sábado, 19 de janeiro de 2019

" TERGIVERSANDO ..."




Um sábado de cinza, no céu uniforme e borrascoso, nas ruas de gente apressada a fugir à eminência da chuva já próxima, e também em mim, pintada por dentro com as cores frias que me rodeiam.
"Ao meio dia ou carrega, ou alivia", dizia a minha mãe, na sua sapiência de mulher velha, espaldada sempre na sabedoria do povo.
E é muito verdade.  Pelo sim pelo não, trouxe comigo o chapéu de chuva, porque eu acho que mais coisa menos coisa, o dia promete ...

Prometo também a mim própria, uma tarde daquelas ...  Daquelas que eu gosto, daquelas que nos últimos largos tempos, não usufruo.  A minha vida deu umas quantas voltas, voltas que nem sempre nos trazem, nas suas curvas, a concretização dos sonhos que idealizámos um dia.
Ou então, somos nós, como seres humanos imperfeitos, insatisfeitos e tumultuados, que acabamos, com o passar dos tempos, por nem sequer saber distinguir ou apreciar tudo aquilo de que dispomos ...

O Homem é assim !  Felizes das pessoas simples, curtas nos desejos, curtas nos anseios ... curtas nas exigências.  Simples nos sonhos, fáceis de contentar nas realizações !
Conseguem ser felizes com pouco ... que dirá com muito !...

A minha mãe era um desses seres.  Sempre se realizou com o que no dia a dia, o destino lhe propiciava.
Sorria por pouco, bastava-se com pouco, nunca "voava" alto de mais.  Coisas muito simples a satisfaziam.  Vivia para fora de si.  Em função dos outros e pelos outros.  Os seus, os da família de perto e de longe.  Não sei mesmo se alguma vez se enxergou, a si própria, com legítimos direitos a ter objectivos, vontades ou projectos.  E era feliz.  Nunca vi a minha mãe angustiada, insatisfeita ou sequer, triste !

Acredito residir aí, o segredo das coisas.
Quem se centra em si mesmo, quem reduz os horizontes ao seu mundo, forçosamente curto e egocêntrico, não consegue ver muito mais longe.  As dores são as suas, as insatisfações são as próprias, as "injustiças" da vida parecem sempre assentar-nos na perfeição.
Infelizmente, não puxei à minha mãe.  Não tenho o seu desapego, não aprendi a sua generosidade, não pratico a sua transcendência.
Não sou feliz, como acredito que quase sempre ela o foi.

Mas também sei que a "felicidade" é a maior utopia que o ser humano criou.  Lutamos por ela, negando perceber o alcance da entidade abstracta que ela é.
Talvez nos enganemos intencionalmente. Porque afinal, enquanto existe um horizonte, uma meta ou uma fasquia, encontramos razões para prosseguir, arregimentamos forças para nos ultrapassarmos e bengalas para nos levantarmos, por cada vez que sucumbimos.
Sem projectos, vontades ou objectivos, somos um pequeno barco de papel, à deriva, no sabor da corrente.

E por isso o Homem, todos os dias reescreve ou redefine  o seu próprio destino.  E por isso, a cada manhã, procura retocar o colorido do seu dia.  Para que ele não se torne neste cinzento sem princípio ou fim, apenas denunciador de borrasca à vista.
Pinta-o das cores da esperança, ilumina-o com os reflexos do acreditar, insufla-o com a energia emanada da sua própria alma.
E nada nem ninguém tem o direito de lhe roubar o enredo dessa história, ou negar a veracidade dos sonhos que desenha, porque eles são o único argumento do seu próprio filme !...
E prossegue ... assim prossegue !

Chove  agora copiosamente.  O dia fechou totalmente, e o escuro do firmamento não permite visualizar muito mais para lá.  Um pássaro desgarrado voa sozinho pelos céus fora.  Hoje, nem as gaivotas se atreveram a deixar o conforto dos ninhos, nas arribas, lá longe !...

Frente à minha janela sobranceira ao casario que se empoleira mais abaixo, agora com a tarde a caminhar já a passos largos para o seu fim, mimo-me no silêncio deste quarto, onde apenas a música ao meu lado, me embala o pensamento errante, na aragem fria que corre lá fora.
Este é o meu ninho, o meu refúgio e o meu canto !

Anamar

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

" DUAS ROSAS AMARELAS ... "




O sol descia a passos largos rumo à linha do horizonte.  Afinal, estamos em Janeiro e dentro de uma hora será a hora do repouso do rei.
Eram quatro e meia de uma tarde lindíssima, com um céu absolutamente translúcido, de um azul intenso e uma luminosidade penetrante.
As sombras já se projectavam longas no chão, uma brisa fresca corria ... e o mar continuava batendo lá em baixo, nos rochedos e no areal aos pés da falésia.
A vegetação rasteira, de carrasquinhos, camarinhas, canaviais, cravos romanos e azedas já em floração, revestiam a encosta, atapetavam os declives e forravam as escarpas.
Estranhamente, não planavam gaivotas sobre as arribas. 

Havia silêncio. Um silêncio perturbadoramente doce de chão adormecido.  Só o mar, em avanços e recuos, oscilante entre marés, mantinha o seu vai e vem de eternidade.
Eu estava e não estava por ali.  Na minha mão, duas rosas amarelas, de luz, de encaminhamento, de saudade ...

O pórtico lá estava.  O afloramento rochoso que ali se ergue, por entre a vegetação brava e rasteira, jamais permitirá esquecimento, dúvida ou hesitação.
Aquela passagem mágica entre terra e mar, aquela conexão simbólica entre o terreno e o etéreo, entre o fim e o princípio, entre o tudo e o nada, entre o som e o silêncio ... ali continua a pé firme, e continuará a desafiar as vidas, os tempos e os amanhãs ...
Aqueles amanhãs não divisáveis das curvas dos caminhos, das estradas dos homens, aquelas vidas que se vão fazendo no desfiar de gerações que se sucedem, aqueles tempos que não começam nem acabam, simplesmente porque o Homem com eles e neles se confunde ... até ao infinito !

Não foi premeditado. Não foi agendado.  Não foi culto de nada.
Foi necessidade.  Foi busca. 
Fui reencontrar o colo dos meus pais.  Fui procurar o regaço protector da minha mãe.  Fui ouvi-los, sentindo-os apenas.  Fui sussurrar-lhes da minha orfandade, sabendo que estão por ali, naquela poeira do caminho, naquela seiva dos caules despontados, naquela aragem que os levará pelos céus fora, para as águas que não regateiam destino, que abraçam e envolvem a Terra, que nunca começam nem nunca acabam ... até ao fim dos tempos !

Nove meses desde que a minha mãe me deixou.  Nove meses, o tempo que me albergou no seu ser, até me tornar gente... Os primeiros nove meses de um vazio e de uma solidão, que nada nem ninguém, nunca preencherão ...
Sentei-me nas rochas, perdi o olhar naquela imensidão sem horizonte que a limite, ouvi os silêncios, escutei as ondas, percebi o vento que passava, abençoei aquele sol dourado que descia ...
Espetei as rosas, por entre os carrasquinhos, e deixei-as iluminadas pelos últimos raios de uma tarde que cessava ... e regressei ... desalentada, sem forças ou vontade ...

Um dia, também eu estarei por ali !...

Anamar

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

" A FRONTEIRA DIFUSA "




O ser humano é um ser profundamente complexo.  Da vertente física à vertente emocional e psicológica, o emaranhado atinge tais dimensões, que nem o próprio indivíduo se pode vangloriar de se conhecer a si mesmo, quiçá gerir-se nas mais diversas situações.
Os vectores confluentes atingem tais proporções de disparidade, que transformam essa complexidade inevitável, em algo ciclopicamente inalcançável.

Além da genética, que irremissivelmente  acompanha o ADN de cada um, os factores pessoais, sociais, familiares, morais e éticos, são responsáveis pelo puzzle que se cria drasticamente, maioritariamente à nossa revelia, .
Desde que nascemos e começámos a tomar consciência do nosso "eu" multifacetado e hermético, que o nosso trabalho de construção pessoal se inicia de uma forma mais ou menos agressiva e / ou harmoniosa, por forma a inserir o indivíduo na realidade que habita.  Inicia-se todo um ajuste de integração pessoal, mais ou menos fácil, mais ou menos doloroso, dependendo  do enquadramento no qual ele deve viver.
As exigências pessoais, familiares, sociais, profissionais, éticas, morais e todas as que tendem à assimilação pelos nossos pares, no mundo em que vivemos, com a menor turbulência possível, submetem-nos a um trabalho interior exaustivo, constante e desperto em permanência.

O Homem confronta-se com a necessidade de corresponder satisfatoriamente, nas relações pessoais e em toda a interacção com os grupos com que diariamente priva.
Deve responder perante si próprio, munindo-se de todas as ferramentas necessárias para os diversos desafios, sejam individuais, sejam com terceiros.  E não é absolutamente fácil, agilizar todos os recursos de que pode e deve dispor.
Vai enfrentar os factores endógenos, mas também todos os exógenos, canalizados pela realidade que o cerca.  E são das mais variadas origens.

Deve responder adequadamente na família, em todas as relações afectivas com parceiros, pais, irmãos, filhos ... gerindo-as, após gerir-se emocionalmente de forma sapiente e equilibrada.
Exigem-se-lhe por isso, padrões de equilíbrio, objectividade, determinação, afectividade, firmeza, diálogo e toda uma panóplia de outros valores expectáveis, e nos quais a família espera rever-se.

Deve responder a nível social com padrões de comportamento exemplares, determinados e enquadrados, de acordo com as regras instituídas pelas sociedades que habita.
São padrões inevitável e ancestralmente normalizados, quase sempre reféns de valores, de molduras éticas e morais, incontornáveis, e dos quais o Homem não pode abstrair ou distanciar-se.
A vertente profissional é também, e acentuadamente nos tempos actuais, determinante da conduta humana.  A competição a qualquer preço, o arrivismo, o oportunismo, as injustiças, a desonestidade e os processos menos transparentes, por um lado ... a desenfreada necessidade de obtenção de competências, como exigência de valorização, crescimento e progressão  ( como deverá ser ), por outro ... associadas às dificuldades objectivas de uma sociedade agressiva, desumanizada e gerida por valores de ter e não de ser ... empurram o ser humano para situações de stress, angústia, ansiedade, dúvidas e frustrações às quais nem sempre tem condições reais e emocionais de resposta.
Adoece-se o corpo e adoece-se a alma !

Deve responder à luz da ética que lhe impõe valores de justiça, igualdade e liberdade, respeitando-se e aos seus pares.  Estes, são valores universais !  Evitam a discriminação e o preconceito.
Aliás, falar de ética é falar de valores.  É sobretudo falar de valores colectivos. Valores sociais e culturais que foram construídos e sedimentados.
Os valores morais são, como sabemos, os conceitos, juízos e pensamentos tidos como certos ou errados, numa sociedade.  São-nos  transmitidos nos primeiros anos de vida, através do convívio familiar.
Com o passar do tempo, aperfeiçoamo-los, a partir das observações e experiências que a vida social nos impõe.
Divergem de sociedade para sociedade e de grupo social para grupo social, alicerçam-se na cultura, tradição, quotidiano e educação de um determinado povo.
Os valores éticos são mais abrangentes.  Focam-se nas características compreendidas como essenciais, para o melhor modo de viver ou agir socialmente, dum modo geral.

Há ainda valores religiosos condicionantes do ser e do estar.  Não vou, contudo, debruçar-me nesta vertente.

O ser humano é um ser profundamente complexo ... comecei por dizer.
A mente humana é um mecanismo inexpugnável !
Parece óbvio, à luz deste exaustivo e intrincado labirinto que expus.  Assim, difícil e quase impossível será, com a pressão que diariamente nos assalta,  com o bombardeamento a que somos sujeitos, o alcance e manutenção de uma sanidade mental satisfatória.
O Homem é extremamente frágil, e consequentemente, cada vez mais difusa parece ser a fronteira entre a dita "normalidade" e o "outro lado" !...

Anamar

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

" A PASSAR UMA CHUVA ... "




Os pássaros já gorgeiam lá fora.
O céu bem limpo, de um azul translúcido, reflecte um sol claro e luminoso, de beleza ímpar, como só o é, o sol de Inverno.
Os dias, reiteradamente secos, com uma ausência total de chuva, lembram o início de uma Primavera que ainda está longe de se anunciar.

Gosto destes dias mansos.
Um ano novo começou.  Mais uma maratona de trezentos e sessenta e cinco dias a reescreverem-se, se iniciou outra vez, com a normalidade de sempre, da mesma forma de sempre, com as expectativas de sempre.  A vida vai rolando, o paradigma vai-se repetindo, o tempo disponibiliza-se em cada vinte e quatro horas que sucessivamente se oferecem. Sem pressas.
As mesmas preocupações, problemas velhos tentando travestir-se de novos, sonhos antigos procurando  concretizações, esperanças mansamente adiadas.  Tudo calmo, tudo sem afobação, com a exacta noção de que, como se diz no Brasil, estamos aqui, simplesmente a "passar uma chuva "...

Talvez sejam os anos que já vivi, que me permitem olhar desta forma o que me rodeia. Com esta bonomia, sem exigência ou insatisfação.
Já não crio filhos, já não luto por emprego, já não tenho fasquias profissionais a alcançar, já não se me colocam desafios de afirmação social em nenhuma área ... porque neste momento bastam-me a "sombra e água fresca", no desenrolar dos meus dias.
Digamos que beneficio, sim, dos dividendos da plantação feita ao longo da vida.
As lutas pessoais, travadas inevitavelmente nos percursos de cada um, amainaram ou cessaram mesmo.  Somos o que somos, e nada mais temos que provar a ninguém !

Sinto-me como se caminhasse numa vereda serpenteante serra fora, no verde cálido da vegetação sonolenta.  Tudo amodorrado, meio entorpecido, silencioso ... Tão adormecido, que às vezes desconforta !
Sinto estes dias, estranhos.
Eu sei que vivemos a ressaca das festividades que terminaram ontem, no Dia de Reis.
Foi um tempo de emoções, foi um tempo de reflexões, foi um tempo de balanços, de deve e haver no trilho das existências, em que não conseguimos furtar-nos às avaliações, às recordações, às saudades.
Para mim, como já o referi vezes sem conta, foram particularmente dias difíceis.  Foi o primeiro ano em que a ausência física da minha mãe, se tornou real.  A sua cadeira à mesa, já estava vazia há alguns, poucos anos, mas a sua caminha quente, ainda lhe dava berço e conforto.  E estava ali, à distância de um beijo, de um carinho, de algumas palavras.
Este ano, o destino já lhe havia determinado outra morada, e o vazio cru e sentido, pairou.
Paira sempre, a cada momento, mas não me largou nestes inevitáveis dias.

Não sei se por isso, se também por isso, ando a pensar muito na morte.  Na morte e no sentido da vida.  Neste nosso estar aqui, a "passar uma chuva " ... algo sazonal, precário, efémero ...
Tal como a existência humana, tal como o lapso temporal que nos é destinado viver !
Rápido e curto como as chuvas que vêm e subitamente se vão, deixando a terra sumariamente molhada ... para secar logo depois, apagando os sinais da sua passagem ...

Não sei por que estes pensamentos me assaltam ... mas assaltam !
Até me assustam um pouco, pelo que sinto.  Parece que vivo como que a terminar tarefas.  Parece que não me vale a pena já, iniciar nada.  Só terminar o que comecei, para não deixar pendências.

"Deixar" ... repare-se ... "deixar" ...
Deixar, é pensamento de quem parte, de quem vai para algum lado.
Dou por mim a pensar que a colcha da cama já não vale a pena ser substituída, que já não vale a pena renovar decorações, por algumas se arrastarem pelas décadas, que depois do Chico e do Jonas, os meus gatos de seis anos, não haverá mais gatos novos a entrar em minha casa ... porque não haverá tempo para os proteger até ao fim ... E assim por diante ...
Vivo uma sensação de manutenção e só manutenção ... como se se tratasse apenas de pontas penduradas.  Aquelas pontas que só esperam remate, numa costura !

Olho a minha casa, divisão por divisão.  Sei-lhe as sombras e o sol que a penetra.  Escuto-lhe os silêncios, perscruto-lhe os ruídos familiares.  E vejo-me fora dela e dentro dela, quando for ... quando tiver que ser.  E vejo-me a perambular por ali e a vê-la, quando já não a puder ver.
Os gatos já não estarão, não haverá fruta nas fruteiras, nem roupa no estendal.  Tudo estará criteriosamente nos sítios do costume, os estores estarão na posição do costume, os raios de sol e as sombras serão as de sempre, nas horas de sempre.
Haverá apenas uma poalha ténue, dos tempos, sobre os móveis adormecidos.  A poalha que sempre é eterna e que sobrevive ... porque não é viva, simplesmente.
E eu gostaria que tudo assim fosse.  Embora  isso fosse absolutamente indiferente !

E lembro Pessoa.  E lembro a sua aceitação nunca interrogativa nem questionável ... Aprecio o seu pragmatismo, o seu desassombro e o seu desapego desprendido.  Real ... duramente real !

Eu ... eu devo ser pretensiosa ... ou tonta, porque me confundo, porque me dou importância.  Uma importância que não tenho.  Que ninguém tem.
Porque ainda me interrogo e doo, me indigno e espanto, ao olhar a vida indiferente, encolhendo os ombros, ainda  que um só dos seus grãos se tenha perdido, ainda que uma só das suas folhas se tenha desprendido das hastes ...  ainda que o equilíbrio, de alguma forma, se tenha rompido ...
O sol continuará a nascer e a por-se todos os dias em todos os recantos do mundo. As luas cheias chegarão a cada quatro luas. Virá o frio do Inverno quando findarem os calores da estiagem, a Natureza renascerá, reinventar-se-à  ...  Os brotos das Primaveras irão continuar a engalanar as matas, onde os pássaros irão acasalar.  As marés subirão e descerão "ad eternum", e os rochedos que as sabem, vão continuar a escutá-las.  O vento soprará, a chuva tombará, mansa ou bravia ... e tudo, exactamente tudo continuará da mesma forma, com uma simplicidade absoluta ... como Pessoa diz ...

Mesmo que eu não entenda !...


"QUANDO VIER A PRIMAVERA "


Quando vier a Primavera,
se eu já estiver morto,
as flores florirão da mesma maneira
e as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme

ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria

e a Primavera era depois de amanhã,
morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo ?
Gosto que tudo seja real e que tudo seja certo ;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.

Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


                                                                Alberto Caeiro  in  "Poemas Inconjuntos "

Anamar