domingo, 12 de setembro de 2021

" IGUAL A MIM MESMA ... "

 


O tempo parece ter dado a volta.
É verdade que estamos a 12 de Setembro e o Outono espreita.  É verdade que a luminosidade do sol não é de todo igual, e percebe-se tão bem a doçura e o intimismo dos dias que já aparecem sonolentos em rota de hibernação, não demora !
Nada já tem o mesmo rosto de há dias atrás, tudo parece tocar a recolher ... da natureza, aos seres vivos.
E no entanto ainda ontem terminámos um período anual de azáfama, de vida corrida, de cansaços acumulados, e olhávamos gulosamente o sempre almejado Verão, o sempre auspicioso período de férias, de descanso, de liberdade, de descompressão e realização de projectos elaborados.
Ainda ontem, e no entanto tudo não passou de um parêntesis temporal que esvoaçou num piscar de olhos, como uma nuvem que se tivesse dissipado no firmamento ...

Este início de mudança que mexe com tudo o que nos cerca, este convite sentido ao silêncio introspectivo duma natureza que também se despede da pujança dos dias quentes de céu azul e límpido ... e começa a bocejar, a encasular-se, a recolher-se sobre si mesma, lembra e retrata a curva descendente também, de mais um ocaso nas nossas vidas.
Nunca tão depressa o tempo nos escorregou das mãos.  Nunca tão ligeiro, ele, indiferente às nossas angústias, dúvidas e interrogações, se nos esboroou por entre os dedos, como um menino traquinas, brincando com os nossos medos e aflições.
O ano vai a três quartos.  Não demora é Natal outra vez.  Não demora, o calendário vira a página, e nós, impotentes, olhamos para trás e já pouco encontramos do que fomos deixando.  Os lugares, os hábitos, as rotinas ... as pessoas ...
Partiu muita gente, no nosso círculo de relações, partiu gente demais na sociedade de que fazemos parte, muitos rostos que compunham o nosso dia a dia já não estão ... Tudo se descaracterizou e há um desconforto sentido dentro de nós, por todas estas ausências, por toda esta irreversibilidade da vida... por toda esta perda incontornável ...
Entretanto, demasiadas catástrofes naturais foram acontecendo, num planeta sofredor dos atropelos sentidos.  Várias convulsões sociais, guerras, ataques, conflitos ... Morte, sofrimento, desesperança.  Dor, luto, intolerância ... 
Tudo nos dói.  O que foi e nunca deveria ter sido.  O que é e nunca deveria ser !...
Sempre, o Homem no seu pior !

E já é noite outra vez.
Comecei a escrever, frente à minha janela, como sempre, com o computador sobre os joelhos, num lugar de silêncio, de tranquilidade e de paz.  Ia a tarde a meio, o sol, fraco e envergonhado, duma luminosidade de adormecimento, vestia de patines douradas um firmamento indeciso entre permanecer adocicado ou deixar que as nuvens que se desenham lá na linha do horizonte, subam e tragam a chuva prometida já para esta madrugada ...

Fico-me por aqui.
Um aperto bem no meio do peito retrata a angústia que sinto.  O olhar "molhado" que me aflora, retrata a sensação nostálgica e doída que me acompanha, dia após dia e que não consigo afastar de mim.
Uma tristeza profunda ... não me perguntem do quê, ou porquê ... Não saberia, honestamente responder !...

Anamar

domingo, 5 de setembro de 2021

" RESTOS DE UM VERÃO ... "



"Restos de um Verão" foi o título aposto ao meu escrito de hoje que volta a pecar pelo atraso, pela desmotivação, pelo desinteresse.  De facto, mediarem duas semanas entre a minha última abordagem a este espaço e hoje mesmo, é facto que cada vez menos encaixa na minha personalidade, que cada vez faz menos sentido, que não tem justificativa ou razão.

Necessidade de escrever sempre foi, por assim dizer, um sinal que eu sabia ler.  Sempre foi a busca de uma terapia para a alma, o esvaziar de um coração atormentado, a abordagem de uma escapatória em estrada conturbada.
E por isso, sem olhar para os lados, sem grandes exercícios censuratórios ou reflexivos, aqui vinha numa busca de remédio eficaz para a insatisfação, para o reencontro comigo mesma, para este deambular perdido em labirinto de sentimentos.
Aqui, quase sempre me encontrava;  aqui, quase sempre me abrigava, como de temporal fugida;  aqui, quase sempre reunia os cacarecos perdidos e espalhados, de mim mesma !
Porque enquanto escrevia, praticava também uma espécie de catarse, depurava os amargores dos dias desenxabidos e defraudantes, arejava angústias teimosas em me afrontarem.  E, operava em mim o milagre do esvaziamento, o varrimento das dúvidas existenciais em solilóquio amigo, o desapego dos "monstros" impositivos e massacrantes que me assombravam as madrugadas silentes.
E já valia, por isso, a pena !

Hoje, não encontro, de facto, resquícios de mim mesma, perdidos por aí.
Hoje, silenciei por dentro, sossobrante a um vazio sem remédio.  Pareço levada pela avalanche de um qualquer tornado trucidante do meu eu, no corpo e na alma.  Pareço subjugada a uma indiferença doída, pareço sucumbida à inexistência de luz no caminho, de horizonte desenhado nas alvoradas, de portas ou janelas franqueantes de auroras frescas e coloridas.
Hoje não encontro objectivo, rumo de valer a pena, força para sacudir as penas encharcadas deste pântano pestilento que arrasto indiferente, há tempo de mais.  
E desisto, e não escrevo, e vou simplesmente desfiando dias ...

À minha volta, nos conhecidos, nos amigos, também as realidades são semelhantes.  Doenças inesperadas e fatídicas mesmo em faixas etárias improváveis, digamos ...  saturação, falta de paciência, demência a acentuar-se em alguns, mesmo naqueles que nos habituámos a ver como muralhas que pareciam inexpugnáveis na vida, desinteresse generalizado por tudo o que nos rodeia ... em suma, uma mesmice e um cinzentismo em existências onde parece estar a apagar-se a claridade.
Tudo isto, sem outras perspectivas, sem outros rumos, sem outros sonhos !!

E assim vai fechando mais um Verão.  Assim os dias vão encurtando.  Daqui a pouco, daqui apenas a poucos dias, mais um Outono se apruma para chegar com a melancolia que lhe é característica, com a doçura também, dum intimismo e duma solidão que aninha mas também dói ...
Daqui a pouco as folhas douradas tombam, o vento arremessa-as em rodopios ... Daqui a pouco, os areais esvaziam e o domínio é já só das gaivotas que os habitam ... Daqui a pouco, o mar perde o azul e o verde e o prateado de dias promissores ... e acinzenta com o borrascoso dos céus nele reflectidos ...

E mais dois anos das nossas vidas se esvaíram, e esvaziaram da ampulheta que persiste em despejar ... inevitavelmente ...
Cansaço !!!

Anamar