferentes, sorrisos iluminados, todos bafejados por uma capacidade inexplicável de simpatia, cordialidade, doçura.
As oferendas do dia começam a ser colocadas nos mais variados locais.
Cestinhas pequenas com flores, frutas, arroz e incensos, são depostas nos barcos, nas soleiras das portas de acesso às casas ou às lojas ... simplesmente na areia da praia ...
São pedidos de proteção, de boas energias para quem passa, para quem entra ... são augúrio de sorte para quem as oferece.

Os bons espíritos habitam a montanha ... os maus, as águas profundas.
Do equilíbrio entre esta dualidade, se faz a vida das gentes daqui.
Gente de uma pobreza extrema, de uma precariedade total, duma simplicidade comovente, dum despojamento completo.
Gente de uma alegria nata, de uma boa disposição contagiante, de uma humildade que impressiona.

Aqui, onde umas calças custam meio salário, as pessoas vivem felizes.

Vive-se porque se vive ... porque é assim!...
Porque se tem a terra pródiga, se tem o mar carregado de peixe ... este calor que matura, esta brisa que abençoa, esta chuva que faz florir ! ...
Tem-se arroz porque se planta e se colhe ; tem-se peixe porque se apanha à mão, depois de artesanalmente se açoitarem as águas com um pau, numa pequena represa feita com uma rede.
A carne provem do porco e das galinhas que se criam ; as frutas, a natureza dá ... e são variadas ... As flores perfumam em todo o lado, e não regateiam onde nem quem !

A energia positiva, sente-se ... e não é sugestão.

Os deuses andam mesmo por aqui !!!....

Anamar                                                                

CRÓNICAS DE FÉRIAS V - "PARA RIR..."

12 de Novembro 2011 - INDONÉSIA - Hemisfério Sul

Bom ... este mini-post é apenas um toque de humor :

Sabem qual é o cúmulo da esperança? ...

Pois ... é um hóspede do hotel entrar na piscina, com tubo, óculos de mergulho e ... barbatanas !!! eheheh

(e não tinha perdido nada lá dentro ! ...)

Vi eu hoje, com estes que a terra há-de comer!!! eheheh

CRÓNICAS DE FÉRIAS IV - "AINDA 11-11-2011...só que às 22 horas já ..."


Quem já assistiu a uma tempestade tropical, sabe como é o ribombar do trovão nos grandes espaços.
Sabe com antes dela o calor sufoca, enquanto dura, a frescura se instala, para de novo quando tudo se pacifica, o calor abrasador retornar.

Lembrei Angola, há muitos, muitos anos atrás ...
Lembrei África, e a vastidão sem limites ou horizontes ...
Também como hoje, sobre a baía de Luanda, os relâmpagos rasgavam os céus, desenhando figuras esfíngicas e fugazes. Repentinamente, o  "dia" voltava, mesmo sendo noite, só porque a sua luz acendia a escuridão.
O som atroador calava então a natureza, por momentos, num misto de surpresa, respeito, medo ...

O mesmo por aqui hoje ...

O céu negro fica claro, os coqueiros e as palmeiras despenteados pelo vento, contrastam, numa aguarela a preto e branco.
A "guerra" das nuvens lá por cima não tem tréguas.
A natureza com toda a sua grandiosidade, mostra-se, impõe-se, determina claramente quem manda mais!

E fica-se assim, pequenino, frente a um espectáculo fantasmagórico de luz e sombra, de som e silêncio, confrontando-nos com a desproporção do que somos e do que pensamos, acreditando que sempre podemos dominar tudo e todos ...

O pigmeu face ao gigante ... o Homem face ao "Arquitecto" ...

Anamar

CRÓNICAS DE VIAGEM - III " 11 DE NOVEMBRO - 21 HORAS "


As chuvas tropicais são como os amores de Verão ... vêm fortes, sôfregas ... promissoras ... e vão ... num ápice!

Estou no lobbie do hotel, acabei de jantar, e estou recostada, absolutamente "out" do que me rodeia, a assistir ao espectáculo de uma chuva copiosa a despencar com a força toda, sobre os coqueiros e as palmeiras sequiosas ...
Esta chuva nada tem a ver com a que provavelmente cai a esta hora em Portugal.

Esta chuva acompanha um calor imenso ; esta chuva não molha, acaricia.
Esta chuva não maça ... é desejada!
E passa depressa...
Quase num piscar de olhos deixamos de ouvir o som das cordas de água na vegetação, nos telhados, no solo ...

Os amores de Verão também são assim ...
Desejados, empolgam a alma e o coração ... Têm calor, têm cheiro a terra molhada convidando a deitar, têm a cor da chuva a tornar os verdes ainda mais verdes ...
Têm a inconsequência dos sonhos largados ao vento, com o açúcar a escorrer pelo canto dos olhos, como lágrimas que o não são ...
Têm a concupiscência e a devassa dos frutos proibidos, ainda não provados...
Têm a provocação da pedrada no charco, na vontade de querer ir sempre mais além ...

E também como a chuva tropical se vão ... deixando o braseiro por apagar, a queimar os atingidos.
Nunca nos apaziguam ... Antes, abrem-nos "buracos" cá dentro, que devem durar até ao Verão seguinte ... para serem substituídos por novos amores ...
Tenho saudades desses Verões ... tenho saudades desses amores ... tenho saudades dessa chuva abençoada que expurga qualquer tristeza dos corações!
Tenho saudades da que eu era então ! ...

Depois do "Verão", os amores têm a maturidade da fruta no Outono, hora da recoleção de tudo o que aprendemos e ficou tão lá para trás.
Devem ser amores consistentes na sabedoria do conhecimento feito, devem ser amores calmos como as águas de maré baixa a acarinharem as areias, devem ser amores que perdurem, porque depois deles já não há tempo para fazer novos amores ...
No entanto, quentes, como os últimos dias do Verão que passou, doces a saber às uvas que se colhem nas latadas, gratificantes, como o chegar a casa num dia de temporal ...

São amores - âncora, amores - amarra ... para que fiquem, para que segurem, mesmo quando a ondulação é brava e os barcos balançam...
Têm que ser amores que "empanturrem" a alma de emoções, conhecidas, mas retomadas ; têm que fazer festas no coração e não deixar que ele sangre, têm que fazer crescer verdes de esperança sempre, e nunca impedir que a luz do sol os atravesse ...

Mas têm que nos surpreender e encantar, tanto como os amores de Verão ... têm que nos emocionar como então ...
Devem fazer-nos rir ou chorar tão desbragadamente, como na nossa adolescência ...
Devem acordar outra vez, aquele que pensa ter dobrado a esquina da vida !...

Amores, amores e mais amores ...

Enfim ... até onde me levou a água abençoada que caíu há pouco !!!...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS - II " LOGO A SEGUIR AO INÍCIO ... "


Já dia 9 ... por aqui é meia noite e meia .... em Portugal nove e meia da noite.

Doha, capital do Qatar, surgiu, vista do avião, como uma filigrana de luzes.
Pequenos cristais de todas as cores, como  que desenhando arrojadas e criativas formas de hipotéticas jóias, bordavam o solo enquanto o avião se fazia à pista.

Estranhamente ou não, não me sinto cansada ... Digamos que vou " p'ra festa" ... pior será no regresso!

O aeroporto de Doha, onde aguardo as 2,20 h  para seguir até ao destino ... (as terras onde o sol nasce primeiro) ... é um mundo também.
A miscigenação das raças, das cores, dos trajes, das línguas que por aqui circulam, é na verdade, só por si, um espectáculo.

Adoro estar aqui sentada, lado a lado com alguém que dorme e ressona ( como é possível??... ), lado a lado com crianças "desarticuladas" pelo sono e pelo incómodo desumano de uma viagem longa ( que fazem ouvir as suas reclamações aos berros ... ), como se estivesse num varandim, simplesmente olhando, analisando a curiosidade que tudo isto é, simplesmente mergulhando em raças, em culturas, em povos de todo o Mundo, diria ...
Sempre se aprende alguma, ou muita coisa ! ...

Afinal, o Mundo não é tão grande assim!!!...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS - I "O INICIO DE TUDO..."

8 de Novembro, 13 horas locais.

Estou no aeroporto de Barajas, Madrid, num inicio de tarde com uma luminosidade espantosa, com um sol de Inverno e céu azul , indescritíveis.

Estou numa esplanada do aeroporto, numa zona totalmente envidraçada, bem frente a uma perspectiva das pistas com os aviões poisados, quais pássaros em descanso.
Aguardo conexão do meu voo, com destino à Indonésia, para uns dias privilegiados de repouso, de relaxamento, que antevejo espectaculares.

Deixei Lisboa num dia cinzento escuro, com chuva copiosa a mostrar a face de um Outono - Inverno triste e desalentador.
Oiço a minha música, programada por mim própria para estas férias, e sinto-me tão bem, tão em paz... que me alheei completamente de tudo o que me rodeia, do "brouhaha" dos passantes apressados, ou dos que esperam, meio adormecidos, que as horas se façam ... a frequência normal de um aeroporto ... e sozinha trauteio cada tema musical, enquanto marco o compasso com a cabeça.
Sinto um auspicioso início de dias de reequilíbrio, de reencontro, de muita reflexaão ... O oriente só por si propicia isso mesmo, e o meu estado de espírito está totalmente aberto, sem restrições, sem reservas, a embriagar-me de toda essa riqueza espiritual !

Sou mesmo muito privilegiada e tenho que me sentir grata à Vida, ao Destino ... sei lá a quê ou a quem ... mas grata ... muito grata mesmo, e sobretudo feliz ... muito feliz também !!...

Anamar

domingo, 6 de novembro de 2011

"EM JEITO DE DESPEDIDA"

       
Novembro chegou.

Com ele, os magustos, a água-pé, o S.Martinho.  A tradição ainda é o que era ...
A chuva invernal brindou-nos já , copiosamente ... ainda assim sem que a temperatura faça jus ao mês.
Mês de golas altas, de roupa de lã, continua a amanhecer morno, cálido ... doce ...

Doce, como sabemos, nas cores e na luz, todas elas a envolverem-nos na interioridade, no intimismo, todas elas a convidarem-nos à introspecção, ao "ninho" ...

Novembro é um mês carismático para mim.
É um mês de muitas datas, muitas lembranças ... doces algumas, como a paleta de pastéis com que se pinta o arco-íris que nos envolve, na natureza e cá dentro ... onde o coração sempre aperta !
É um mês de sonhos arquivados, que se sonharam realidades e nos esvaziaram as mãos ;  é um mês de vida adiada ... é um tempo que sempre me arrasta, sem pedir permissão, até ao universo do meu outro "eu" ...o que já foi ...

Bom ... e por tudo isso, fujo de Novembro ! ...
E por tudo isso, enquanto puder, vou embora.

Também este ano ...

Dentro de poucos dias "fecho as portas" e parto.
Parto para que a "roupagem"  do meu espírito seja outra, para que como costumo dizer, os castanhos, laranjas, ocres e vermelhos se desvaneçam, dando lugar aos verdes cintilantes, aos azuis e turquesas transparentes, aos amarelos de sol, aos vermelhos garridos da pujança tropical.
Dessa forma tento fazer a minha "faxina" anual do "sótão", deixando os arquivos na poeira dos tempos e buscando novas realidades, novos rostos, novos sonhos, nova esperança ...

O ser humano defende-se ... esta a minha forma de alienação a Novembro ! ...

Fiquem bem, deitem alguma água nas minhas plantas, cuidem do meu espaço ... olhem a minha gaivota, e expliquem-lhe, se eu não tiver já tempo para isso ...

Voltarei ... e tudo recomeçará ...                                      

A vida é isto,  não ???...                                                     

Anamar