Mostrar mensagens com a etiqueta Férias : PERFIS HUMANOS. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Férias : PERFIS HUMANOS. Mostrar todas as mensagens

domingo, 7 de agosto de 2016

" O MENINO QUE ( NÃO ) VENDIA COCOS



Fernando é um menino de 15 anos.  O "maior" de cinco irmãos que vivem "lá longe" .

Todo o santo dia caminha para a praia onde se abriga do sol implacável, na sombra dos coqueiros e dos caroceiros que se espalham p'la orla .
A sua banca é uma grade vazia de garrafas, e o seu negócio são os cocos que vai apanhando no coqueiral.
Quando o sol abate um pouco, coloca-se na linha de passeio de quem busca a frescura das águas mansas, na linha da brisa doce que passa, na paz do silêncio da mata e espera ... só espera.

O Fernando quase não fala.  Está por ali, na esperança de vender um ou outro coco, que não vende ... raramente vende.

No primeiro dia que por lá passei, olhou-me e apontou para os cocos.
"Não gosto" ! - respondi.  E tentei continuar a caminhada.
Estendeu-me a mão em jeito esmolar.  "Não tenho dinheiro comigo" ! - voltei a responder.
Então, de uma forma meio imperceptível, pediu-me "comida" ... e apontou para a boca.
Um sorriso tímido aflorou-lhe o rosto.

Senti assim uma espécie de soco no estômago.  De facto, junto de si, dia após dia, percebi que o Fernando apenas tinha  um recipiente com água, e claro, os cocos ... que seriam para vender.
E contudo, ali ao lado, paredes meias com a sua solidão e abandono, um esbanjamento louco, num hotel onde há de tudo, sem tamanho nem medida ...

Comecei a parar, nos meus passeios diários.  Tentei saber um pouco mais daquele menino que tem a idade do António ... Inevitável associar ...
Não sabe ler, nem escrever, nem contar.  O peso do mundo cai-lhe nas costas ...
Passei a levar-lhe um lanche, diariamente.
O Fernando vive de silêncios.
Sorri timidamente, os olhos brilham-lhe quando me avista e repete apenas : "Gratias, gratias" !...

No dia do meu regresso a Portugal fui despedir-me dele. Dei-lhe um beijo, desejei-lhe a felicidade possível na sua vida ... Pensei incentivá-lo a ir para a escola, mas depois pensei quão absurdo seria fazê-lo !  Quase um atrevimento descabido, no contexto da vida de uma criança que vende cocos na praia, como forma de ajudar a família, ou quem sabe, simplesmente sobreviver ...

Pensamos que conhecemos tudo, que sabemos muita coisa, que já pouco nos pode surpreender.
Mas quando somos confrontados com uma realidade de contornos tão duros, violentos e injustos,  uma realidade tão desinserida, felizmente, das nossas vivências diárias de que reclamamos frequentemente, é que percebemos mais conscientemente a real dimensão das clivagens sociais, por este mundo fora, e como elas roubam indiscriminadamente os sonhos, os direitos e a vida até mesmo a um menino ...

O Fernando pouco terá de seu.  Tem contudo uma alma pura e um coração generoso, que eu sei.
Na concha da sua mão guardou meia dúzia de búzios pequeninos que apanhara na franja da beira mar. Fez questão de mos oferecer, como despedida.
Essa, a sua forma de me retribuir o pouco que com ele partilhei, em troca da sua imensa lição de vida !

Anamar

domingo, 11 de dezembro de 2011

"A SENHORA QUE SE SEGUE"


A "senhora que se segue" é a "quarta a contar de cima" ... a minha segunda filha.

A minha segunda filha é uma pessoa muito especial, e acrescem-me responsabilidades ao falar dela, porque além de não ser uma personalidade fácil de retratar, é uma réplica de mim própria, e portanto fica mais difícil alcançar o tal distanciamento necessário e desejável, para o fazer.

Desde cedo, criança ainda, logo deu sinais de independência, de alguma rebeldia provocadora e voluntarismo.
Lembro sempre duas histórias por ela protagonizadas, reveladoras disso mesmo :

Certo dia a irmã estava no banho e ela assistia. Não sei precisar a idade, mas lembro que ela se debruçava na banheira, como nos assomamos a uma janela ;  isto dá-vos ideia da altura da personagem.
Como a irmã brincava com a água e com isso salpicava o chão, eu já havia ralhado várias vezes.
Então, bem baixinho, ela debruçou-se para a irmã e sussurrou-lhe :  "Ana ... atira água para o chão, para a mamã te bater" !!! ...

Sempre reivindicava a compra de pastilhas elásticas, que de vez em quando eu comprava a pedido da irmã, quatro anos e meio mais velha.
Não lhas dava, obviamente, e explicava-lhe que as teria quando tivesse mais idade.
A irmã entretanto, oferecia-lhe aqueles papéizinhos com banda desenhada que vinham no interior das pastilhas, por terem bonecos e ela poder brincar.
Um dia, "afivelou" um ar bem solene e veio ter comigo inquirindo-me : "Mamã, quando eu for crescida (e simulava com a mão uma estatura elevada), compras-me pastilhas, não compras"?
Achando que finalmente ela estava a entender a questão, sorri e disse-lhe : "Claro, filha ... quando fores mais velha, eu compro " !...
Resposta imediata : "Então depois eu dou os papéis à Ana" !!!...

Bom, isto é um pouco a Catarina pelos seus quatro anos talvez !

O tempo foi passando e esta minha filha ia revelando um interior rico, generoso, disponível, multifacetado.
Tornou-se uma jovem solícita para quem a rodeava, extrovertida, com um poder para cativar tudo e todos, que hoje em dia sempre é referido por muitos que com ela privam.

Ela sabia e sabe escutar crianças, velhos, doentes ... ela sabe dizer a palavra certa a quem precisa de a ouvir, seja o arrumador de carros da praceta, o drogado, o sem-abrigo, os amigos, os vizinhos, os conhecidos ... e os que o são menos ... todos sempre tiveram e têm, um lugar no coração da Catarina, todos sempre tiveram direito a muito do seu tempo.
Ela pára para ouvir as histórias de vida, de muitos, e nessa altura, o "seu próprio relógio" pára também ... porque esses são mais importantes que ela própria.
A sua vertente humanista, a sua boa-fé, sempre está presente, e quantas vezes é aproveitada e explorada por tantos inescrupulosos !

A Catarina é simultâneamente uma crédula, uma sonhadora e por isso uma utópica ...
É um "D. Quixote" na sua vida pessoal e profissional.
Defende as suas convicções se as entende correctas, contra tudo e contra todos, o que lhe tem acarretado alguns dissabores, má aceitação por vezes, alguma marginalização, até ...

Enfrenta o "socialmente correcto" e comporta-se ao arrepio do instituído, se for o caso ...
Não pactua com o que acha menos certo, não cede nunca, se entende que está no trilho devido.

Muitos a utilizam como estandarte ou bandeira de causas, já no liceu, na Faculdade, na vida profissional.
Não se coïbe por acomodação, benefício pessoal, ou conveniência, de dar a cara ... Não faz "fretes" ou rasteja perante ninguém para obter dividendos ...
É assim, autêntica, igual a si própria ...

Nem sempre a vida lhe facilita o percurso.
O "bater de frente", como sabemos, angaria inimigos ...
mas ainda assim, a Catarina "colecciona" (como costumo dizer), um batalhão de amigos e amigas, das mais variadas origens, que cruzaram o seu caminho.
A sua vida profissional neste momento, não lhe dá brechas em termos de tempo, para manter a vida pessoal e social que gostaria, e por isso, não se sente muito feliz.
Adora o que faz, mas precisa de "gente", vive junto de "gente", respira "gente" ...
Seguiu talvez por isso, a carreira de enfermagem.

Neste momento sente-se muito "máquina", engrenada para o trabalho, robôtizada dia após dia ... e o tempo lúdico, o tempo para conviver é sempre precário, excessivamente curto para o que necessita, para o que sonha ainda fazer no futuro.

Os animais fazem parte da sua vida.  Também com eles sempre fez trabalho "de campo".
Atenta aos "desvalidos" da sorte, pelas suas mãos e pelo seu coração, passaram muitos, entre a rua e outros destinos !
Neste momento, cohabita com um cão bem velhinho e doente, que recolheu da rua há largos anos, numa situação de precariedade total e chocante, e três gatos, dois deles vindos de um contentor de lixo, ainda bébés, claro ...

Que mais dizer sobre a Catarina???

É uma rebelde sonhadora da vida ... "Parte a cara"... mas vai lá! ...  "Dá-se mal, mas insiste, se quer muito! ...  Tem sonhos de menina, que não se compadecem da idade que já tem.

Continua a aguardar na esquina, a chegada do "Pai Natal", eu acho ...  a chegada de um qualquer "cavaleiro andante" que lhe traga um "Mundo" à medida do que concebeu e em que acredita ...

Só espero que a estrada que ainda tem pela frente, não tenha excesso de espinhos, nem demasiadas encruzilhadas, porque, tenho a certeza ... sempre se irá magoar a percorrê-la !!!...

Anamar

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"ÍCONES DOS LOCAIS..."

















AS GENTES FAZEM OS LOCAIS, COMO OS LOCAIS FAZEM AS GENTES....

ESTE ESPÓLIO FOTOGRÁFICO QUE AQUI DEIXO, PERTENCE A "BOCADINHOS" DE MUNDO, POR ONDE JÁ ANDEI...

CADA UM TEM UMA "ESTÓRIA", UM SOM, UM CHEIRO...

DE PORTUGAL A PAÍSES COMO A TAILÂNDIA, AS MALDIVAS,  A JAMAICA, STA. LUCIA, TURQUIA,  CADA PEDAÇO DE CHÃO ME MARCOU A SEU MODO...O DELES...

MAS TODOS, SEM EXCEPÇÃO,  ME DEIXARAM MUITAS,MUITAS SAUDADES...

HOJE, QUE A INSPIRAÇÃO É PARCA, RESOLVI DAR A "MINHA" VOLTA AO MUNDO!...

ANAMAR

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

"JULIUS...THE COCCONUT MAN"



- "Hello my people...My name is Julius; I'm the cocconut man! If you give me one or two dollars, I'll give you a nice gelly-cocconut!!"

É assim que Julius aborda todos os turistas que se fazem à praia.

Julius é um homem de sessenta e cinco anos, segundo ele. Eu diria ao olhá-lo...um ancião.
Seco de carnes, uma pele escura de nativo, onde luzem uns olhos azuis sempre a sorrir.
Julius tem o cabelo e a barba esparsa, já grisalhos, e na boca, que conta prontas histórias, só dois dentes.

Nunca saíu de Sta. Lucia, não sabe o que é o Mundo, o que são viagens...sequer que há outra terra para lá desta. Vive por detrás da "Gros Piton", com um cão malhado branco e preto, o "Blacky"...
Julius come peixe acabado de apanhar e frutas que esta terra generosa dá...
Não tem dinheiro para mais.
Tem o seu "office" na praia, na base do primeiro coqueiro, provisionado com dois ou três "mangos", quatro ou cinco cocos, que apanha, como conta, subindo ao alto dos coqueiros, e com que percorre a pequena enseada de cá para lá, de lá para cá, as vezes que lhe apetece.
Na mão, sempre um coco...e a abordagem sempre a mesma: "Hello my people..."

 
Posted by Picasa

Tem um rosto de criança e um riso franco e ingénuo, curtido por este sol, este mar, esta natureza...

Vive só..."I live with myself"...e é um "happy man"...
Não busca, não lamenta, não anseia...; aceita cada dia com o que a vida lhe dá, sorri sempre, está em paz...
Julius é um pássaro livre nesta floresta das Pitons...não tem peias nem amarras; tem a sua pobreza ou riqueza, tem todo este céu, todo este mar, toda esta natureza excessiva...
Só queria ter dinheiro para extrair os últimos dois dentes, que o incomodam e o fazem sofrer...
Há-de ser quando for...quando conseguir vender na praia os cocos suficientes para ter quarenta dólares...

até lá...

Julius é sem dúvida a mais genuína, a mais autêntica e mais lógica "dádiva" deste canto ainda puro e virgem...virado ao Mar das Caraíbas...

Anamar