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terça-feira, 3 de outubro de 2023

" E AFINAL ESTOU VIVA !..."


Moro ao lado do Centro de Saúde da cidade que habito.  E moro aqui fará cinquenta anos no ano vindouro.
Ao longo dos tempos, não muitas vezes, devo convir, recorri ao mesmo, quase sempre exclusivamente para a obtenção de receituário, prescrições de análises ou exames de rotina, pouco mais.
Sempre fui absolutamente saudável e até hoje, tirando uns comprimidecos para o meu amigo colesterol não se armar "em pintas", nada tomo a nível de químicos.
Acresce que, sendo beneficiária da ADSE, por questões de praticidade, já que os Centros de Saúde funcionam como bem se sabe, prefiro quase sempre pagar do meu bolso a parte que me cabe e procurar médicos com ou até sem convenção com este subsistema de saúde. 
A médica de família que então tinha, era-o também dos meus pais, pois havia conseguido que o seu agregado familiar  fosse anexado ao meu, já que haviam perdido a respectiva médica na unidade da freguesia a que pertenciam, por esta se ter afastado.  
Assim, com o avanço dos anos e a inerente dificuldade de locomoção, sobretudo quando o meu pai acamou, a Dra.Dulce passou a responder também pelo apoio de que necessitavam.
Era o tempo de, apesar de eu viver, como poderá dizer-se "porta com porta" com o "meu" Centro de Saúde, eu descer frequentemente pelas cinco da manhã para conseguir a bendita senha para o que precisava para os meus pais.

A Dra. Dulce foi posteriormente embora também, e o nosso agregado familiar iria com ela para o novo centro para onde foi, numa freguesia ainda bem mais longe de casa, o que pelas razões que expus, inviabilizava mais ainda a situação.  Ficámos então sem médico de família, entregues em cada circunstância, aos chamados médicos de recurso..
Tal situação nunca mais se resolveu apesar de n exposições que fiz, de n reuniões que tive com a responsável pelo Centro, com a Assistente Social, e todas as estruturas responsáveis, e em que solicitava que pelo menos os meus pais pudessem ser apoiados duma forma estável por um médico fixo atribuído.  Lembro que o meu pai estava acamado, algaliado, com ameaça de escaras consequência da situação, carecendo de tratamentos de enfermagem ao domicílio, tinha 90 anos e a minha mãe, idosa, também com limitações motoras, com necessidade de acompanhamento na área da cardiologia e outras patologias associadas à idade, precisariam de estabilidade e segurança na área da saúde.
Não foi possível reverter-se a situação.

Os meus pais entretanto partiram, a minha mãe viveu os dois últimos anos na casa da minha filha, que sendo enfermeira, chamou a si toda a logística e apoio que em excelência prestou à avó até falecer.
Também já aqui não residia, e eu, cansada de todo este filme, simplesmente desliguei.

Em Outubro de 2018, ano da morte da minha mãe, resolvi reanalisar a minha situação no SNS e reactivei a minha inscrição.  Foi-me informado já ter atribuída uma médica de família, mas inexplicavelmente, pertencente a uma Unidade de Saúde Familiar noutra freguesia a alguns quilómetros de casa.
Ainda assim, resolvi fazer a marcação de uma consulta, via informática, pelo site do SNS, a fim de estabelecer um primeiro contacto com a médica referida, para uma primeira abordagem.  Foi-me informado não dispor a mesma de horário na especialidade requerida, obviamente de clínica geral.
Meteu-se todo este período conturbado de antes e pós Covid, e não sendo nada urgente, voltei a silenciar deste lado.

Há cerca de um mês acedi de novo ao site e voltei a fazer uma nova tentativa de marcação de consulta para a Doutora que não tenho sequer o grato prazer de conhecer e que já terá pensado ser eu por certo, um espécime extinto ...😁😁

Ontem, para felicidade geral, constatei que afinal ... estou ainda viva ... ainda sou um dos números da Segurança Social, e tenho FINALMENTE uma consulta marcada, pasme-se !!!

Ora bem, tamanha emoção trouxe-me à escrita, claro, porque trata-se duma conquista mais importante que Aljubarrota, ou até mesmo o Buçaco ou S.Mamede, para começar pelo princípio !!...

E estou tão, mas tão emocionada, tão mas tão agradecida, tão mas tão feliz e realizada, por ver como o SNS me tratou tão bem ... marcando-me no fim deste folhetim, a auspiciada consulta ... só que, para o dia 1 de Março de 2024 ... só cinco mesinhos depois ... 
Mas também, o que são isto, 5 mesinhos nos tempos que correm, e na vida de uma pessoa, Dr. Pizarro  ??!!😂😂😂

A ver se não morro até lá !!!

Anamar

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

" O INFERNO É POR AQUI MESMO ..."



No silêncio deste canto, no aconchego da música que toca e na luz velada lá de fora, vagueio em pensamentos avulsos por aí, sei lá para onde ou por onde ... 
Vou, só porque vou, ao sabor da rapidez da mente, orientada pela força de sensações experimentadas que se tornam emoções inquebrantáveis no tempo que vai passando ...

E o tempo vai implacavelmente correndo, indiferente, sempre indiferente a tudo, seja a angústia, seja a mágoa, seja a dor, o desespero... seja a impotência, o cansaço, a incerteza, a já desesperança.
Mais de dois dias passaram por cima da última e devastadora catástrofe que assolou o mundo, na forma de um terramoto de dimensões monstruosas que varreu dois países já de si débeis, a Turquia e a Síria, sendo que este último sofre há muito, o ónus de uma guerra sem quartel com que o Homem presenteia o seu semelhante com a indiferença sádica sempre inexplicável e cruel dum sofrimento desta natureza.
A esperança de resgatar sobreviventes de debaixo dos escombros é praticamente nula, com o passar das horas, com o frio gélido que se faz sentir, com a dureza das condições de trabalho das equipas especializadas, que de muitos países do mundo, de imediato se fizeram presentes.  A iminência de mais derrocadas em estruturas totalmente fragilizadas expostas às inevitáveis réplicas que ainda se fazem sentir, periga inclusive a vida de quem socorre, em desespero. Estima-se já que os mortos possam atingir cerca de vinte mil
As notícias proliferam nos espaços informativos, as imagens correm mundo, insaciáveis, tenebrosas, aterrorizantes.  O pavor face ao que se vê nas televisões, tolhe-nos, paralisa-nos, enovela-nos o estômago, embrulha-nos a alma.
E extasiamos face ao que chamamos de milagres. A menina de dezoito meses que escapou incólume mas perdeu a mãe grávida e os irmãos.  O menino adormecido encontrado vinte horas depois, que pergunta estremunhado, o que aconteceu ... ouvindo em resposta que é um herói ... 
Um herói ?! O que representará na cabeça daquele menino, talvez sozinho no mundo neste momento, "ser um herói" ??...
Ou, o que para mim foi a imagem mais tristemente irónica e doída ... a recém-nascida parida debaixo dos escombros horas depois do sismo, ainda ligada à mãe pelo cordão, e que a insanidade da natureza trouxe à luz do dia ... Sem mãe, sem pai, sem família  ( todos encontrados mortos sob os destroços do prédio onde viviam na Síria ) ... sem nome, sem nada nem ninguém ... apenas a vida, o terramoto lhe deixou, naquilo a que chamamos "milagre" ou "sorte" ...
Será que algum dia, na sua estrada, ela se sentirá compensada, por este golpe de "sorte" ou milagre no seu destino ??!!
A aleatoriedade da existência ... a lotaria ... o xadrês ... Como sempre sem resposta, sem justificação, sem mérito !...
E Deus, onde ??  Porquê, os pobres dos mais pobres, os mais desprotegidos ou desfavorecidos, os mais vulneráveis, são os que, sem defesa ou capacidade, mais insensivelmente são jogados na roleta voraz e impiedosa do sumidouro da vida ?!...
E as crianças, Senhor ??...

Entretanto a guerra na Ucrânia continua, bárbara, destruidora, insidiosa numa carnificina louca e imparável, fazendo um ano dentro de dias. 
À surpresa, ao choque, à raiva e ao ódio, seguiu-se a incredulidade, a impotência, a mágoa e a tristeza.  A dor lancinante dos primeiros tempos, as lágrimas imparáveis dos primeiros dias, deram lugar à aceitação do que parece inevitável, do que nada temos capacidade de reverter ... deram lugar a um sofrimento crónico, baixinho, manso embora doloroso e a um cansaço que sempre anestesia e quase normaliza a realidade em que mergulhamos.
Olhamos já com algum afastamento os horrores, as atrocidades, o caos ... por cansaço, por defesa ... p'ra não adoecermos com a magnitude daquilo a que somos sujeitos !

É assim o ser humano ! 
Não conseguindo eternizar com o mesmo grau de impacto aquilo que inicialmente nos feriu e destruíu, vamos vivendo, procurando a acomodação ao choque, tentando fazer com que a vida prossiga com o menor efeito colateral possível, e o tempo, correndo implacavelmente indiferente como dizia, se encarregará de nos garantir a capacidade de o continuar a viver ...
Não seremos contudo os mesmos, nunca mais.  O efeito modelador do sofrimento sentido ou partilhado, agiganta-se duma forma progressiva e o cansaço face a uma vida cada vez mais penalizante, esbate-nos a coragem, a força, a resistência e empalidece-nos o sorrir !

É então que busco guarida na natureza e me remeto à paz do seu equilíbrio, é então que me deixo envolver pelo poder curativo do seu silêncio, me embriago com a força que emana do seu poder regenerador, com a certeza que advém do genuíno, do imutável ... É então que fujo ...




Anamar

segunda-feira, 4 de abril de 2022

" NÃO SE ESQUEÇAM DE NÓS !..."

 


Uma Primavera instalada com o tempo adequado : chuvinhas intermitentes, sol ainda pouco convicto, temperaturas afáveis.  Páscoa à espreita na primeira curva do tempo, ou seja, a pouco mais de uma semana.  
Os miúdos nas escolas nem saboreiam um tempo pascal clássico, já que o período tradicionalmente destinado a férias foi totalmente absorvido para a compensação de um início tardio do segundo período escolar, devido a um recrudescimento verificado, da Covid 19, no passado Janeiro.

Entretanto pouco aqui tenho vindo, no que se revela um cansaço psicológico atroz, em crescendo, desde que a guerra na Ucrânia começou.
As notícias são de tal forma destruidoras, arrasantes, insuportáveis, que na impotência que experimentamos, impõe-se, para auto-protecção e defesa pessoais, um afastamento das mesmas, das imagens, do sofrimento.
Ainda assim,  não estando felizmente lá, no campo dos horrores, não há contudo muita escapatória para a fuga que nos apetece, como se, não vendo, não escutando ou tentando anestesiar-nos com o silêncio, pudéssemos escapar ao que sabemos existir !

É um país totalmente aniquilado, arrasado, destruído, aquele que a comunicação social nos veicula.  É total e desesperadamente doída a realidade trazida por imagens de corpos espalhados pelas ruas que o foram, abandonados em espaços atulhados de pedras, de escombros, de estruturas queimadas, de vidros estilhaçados, de edifícios esventrados, escurecidos pelo fogo e pelo fumo negro das explosões.
É devastador, olhar as valas comuns cavadas a esmo e aleatoriamente em meio de espaços residenciais ... de olhar cruzes em madeira espetadas em covas improvisadas às portas dos edifícios habitacionais. Identificadas ou não, sabe-se que ali, naquele chão, repousa finalmente talvez em paz, alguém ... pai, mãe, filho, marido... um qualquer ser humano, uma família mesmo, cujo trajecto nesta vida ficou inexplicável e injustamente interrompido !
Corpos silenciosos, corpos com que os cães que vagueiam também eles perdidos, assustados, sem casa ou referências, se tentam alimentar desesperadamente ... porque, como dizia ontem já sem sentimento ou emoção, alguém que não estava a viver, mas sim perdidamente a vaguear por ali :" os cães também precisam sobreviver !... "
Há carros totalmente destruídos por todo o lado.  Há tanques de guerra com perfis demoníacos e monstruosos, horripilantemente reduzidos a metal fundido ...  assombrando com os seus perfis malditos o verde que ainda se mantém, de zonas ajardinadas, de parques infantis com baloiços vazios de crianças e de vida !
Ontem, imagens que não se descrevem, de Bucha, nos arredores de Kiev, inicialmente em mãos russas e resgatada pelos soldados ucranianos.  No abandono, ficou um rasto de morte e devastação ... ficou o resultado de um genocídio vingativo e premeditado.  A população civil, sofrendo toda a sorte de violência e sevícias, foi totalmente dizimada.  Assim, gratuitamente, com mãos amarradas, sacos na cabeça, alvejados pelas costas, na nuca ... os corpos tombaram no chão, para todo o sempre !

Eu sinto náusea, horror, sinto uma pedrada dentro de mim mesma, num lugar que deve ser onde o coração se encontra ... Já não consigo chorar ou sequer aliviar um pouco este aperto que me estrangula a garganta ...
PORQUÊ ?  PORQUÊ ?  PARA QUÊ ?  Como pode o ser humano, esta espécie biológica à qual pertencemos, ser isto, ser esta coisa vil, de monstro sem tamanho, aterrorizante, nojento, sem veias ou sangue a correr nos corpos ?!  Em nome do quê ?  
O que pensam estes carniceiros sem um pingo de sentimento ou humanidade  ( e que já estão, eles sim, mortos sem o saberem ), sobre a Vida e sobre a sua auto-atribuída omnipotência ?!  Julgam-se deuses, certamente ...
E não é só Bucha que sofre.  Há iguais notícias noutras cidades, já não falando da cidade mártir ... Mariupol !...
Afinal a história desta guerra insana escreve-se a letras de sangue por toda a Ucrânia, com a total indiferença e vanglória da Rússia, e uma espécie de letargia, imobilismo ou bloqueio assustado por parte de toda a comunidade internacional !
A ameaça nuclear, esse monstruoso espectro está à frente de todos os olhos, nunca se falou e pensou tanto em Hiroshima e Nagasaki como nestes dias de terror instalado, enquanto Putin, o monstro dos monstros persiste encouraçado nos seus castelos inexpugnáveis, louco, alucinado, irredutível ...

Odessa, a "pérola do Mar Negro", a cidade carismática historicamente ligada à Segunda Guerra Mundial e classificada como Património Mundial pela Unesco, que havia sido poupada desde o início do conflito, começa agora a ser também bombardeada indiscriminadamente, no desígnio determinante dos russos fecharem à Ucrânia o seu principal porto de mar, porta de escoamento das suas exportações através do Mar Negro. 
Dessa forma, com o Mar de Azov também controlado através de Mariupol e pela zona do Donbass, inevitavelmente, Odessa será o último reduto que caindo, confinará a Ucrânia em relação ao exterior.

E eu, com uma viagem marcada há largos meses para fora de Portugal, quando nem me passaria pela cabeça sequer um vislumbre de tudo o que viria a desenrolar-se, deixarei amanhã o meu chão, a minha gente, as minhas coisas ... os meus bichos.  E reside em mim um misto de sentimentos e emoções.  Parece quase imoral ao meu coração poder usufruir, vivenciar esta viagem de lazer neste contexto, paredes meias com o sofrimento de tantos espoliados de tudo, de tantos que catam nos destroços, algo para sobreviver, no meio de tantas famílias destruídas, no meio de tantos órfãos da guerra  e de  tantos pais sem filhos, de tantos velhos que mal se arrastam a viverem em caves bafientas e húmidas, há quarenta dias ... sob o som das sirenes que não silenciam, o pavor de cada míssil que atravessa o céu escuro das noites infindas ...  e o desespero da esperança que lhes foge ... no meio de tantas mulheres em carne viva que enterram com as suas próprias mãos os seus entes queridos, os seus amores, os afectos, o futuro e o sonho de vivê-lo ...
Sinto-me injustamente privilegiada, bafejada pela sorte de ter nascido aqui, neste canto de remanso e paz.  Sinto uma espécie de culpa e de vergonha, talvez ...

É então que penso na precariedade e na aleatoriedade da existência humana, no tabuleiro de xadrês em que jogamos por cada dia das nossas vidas ...
É então que penso nos que são escrutinados com um destino de sorte e nos que sem culpa ou pecado, expiam tudo aquilo que não mereceriam, no limiar do sobre-humano ...

E lá de longe escuto um apelo desesperado " Não se esqueçam de nós !..."

Oxalá todos aqueles que conhecem as palavras liberdade e paz sempre os recordem !

Anamar

segunda-feira, 21 de março de 2022

" A PRIMAVERA NOS CORAÇÕES DE KIEV "



O mês de Março está beirando o fim.  
O tempo que tem persistido teimosamente em se manter seco, ensolarado ... primaveril, como "soi dizer-se", afinal, com a chegada do equinócio da Primavera, cobriu-se de nuvens e abriu as torneirinhas lá de cima com um fim de semana a convidar a casa e lareira. A semana que hoje se iniciou promete igualmente continuar chuvosa.

A Primavera portanto, ao contrário do que aprendi nos bancos da primária como sendo data certa, não chegou este ano a 21 mas sim a 20, pelas três e meia da tarde.  Já cá canta portanto, há mais de vinte e quatro horas.  Isto, no domínio do científico, pois a Natureza, essa sim, mercê da amenidade do clima que se tem feito sentir, há muito a anunciava.  As flores, os pássaros, a multitude de manifestações de uma renovação bem evidente por todo o lado, não deixavam margem para dúvidas .  A vida a continuar, a renascer, a desabrochar da escuridão, do ensimesmamento, do silêncio e da hibernação a que a estação anterior a votara. 
É sempre emocionante ver como a paisagem se altera de um dia para o outro.  É fantástico e deslumbrante assistir ao engalanar das árvores e arbustos com pequenas folhas verdes promissoras, generosamente vestindo os ramos esquálidos ainda há bem poucos dias atrás.  É extasiante assistir à explosão de cores na floração de toda e qualquer humilde plantinha ... 
Haja o que houver, há que continuar ... parece ser a eloquente mensagem da Vida !...

Hoje também se comemora o Dia Mundial da Árvore e da Floresta, Dia Mundial da Poesia e igualmente da Luta contra a Discriminação Racial.  Todos eles, segmentos de um objectivo maior e universal, o respeito e a dignificação do ser humano no quinhão de terra onde vive e com quem o divide.

Por árvore, por floresta, por respeito pelo nosso semelhante e por poesia ... a poesia que nos envolve e deve envolver nos dias das nossas existências ... por toda esta mescla de sentimentos que se atropelam e misturam sem ordem ou rumo,  veio-me à ideia a inesquecível frase com que Palmira Bastos fechava o palco na inesquecível peça "As árvores morrem de pé" ... "morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores"...
E obviamente não é estranha a esta memória a simbologia da Ucrânia, do povo ucraniano e em última análise, do seu presidente ... o resistente e sonhador Zelensky.
Falta-lhe na mão a bengala com que Palmira, batendo no soalho do Avenida, erecta, invencível,  inabalável,  numa  voz  tonitruante,  gritava  " ... porque  as  árvores  morrem  de  pé !"...

Assim a Ucrânia.  Assim o seu povo.  Assim a admiração crescente e indómita que nutro por aquela gente.  Um povo inteiro, uno, de cabeça erguida, de coragem e valor ... um povo que não se verga e que na tempestade encara o vento de frente ... que não aliena a esperança e que do sofrer faz renascimento, como cada Primavera ...

Em Kiev, na precariedade de condições de segurança e no olho de um furacão de medo dos bombardeamentos e explosões que se intensificam, setenta voluntários, na praça central, junto à Catedral de Sta.Sofia ( na maioria, mulheres ), construíram, com mais de um milhão de tulipas, o Tridente Ucraniano Tryzub, símbolo cultural e identitário que consta no brasão de armas do país.
O Tridente é uma representação com significância religiosa, militar e política.
Do ponto de vista religioso, foi introduzido na Ucrânia pelo príncipe Vladimir, no século X, aquando da introdução do cristianismo no país. Representa a Santíssima Trindade.
Política e militarmente é igualmente um símbolo representativo de poder, autoridade e força.

E porque na Ucrânia é tradição, no dia da chegada da Primavera os homens oferecerem flores às mulheres, este tridente agora desenhado em tulipas no chão de Kiev, pretende, desafiadoramente, representar uma indomável celebração espontânea da esperança e uma justa homenagem aos que combatem e à paz que se anseia e acredita alcançar...
... porque até no horror da guerra a poesia pode sempre  iluminar o coração do Homem !

   

Imagem da Internet - Um pardal segura um pedaço de pão num parque de Kiev, no primeiro dia quente de Primavera na Ucrânia.

Anamar

sexta-feira, 18 de março de 2022

" RÉQUIEM PELA UCRÂNIA "

 


Uma vala comum ... 
A escavadora está no topo, em prontidão.  Será seguramente alargada nos limites, pois os corpos não param de chegar.  Caixões não existem, os sacos plásticos fazem-se à terra uns sobre os outros, amontoados, como amontoados chegaram. Gente anónima, talvez vizinhos, talvez amigos ... talvez desconhecidos ... num mesmo fim desesperador. A vala comum alberga todos por igual ...
Adultos, crianças, homens mulheres, na mesma morada final ... sem uma lágrima, sem uma palavra, sem uma flor... A dignidade possível neste retorno à terra gelada !
E silêncio.  Um silêncio profundo, porque silêncio é tão só o que existe entre os que ainda desafiam a sobrevivência.

Mariupol, a cidade mártir na fronteira leste da Ucrânia, paredes meias com o algoz...
A cidade sem água, sem luz, sem energia, sem alimentos.  A cidade em que a neve se derrete para se ter a água que salve da desidratação.  A cidade em que as temperaturas a baixarem, aceleram um fim inevitável.  Um sofrimento e uma dor que assolam o corpo e emudecem a alma.  Já não há forças para resistir, os corredores de evacuação humanitária retrocedem sistematicamente, pois o cessar-fogo não  é respeitado e morre gente nas colunas de refugiados.  Porque em Mariupol continuam os bombardeamentos indiscriminados. Um apocalipse, um extermínio, um genocídio total ...
Há dias, um hospital pediátrico e uma maternidade foram totalmente destruídos. Ontem, um teatro que albergava mil habitantes da cidade sem esperança, também ... E escolas e infantários e zonas residenciais reduzem-se a escombros.  A população acuada, cercada, encurralada ...

O sudeste, na ânsia de ser criado todo um corredor territorial que ligue o Donbass à Crimeia e aos acessos do Mar Negro com o final domínio de Odessa, encerrando dessa forma o acesso da Ucrânia ao mar, parece ser o desígnio neste momento.  Não importa o que se leva pela frente, não importa que preço seja pago para travar esse objectivo terrorista.
Odessa, a "Pérola do Mar Negro", terceira maior cidade da Ucrânia, cujos habitantes se mobilizaram em esforços, protegendo com sacos de areia das praias, os monumentos de valor inestimável, aguardam dia e noite a invasão, presumivelmente por terra, mar e ar.  Na linha do horizonte, um elevado e ameaçador número de fragatas russas, parece estar estacionado, aguardando.  Por terra, a cidade será alcançada depois de dominada a cidade de Mykolaiv, o que ainda não foi conseguido.
Os nervos, por esta espera desesperante, por esta incerteza angustiante estilhaçam mais e mais a determinação dos habitantes que ficaram, já que, também aqui, o êxodo das populações tem engrossado de dia para dia.
Não esqueçamos que Odessa é uma cidade matriz em termos das rotas comerciais. O seu porto de mar, o mais importante da Ucrânia, é a porta de acesso ao exterior.  A cidade, de uma monumentalidade fantástica, aliás como Kiev também o é, está classificada  pela Unesco como património da Humanidade !

Lviv, aonde a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima chegou ontem, representando simbolicamente a resposta ao apelo da população católica, que vê na imagem de Fátima a protecção mas sobretudo a paz que tanto anseia, acordou esta madrugada também sob bombardeamentos.
Local de encontro dos que fogem, porta de acesso à Polónia, principal fronteira de saída para a Europa, Lviv tem sido o último lugar deixado para trás na Ucrânia, e o primeiro em que os milhões de fugitivos que anseiam "respirar", encontram com alguma dignidade, apoio, socorro, amparo e ajuda.
Para lá da fronteira, equipas de voluntários em toda uma logística montada no sentido de prover às necessidades básicas de quem se desloca com pouco mais do que uma mala, filhos pela mão e ao colo, animais de estimação e os idosos que nunca seriam abandonados, trabalham incansavelmente dia e noite, tentando mitigar a dor da separação familiar dos que partem e dos que ficam ( não esqueçamos que os homens entre os dezoito e os sessenta anos não podem abandonar o país ), a dor do infortúnio que ali os trouxe, o desgosto da perda de toda uma vida ... e o medo, o medo aterrador que se lhes colou na alma e no coração, não só por tudo o que passaram, mas também pela angústia da incerteza e do desconhecido futuro !
E os corredores humanitários progridem bem além das linhas fronteiriças, e atravessam todo um continente solidário, generoso, mobilizado e disponível, até onde haja um tecto, uma cama, um pedaço de pão e quem sabe, um trabalho ... em suma, um chão onde a cabeça possa dormir tranquila, onde as bombas não aterrorizem o sono dos mais pequenos, onde as sirenes de bombardeio não ecoem e onde um futuro talvez possa reescrever-se, no horizonte de cada um ...

Hoje, Lviv amanheceu com a Praça Rynok no centro da cidade, albergando cento e nove carrinhos de bebé, em memória das cento e nove crianças já falecidas neste inferno.  Um imenso vazio  perpassa por ali, uma solidão e um desespero absolutos abatem-se sobre aquela imagem devastadora ... uma revolta despedaça-nos o coração, e não há como impedir que as lágrimas corram pelas faces.  
Cento e nove carrinhos, devolutos, onde jamais se sentarão os inocentes que nos deixaram, vítimas das bombas, dos mísseis, da destruição... talvez da desidratação, talvez do frio, talvez da fome ...
Não estarão para narrarem o que a loucura dos Homens lhes fez.  Não estarão para continuarem a perguntar-nos "porquê" ?!  Como foi possível que tudo isto acontecesse em pleno século XXI, num continente chamado Europa ?! 

Não vou alongar mais este meu texto.  Já não tenho fôlego para ouvir os relatos, ver as imagens, olhar, olhar perdidamente, um país que infelizmente não visitei, cidades que infelizmente não conheci ... enquanto o foram !...
Hoje, dentro de mim, só há silêncio, um silêncio sepulcral, pesado, sufocante, de dor, de vergonha mas sobretudo de perplexidade !!!

Anamar

terça-feira, 8 de março de 2022

" 8 DE MARÇO DE 2022 - DIA INTERNACIONAL DA MULHER "

Hoje este meu post não passa de uma reportagem fotográfica, com recolha de imagens veiculadas na Internet, que me tocaram particularmente, e que do meu ponto de vista, representam momentos, lugares, pormenores, rostos ... em suma, registos de dor e sofrimento da realidade ucraniana ao dia de hoje, em que a guerra parece eternizar-se.

Particularmente, neste Dia Internacional da Mulher, sem dúvida o seu papel neste inferno, estará aqui bem documentado, e estas imagens também serão uma justa homenagem à MULHER !
A mulher, a mãe, a esposa, a que luta, a que suporta, a que protege, a que ampara, a que resiste, engolindo e tentando sempre  subtrair as crianças a um mix explosivo e destruidor de sentimentos e emoções, seguramente indeléveis nas suas vidas !

UCRÂNIA 


































Anamar

segunda-feira, 7 de março de 2022

" E O FRIO POR TODO O LADO ..."

 


E no entretanto só penso no frio ... 
Este frio gélido que se abateu, que se nos entranha nos ossos, que nos cerca o coração !  É um frio por fora, mas sobretudo por dentro, nos meandros da nossa alma !

Também lá ... sobretudo lá, no cenário da guerra, o frio ainda é mais frio, mais impiedoso e indiferente.  Lá, onde há homens a lutar em condições inenarráveis, onde há famílias confinadas a abrigos também eles gelados, caves onde a escuridão procura esconder todos os sinais de vida, o frio torna-se ainda mais carrasco. 
Lá, onde as crianças que já não têm tecto, que já não têm chão, que já não têm respostas porque também parece não terem amanhã, esperam o que ninguém sabe, para quando ninguém sabe ... o gelo invade, maltrata, aniquila ...
A energia eléctrica providenciadora do aquecimento vital à sobrevivência das populações, cortada em muitos locais, é mais um dos crimes desta guerra maquiavelicamente concebida.
Como se sobrevive em temperaturas negativas, no meio duma precariedade total?
Como sobrevivem os idosos ?  Como sobrevivem os recém-nascidos nas maternidades também elas, bombardeadas?  Como sobrevivem os animais e as crianças que com eles dividem o infortúnio ?

Nas bermas das estradas, caminhando a um ritmo muito acima do que as suas pequenas pernas lhes permitem, transportadas aos ombros, em carrinhos, ou nos braços cansados de quem as carrega horas intermináveis, envoltas em cobertores, embrulhadas nas mantas que a solidariedade lhes dispensou, vão indo, pressurosamente, sempre em frente, num êxodo que não se compadece da urgência da chegada ... para um qualquer sítio onde as bombas não caiam, onde as sirenes não ecoem, onde os mísseis não atinjam ... a um horizonte onde haja um novo arco-íris à sua espera !
A neve continua a cair.  Também ela, leve, sussurrante, indiferente ... gelada !
Os rostos são fustigados, o cansaço apela à paragem.  Mas o tempo urge.  Amanhã poderá não haver escapatória, amanhã a lei marcial poderá ser imposta, amanhã as fronteiras podem cerrar-se ... amanhã pode ser tarde de mais para estarmos vivos !...
E não sei como, reúnem as forças que pareciam inexistentes já, e continuam em frente.  Muitos sem sequer terem destino, lugar ou alguém à sua espera ... movidos apenas pelo instinto da sobrevivência, pela esperança num amanhã mais justo e pela fé de que aquele chão, de novo, um dia os voltará a acolher !

Não importa que a neve, na paisagem branca, esteja agora tingida do sangue de tantos que já tombaram, não importa que o amarelo dos campos de trigo continue envolvido na esperança do azul de um céu límpido, em dias sonhados outra vez ... não importa que desígnios obscuros a crueldade dos Homens pareça ter-lhes desenhado ...a terra dos girassóis sempre será o seu berço !!!...

Anamar

sexta-feira, 4 de março de 2022

" AS MÃES DA UCRÂNIA "


A

Amanheceu um sol envergonhado no meio de nuvens dispersas empurradas por vento desabrido, sobre um céu azul por detrás.  São novelos brancos, como se de algodão fossem.
Alguns chuviscos em desacerto, anunciam uma Primavera prematura que espreita anormalmente, já faz tempo.

Mais um dia de guerra.  Mais um dia de mágoa, tristeza, uma angústia mortal com tanto sofrimento e dor, que todos os que estão lá longe, no meio das balas, dos bombardeamentos, da destruição e das chamas, vivem por cada dia, na incerteza do momento seguinte.
Sim, porque a vida faz-se ao instante !
Eu ando por aqui, deambulando pelo emaranhado das notícias, das imagens, de toda a informação que circula nos meios de comunicação social, pela televisão prioritariamente, pela internet também.  As notícias são veiculadas em tempo real e não conseguimos abstrair das mesmas.
Lembro os tempos iniciais da Covid, em que doentiamente, reconheço, vivia pendurada também, de tudo o que ia chegando.  Lembro o medo que sentia, o pavor pelo desconhecido que o futuro nos reservaria, o cerco que nos mantinha reféns dos acontecimentos, dos riscos, dos perigos ...
Era também uma "guerra" contra um inimigo quase desconhecido e invisível.  Mas apesar disso, parecia mais controlável, pois dependia muito das posições, dos cuidados, da prudência, em suma, da consciencialização de cada um de nós, face ao cataclismo.
Também havia um país em comunhão, um continente em comunhão, o Mundo inteiro em partilha de esforços, de entreajuda, de solidariedade.

Mas a guerra que se trava na Europa centro-leste é muito mais atroz, mortal e injusta.  Independe dos esforços das vítimas para a conter, não obedece a nenhuma razoabilidade, sai de cabeças alienadas e psicóticas ... de loucos alucinados e assassinos.  É gratuita, persecutória, é unilateral e subjuga um país que, por buscar um modelo de liberdade e democracia para a sua vida, parece incomodar o vizinho, que se sente fantasiosamente ameaçado e age loucamente, duma forma déspota e bárbara ...
A sanidade mental de Putin e seus coadjuvantes está claramente afectada, pois só alguém desequilibrado, alucinado e incontrolavelmente louco, pode percorrer estes caminhos irreversíveis de violência e crime ...

Esta noite sonhei uma vez mais com a minha mãe.  Sonho quase todas as noites.  
Nos sonhos eu nunca "vejo" as pessoas, só as "sinto".  Sei que estão ali, reconheço as suas presenças, mas infelizmente nunca lhes defino os rostos.
A minha mãe estaria destroçada com tudo o que se vive, com a angústia da incerteza dos tempos vindouros, mas sobretudo com a dor e o sofrimento da população civil, mormente os velhos, as mulheres e sobretudo as crianças ... sobretudo as mães ...  
É uma dor de alma sem tamanho, é um aperto no peito, um nó na garganta e lágrimas incontidas que nos escorrem pelo rosto a cada nova notícia, a cada novo relato, a cada nova imagem.

As "mães" da Ucrânia, emocionam-me, enternecem-me, deixam-me perplexa e rendida.
Falando há dois dias com uma família ucraniana amiga, radicada em Portugal há mais de vinte anos, quando lhes manifestei o meu apreço e admiração pela forma como o seu povo corajosamente enfrenta e atravessa o caos do seu país ... diziam-me, revoltados :" somos um povo pacífico, trabalhador, honesto e muito paciente, mas os nossos valores e a nossa terra, são intocáveis !  Vamos defendê-los até ao fim !"
Essa bonomia, resiliência e força interior transparecem nos rostos. A coragem e a esperança acendem-lhes os olhos, quase sempre azuis.  São pessoas contidas, raramente deixam fugir uma lágrima das que teimosamente lhes assomam, denunciadas pelo embargo da voz. 
Percebe-se serem almas sofridas e doídas que enfrentam o perigo, a dor física, a dificuldade, a falta de tudo ... mas também o desconhecido, a perda das referências, a perda do seu chão, as suas casas, o seu trabalho, os afectos ... a vida !
São mulheres que têm que escolher dolorosa, violenta e desumanamente ... entre os que ficam e os que levam.  Entre os pais idosos e vulneráveis, os maridos, companheiros, namorados ( que ou são obrigados a ficar p'ra lutarem, ou simplesmente se recusam já a  deixar a terra que é a sua ) e que deixam para trás, e os filhos, que têm que ser poupados custe o que custar ...
E fazem-se ao caminho, apesar do risco, do medo, da exaustão, pelas estradas, em comboios apinhados, em autocarros incertos, com "pencas" de crianças entre os braços e os colos. As suas e as dos outros, que lhas entregaram à guarda.
Há que salvá-las do genocídio !!!
E finalmente, nos vidros das carruagens é depositado um último beijo, daqueles que na gare vão olhando o comboio que se esbate na distância ...
Haverá um amanhã ?  Haverá um reencontro feliz ... ou será apenas um último adeus ??!!

Cá fora, o frio é gélido ! A neve teima em cair implacável ... "vai ficar tudo bem !" sussurra-se ... um carinho, uma festa, um afago nos rostos assustados ... "vai ficar tudo bem !"...

Lembrei a  Guerra Colonial ... as "mães" da Rocha do Conde de Óbidos ... Lembrei a Argentina ... as "mães da Praça de Maio" ...

Sempre soube que a coragem, a esperança, a força, a fé e a abnegação, têm em todo o mundo, rosto de mulher ... muitas e muitas vezes, rosto de MÃE !!! 😭😭😭












Anamar

quarta-feira, 2 de março de 2022

" GUERRA NA EUROPA "

 


Século XXI -  Portugal  -  o mais ocidental retalho da Europa

O que parecia impossível acontecer nos tempos que correm, afinal aconteceu bem debaixo dos nossos olhos, aqui na "nossa casa", a Europa : a guerra, outra vez, volvidos já tantos anos após a Segunda Guerra Mundial !
Numa sanha megalómana e uma ânsia de poderio desenfreado, o ditador russo psicopata e louco Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, numa agressão gratuita de um estado a outro estado soberano e livre.

O leste europeu, nomeadamente depois do desmembramento da hegemonia soviética, com a independentização das diferentes Repúblicas da ex - União Soviética, sempre configurou um barril de pólvora, constituindo uma ameaça latente e sem descanso para esses mesmos Estados recém-formados, quiçá para o Mundo.
Todo o conhecimento que a História nos disponibiliza é duma insegurança total.  A aproximação ao ocidente nas políticas adoptadas nesses jovens países democráticos e livres, passou a representar uma ameaça real para o Kremlin e para a cabeça doente do ditador.
Depois de já  se  haver revelado nos propósitos  perseguidos, aquando  da  anexacão  da  Crimeia em 2014 e da Geórgia, bem como as Repúblicas do Donbass, Donetsk e Lugansk, Putin não esconde a sua intenção de voltar a alcançar a reunificação da antiga e de má memória URSS.

Como um inimigo na sombra, frio e calculista, preparou cirúrgica e silenciosamente este assalto à Ucrânia, lenta e antecipadamente, reforçando ao que parece, a economia russa em termos de reservas que pudessem fazer face às presumíveis retaliações-resposta, nas sanções impostas pelos países mundiais, à invasão concretizada. 
500 mil milhões de dólares será a almofada económica disponibilizada para fazer face às dificuldades que, em consequência se possam vir a sentir.
O "gigante", arrogante e poderoso, portanto, nem chegará a abanar !...

E de facto, esgotadas as negociações envolvendo os Estados Unidos, Inglaterra, Israel, Japão, Austrália, todos os países da União Europeia, integrando a Nato e não só, como a Suécia e a Finlândia, ela que faz igualmente fronteira com a Rússia ... depois de uma posição de neutralidade e não condenação do ataque por parte da China, Índia e Emirados Árabes Unidos ... na madrugada de 24 de Fevereiro, pelas 5 h , de surpresa, as tropas russas entraram na Ucrânia por várias frentes : Bielorrússia, no intuito de alcançarem Kiev rapidamente, fronteira do Donbass, via Crimeia e nordeste do território.
As sirenes, silenciosas desde a Segunda Grande Guerra, voltaram a ecoar, avisando a população da necessidade imperiosa de protecção em caves, estações de metro, bunkers, igrejas ... enfim, todos os lugares que pudessem representar alguma segurança.
Além das tropas terrestres, os raides aéreos com mísseis e bombardeamentos calculados, alcançaram lugares militares chave, de comando, aeroportos, e centros nevrálgicos importantes.
Mas a população civil também não tem sido poupada e a destruição aleatória operada em zonas residenciais dos arredores de Kiev e de outras cidades importantes da Ucrânia, tem causado perdas materiais mas também humanas.
Desde então o caos tem vindo a espalhar-se por toda a Ucrânia, com as comunicações a falharem, os bens fundamentais a começarem a escassear, o recolher obrigatório e as baixas acentuadas já, dos dois lados.
O assalto a Kiev ainda não foi consumado mas a destruição da cidade é devastadora.  A população em magotes, fustigada seriamente, debanda em direcção à Polónia, Roménia, Moldávia, Hungria e Eslováquia, por todos os meios possíveis ... carros, a pé e em combóios esperados por desesperadas horas e horas.  O espaço aéreo está encerrado. 
São já mais de meio milhão os que sem norte, rumo ou dia de amanhã, simplesmente fogem ao horror dos bombardeamentos! E virão a ser muitos mais.
Levam uma mala, bebés ao colo, crianças de tenra idade pela mão.
Os peluches, uma ou outra referência afectiva são a única coisa que poderá confortá-las, no meio de um desconhecido que não conseguirão jamais entender !
Os animais domésticos, companheiros da vida não ficam esquecidos.  Cães e gatos, também eles sem que o percebam, dividem com todos, os subterrâneos protectores ...
As famílias separam-se, as mulheres, crianças e idosos deixam para trás os homens entre os dezoito e os sessenta anos, impedidos de deixar o país, para que o defendam !
Há mulheres que transportam as suas crianças e as crianças de parentes ou amigos.  Há que salvá-las da barbárie .
Foram distribuídas milhares de armas à população civil e o Presidente Zelensky apela à defesa da Ucrânia por parte de todos !  Ele mesmo, recusou a sugestão  dos Estados Unidos para ser retirado do país :
" A guerra é aqui -  terá dito - preciso de munições, não de boleia ! "

Os apoios humanitários não se fizeram esperar.  No país e nas fronteiras onde chegam, os refugiados têm o apoio possível e o auxílio por parte de Organizações Humanitárias.  
A Cruz Vermelha, a Cáritas, os Médicos do Mundo, a Unicef, são algumas das ONG que desceram ao terreno .
Os países de toda a Europa abrem portas para receberem os refugiados. Em Portugal agilizou-se o mais possível a passagem de vistos de entrada no nosso país. As famílias ucranianas sediadas há anos como emigrantes assimilados na nossa comunidade, aguardam de braços abertos, a chegada de quem foge ao horror.  As autarquias têm criado postos de acolhimento onde tem sido possível.  Angariam-se todo o tipo de géneros e contribuições para poderem acorrer à difícil situação dos ucranianos, que se mantêm.

E o Mundo impotente, reza, chora, paralisa com o terror e a violência gratuita que se abate sobre um povo paciente, resiliente, trabalhador, sério e honesto, habituado a sofrer, e que ainda assim, no meio do inferno encara os repórteres com um sorriso no rosto e pede que não o esqueçam, não o deixem só entregue à sua sorte, porque afinal, o seu crime é exigir o direito à esperança, à liberdade e à democracia !...
O Santo Padre, depois de ter chamado o mundo inteiro à oração, dirigiu-se pessoalmente à representação diplomática russa no Vaticano, intercedendo e apelando à razoabilidade dos dirigentes russos, no sentido de ser rapidamente alcançado o fim do flagelo, serem abertas negociações visando um imediato cessar fogo.

Os desenvolvimentos são ao minuto.  A Turquia, habitual aliada da Rússia, decidiu fechar à passagem da marinha de guerra russa, os estreitos de Dardanelos e Bósforo.  A Suiça, saíu da sua neutralidade e colocou-se ao lado dos países da Nato, corroborando das decisões tomadas.
A própria UE resolveu financiar e enviar equipamento militar com armas letais para as fronteiras da Ucrânia, situação que ocorre pela primeira vez depois da Segunda Guerra Mundial,  já que no terreno não pode ser um parceiro activo.  Pelo menos por ora.  Porque o envolvimento directo, em combate, enfrentando os russos, pode desencadear uma resposta imprevisível, demasiado arriscada e suicida por parte de Putin, que continua a reiterar ir até onde tiver que ir.  
Por alguma razão já fez ameaças claras e muito sérias, sobre a possibilidade de usar o "nuclear", se necessário for.  Para isso já colocou em prontidão o grau dissuasor elevado, no âmbito das cerca de 6500 ogivas necleares em seu poder ! 

Não consigo desligar de todos estes acontecimentos.  O mundo, fragilizado pelos mais de dois anos de uma devastadora pandemia que ainda não nos deixou, vê-se agora a braços com uma guerra feroz, ferindo de morte o coração do velho continente ...
Não esperava vir a viver ainda nada disto, nesta minha curta passagem pela Terra ...

Em suma, pode dizer-se que na Ucrânia falta tudo, menos  CORAGEM !...

SLAVA UKRAINI  !!!






Anamar