domingo, 12 de dezembro de 2021

" EM BUSCA DAS LUZES DO NORTE "


 

Hoje esteve um dia absolutamente fabuloso !  
Engalanado com um céu limpo totalmente azul deslumbrante e um sol claro e aconchegante, não tinha vento e as temperaturas amenas eram um convite a que deixássemos de lado os casacos mais quentes.  Foi um verdadeiro dia de Outono-Inverno esplendoroso .

Fui caminhar na mata, no meio do verde, dos amarelos, laranjas e castanhos acobreados, no silêncio de trilhos quase vazios, ou não fosse fim de semana beirando o Natal, em que o pessoal lamentavelmente se enfurna nos centros comerciais para os gastos consumistas da época. 
Voltei a ver melros por lá, escutei o gorjeio da passarada residente em Portugal, e até confirmei uma suspeita que tinha : existem de facto, "periquitos de colar" talvez nidificando nas copas das árvores que, com folha perene garantem protecção aos ninhos.
Já me parecera vê-los, voando alto, porque ouvi-los, há muito o assinalara.  Nada de anormal, uma vez que a mata é vizinha do Palácio de Queluz, onde existem colónias desta espécie, no alto do arvoredo.
Os periquitos, tanto quanto julgo, são originários de climas mais quentes.  Costumam ver-se em latitudes tropicais ou mesmo equatoriais, e o facto de se auto-adoptarem no nosso país, deve significar que por aqui, o clima se tornou menos agreste e mais ameno em termos de habitabilidade para determinadas espécies biológicas. Afinal, mais um sinal das alterações climáticas, como o são também, os novos ciclos de vida de espécies tradicionalmente migratórias e que já o não são, como por exemplo, as cegonhas.

Bom, estou à beira de me ir embora de novo, para mais uma fugazinha à rotina que nos submete.
Como sabem, e já escrevi muito sobre isso, eu sou um bocado "caixeiro-viajante" de coração e de alma.
O meu pai foi-o de profissão, e eu creio que lhe herdei estes genes inquietos que me neurastenizam se alongar por muito tempo o sedentarismo, na vida e nos lugares ...
Amante que sou do sol, do mar, dos climas quentes e das vivências tórridas, desta feita furo o esquema e vou encetar uma nova experiência, em matéria de viagem.  Vou para lá do círculo polar ártico, vou para a terra do frio, das neves e dos gelos perpétuos ... vou para pertinho do pólo norte, que sempre é um local mítico na mente humana, vou viver a noite instalada, até que a estação mude e volte a ser dia de novo.  Vou procurar um silêncio muito particular que só ali, acredito ser experimentado.  Vou sentir o pulsar duma natureza muito genuína, mergulhar no verde salpicado dos abetos, penetrar a floresta de coníferas, de pinheiros nórdicos, ciprestes, larícias, bétulas, líquenes, cogumelos e tudo quanto constitui a floresta boreal nesta altura do ano, em que a luz escasseia e o Inverno se aproxima.
Vou conviver com as renas, os huskies, flutuar nas águas geladas do Ártico, no que acredito ser uma experiência única, passear na floresta nevada em trenó puxado por estes seres maravilhosos, ou calcorrear os caminhos totalmente brancos, "pilotando" uma mota de neve, ou caminhando oniricamente com raquetes de neve nos pés.
E encontrar os Lapões, já que na sua terra estou.  Perceber alguma coisa sobre as suas vidas, que imagino terão muito de solitárias ...

E claro, no breu da madrugada, à volta duma fogueira, ouvindo histórias, comendo salsichas grelhadas e bebendo algo bem quente e reconfortante, espero ( e seria o corolário da minha viagem ), encontrar as "Luzes do Norte"! 
As fascinantes, mágicas e irrepetíveis auroras boreais, que nas tonalidades mais inimagináveis pincelam, tremeluzindo, ( quais fantasminhas irrequietos ), a linha do horizonte, acendem desta forma, misteriosamente,  o céu escuro, tornando ímpar e inesquecível, esta experiência singular ... mais além!... 
Por latitudes quase proibidas, do planeta Terra !!!...

Anamar

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

" CATARSE "

 


Dezembro caminha a passos largos para o fim.  Frase repetida neste epílogo de mais trezentos e sessenta e cinco dias, não demora, decorridos.
Se eu me ler, ano após ano nesta época, correrei o risco de me ver repetida em cada página, em cada parágrafo, em cada pensamento ... Consequentemente, em cada estado de alma e em cada sentimento, o que obviamente significa que não consigo melhorar no olhar que deito à vida e ao mundo, ano após ano !
Sempre a nostalgia ... sempre a melancolia ... sempre a exacerbada preocupação e angústia crescente com aquilo a que chamam de "futuro" ...

Noutro dia, no cabeleireiro, local privilegiado e vocacionado para se ouvir de tudo e de todos mesmo sem pedirmos, uma cliente lamentava-se pelo facto de, tendo sido uma pessoa "cheia de vida" como dizia, dinâmica, cheia de vontade, de sonhos e de projectos, quando completou setenta anos a sua vida ter sofrido um volte-face  de cento e oitenta graus.  Parece que o avesso da sua existência relegou o direito da mesma para um inesperado esquecimento ! 
Não sei se há marcos particulares na evolução do ser humano, mas como todas as máquinas, mesmo as mais supimpas, de marcas consagradas, a certa altura, de repente, às vezes sem anúncio prévio, começam a claudicar e a dar sinais de mudança, de grandes mudanças, com frequência.
Parece instalar-se uma desaceleração, um atrito notório entre as "peças", uma dificuldade "respiratória" na engrenagem ... e é aí que estes sinais se tornam assustadores nas mensagens que passam.
E num belo acordar, num belo adormecer, ou em plena luz do dia, de repente percebemos as limitações que de subtis passaram a evidentes, percebemos as dificuldades, o esforço, a desmotivação, a falta de energia ... isto, pressupondo não haver razões mais drásticas para preocupações ...
E é quando a caminha nos aninha com doçura, é quando o calor do édredon nos sabe a útero de mãe outra vez, é quando aquela letargia de não urgência se anuncia ... que percebemos definitivamente que envelhecemos ... Não há mais como negar, não há como escamotear nada ... e o saudável seria encarar este estado de coisas, sem demais mágoas ou angústias !
De que adianta termos pena de nós mesmos, que adianta tentarmos fazer de conta, acharmos que talvez não seja nada disso ... mentalizarmo-nos de que lá no fundo, ainda reside em nós aquela miragem de super-mulher ?!

Poissss .... Não adianta, de facto.  Só que eu não consigo travestir-me do que não sou !
Estou a ter uma postura muito errada, destrutiva e derrotista face à inevitabilidade da vida, sendo que de inteligente, isso nada tem ... eu sei !
Tendo a isolar-me, guardo pouca paciência para o encontro e para o diálogo, o convívio quase sempre me maça.  Não tenho pedalada pra sonhos ou projectos. Já não aposto em nada, quase em nada.  Vivo como que apenas em manutenção ... do que existe, do que tenho, do que constitui a minha vida dia a dia.
Dou por mim a pensar ... "o pavimento está tão feio já ... havia de o substituir ... " E logo a seguir : "ai não.  Já não vale a pena.  Fica até ao fim !" 
Ou : "Roupa nova ?  Pra quê ?  A que tenho chega bem.  Afinal só tenho um corpo e neste momento pouco daqui saio ! "
E oiço a Lena que vibra com pequenas grandes coisas ... a máquina de limpar os vidros ... esta linha de cremes para o rosto ... aquela decoração para a muito longínqua / futura casa de Janas ... E penso : Ela já não vai tirar partido daquilo.  Afinal, os anos que chegam, cada vez menos ajudarão alguém que já se diz cansada, agora, no presente de que dispõe.  
Mas ela não perde o entusiasmo, mantém o foco, não desanima ... é positiva, talvez tenha uma postura construtiva, porque sendo intrinsecamente generosa e disponível, a Lena centra-se pouco em si, sai dela e vive em função dos outros. Não cultiva o paradigma obsessivamente negativo que me destrói !
Deve ser esse o caminho !  Será por aí a solução !
Declino convites, reencontros para um simples café, com pessoas que estiveram muito perto de mim há anos atrás.  Não quero que me vejam hoje.  Não quero que me olhem com aquela comiseração com que constato o declínio em outras pessoas.  Não quero que sorriam com aquela hipocrisia conhecida e digam : "Estás óptima !  O tempo não passa por ti !"... e lá por dentro : " Meu Deus, o que o tempo faz às pessoas !"  - buscando nos arquivos da memória aquela que eu era ... aquela que eu fui !
Não suporto essa dolorida injustiça.  Porque temos que nos degradar, e não partimos de uma vez, quando chegar a hora ?!  Porque temos que ficar decrépitos e oferecer de nós, espectáculos menos dignificantes ?! Porque temos que atravessar a tragédia de nos tornarmos meros simulacros do que fomos ?!

Sou uma revoltada com tudo isto !
E depois penso:  "Ridículo este meu sentir !  Tantas pessoas que só quereriam ter a saúde que pareço deter, sem demais exigências !!  Tanta gente que apenas sobrevive, nesta sociedade feroz que não se compadece, tanta gente que luta desde as madrugadas, em dias que pegam com dias, e em que até para dormir pouco tempo sobra,  gente que trabalha precariamente para subsistir apenas, para assegurar os mínimos do futuro familiar ... Sem demais concessões, sem demais benesses, sem demais gratificações !
E eu a conceder-me direito a privilégios ... como se eu fosse alguém ... como se eu merecesse algum desígnio especial nesta selva diária em que simplesmente passamos nos intervalos da chuva !
Estou a ficar alucinada ... estou mesmo a ficar louca !!!...

Anamar

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

" PEQUENOS / GRANDES TESOURINHOS "





Este tempo gélido embora ensolarado que nos remete para o aconchego de casa, encaminha-nos por vezes, para actividades nem sempre previsíveis.  Entre ler, passar e repassar a visualização de fotos de arquivo, até ao vasculhar mais exaustivo do computador em busca de esquecidas memórias, fiquei-me hoje perdida por vídeos que testemunham eventos, momentos ou circunstâncias que, já com alguma longevidade, fazem parte indestrutível da história da minha vida.
Verdadeiros pequenos / grandes tesourinhos que nos adoçam a existência !...
 
Não direi tratar-se de efemérides absolutamente felizes, ou totalmente feliz aquilo que reportam. Trazem-nos contudo, momentos que foram inteiramente felizes aquando foram vividos e partilhados.
Um deles, a reportagem do casamento da minha filha, já lá vão vinte e dois anos.  O outro, o baptizado do António, meu primeiro neto, juntamente com o necessário baptizado em simultâneo da tia, a minha filha mais nova, para que a mesma "amadrinhasse" o primeiro evento, passando desta forma de tia simplesmente, a madrinha do rechonchudinho menino então com quase quatro meses.

Ambos os eventos decorreram em Viseu, o primeiro na Igreja da Misericórdia dessa cidade e o segundo numa outra igrejinha menor, cujo nome não retenho.

O casamento, com total pompa e circunstância, desenhado ao pormenor nos mínimos detalhes pela noiva, teve de vida cerca de dois anos apenas, e o bebé nascido em Agosto de 2001, "assistiria" à separação dos pais, já pelo Natal desse mesmo ano !

Pode perguntar-se, uma vez que se adivinha muito de dor e sofrimento em todo este aparente conto de fadas desfeito ... castelo ruído em tão curto espaço de tempo, por que então eu reincido, masoquistamente parece, em ocupar tardes ociosas, a rever e a deleitar-me com imagens que talvez não acarretem memórias muito doces ??!!

Pois bem, além de me deliciar efectivamente, vendo e revendo uma e outra vez todos os pormenores, os mais ínfimos,  totalmente concebidos e gerenciados pela protagonista principal, revejo, bem ali pertinho de mim ( parece ), tantos rostos, tantas vozes, tantos gestos, tantas histórias que de longe se tornam próximas outra vez !
E porque a ilusão é meio caminho andado para a felicidade, como me sinto feliz, revendo tantos que já partiram e dessa forma regressam momentaneamente ao meu convívio, tantos a quem os vinte e dois anos projectaram da infância à idade adulta, e tantos outros  ( então ainda remoçados pela idade que detinham mas também pela alegria que se desfrutava ), e que hoje ocupam a galeria sénior à qual também pertenço !

São muitos os que já nos deixaram.  Chegam a ser dezenas.  Esses, partiram mas ficaram gravados nos nossos corações e na nossa memória "ad eternum" !   Esses, hoje, são apenas uma saudade que dói ...
Histórias inacabadas, vidas que seguiram cada uma nos seus trilhos, rotas que eram cruzadas, se interligavam e que se desviaram definitivamente ... amizades e amores que se interromperam ...
Tudo por ali passa, no visionamento de cada imagem, no olhar cada sorriso, no escutar de cada gargalhada ou na partilha de cada pedaço de conversa ...

E percebendo os caminhos que pareciam obviamente abertos e não o foram, e olhando a imprevisibilidade dos destinos daí em diante, vendo a efemeridade dos tempos desenhados e incumpridos no que pareciam rotas certeiras ... claramente entendemos como a vida faz e desfaz, brinca e judia com tudo e todos ... dá e tira ... promete e não cumpre ... sem que nada possamos fazer, a não ser continuar sempre a sonhar, a tecer ilusões e castelos de nuvens de algodão, quais carneirinhos soltos nos céus, que sempre nos levem mais além, no sopro da aragem !...

A isso, chama-se esperança renovada !...

Anamar